segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Ângelus: VIII Domingo do Tempo Comum - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 27 de fevereiro de 2022

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho da Liturgia de hoje (Lc 6,39-45), Jesus nos convida a refletir sobre nosso olhar e sobre nosso falar. Olhar e falar.

Antes de tudo, nosso olhar. O risco que corremos, diz o Senhor, é o de concentrarmo-nos em olhas o cisco no olho de nosso irmão sem nos darmos conta da trave que há no nosso próprio (cf. v. 41). Em outras palavras, significa estar muito atentos aos defeitos dos outros, mesmo aos que são pequenos como um cisco, e ignorarmos serenamente os nossos, dando-lhes pouco peso. É verdade o que diz Jesus: sempre encontramos motivos para culpar os outros e para justificarmos a nós mesmos. E muitas vezes nos queixamos de coisas que não funcionam em nossa sociedade, na Igreja, no mundo, sem primeiro nos questionarmos e sem nos comprometermos a mudar - toda mudança fecunda, positiva, deve começar por nós mesmos; do contrário, não haverá mudança. Mas Jesus explica que fazendo isso nosso olhar é cego. E se estamos cegos não podemos pretender ser guias e mestres para os outros: de fato, um cego não pode guiar outro cego, diz o Senhor (cf. v. 39).

Queridos irmãos e irmãs, o Senhor nos convida a limpar nosso olhar. Em primeiro lugar, nos pede que olhemos nosso interior para reconhecer nossas misérias. Porque se não somos capazes de ver nossos defeitos, estaremos sempre inclinados a exagerar os defeitos dos outros. Ao contrário, se reconhecemos nossos erros e nossas misérias, se abre para nós a porta da misericórdia.

E, depois de olharmos nosso interior, Jesus nos convida a olhar os outros como Ele o faz - este é o segredo: olhar os demais como Ele o faz -, que não vê antes de tudo o mal, mas o bem. É assim que Deus olha para nós: não vê em nós erros irredimíveis, mas filhos que cometem erros. Muda-se a ótica: Ele não se concentra nos erros, mas nos filhos que cometem erros... Deus sempre distingue a pessoa de seus erros. Ele salva sempre a pessoa. Ele acredita sempre na pessoa e está sempre pronto a perdoar os erros. Sabemos que Deus perdoa sempre. E nos convida a fazer o mesmo: não buscar nos outros o mal, mas o bem.

Depois do olhar, Jesus nos convida hoje a refletir sobre nosso modo de falar. O Senhor explica que «a boca fala do que o coração está cheio» (v. 45). É verdade, pelo modo de falar de alguém logo te dás conta do que tem em seu coração. As palavras que usamos dizem a pessoa que somos. Às vezes, porém, prestamos pouca atenção às nossas palavras e as usamos de modo superficial. Mas as palavras têm peso: elas nos permitem expressar pensamentos e sentimentos, dar voz aos medos que temos e aos projetos que queremos realizar, bendizer a Deus e aos outros. Lamentavelmente, com a língua também podemos alimentar preconceitos, levantar barreiras, agredir e até destruir; com a língua podemos destruir os irmãos: as fofocas machucam e a calúnia pode ser mais afiada que uma faca! Hoje em dia, especialmente no mundo digital, as palavras correm velozes; mas muitas vezes transmitem raiva e agressão, alimentam notícias falsas e se aproveitam dos medos coletivos para propagar ideias distorcidas. Um diplomata, que foi Secretário Geral das Nações Unidas e ganhou o Prêmio Nobel da Paz, disse que “abusar das palavras equivale a desprezar o ser humano” (Dag Hammarskjöld, Tracce di cammino, Magnano BI 1992, 131).

Perguntemo-nos então que tipo de palavras usamos: palavras que expressam atenção, respeito, compreensão, proximidade, compaixão, ou palavras que visam principalmente nos fazer parecer bem diante dos outros? E, além disso, falamos com mansidão ou poluímos o mundo espalhando venenos: criticando, lamentando-se, alimentando a agressão generalizada?

Que a Virgem Maria, cuja humildade foi contemplada por Deus, a Virgem do silêncio a quem agora rezamos, nos ajude a purificar nosso olhar e nosso modo de falar.


Tradução livre a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé.

Ordenação Episcopal em Milão

No último sábado, 26 de fevereiro de 2022, o Arcebispo de Milão, Dom Mario Enrico Delpini, celebrou a Santa Missa na Catedral de Santa Maria Nascente, o Duomo de Milão, para a Ordenação Episcopal de Dom Roberto Campiotti, do clero da Arquidiocese Ambrosiana, nomeado pelo Papa Francisco como novo Bispo de Volterra.

Os co-ordenantes foram Dom Alberto Silvani, Bispo Emérito de Volterra, e Dom Paolo Martinelli, Bispo Auxiliar de Milão.

Oração diante das relíquias de São Carlos Borromeu
Procissão de entrada
Saudação inicial
Ritos iniciais
Ladainha de Todos os Santos

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Postagens sobre o Tempo da Quaresma

“Lembrai-vos, Senhor de vossa misericórdia” (Sl 24,6).

Ao longo dos últimos dez anos, desde o início deste blog em dezembro de 2011, foram diversas as postagens publicadas sobre cada um dos tempos do Ano Litúrgico.

Assim como elencamos as principais postagens sobre o Advento e o Natal no final de 2021, nesta postagem oferecemos o “índice” das principais postagens sobre o Tempo da Quaresma.

À medida que realizarmos novas postagens atualizaremos os links neste índice.

No futuro publicaremos também os índices para os demais tempos litúrgicos:

1. História e celebração da Quaresma


História da Quarta-feira de Cinzas (2012, atualizada em 2022)
A celebração da Quarta-feira de Cinzas (2012, atualizada em 2022)


As estações quaresmais (2014, atualizada em 2022)
As igrejas estacionais romanas (2014, atualizada em 2022)

As Quatro Têmporas (2020) - na Quaresma celebram-se as Têmporas de primavera (no hemisfério norte)



2. “Devoções quaresmais”


A Via Sacra (2012, atualizada em 2021)



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

História do Tempo da Quaresma

“É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação!” (2Cor 6,2).

Como vimos em postagens anteriores dedicadas à história do Ano Litúrgico, nos primeiros três séculos a única celebração cristã era a Páscoa: a Páscoa semanal, celebrada a cada domingo, dia do Senhor; e a Páscoa anual, celebrada no domingo após a primeira lua cheia da primavera (no hemisfério norte).

A Páscoa anual era precedida por dois dias de intenso jejum, a sexta-feira e o sábado, que dariam origem ao Tríduo Pascal. A partir do século IV, porém, esse jejum é estendido para um período de quarenta dias: a “Quadragesima” ou Quaresma.

1. As origens da Quaresma

Entre o final do século III e o início do século IV havia em Alexandria (Egito) um jejum de quarenta dias (τεσσαρακοστὴ), que iniciava na Festa da Teofania (Batismo do Senhor), no dia 06 de janeiro, como recordação do jejum de Jesus no deserto (Mt 4,1-11 e paralelos).

Jesus no deserto (Ivan Kramskoy)

O Concílio de Niceia (325) fala da “quadragesima paschae” como algo conhecido. Os estudiosos, porém, não estão de acordo se o Concílio se refere aqui aos 40 dias em preparação à Páscoa ou aos quarentas dias da Páscoa à Ascensão.

A Quaresma entendida como 40 dias de jejum em preparação penitencial para a Páscoa se populariza nas igrejas do Oriente e do Ocidente no início do século IV, como atestam, por exemplo:
- Eusébio de Cesareia (†340) em sua De sollemnitate paschali [1];
- Santo Atanásio de Alexandria (†373) em suas Cartas pascais [2];
- São Cirilo de Jerusalém (†386) em suas Catequeses pré-batismais [3];
- e a peregrina Etéria (ou Egéria), que visitou Jerusalém no final do século IV: “Quando chegam os dias pascais, celebram-se assim: tal como entre nós se observam quarenta dias antes da Páscoa...” [4].

O simbolismo do número quarenta, com efeito, é amplamente testemunhado na Escritura. Além do jejum de 40 dias de Jesus, que citamos acima (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 540), temos:
- os 40 dias do dilúvio (Gn 7–8);
- os 40 anos da peregrinação de Israel no deserto (Ex 16,35; Dt 2,7; 8,2; 29,4; Sl 94/95);
- os 40 dias de Moisés sobre o Sinai (Ex 24,18);
- os 40 dias da peregrinação do profeta Elias ao monte Horeb (1Rs 19,8);
- os 40 dias da penitência da cidade de Nínive (Jn 3,4) [5].

Apesar da clara associação com o número quarenta, donde o nome Quaresma (Quadragesima, em latim), a forma de contar os 40 dias, porém, variou ao longo do tempo e conforme as diversas igrejas.

No Rito Romano, esse tempo originalmente começava no I Domingo da Quaresma (In capite Quadragesimae), o sexto domingo antes da Páscoa, e terminava na quinta-feira antes da Páscoa (Quinta-feira Santa).

O início da Quaresma era provavelmente marcado por uma vigília noturna entre o sábado e o domingo. Uma vez que durante esse tempo se omitem certos sinais de louvor, sobretudo o Aleluia (“jejum dos ouvidos”), o 1º Domingo da Quaresma era marcado pela “despedida do aleluia” (posteriormente antecipada para o domingo da Septuagésima, como veremos adiante).

Para saber mais sobre a despedida do aleluia, clique aqui.

A passagem pelo Mar Vermelho (Lidia Kozenitzky):
início da peregrinação de Israel pelo deserto

Na contagem dos 40 dias da Quaresma, porém, logo foram excluídos os domingos, dia consagrado à memória da Ressurreição do Senhor, no qual os cristãos tradicionalmente não jejuam.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Catequeses sobre os Salmos (57): Vésperas da quarta-feira da IV semana

As últimas Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos e cânticos da Liturgia das Horas em 2005 foram dedicadas aos salmos das Vésperas da quarta-feira da IV semana do Saltério: 14 de dezembro (Sl 138,1-12) e 28 de dezembro de 2005 (Sl 138,13-18.23-24). A primeira Catequese de 2006, por sua vez, no dia 04 de janeiro, foi dedicada ao cântico de Cl 1,12-20.

159. Deus tudo vê I: Sl 138(139),1-12
14 de dezembro de 2005

1. A Liturgia das Vésperas - cujos salmos e cânticos estamos meditando - propõe-nos em duas etapas diferentes a leitura de um hino sapiencial de límpida beleza e de forte impacto emotivo, o Salmo 138. Temos hoje diante de nós a primeira parte da composição (vv. 1-12), isto é, as primeiras duas estrofes que exaltam, respectivamente, a onisciência de Deus (vv. 1.6) e a sua onipresença no espaço e no tempo (vv. 7-12).
O vigor das imagens e das expressões tem como finalidade a celebração do Criador: “Se é tanta a grandeza das obras criadas - afirma Teodoreto de Ciro, escritor cristão do século V - quão deve ser grande o seu Criador!” (Discursos sobre a Providência, 4: Coleção de Textos Patrísticos, LXXV, Roma, 1988, p. 115). A meditação do salmista tem sobretudo por finalidade penetrar no mistério do Deus transcendente, mas que ao mesmo tempo está próximo de nós.

"Senhor, vós me sondais e conheceis..." (Sl 138,1)
(Deus todo-poderoso - Cúpula da Basílica de Santo Estêvão em Budapeste, Hungria)

2. A substância da mensagem que ele nos oferece é linear: Deus tudo sabe e está presente ao lado da sua criatura, que a Ele não pode subtrair-se. Mas a sua presença não é dominante nem examinadora; sem dúvida, o seu olhar é também severo em relação ao mal, face ao qual não permanece indiferente.
Contudo, o elemento fundamental é o de uma presença salvífica, capaz de abraçar todo o ser e toda a história. Trata-se, na realidade, do cenário espiritual ao qual São Paulo alude, falando no Areópago de Atenas, recorrendo à citação de um poeta grego: “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

O hino Salve Sancta Facies em honra da Santa Face de Jesus

“Sobre nós iluminai a vossa face e seremos salvos” (cf. Sl 79,4).

Na última sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022, apresentamos brevemente a história da devoção à Santa Face de Jesus ligada ao “mandylion de Edessa” no Oriente e ao “véu da Verônica” no Ocidente.

Inicialmente uma devoção à própria Encarnação do Verbo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a partir do século XIV a “Santa Face” começa a ser associada à Paixão, com a popularização da “lenda da Verônica”, que teria enxugado o rosto de Jesus a caminho do Calvário.

Ainda no início do século XIV teria sido composto o hino Salve, Sancta Facies (Salve, Santa Face), o qual conserva algo da devoção original, sem referência à Paixão.

Cristo com o início do hino Salve, Sancta Facies
(Livro de Horas de Spinola, início do séc. XVI, fol. 9r)

O hino é atribuído ao Papa João XXII (†1334), o qual reinou de 1316 até sua morte, no contexto do “Papado de Avignon” (França). O mais provável, porém, é que a composição tenha sido realizada por um autor anônimo durante o pontificado de João XXII, Papa que teria associado uma indulgência à recitação do hino.

De toda forma, a composição tornou-se bastante popular nos “Livros de Horas” dos séculos XV e XVI, sobretudo na região de Flandres (entre as atuais França e Bélgica). Esses eram livros de orações ricamente ilustrados encomendados pelos nobres, com o calendário das festas dos santos, alguns textos da Liturgia das Horas (donde o seu nome) e outras orações [1].

Nesses Livros comumente consta uma versão abreviada do hino: de suas 09 estrofes geralmente constam quatro: a 1ª, a 2ª, a 5ª e a 9ª. Após o hino os Livros costumam trazer também uma versão da oração à Santa Face atribuída ao Papa Inocêncio III (†1216), que indicamos adiante.

A seguir, portanto, reproduzimos o texto original do hino, seguido de uma tradução bastante livre. Com efeito, uma vez que em latim os versos de cada estrofe rimam entre si, são necessárias algumas “licenças poéticas”.

O texto enfatiza, além disso, a conservação miraculosa da relíquia, como uma espécie de “artifício” para atrair peregrinos às igrejas que conservavam cópias do célebre “véu”.

Hino: Salve, Sancta Fácies

Salve, Sancta Fácies nostri Redemptóris,
In qua nitet spécies divíni splendóris,
Impréssa pannículo nívei candóris
Dátaque Verónicae signum ob amóris.

Salve, decus saéculi, spéculum sanctórum,
Quod vidére cúpiunt spíritus coelórum,
Nos ab omni mácula purga vitiórum,
Atque nos consórtio junge beatórum.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Meditação do Papa Francisco sobre o hino à caridade (1Cor 13)

Em nossas recentes postagens da série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, analisamos a presença da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor) nas celebrações do Rito Romano. Dentre os textos mais célebres desse importante escrito encontra-se o chamado “hino à caridade” (1Cor 13,1-13).

Em sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A alegria do amor) sobre o amor na família, promulgada em 19 de março de 2016 como fruto dos Sínodos de 2014 e 2015, o Papa Francisco reflete sobre o núcleo desse hino (vv. 4-7), inclusive remetendo-se ao seu texto original, em grego.

O Papa Francisco abençoa com o Evangeliário durante o Sínodo (2015)
A Sagrada Família, representada na capa, é modelo para as famílias

Reproduzimos a seguir sua meditação, que se encontra nos nn. 89-119 da Exortação, integrando o capítulo IV, intitulado “O amor no Matrimônio”:

Papa Francisco
Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia
Sobre o amor na família

Capítulo IV: O amor no Matrimônio

89. Tudo o que foi dito não é suficiente para exprimir o Evangelho do Matrimônio e da família, se não nos detivermos particularmente a falar do amor. Com efeito, não poderemos encorajar um caminho de fidelidade e doação recíproca, se não estimularmos o crescimento, a consolidação e o aprofundamento do amor conjugal e familiar. De fato, a graça do sacramento do Matrimônio destina-se, antes de tudo, «a aperfeiçoar o amor dos cônjuges» [1]. Também aqui é verdade que «ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor de nada me vale» (1Cor 13,2-3). Mas a palavra «amor», uma das mais usadas, muitas vezes aparece desfigurada [2].

O nosso amor quotidiano

90. No chamado hino à caridade escrito por São Paulo vemos algumas características do amor verdadeiro: «O amor é paciente, o amor é benevolente; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13,4-7).
Isto pratica-se e cultiva-se na vida que os esposos partilham dia-a-dia entre si e com os seus filhos. Por isso, vale a pena deter-se a esclarecer o significado das expressões deste texto, tendo em vista uma aplicação à existência concreta de cada família.

Homilia: Festa da Cátedra de São Pedro

São Leão Magno, Papa
Sermão IV no aniversário da sua eleição
A Igreja de Cristo ergue-se na firmeza da fé do Apóstolo Pedro

Dentre todos os homens do mundo, Pedro foi o único escolhido para estar à frente de todos os povos chamados à fé, de todos os Apóstolos e de todos os Padres da Igreja. Embora no povo de Deus haja muitos sacerdotes e pastores, na verdade, Pedro é o verdadeiro guia de todos aqueles que têm Cristo como chefe supremo. Deus dignou-se conceder a este homem, caríssimos filhos, uma grande e admirável participação no seu poder. E se ele quis que os outros chefes da Igreja tivessem com Pedro algo em comum, foi por intermédio do mesmo Pedro que isso lhes foi concedido.
A todos os Apóstolos o Senhor pergunta qual a opinião que os homens têm a seu respeito; e a resposta de todos revela de modo unânime as hesitações da ignorância humana.
Mas, quando procura saber o pensamento dos discípulos, o primeiro a reconhecer o Senhor é o primeiro na dignidade apostólica. Tendo ele dito: Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus lhe respondeu: Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu (Mt 16,16-17). Quer dizer, és feliz, porque o meu Pai te ensinou, e a opinião humana não te iludiu, mas a inspiração do céu te instruiu; não foi um ser humano que me revelou a ti, mas sim aquele de quem sou o Filho Unigênito.
Por isso eu te digo, acrescentou, como o Pai te manifestou a minha divindade, também eu te revelo a tua dignidade: Tu és Pedro (Mt 16,18). Isto significa que eu sou a pedra inquebrantável, a pedra principal que de dois povos faço um só (cf. Ef 2,20.14), o fundamento sobre o qual ninguém pode colocar outro. Todavia, tu também és pedra, porque és solidário com a minha força. Desse modo, o poder, que me é próprio por prerrogativa pessoal, te será dado pela participação comigo.
E sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la (Mt 16,18). Sobre esta fortaleza, construirei um templo eterno. A minha Igreja, destinada a elevar-se até ao céu, deverá apoiar-se sobre a solidez da fé de Pedro.
O poder do inferno não impedirá esse testemunho, os grilhões da morte não o prenderão; porque essa palavra é palavra de vida. E assim como conduz aos céus os que a proclamam, também precipita no inferno os que a negam.
Por isso, foi dito a São Pedro: Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus (Mt 16,19).
Na verdade, o direito de exercer esse poder passou também para os outros Apóstolos, e o dispositivo desse decreto atingiu todos os príncipes da Igreja. Mas não é sem razão que é confiado a um só o que é comunicado a todos. O poder é dado a Pedro de modo singular, porque a sua dignidade é superior à de todos os que governam a Igreja.

São Leão Magno

Responsório (cf. Mt 16,19)

Pedro, eu te conhecia, já bem antes de chamar-te do teu barco junto ao lago,
e de ti fiz o pastor do rebanho que é meu povo.
R: A ti eu confiei as chaves do meu Reino.

O que ligares na terra, será ligado nos céus;
na terra o que desligares, nos céus será desligado. 
R: A ti eu confiei as chaves do meu Reino.

Oração 
Concedei, ó Deus todo-poderoso, que nada nos possa abalar, pois edificastes a vossa Igreja sobre aquela pedra que foi a profissão de fé do Apóstolo Pedro. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Fonte: Liturgia das Horas, v. III, pp. 1273-1275.

Confira também:

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Ângelus: VII Domingo do Tempo Comum - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 20 de fevereiro de 2022

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho da Liturgia de hoje (Lc 6,27-38), Jesus dá aos discípulos algumas indicações fundamentais para a vida. O Senhor refere-se às situações mais difíceis, aquelas que constituem um teste para nós, aquelas que nos põem diante de quem nos é inimigo e hostil, de quem procura sempre fazer-nos mal. Nestes casos, o discípulo de Jesus é chamado a não ceder ao instinto e ao ódio, mas a ir além, muito além. Ir além do instinto, ir além do ódio. Jesus diz: «Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam» (Lc 6,27). E ainda mais concretamente: «Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra» (v. 29). Quando ouvimos isto, parece-nos que o Senhor pode o impossível. E depois, por que amar os inimigos? Se não se reagir aos prepotentes, qualquer abuso tem livre trânsito, e isso não é correto. Mas será mesmo assim? Será que o Senhor nos pede realmente coisas que são impossíveis, e aliás injustas? É assim?

Consideremos antes de tudo o sentimento de injustiça que percebemos ao “oferecer a outra face”. E pensemos em Jesus. Durante a sua Paixão, no seu injusto julgamento perante o sumo sacerdote, a certo ponto recebe uma bofetada de um dos guardas. E como se comporta Ele? Não o insulta, não; diz ao guarda: «Se falei mal, prova-o. Mas se falei bem, por que me bates?» (Jo 18,23). Pergunta o motivo sobre o mal recebido. Oferecer a outra face não significa sofrer em silêncio, ceder à injustiça. Com a sua pergunta Jesus denuncia o que é injusto.  Fá-lo sem raiva nem violência, mas com gentileza. Ele não quer desencadear uma discussão, mas desanuviar o rancor, isto é importante: extinguir o ódio e ao mesmo tempo a injustiça, procurando recuperar o irmão culpado. Isto não é fácil, mas Jesus fê-lo e diz-nos para fazê-lo também nós. Isto significa oferecer a outra face: a mansidão de Jesus é uma resposta mais forte do que a bofetada que recebeu. Oferecer a outra face não é o recuo do perdedor, mas a ação de quem tem mais força interior. Oferecer a outra face é vencer o mal com o bem, abrindo uma brecha no coração do inimigo, desmascarando o absurdo do seu ódio. E esta atitude, oferecer a outra face, não é ditada pelo cálculo nem pelo ódio, mas pelo amor. Estimados irmãos e irmãs, é o amor gratuito e imerecido que recebemos de Jesus, que gera no coração um modo de agir semelhante ao seu, que rejeita qualquer vingança. Estamos habituados às vinganças: “Fizeste-me isto, te farei aquilo”, ou a guardar ressentimentos no coração, um rancor que fere e destrói a pessoa.

Passemos à outra objeção: é possível que uma pessoa consiga amar os próprios inimigos? Se dependesse apenas de nós, seria impossível. Mas lembremo-nos que quando o Senhor pede algo, Ele quer oferecê-lo. O Senhor nunca nos pede algo que não nos dê primeiro. Quando Ele me diz para amar os inimigos, quer dar-me a capacidade de fazê-lo. Sem esta capacidade não conseguiríamos, mas Ele diz-nos “amai o inimigo” e dá-nos a capacidade de amar. Santo Agostinho rezava assim - escutai que bela oração - Senhor, «dai-me o que me pedis e pedi-me o que quereis» (Confissões, X, 29.40), porque me destes primeiro. O que lhe podemos pedir? O que apraz a Deus oferecer-nos? A força de amar, que não é algo, mas é o Espírito Santo. A força de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal com o bem, podemos amar quem nos fere. Assim fazem os cristãos. Como é triste quando pessoas e povos orgulhosos por ser cristãos veem os outros como inimigos e pensam em fazer guerra! É muito triste!

E quanto a nós, procuramos viver as exortações de Jesus? Pensemos numa pessoa que nos feriu. Cada um pense numa pessoa. É comum que tenhamos sido feridos por alguém, por isso pensemos nessa pessoa. Talvez haja um ressentimento dentro de nós. Portanto, coloquemos este ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o julgamento, após a bofetada. E depois peçamos ao Espírito Santo que aja no nosso coração. Por fim, oremos por aquela pessoa: oremos por aqueles que nos feriram (cf. Lc 6,28). Quando alguém nos faz algum mal, vamos imediatamente contar aos outros e sentimo-nos vítimas. Paremos e oremos ao Senhor por aquela pessoa, para que Ele a ajude, e então este sentimento de rancor será dissipado. Rezar por quem nos feriu é o primeiro passo para transformar o mal em bem. A oração! Que a Virgem Maria nos ajude a ser pacificadores para com todos, especialmente para com quem nos é hostil e de quem não gostamos.

Jesus diante de Caifás
(Matthias Stomer)

Fonte: Santa Sé.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

História da devoção à Santa Face de Jesus

“Senhor é vossa face que eu procuro, não me escondais a vossa face” (Sl 26,8).

Existem algumas devoções cristológicas que recorrem à “sinédoque” ou “metonímia”: através do culto a uma “parte” na verdade querem adorar o Cristo “todo”. É o caso das devoções ao Sagrado Coração de Jesus, ao seu Santíssimo Nome, ao seu Preciosíssimo Sangue, às suas Cinco Chagas...

Nesta postagem gostaríamos de apresentar, ainda que brevemente, a devoção à Santa Face de Nosso Senhor Jesus Cristo (Sacri Vultus Domini Nostri Jesu Christi).

Ícone da Face de Jesus do século XII
(Galeria Tretyakov, Moscou)

Jesus Cristo, “rosto da misericórdia do Pai”

Já no Antigo Testamento a imagem da “face” ou “rosto” é usada para referir-se a Deus, mais especificamente à sua vontade de revelar-se, de dar-se a conhecer ao homem.

Uma vez que é através da face que o ser humano exprime suas emoções e sentimentos (alegria, tristeza, ira...), pede-se a Deus que mostre sua “face” benévola ao orante. Destacamos, neste sentido, a célebre “bênção sacerdotal” ou “bênção de Aarão”:

“O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,24-26).

Na primeira aliança, porém, a “face de Deus” permanece inefável, uma vez que Ele não havia se manifestado visivelmente, revelando-se aos homens através de sua Palavra e de elementos simbólicos: a sarça ardente, a coluna de nuvem...

Portanto, no Novo Testamento há um “salto” através da Encarnação do Verbo: Jesus Cristo é “a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), o “esplendor da sua glória” (Hb 1,3; cf. Ap 1,16). Com efeito, ao pedido de Filipe: “Mostra-nos o Pai”, Jesus atesta: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8-9).

A imagem do rosto de Cristo (mandylion) sustentado pelos Arcanjos Miguel e Gabriel
(Ícone dos séculos XV-XVI, Museu Nacional de Cracóvia, Polônia)

“O conhecimento da glória de Deus brilha na face de Cristo” (2Cor 4,6). Assim, uma vez que, em Jesus, Deus assumiu um rosto visível e palpável (cf. 1Jo 1,1-3: “o que vimos... o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida... isto vos anunciamos”), este também pode ser representado e venerado como objeto de culto.
Sobre o fundamento teológico da veneração das imagens, confira nossa postagem sobre os ícones da tradição bizantina.

Ao mesmo tempo, porém, o rosto divino permanece aberto à perspectiva escatológica: “Agora nós vemos num espelho, confusamente, mas, então, veremos face a face” (1Cor 13,12; cf. 2Cor 3,18; 1Jo 3,1-2; Ap 22,4) [1].

A “face de Jesus” no Oriente: O mandylion de Edessa

No Oriente, a devoção à Santa Face de Jesus está ligada ao mandylion de Edessa (μανδήλιον). De acordo com a lenda, mencionada por Eusébio de Cesareia (†340) em sua História Eclesiástica [2], o rei Abgar V de Edessa (†50), estando doente, teria enviado uma carta a Jesus, pedindo o dom da cura [3].

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

12ª Catequese do Papa Francisco sobre São José

Na quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022, o Papa Francisco concluiu seu ciclo de Catequeses sobre São José, iniciado em novembro de 2021, proferindo a 12ª meditação, dedicada a São José como “padroeiro da Igreja Católica” (confira no final da postagem os links para todas as Catequeses desse ciclo):

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
São José (12): São José, Padroeiro da Igreja Católica

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje concluímos o ciclo de Catequeses sobre a figura de São José. Estas catequeses são complementares à Carta Apostólica Patris corde, escrita por ocasião dos 150 anos da proclamação de São José como Padroeiro da Igreja Católica pelo Beato Pio IX. Mas o que significa este título? O que significa que São José é “padroeiro da Igreja”? Sobre isto gostaria de refletir convosco hoje.
Também neste caso, os Evangelhos nos fornecem a interpretação mais correta. De fato, no final de cada história em que José é o protagonista, o Evangelho observa que ele toma consigo o Menino e sua mãe e faz o que Deus lhe ordenou (cf. Mt 1,24; 2,14.21). Evidencia-se assim o fato de que a tarefa de José é proteger Jesus e Maria. Ele é o seu principal guardião: «De fato, Jesus e Maria, sua Mãe, são o tesouro mais precioso da nossa fé» (Carta Apostólica Patris corde, n. 5), e este tesouro é guardado por São José.
No plano da salvação, o Filho não pode ser separado da Mãe, daquela que «avançou pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com seu Filho até à cruz» (Lumen gentium, 58), como nos recorda o Concílio Vaticano II.
De certa forma, Jesus, Maria e José são o núcleo primordial da Igreja.  Jesus é Homem e Deus; Maria, a primeira discípula, é a Mãe; e José, o guardião. E também nós «sempre nos devemos interrogar se estamos a proteger com todas as nossas forças Jesus e Maria, que misteriosamente estão confiados à nossa responsabilidade, ao nosso cuidado, à nossa guarda» (Patris corde, n. 5). E aqui há um traço muito bonito da vocação cristã: guardar. Guardar a vida, guardar o desenvolvimento humano, guardar a mente humana, guardar o coração humano, guardar o trabalho humano. O cristão é - podemos dizer - como São José: deve guardar. Ser cristão não é apenas receber a fé, confessar a fé, mas guardar a vida, a própria vida, a vida dos outros, a vida da Igreja. O Filho do Altíssimo veio ao mundo numa condição de grande fragilidade. Jesus nasceu tão frágil, débil. Ele quis precisar ser defendido, protegido, cuidado. Deus confiou em José, como fez Maria, que encontrou nele o esposo que a amava e respeitava e sempre cuidou dela e do Menino.  «Neste sentido, São José não pode deixar de ser o Guardião da Igreja, porque a Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história e ao mesmo tempo, na maternidade da Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José, continuando a proteger a Igreja, continua a proteger o Menino e sua mãe; e também nós, amando a Igreja, continuamos a amar o Menino e sua mãe (ibid.).
Este Menino é Aquele que dirá: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25,40). Portanto, cada pessoa que tem fome e sede, cada estrangeiro, cada migrante, cada pessoa sem vestuário, cada doente, cada preso é o “Menino” que José guarda. E nós somos convidados a guardar estas pessoas, estes nossos irmãos e irmãs, como fez José. É por isso que é invocado como protetor de todos os necessitados, dos exilados, dos aflitos, e também dos moribundos - falamos sobre isto na última quarta-feira. E também nós devemos aprender com José a “guardar” estes bens: amar o Menino e a sua mãe; amar os sacramentos e o povo de Deus; amar os pobres e a nossa paróquia. Cada uma destas realidades é sempre o Menino e a sua mãe (cf. Patris corde, n. 5). Devemos guardar, pois assim guardamos Jesus, como fez José.
Hoje é comum, é de todos os dias, criticar a Igreja, apontando as suas incoerências - há muitas - apontando os seus pecados, que na realidade são as nossas incoerências, os nossos pecados, pois a Igreja sempre foi um povo de pecadores que encontra a misericórdia de Deus. Perguntemo-nos se, no fundo do coração, amamos a Igreja tal como é. Povo de Deus a caminho, com muitos limites, mas com tanta vontade de servir e amar a Deus. De fato, só o amor nos torna capazes de falar plenamente a verdade de uma forma não partidária; de dizer o que está errado, mas também de reconhecer toda a bondade e santidade que estão presentes na Igreja, começando precisamente por Jesus e Maria. Amar a Igreja, guardar a Igreja e caminhar com a Igreja. Mas a Igreja não é aquele grupinho que está próximo do sacerdote e manda em todos, não. A Igreja somos todos, todos. A caminho. Guardar-nos uns aos outros, guardar-nos reciprocamente. É uma boa pergunta esta: eu, quando tenho um problema com alguém, procuro guardá-lo ou condeno-o imediatamente, falo mal dele, destruo-o? Devemos guardar, guardar sempre!
Estimados irmãos e irmãs, encorajo-vos a pedir a intercessão de São José precisamente nos momentos mais difíceis da vossa vida e das vossas comunidades. Onde os nossos erros se tornam um escândalo, peçamos a São José que nos dê coragem para dizer a verdade, para pedir perdão e recomeçar humildemente. Onde a perseguição impede que o Evangelho seja proclamado, peçamos a São José a força e a paciência para suportar abusos e sofrimentos por amor ao Evangelho. Onde quer que os meios materiais e humanos sejam escassos e nos façam experimentar a pobreza, especialmente quando somos chamados a servir os últimos, os indefesos, os órfãos, os doentes, os descartados da sociedade, rezemos a São José para que seja Providência para nós. Quantos santos se dirigiram a ele! Quantas pessoas na história da Igreja encontraram nele um padroeiro, um guardião, um pai!
Imitemos o seu exemplo e por esta razão, todos juntos, rezemos hoje; rezemos a São José com a oração com a qual conclui a Carta Patris corde, confiando-lhe as nossas intenções e, de uma forma especial, a Igreja que sofre e está na provação. E assim, juntos, podemos rezar a São José:

Salve, guardião do Redentor e esposo da Virgem Maria!
A vós, Deus confiou o seu Filho; em vós, Maria depositou a sua confiança; convosco, Cristo tornou-Se homem.
Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida.
Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem, e defendei-nos de todo o mal. Amém.


Fonte: Santa Sé.

Links para as Catequeses anteriores do ciclo sobre São José:

1 - São José e o ambiente em que viveu (17 de novembro de 2021)
4 - São José, homem do silêncio (15 de dezembro)
6 - São José, pai putativo de Jesus (05 de janeiro de 2022)
7 - São José, o carpinteiro (12 de janeiro)
8 - São José, pai na ternura (19 de janeiro)
9 - São José, homem que sonha (26 de janeiro)
11 - São José, padroeiro da boa morte (09 de fevereiro)

Catequeses sobre os Salmos (56): Vésperas da terça-feira da IV semana

Nesta postagem propomos as Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos das Vésperas da quinta-feira da IV semana do Saltério, proferidas nos dias 30 de novembro (Sl 136) e 07 de dezembro de 2005 (Sl 137).

Como afirmamos anteriormente, não foram retomados os cânticos do Apocalipse, sobre os quais João Paulo II já havia refletido.

157. Junto dos rios da Babilônia: Sl 136(137),1-6
30 de novembro de 2005

1. Nesta primeira quarta-feira do Advento, tempo litúrgico de silêncio, vigilância e oração em preparação para o Natal, meditamos o Salmo 136, que se tornou célebre na versão latina do seu início, Super flumina Babylonis. O texto recorda a tragédia vivida pelo povo hebraico durante a destruição de Jerusalém, que aconteceu em 586 a. C., e o sucessivo e consequente exílio na Babilônia. Estamos diante de um canto nacional de sofrimento, marcado por uma saudade crescente do que se perdeu.
Esta insistente invocação ao Senhor para que liberte os seus fiéis da escravidão babilônica, exprime bem também os sentimentos de esperança e de expectativa da salvação com os quais iniciamos o nosso caminho do Advento.
A primeira parte do Salmo (vv. 1-4) tem como pano de fundo a terra do exílio, com os seus rios e canais, precisamente os que irrigam a planície babilônica, sede dos deportados hebreus. É quase a antecipação simbólica dos campos de extermínio nos quais o povo hebreu - no século que há pouco terminou - foi encaminhado através de uma opressão aviltante de morte, que permaneceu como vergonha indelével na história da humanidade.
A segunda parte do Salmo (vv. 5-6), ao contrário, está impregnada pela recordação amorosa de Sião, a cidade perdida mas viva no coração dos exilados.

"Junto aos rios da Babilônia" (Gebhard Fugel)

2. Nas palavras do salmista estão incluídos a mão, a língua, a boca, a voz, as lágrimas. A mão é indispensável para quem toca a harpa: mas agora ela está paralisada pela dor (v. 5), também porque as harpas estão penduradas nos salgueiros.
A língua é necessária ao cantor, mas agora está “colada ao céu da boca” (v. 6). Em vão os “opressores” babilônicos “pediram nossos cânticos... exigiam alegria” (v. 3). Os “cânticos de Sião” são “cânticos do Senhor” (vv. 3-4), não são canções folclóricas e de espetáculo. Só na Liturgia e na liberdade de um povo podem elevar-se ao céu.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Festa da Apresentação do Senhor em Moscou

O Patriarca Kirill (Патриарх Кирилл) da Igreja Ortodoxa Russa celebrou no último dia 15 de fevereiro (que corresponde ao dia 02 de fevereiro no calendário juliano) a Divina Liturgia da Festa da Apresentação do Senhor na Catedral Patriarcal de Cristo Salvador em Moscou, durante a qual conferiu o 2º grau do Sacramento da Ordem a um novo presbítero.

Apesar de ser uma festa cristológica, note-se o uso de paramentos azuis, destacando a presença da Virgem Maria no mistério celebrado.

Para conhecer o simbolismo do ícone da Festa da Apresentação do Senhor, clique aqui.

Ícone da festa exposto no proskinetárion
Entrada do Patriarca

Pequena Entrada (Procissão com o Livro dos Evangeliários)
Incensação

Festa da Apresentação do Senhor em Kiev

No último dia 15 de fevereiro (que corresponde ao dia 02 de fevereiro no calendário juliano) o Arcebispo-Maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, Dom Sviatoslav Shevchuk (Святосла́в Шевчу́к), celebrou a Divina Liturgia da Festa da Apresentação do Senhor na Catedral da Ressurreição em Kiev.

Apesar de ser uma festa cristológica, note-se o uso de paramentos azuis, destacando a presença da Virgem Maria no mistério celebrado.

Para conhecer o simbolismo do ícone da Festa da Apresentação do Senhor, clique aqui.

Entrada do Arcebispo-Maior
O Arcebispo abençoa com o dikirion e o trikirion

Pequena Entrada (Procissão com o Livro dos Evangelhos)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Leitura litúrgica da Primeira Carta aos Coríntios (4)

“Pois o templo de Deus é santo e este templo sois vós” (1Cor 3,17)

Dada sua importância e extensão, já dedicamos três postagens da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura ao estudo da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor).

Após uma breve introdução à Carta, identificamos as celebrações nas quais sua leitura segue o critério da composição harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou festa litúrgica [1]: na Missa, nos sacramentos, nos sacramentais e na Liturgia das Horas.

Para acessar as três primeiras partes da nossa pesquisa, clique aqui: 1ª parte / 2ª parte / 3ª parte.

Três virtudes teologais: fé, esperança e caridade
(August Kiss - Cripta da Catedral de Berlim)

Nesta postagem, após concluir o percurso pelas leituras breves em composição harmônica na Liturgia das Horas, nos cabe contemplar sua leitura semicontínua.

2. Leitura litúrgica de 1Cor: Composição harmônica

d) Liturgia das Horas

Após contemplar as leituras breves da nossa Carta no Advento, na Quaresma e na Páscoa em nossa postagem anterior, passamos às Solenidades e Festas do Senhor no Tempo Comum, onde encontramos outras cinco leituras de 1Cor:

- Laudes da Solenidade da Santíssima Trindade: 1Cor 12,4-6 [2], professando a fé na unidade de Deus: “um mesmo é o Senhor”.

- Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi):
I Vésperas: 1Cor 10,16-17, sobre a Eucaristia como comunhão com Cristo e com os irmãos;
II Vésperas: 1Cor 11,23-25, sobre a Eucaristia como memorial do Senhor [3].

- I e II Vésperas da Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro): 1Cor 1,23-24 [4], o núcleo do “Evangelho da cruz”: “Nós pregamos Cristo crucificado... poder de Deus e sabedoria de Deus”.

- II Vésperas da Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo: 1Cor 15,25-28 [5], com a afirmação fundamental: “é preciso que Cristo reine”, aplicada aqui à sua Ressurreição como vitória/reinado sobre a morte.

Passando às celebrações dos santos, cabe distinguir o Próprio, com textos específicos para os principais santos, e os Comuns, com textos conforme as “categorias” de santos. Começando pelo Próprio dos Santos, identificamos a ocorrência de quatro textos:

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Ângelus: VI Domingo do Tempo Comum - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 13 de fevereiro de 2022

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No centro do Evangelho da Liturgia de hoje estão as Bem-aventuranças (Lc 6,20-23). É interessante notar que Jesus, apesar de estar rodeado por uma grande multidão, proclama-as dirigindo-se «aos seus discípulos» (v. 20). Fala aos discípulos. Com efeito, as Bem-aventuranças definem a identidade do discípulo de Jesus. Podem parecer estranhas, quase incompreensíveis para aqueles que não são discípulos, mas se nos perguntarmos como é um discípulo de Jesus, a resposta é precisamente as Bem-aventuranças. Vejamos a primeira, que é a base de todas as outras: «Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus!» (v. 20). Bem-aventurados vós, pobres. Jesus diz duas coisas sobre os seus: que são bem-aventurados e que são pobres; aliás, que são bem-aventurados porque são pobres.

Em que sentido? No sentido em que o discípulo de Jesus não encontra a sua alegria no dinheiro, no poder nem sequer nos outros bens materiais, mas nos dons que recebe todos os dias de Deus: vida, criação, irmãos e irmãs, e assim por diante. São dádivas da vida. Também os bens que possui, é feliz de partilhá-los, porque vive na lógica de Deus. E qual é a lógica de Deus? A gratuidade. O discípulo aprendeu a viver na gratuidade. Esta pobreza é também uma atitude em relação ao sentido da vida, porque o discípulo de Jesus não pensa que a possui, que já sabe tudo, mas sabe que deve aprender todos os dias. E esta é a pobreza: a consciência de ter de aprender todos os dias. O discípulo de Jesus, dado que assume esta atitude, é uma pessoa humilde, aberta, livre dos preconceitos e da rigidez.

Houve um belo exemplo no Evangelho do domingo passado: Simão Pedro, pescador experiente, aceita o convite de Jesus para lançar as suas redes a uma hora insólita; e depois, cheio de admiração com a pesca prodigiosa, deixa o barco e todos os seus bens para seguir o Senhor. Pedro revela-se dócil ao deixar tudo, tornando-se assim um discípulo. Por outro lado, aqueles que estão demasiado apegados às próprias ideias e certezas, quase nunca seguem realmente Jesus. Eles seguem-no um pouco, apenas naquilo em que “eu concordo com Ele e Ele concorda comigo”; mas depois, quanto ao resto, não está bem. Este não é um discípulo. E assim cai na tristeza. Fica triste porque mão é exatamente como ele quer, a realidade escapa aos seus esquemas mentais e fica insatisfeito. O discípulo, por outro lado, sabe como questionar-se, como procurar humildemente Deus todos os dias, e isto lhe permite mergulhar na realidade, apreendendo a sua riqueza e complexidade.

Por outras palavras, o discípulo aceita o paradoxo das Bem-aventuranças: elas declaram são que bem-aventurados, isto é, felizes, aqueles que são pobres, que carecem de muitas coisas e reconhecem-no. Humanamente, somos levados a pensar de outra forma: é feliz quem é rico, quem está cheio de bens, quem recebe aplausos e é invejado por muitos, aquele que tem toda a segurança. Mas isto é pensamento mundano, não é o pensamento das Bem-aventuranças! Jesus, pelo contrário, declara o sucesso mundano como um fracasso, porque se baseia em um egoísmo que enche e depois deixa o coração vazio. Confrontado com o paradoxo das Bem-aventuranças, o discípulo deixa-se desafiar, consciente de que não é Deus que deve entrar na nossa lógica, mas nós na Sua. Isto requer um caminho, por vezes cansativo, mas sempre acompanhado de alegria. Porque o discípulo de Jesus é alegre com a alegria que lhe vem de Jesus. Pois, lembremo-nos, a primeira palavra que Jesus diz é: bem-aventurados; daí a origem das Bem-aventuranças. E isto é sinônimo de ser um discípulo de Jesus. O Senhor, ao libertar-nos da escravidão do egocentrismo, liberta os nossos fechamentos, dissolve a nossa dureza, e abre-nos à verdadeira felicidade, que muitas vezes se encontra onde não pensamos. É Ele quem guia as nossas vidas, não nós, com os nossos preconceitos ou as nossas necessidades. Por fim, o discípulo é aquele que se deixa guiar por Jesus, que abre o coração a Jesus, que o ouve e segue o seu caminho.

Podemos então perguntar-nos: eu - cada um de nós - tenho a disponibilidade do discípulo? Ou comporto-me com a rigidez de alguém que se sente no lugar certo, que se sente bem, que sente que já alcançou o que queria? Será que me deixo “escavar dentro” pelo paradoxo das Bem-aventuranças, ou permaneço no perímetro das minhas ideias? E então, com a lógica das Bem-aventuranças, para além dos trabalhos e dificuldades, será que sinto a alegria de seguir Jesus? Esta é a característica saliente do discípulo: a alegria do coração. Não esqueçamos: a alegria do coração. Esta é a referência para saber se uma pessoa é discípula: tem alegria no coração? Tenho alegria no coração? Este é o ponto.

Que Nossa Senhora, primeira discípula do Senhor, nos ajude a viver como discípulos abertos e alegres.

Jesus ensinando seus discípulos
(Domus Galilaeae, Israel)

Fonte: Santa Sé.

Sugestão de leitura: Sacramentos e cura

O sacerdote espanhol Dionisio Borobio, grande estudioso dos sacramentos, tem nos acompanhado nas sugestões de leitura dos últimos meses:

- em dezembro de 2021 apresentamos sua obra Celebrar para viver: Liturgia e sacramentos da Igreja, uma “catequese” introdutória sobre a Liturgia e os sacramentos para leigos jovens e adultos;

- em janeiro de 2022, por sua vez, trouxemos sua História e teologia comparada dos sacramentos: O princípio da analogia sacramental, na qual analisa as semelhanças e as diferenças entre os sete sacramentos.

Neste mês, ainda no contexto do Dia Mundial do Enfermo (11 de fevereiro), quando publicamos aqui no blog a Instrução sobre as orações para alcançar a cura, promulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé no ano 2000, propomos outra obra de Dionisio Borobio: Sacramentos e cura: Dimensão curativa da Liturgia cristã.

Capa da edição brasileira

Com sua publicação original, em espanhol (Sacramentos y sanación: Dimensión curativa de la Liturgia cristiana), realizada em 2008 pelas Ediciones Sígueme de Salamanca (Espanha), o livro foi traduzido pela Editora Ave Maria em 2011.

O texto se reveste de grande atualidade, sobretudo no contexto da pandemia do Covid-19. Da mesma forma, poderia ser amplamente enriquecido com as reflexões do Papa Francisco, que propõe sempre a visão da Igreja como “hospital”.

Após um breve Prólogo (pp. 7-8) destacando as várias dimensões do homem (física, psíquica, espiritual...) e uma Introdução (pp. 9-12) sobre os temas da saúde, da enfermidade e da cura, a obra é dividida em sete capítulos:
- os três primeiros são dedicados aos fundamentos bíblicos do “ministério da cura”;
- os três seguintes aprofundam o tema na Tradição e no Magistério da Igreja;
- e, por fim, no último capítulo, o autor reflete sobre a “dimensão curativa” de cada um dos sete sacramentos.

1. Sinais de cura no Antigo Testamento (pp. 13-16)

Seguindo a história da salvação, Borobio parte do Antigo Testamento, no qual a enfermidade aparece ligada às forças diabólicas, ao pecado humano e ao “castigo” divino. Ao mesmo tempo, há a esperança na libertação messiânica.
Aparece já aqui o uso medicinal do óleo e as liturgias penitenciais, sinais da conversão do coração, que gera reconciliação e paz.

2. Ministério de cura em Jesus (pp. 17-22)

Os Evangelhos narram diversas curas realizadas por Jesus, que vêm sempre unidas à sua atitude misericordiosa para com os enfermos. Jesus, curando, cumpre sua missão messiânica, pois veio para salvar a pessoa humana em sua totalidade.
Destaca-se também aqui como Jesus “transfigura” a enfermidade e a dor, sobretudo através do Mistério Pascal da sua Morte-Ressurreição.