Santo Agostinho
Carta 140
Foi
enviado Filho, não por adoção, mas por geração eterna
Porém, quando se cumpriu o tempo em que a
graça, oculta no Antigo Testamento, ia revelar-se no Novo, enviou Deus ao seu Filho, nascido de uma mulher. Sob este nome
compreende a língua hebraica a qualquer mulher, casada ou solteira.
E para que
conheças a que Filho enviou e quis que nascesse de uma mulher, e saibas quão
grande é esse Deus que, pela salvação dos fieis, dignou-se assumir nossa
humilde condição, observa agora o Evangelho: No princípio já existia a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e
a Palavra era Deus. A Palavra no princípio estava junto de Deus. Assim,
este Deus, Palavra de Deus, mediante a qual tudo se fez, é o Filho de Deus,
imutável, onipresente, incircunscrito, e, não sendo suscetível de divisão, está
íntegro em todas as partes; está presente inclusive na inteligência dos ímpios,
mesmo quando não o veem, da mesma maneira que a luz natural não é percebida
pelos olhos do cego. Resplandece também entre aquelas trevas às quais alude o
Apóstolo quando diz: Antes éreis trevas,
mas agora sois luz no Senhor.
Enviou, pois, Deus a seu Filho, nascido de
uma mulher, nascido sob a lei. Ele se submeteu à observância da lei, para resgatar aos que estavam debaixo da lei,
ou seja, aos que a lei tinha como escravos do pecado pela letra que mata, já
que é impossível cumprir plenamente o preceito sem a vivificação do Espírito. Porque o amor de Deus, que é a plenitude
da Lei, foi derramado em nossos corações
com o Espírito Santo que nos foi dado.
Por isso, depois
de ter dito: para resgatar aos que
estavam sob a lei, acrescentou logo em seguida: para que recebêssemos o ser filhos por adoção. Assim distingue a
graça deste benefício daquela natureza do Filho, que foi enviado Filho, não por
adoção, mas por geração eterna. Deste modo, feito partícipe da natureza dos
filhos dos homens, pode adotar aos homens, tornando-os partícipes de sua
própria natureza. Por isto mesmo, ao dizer: deu-lhes o poder para se tornarem filhos de Deus, esclareceu a forma
para evitar que fosse interpretado como um nascimento carnal. Deu semelhante
poder aos que creem em seu nome e,
pela graça espiritual, renascem não do
sangue, nem do amor carnal, nem do amor humano, mas de Deus, colocando
imediatamente em evidência o mistério desta reciprocidade. E como se,
assombrados por tamanha maravilha, não ousássemos aspirar a consegui-la,
acrescenta imediatamente: E a Palavra se
fez carne, e habitou entre nós. Como se dissesse: Não desespereis, ó
homens, de poder chegar um dia a serem filhos de Deus, quando o próprio Filho
de Deus, ou seja, a Palavra de Deus, fez-se carne e habitou entre nós. Fazei o
mesmo, espiritualizai-vos e vivam naquele que se fez carne e habitou entre vós.
Doravante, não devemos nos desesperar, homens, de podermos chegar a ser, pela
participação da Palavra, filhos de Deus, agora que o Filho de Deus chegou a
ser, pela participação da carne, filho do homem.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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