15. Oração da manhã numa aflição: Sl 56(57),2-12
19 de setembro de 2001
1. É uma noite tenebrosa, em
que se sente a presença de feras vorazes nos arredores. O orante está à espera
do despontar da aurora, para que a luz vença a obscuridade e os temores. Este é
o contexto do Salmo 56, hoje proposto à nossa reflexão: um cântico noturno que
prepara o orante para a luz da aurora, esperada com ansiedade, para poder
louvar ao Senhor na alegria (cf. vv.
9-11). Com efeito, o Salmo passa da lamentação dramática dirigida a Deus, à
esperança serena e ao agradecimento jubiloso, expresso com as palavras que em
seguida voltarão a ressoar, num outro salmo (cf. Sl 107,2-6).
Em síntese, assiste-se à
passagem do medo à alegria, da noite ao dia, do pesadelo à serenidade e da
súplica ao louvor. Trata-se de uma experiência frequentemente descrita nos
salmos: “Convertestes o meu luto em júbilo, despistes-me do meu saco e
cingistes-me de alegria. Por isso, o meu coração há de cantar-vos sem cessar” (Sl 29,12-13).
2. Dois são, portanto, os momentos
do Salmo que estamos meditando. O primeiro diz respeito à experiência do medo pelo
assalto do mal, que procura atingir o justo (vv. 2-7). No centro desta cena há
leões em posição de ataque. Esta imagem transforma-se depressa num símbolo
bélico, delineado com lanças, flechas e espadas. O orante sente-se atacado por
uma espécie de esquadrão da morte. À sua volta, há um grupo de caçadores, que arma
ciladas e escava fossas para capturar a presa. Mas esta atmosfera de tensão
dissolve-se imediatamente. Com efeito, já no início (v. 2) aparece o símbolo
protetor das asas divinas, que concretamente fazem pensar na arca da aliança
com os querubins alados, ou seja, na presença de Deus ao lado dos fiéis no
templo santo de Sião.
3. O orante pede instantemente que Deus mande do céu os seus mensageiros, a quem atribui os nomes emblemáticos de “Graça” e “Verdade” (v. 4), qualidades próprias do amor salvífico de Deus. Por isso, embora sinta arrepios pelo rugido terrível das feras e pela perfídia dos perseguidores, no seu íntimo o fiel permanece sereno e confiante, como Daniel na cova dos leões (cf. Dn 6,17-25).
A presença do Senhor não
demora a mostrar a sua eficácia, mediante a autopunição dos adversários: eles
caem na fossa que tinham cavado para o justo (v. 7). Esta confiança na justiça
divina, sempre viva nos salmos, impede o desencorajamento e a rendição à
prepotência do mal. Deus, que confunde as manobras dos ímpios, fazendo-os cair
dos seus próprios projetos de maldade, mais cedo ou mais tarde põe-se ao lado
do fiel.
4. Assim, chegamos ao segundo
momento do Salmo, o da ação de graças (vv. 8-11). Há um trecho que brilha de
intensidade e beleza: “Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o
meu coração! Vou cantar e tocar para vós: desperta, minha alma, desperta!
Despertem a harpa e a lira, eu irei acordar a aurora!” (vv. 8-9). As trevas já
se dissiparam: o alvorecer da salvação aproxima-se com o cântico do orante.
Aplicando a si esta imagem, o salmista talvez traduza nos termos da religiosidade bíblica, rigorosamente monoteísta, o uso dos sacerdotes egípcios ou fenícios que eram encarregados de “despertar a aurora”, ou seja, de fazer voltar a nascer o sol, considerado como uma divindade benéfica. Ele alude também ao costume de suspender e de velar os instrumentos musicais no tempo do luto e da provação (cf. Sl 136,2) e de os “despertar” ao som festivo no tempo da libertação e da alegria. Portanto, a Liturgia faz nascer a esperança: dirige-se a Deus, convidando-o a aproximar-se de novo do seu povo e a escutar a sua súplica. Nos salmos, a aurora é com frequência o momento da concessão divina, depois de uma noite de oração.
5. Assim, o Salmo termina
com um cântico de louvor dirigido ao Senhor, que age com as suas grandes
qualidades salvíficas, que já se manifestaram com termos diferentes na primeira
parte da súplica (v. 4). Agora entram em cena, de modo quase personificado, o Amor
e a Verdade. Eles inundam os céus com a sua presença e são como a luz que
brilha na obscuridade das provas e das perseguições (v. 11). É por este motivo
que, na tradição cristã, o Salmo 56 se transformou em cântico do despertar para
a luz e a alegria pascal, que se irradia no fiel, cancelando o medo da morte e
alargando o horizonte da glória celeste.
6. Gregório de Nissa descobre nas palavras deste Salmo uma espécie de descrição típica daquilo que se verifica em cada experiência humana, aberta ao reconhecimento da sabedoria de Deus. “Efetivamente, salvou-me - exclama - fazendo-me sombra com a nuvem do Espírito, e aqueles que me espezinharam foram humilhados” (Sobre os títulos dos Salmos, Roma, 1994, p. 183).
Depois, referindo-se às expressões que concluem este Salmo, onde se diz: “Elevai-vos, ó Deus, sobre os céus, vossa glória refulja na terra!”, ele conclui: “Na medida em que a glória de Deus se estende sobre a terra, enriquecida pela fé daqueles que são salvos, os poderes celestes entoam hinos de louvor a Deus, exultando pela nossa salvação” (ibid., p. 184).
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"Quem dispersou Israel vai congregá-lo..." (Jr 31,10) (O retorno dos exilados - William Brassey Hole) |
16. A felicidade
do povo libertado: Jr 31,10-14
10
de outubro de 2001
1. “Ouvi, nações, a palavra do Senhor! Anunciai-a nas ilhas mais distantes” (Jr 31,10). Qual é a notícia que está para ser anunciada com estas solenes palavras de Jeremias, que ouvimos no cântico que há pouco proclamamos? Trata-se de uma notícia confortadora, e não é ocasional que os capítulos que a contêm (Jr 30–31), sejam qualificados como “Livro da Consolação”. O anúncio refere-se diretamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica.
Eis o centro deste anúncio: “Pois, na verdade, o Senhor remiu Jacó e o libertou do poder do prepotente” (v. 11). O quadro histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo Povo de Deus, cerca de um século depois que o reino do Norte, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus e faz surgir a esperança de que o tempo do castigo tenha terminado. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Todos, também as “ilhas mais distantes”, deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. Ele, que permitiu a dispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.