São Romanos, o Melode
Hino sobre as Bodas de Caná
Queremos narrar
agora o primeiro milagre realizado em Caná por aquele que outrora tinha
demonstrado o poder de seus prodígios aos egípcios e aos hebreus. Naquela
ocasião, a natureza das águas foi mudada milagrosamente em sangue. Ele tinha
castigado os egípcios com a maldição das dez pragas e tinha tornado o mar
inofensivo aos hebreus, a tal ponto que o atravessaram como em terra firme. No
deserto, lhes proveu da água que prodigiosamente manou da rocha. Hoje, durante
a festa das bodas, realiza uma nova transformação da natureza, aquele que tudo
cumpriu com sabedoria.
Enquanto Cristo
participa das bodas e a multidão dos convidados banqueteava, faltou o vinho e a
alegria pareceu mudar-se em melancolia. E o esposo estava envergonhado, os
servidores murmuravam e aflorava em todas as partes o descontentamento por tal
escassez, erguendo-se o tumulto na sala. Frente a tal espetáculo, Maria, a
plenamente pura, mandou advertir apressadamente ao seu Filho: “Não têm mais vinho. Filhinho, eu te
peço, demonstra o teu poder absoluto, tu, que tudo cumpriste com sabedoria...”
Cristo, respondendo à mãe que lhe dizia “concede-me esta graça”, contestou
prontamente: “Mulher, por que dizes isto
a mim? Minha hora ainda não chegou”.
Alguns
procuraram entrever nestas palavras um significado qu justifique sua impiedade.
São aqueles que sustentam a submissão de Cristo às leis naturais, ou o
consideram, até mesmo a ele, vinculado às horas. Mas isto é porque não
compreendem o significado da palavra. A boca dos ímpios, que meditam o mal, é
obrigada a silenciar pelo milagre imediatamente realizado por aquele que tudo
cumpriu com sabedoria.
“Meu filho,
responde agora”, disse a Mãe a Jesus, a plenamente pura, “Tu que impões às
horas o freio da medida, como podes esperar a hora, meu Filho e meu Senhor?
Como podes esperar o tempo, se tu mesmo estabeleceste a carreira dos anos em
seus ciclos perfeitamente regulados: como podes esperar o tempo propício para o
prodígio que te peço, tu que cumpriste tudo com sabedoria?”
“Antes que tu
notasses, Virgem venerada, eu já sabia que faltava o vinho”, respondeu, então,
o Inefável, o Misericordioso, à Mãe veneradíssima. “Conheço todos os
pensamentos que habitam em teu coração. Refletis-te no teu interior: ‘A
necessidade incitará, agora, o meu Filho ao milagre, porém, com a desculpa de
que as horas o esão atrasando’. Ó Mãe pura, aprende agora o motivo do atraso, e
quando o tenhas compreendido, certamente te concederei esta graça, eu que tudo
cumpri com sabedoria”.
“Eleva teu
espírito à altura de minhas palavras e compreende, ó incorrupta, o que estou
para pronunciar. No mesmo instante em que do nada criava o céu, a terra e a
totalidade do universo, podia instantaneamente a ordem em tudo o que eu estava
formando. Contudo, estabeleci certa ordem bem subdividida; a criação feita em
seis dias. E certamente não porque me faltasse o poder de realizar, mas para
que o coro dos anjos, ao comprovar que fazia cada coisa ao seu tempo, pudesse
reconhecer em mim a divindade, celebrando-a com o seguinte canto: ‘Glória a ti,
Rei poderoso, que cumpriste tudo com sabedoria’”.
“Escuta bem
isso, ó santa: Eu poderia resgatar de outra maneira aos caídos, sem assumir a
condição de pobre e de escravo. Aceitei, contudo, minha concepção, meu
nascimento como homem, o leite de seu seio, ó Virgem, e assim tudo cresceu em
mim segundo a ordem, porque em mim nada existe que não seja deste modo. Com a
mesma ordem quero agora realizar o milagre, ao qual consinto pela salvação do
homem, eu que tudo cumpri com sabedoria”.
“Entende o que
estou dizendo, ó santa; quis começar pelo anúncio aos israelitas, por
ensinar-lhes a esperança da fé, para que, antes dos milagres, saibam quem
ordenou e conheçam com certeza a glória de meu Pai e sua vontade, já que ele
quer firmemente que eu seja glorificado por todos. Realmente, quanto realiza
aquele que me gerou, eu também posso realizá-lo, por ser consubstancial a Ele e
ao Espírito, eu que tudo cumpri com sabedoria”.
“Se somente
houvesse manifestado isso nos prodígios admiráveis, eles teriam compreendido
que sou Deus desde antes de todos os séculos, mesmo que me tenha feito homem.
Mas agora, contrariamente à ordem e até mesmo antes da pregação, tu me pedes
prodígios. Eis aqui o porquê de meu delongo. Pedia-te que esperasse a hora de
realizar milagres, por este único motivo. Mas como os pais devem ser honrados
pelos filhos, terei consideração para contigo, ó Mãe, visto que tudo posso
fazê-lo, eu que tudo cumpri com sabedoria”.
“Diz, pois, aos
habitantes da casa que se coloquem a meu serviço seguindo as ordens: que eles
em breve serão, para si mesmos e para os demais, as testemunhas do prodígio.
Não quero que seja Pedro o que me sirva, nem tampouco João, nem André, nem
nenhum dos apóstolos, por temor que depois, por sua causa, surja entre os
homens a suspeita de fraude. Quero que sejam os próprios criados que me sirvam,
porque eles mesmos se converterão em testemunhas daquilo que me é possível, a
mim que tudo cumpri com sabedoria”.
Dócil a estas
palavras, a Mãe de Cristo se apressou a dizer aos servidores das bodas: “Fazei o que ele vos disser”. Havia na casa seis talhas, como nos
ensina a Escritura. Cristo ordena aos servidores: “Enchei-as de água”. E prontamente foi feito. Encheram de água
fresca as talhas e ali permaneceram, esperando o que tentava fazer aquele que
tudo cumpriu com sabedoria.
Agora, quero
referir-me às talhas e descrever como foram enchidas por aquele vinho, que
procedia da água. Como está escrito, o Mestre tinha dito em alta voz aos
servidores: “Tirai este vinho que não provém da vindima, o ofereça aos
convidados, enchei as taças vazias, para que todo mundo o desfrute e também o
próprio esposo; porque a todos dei a alegria de forma imprevista, eu que tudo
cumpri com sabedoria”.
Sendo que Cristo
mudou publicamente a água em vinho graças ao seu próprio poder, todo mundo se
encheu de alegria considerando muito agradável o sabor daquele vinho. Hoje
podemos sentar-nos ao banquete da Igreja, porque o vinho se transformou no
sangue de Cristo, e nós o assumimos em santa alegria, glorificando ao grande
Esposo. Porque o autêntico Esposo é o Filho de Maria, o Verbo que existe desde
a eternidade, que assumiu a condição de escravo e que tudo cumpriu com
sabedoria.
Altíssimo, Santo,
Salvador de todos, mantém inalterado o vinho que existe em nós, tu que presides
todas as coisas. Precipita daqui aos que pensam mal e, em sua perversidade,
adulteram com a água teu vinho santíssimo: porque diluindo sempre teu dogma em
água, condenam-se a si mesmos ao fogo do inferno. Porém, preserva-nos, ó
Imaculado, dos lamentos que seguirão ao teu juízo, tu que és misericordioso,
pelas orações da Santa Virgem Mãe de Deus, tu que tudo cumpriste com sabedoria.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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