sábado, 29 de fevereiro de 2020

Homilia: I Domingo da Quaresma - Ano A

São Gregório Nazianzeno
Discurso 40
Os cristãos dispõem de meios para superar as tentações

Se o tentador, o inimigo da luz, ataca-te depois do Batismo - e certamente o fará, pois tentou até mesmo ao Verbo, meu Deus, oculto na carne, a saber, a própria Luz velada pela humanidade -, sabes como vencê-lo: não temas o combate. Opõe-lhe a água, opõe-lhe o Espírito contra o qual se despedaçarão todos os incandescentes dardos do maligno.
Se ele te apresenta tua própria pobreza - de fato, não deixou de fazê-lo com Cristo, recordando-lhe sua fome para incitá-lo a transformar as pedras em pães -, lembre-se de sua resposta. Ensina-lhe o que parece não ter aprendido; opõe-lhe aquela palavra de vida, que é o pão descido do céu e que dá a vida ao mundo. Se ele te tenta com a vanglória - como fez com Jesus quando o levou ao desfiladeiro do templo e lhe disse: Lança-te daqui abaixo para demonstrar tua divindade -, não se deixe levar pela soberba. Se ele te vencer nisto, não vai parar por aqui: ele é insaciável e te quer por inteiro; mostra-se complacente, de aspecto bondoso, porém acaba sempre confundindo o bem com o mal. É a sua estratégia.
Este ladrão é inclusive um perito conhecedor da Escritura. No texto o está escrito se refere ao pão; mais abaixo, refere-se aos anjos. E, de fato, está escrito: dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos. Ó sofista da mentira! Por que te calas sobre o que segue? Porém, ainda que tu o silencie, eu o conheço perfeitamente. Segue o texto: sobre a serpente e a víbora andarás, calcarás aos pés o leão e o dragão; protegido e amparado - aqui se entende - pela Trindade.
Se ele te tenta com a avareza, mostrando-te em um instante todos os reinos como se te pertencessem e exigindo-te que o adores, despreza-o como a um mesquinho. Amparado pelo sinal da cruz, diga-lhe: Eu também sou imagem de Deus; contudo não fui, como tu, precipitado do céu por soberba; estou revestido de Cristo, pelo Batismo. Cristo se tornou minha herança; és tu que deve adorar-me.
Creia-me, a estas palavras ele se retirará, vencido e envergonhado, de todos aqueles que foram iluminados, como se retirou de Cristo, a luz primordial. Estes são os benefícios que o Batismo confere àqueles que reconhecem a força da graça; estes são os suntuosos banquetes que oferece a quem sofre uma fome digna de louvor.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 56-57. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Leão Magno para este domingo clicando aqui.

A Liturgia da Palavra: Encontro de Pastoral Litúrgica 2001

Na sequência da nossa série retrospectiva de postagens sobre os Encontros de Pastoral Litúrgica (ENPL), que são promovidos anualmente pelo Secretariado Nacional de Liturgia de Portugal, apresentamos neste mês o 27º ENPL, que aconteceu de 23 a 27 de julho de 2001, com o tema “A Celebração da Liturgia da Palavra”.

Este encontro  prosseguiria no ano seguinte, que tratou da Liturgia Eucarística, completando assim a reflexão sobre as duas mesas da celebração: a Palavra e a Eucaristia.

Seguem os áudios de quatro conferências deste Encontro de Pastoral Litúrgica:

Pe. Dr. Luís Manuel Pereira da Silva

Partindo de alguns textos da Sagrada Escritura que narram a aliança entre Deus e o seu povo, o palestrante defende a presença real de Cristo na Palavra e a unidade das duas mesas (Palavra e Eucaristia) em uma só celebração.

Pe. Dr. Rui Manuel Mendes Carriço

O palestrante começou com um histórico do Lecionário, desde as leituras na sinagoga judaica, com uma menção também ao Evangeliário. Em seguida, refletiu sobre alguns princípios da escolha das leituras para a Missa (capítulo IV do Ordenamento das Leituras da Missa), desde os dois princípios gerais (composição harmônica e leitura semicontínua) até os princípios mais específicos (por exemplo, domingos e dias feriais)

Côn. José Ferreira

Aqui se parte da reflexão sobre as duas mesas, da Palavra e da Eucaristia, como os dois polos da mesma celebração. Em seguida, se aborda a estrutura dialógica da Liturgia da Palavra na Missa: Deus fala através das leituras e a comunidade ecoa sua Palavra através do salmo, do silêncio e da oração (preces).

Pe. Dr. Pedro Romano Rocha

Depois de apresentar brevemente alguns critérios das leituras no Ano Litúrgico (capítulo V do Ordenamento das Leituras da Missa), o palestrante centra-se na estrutura das leituras do Tempo Comum, tanto nos domingos quanto nos dias feriais, sendo este o tempo menos estudado e no qual a Palavra de Deus ocupa um papel central. Esta última conferência conclui-se, por fim, com uma referência às leituras da Liturgia das Horas.


Fonte: Secretariado Nacional de Liturgia

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Quarta-feira de Cinzas em Cracóvia

O Cardeal Stanisław Dziwisz, Arcebispo Emérito de Cracóvia, presidiu no último dia 26 de fevereiro a Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas na Catedral dos Santos Venceslau e Estanislau, a Catedral de Wawel.

Incensação
Oração do dia
Leituras
Evangelho
Homilia

Fotos da Quarta-feira de Cinzas em Roma

No último dia 26 de fevereiro o Papa Francisco celebrou a Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma, na Basílica de Santa Sabina em Roma.

Como de costume, a celebração tomou a forma das antigas estações quaresmais romanas: a Missa teve início na igreja de Santo Anselmo no Aventino, de onde partiu a procissão até a Basílica de Santa Sabina, onde o Papa continuou a Missa com a bênção e imposição das cinzas.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Guido Marini e Marco Agostini. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão penitencial




Homilia do Papa: Quarta-feira de Cinzas 2020

Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa Francisco
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Começamos a Quaresma com a recepção das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás de voltar» (cf. Gn 3,19). O pó sobre a cabeça faz-nos ter os pés assentes na terra: recorda-nos que viemos da terra e, à terra, voltaremos; isto é, somos débeis, frágeis, mortais. No longo decorrer dos séculos e milénios, passamos num ai; comparados com a imensidão das galáxias e do espaço, somos minúsculos; somos um bocado de pó no universo. Mas somos o pó amado por Deus. Amorosamente o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida (Gn 2,7). Por isso somos um pó precioso, destinado a viver para sempre. Somos a terra sobre a qual Deus estendeu o seu céu, o pó que contém os seus sonhos. Somos a esperança de Deus, o seu tesouro, a sua glória.

Deste modo, a cinza recorda-nos o percurso da nossa existência: do pó à vida. Somos pó, terra, barro; mas, se nos deixarmos plasmar pelas mãos de Deus, tornamo-nos uma maravilha. Todavia muitas vezes, sobretudo nas dificuldades e na solidão, vemos só o nosso pó! Mas o Senhor encoraja-nos: o pouco que somos, aos olhos d’Ele tem valor infinito. Coragem! Nascemos para ser amados; nascemos para ser filhos de Deus.

No início da Quaresma, amados irmãos e irmãs, conscientizemo-nos disto. Porque a Quaresma não é o tempo para fazer cair sobre o povo inúteis moralismos, mas para reconhecer que as nossas míseras cinzas são amadas por Deus. É tempo de graça, para acolher o olhar amoroso de Deus sobre nós e, assim contemplados, mudar de vida. Estamos no mundo para caminhar da cinza à vida. Então, não pulverizemos a esperança, nem incineremos o sonho que Deus tem sobre nós. Não cedamos à resignação. Dizes tu: «E como posso ter confiança? O mundo vai mal, o medo alastra, há tanta malvadez e a sociedade está a descristianizar-se...» Mas tu, não acreditas que Deus pode transformar o nosso pó em glória?

A cinza, que recebemos na testa, abala os pensamentos que temos na cabeça. Lembra-nos que nós, filhos de Deus, não podemos viver correndo atrás do pó que desaparece. Pode descer da cabeça ao coração esta pergunta: «Para que vivo eu?» Se vivo para as coisas do mundo que passam, volto ao pó, renego aquilo que Deus fez em mim. Se vivo só para arrecadar algum dinheiro e divertir-me, procurar um certo prestígio, fazer carreira, então estou a viver de pó. Se julgo má a vida, só porque não sou tido suficientemente em consideração, ou não recebo dos outros o que acho merecer, estou ainda com o olhar no pó.

Não estamos no mundo para isso. Valemos muito mais, vivemos para muito mais: para realizar o sonho de Deus, para amar. A cinza pousa nas nossas testas, para que, nos corações, se acenda o fogo do amor. Com efeito, somos cidadãos do céu. E o amor a Deus e ao próximo é o passaporte para o céu; é o nosso passaporte. Não poderão valer-nos os bens terrenos que possuímos - são pó que desaparece! -, mas salvar-nos-á o amor que oferecemos na família, no trabalho, na Igreja, no mundo: tal amor permanecerá para sempre.

A cinza que recebemos recorda-nos um segundo percurso: o percurso contrário, que vai da vida ao pó. Olhamos em redor e vemos pó de morte, vidas reduzidas a cinzas: escombros, destruição, guerra. Vidas de bebés inocentes não acolhidos, vidas de pobres rejeitados, vidas de idosos descartados. Continuamos a destruir-nos, a fazer-nos voltar ao pó. E quanto pó existe nas nossas relações! Vejamos em nossa casa, nas famílias: quantas brigas, quanta incapacidade de neutralizar os conflitos, quanta dificuldade em pedir desculpa, perdoar, recomeçar, enquanto com tanta facilidade reclamamos os nossos espaços e direitos! Há tanto pó que suja o amor e embrutece a vida. Mesmo na Igreja, a casa de Deus, deixamos depositar tanto pó, o pó do mundanismo.

E olhemo-nos dentro, no coração… Quantas vezes sufocamos o fogo de Deus com a cinza da hipocrisia! A hipocrisia: é a imundície que hoje, no Evangelho, Jesus pede para remover. De facto, o Senhor não diz apenas para fazer obras de caridade, rezar e jejuar, mas que tudo isso seja feito sem fingimento, sem falsidade nem hipocrisia (cf. Mt 6,2.5.16). E, contudo, quantas vezes fazemos algo só para ser louvados, para meter figura, para me vangloriar! Quantas vezes nos proclamamos cristãos e, no coração, cedemos sem problemas às paixões que nos escravizam! Quantas vezes pregamos uma coisa e fazemos outra! Quantas vezes nos mostramos bons por fora e dentro incubamos rancores! Quanta duplicidade temos no coração... É pó que suja, cinza que sufoca o fogo do amor.

Precisamos limpar o pó que se deposita no coração. Como fazer? Ajuda-nos o veemente apelo de São Paulo na 2ª Leitura: «Deixai-vos reconciliar com Deus!» Paulo não o exige; suplica-o: «Em nome de Cristo nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus!» (2Cor 5,20). Nós teríamos dito: «Reconciliai-vos com Deus». Mas ele, não; usa o passivo: deixai-vos reconciliar. Porque a santidade não é obra nossa; é graça. Sozinhos, não somos capazes de tirar o pó que suja o coração, pois só Jesus, que conhece e ama o nosso coração, pode curá-lo. A Quaresma é tempo de cura.

Que fazer então? No caminho rumo à Páscoa, podemos efetuar duas passagens: a primeira, do pó à vida, da nossa humanidade frágil à humanidade de Jesus, que nos cura. Podemos colocar-nos diante do Crucificado, ficar lá olhando-O e repetindo: «Jesus, Vós me amais; transformai-me! Jesus, Vós me amais; transformai-me...» E depois de ter acolhido o seu amor, depois de ter chorado à vista deste amor, a segunda passagem, para não voltar a cair da vida ao pó: vai-se receber o perdão de Deus, na Confissão, porque lá o fogo do amor de Deus consome a cinza do nosso pecado. O abraço do Pai na Confissão renova-nos por dentro, limpa-nos o coração. Deixemo-nos reconciliar, para viver como filhos amados, pecadores perdoados, doentes curados, viandantes acompanhados. Para amar, deixemo-nos amar; deixemo-nos erguer, para caminhar rumo à meta: à Páscoa. Teremos a alegria de descobrir que Deus nos ressuscita das nossas cinzas.


Fonte: Santa Sé.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Catequese do Papa sobre a Quaresma

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
Quaresma: entrar no deserto

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, Quarta-Feira de Cinzas, iniciamos o caminho quaresmal, uma viagem de quarenta dias rumo à Páscoa, ao coração do ano litúrgico e da fé. É um caminho que segue o de Jesus, que no início do seu ministério se retirou durante quarenta dias para orar e jejuar, tentado pelo diabo no deserto. Hoje gostaria de falar convosco precisamente sobre o significado espiritual do deserto. O que significa espiritualmente o deserto para todos nós, até para quem vive na cidade, o que significa o deserto.

Imaginemos que estamos num deserto. A primeira sensação seria a de nos encontrarmos envolvidos por um grande silêncio: sem barulho, a não ser o vento e a nossa respiração. Eis que o deserto é o lugar do desapego do barulho que nos rodeia. É ausência de palavras para dar lugar a outra Palavra, a Palavra de Deus que, como uma brisa suave, acaricia o nosso coração (cf. 1Rs 19,12). O deserto é o lugar da Palavra, com letra maiúscula. Com efeito, na Bíblia o Senhor gosta de falar conosco no deserto. No deserto Ele entrega a Moisés as “dez palavras”, os dez mandamentos. E quando o povo se afasta dele, tornando-se como que uma noiva infiel, Deus diz: «Eis que a conduzirei ao deserto para lhe falar ao coração. Aí ela responderá, como nos dias da sua mocidade» (Os 2,16-17). No deserto ouve-se a Palavra de Deus, que é como um som suave. O Livro dos Reis diz que a Palavra de Deus é como um fio de silêncio sonoro. No deserto encontra-se a intimidade com Deus, o amor do Senhor. Jesus gostava de se retirar todos os dias para lugares desertos e entregava-se à oração (cf. Lc 5,16). Ele ensinou-nos como procurar o Pai, que nos fala no silêncio. E não é fácil fazer silêncio no coração, pois procuramos sempre conversar um pouco, estar com os outros.

A Quaresma é o momento propício para dar espaço à Palavra de Deus. É o tempo para desligar a televisão e abrir a Bíblia. É o tempo para nos desligarmos do celular e para nos ligarmos ao Evangelho. Quando eu era criança não havia televisão, mas tínhamos o hábito de não ouvir o rádio. A Quaresma é deserto, é tempo para renunciar, para nos desligarmos do celular e para nos ligarmos ao Evangelho. É o tempo para renunciar a palavras inúteis, conversas, boatos, tagarelices, e falar e tratar o Senhor por “tu”. É o tempo para se dedicar a uma saudável ecologia do coração, para fazer limpeza. Vivemos num ambiente poluído por demasiada violência verbal, por tantas palavras ofensivas e nocivas, que a rede amplifica. Hoje insulta-se como se se dissesse: “Bom dia”. Estamos inundados de palavras vazias, publicidades, mensagens subliminares. Estamos acostumados a ouvir tudo sobre todos e corremos o risco de cair numa mundanidade que atrofia o nosso coração e não existe um bypass para curar isto, apenas o silêncio. Temos dificuldade em distinguir a voz do Senhor que nos fala, a voz da consciência, a voz do bem. Chamando-nos ao deserto, Jesus convida-nos a escutar o que conta, o importante, o essencial. Ao diabo que o tentava, respondeu: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). Como o pão, mais do que o pão, precisamos da Palavra de Deus, temos necessidade de falar com Deus: precisamos de orar. Pois só diante de Deus vêm à luz as inclinações do coração e a duplicidade da alma desvanece. Eis o deserto, lugar de vida, não de morte, porque dialogar em silêncio com o Senhor nos restitui vida.

Procuremos pensar de novo no deserto. O deserto é o lugar do essencial. Vejamos as nossas vidas: quantas coisas inúteis nos circundam! Perseguimos mil coisas que parecem necessárias mas na realidade não o são. Como nos faria bem livrar-nos de tantas realidades supérfluas, para redescobrir o que importa, para encontrar os rostos de quantos estão ao nosso lado! Também sobre isto Jesus nos dá um exemplo, jejuando. Jejuar é saber renunciar às coisas vãs, ao supérfluo, para ir ao essencial. Jejuar não é apenas para perder peso, jejuar é ir diretamente ao essencial, é procurar a beleza de uma vida mais simples.

Por fim, o deserto é o lugar da solidão. Até hoje, perto de nós, há muitos desertos. São as pessoas solitárias e abandonadas. Quantos pobres e idosos estão ao nosso lado e vivem no silêncio, sem fazer barulho, marginalizados e descartados! Falar sobre eles não chama a atenção do público. Mas o deserto leva-nos a eles, àqueles que, calados, pedem em silêncio a nossa ajuda. Tantos olhares silenciosos que pedem a nossa ajuda. O caminho através do deserto quaresmal é uma senda de caridade para com os mais fracos.

Oração, jejum, obras de misericórdia: este é o caminho no deserto quaresmal.

Queridos irmãos e irmãs, com a voz do profeta Isaías, Deus fez esta promessa: «Vou realizar algo de novo... vou abrir um caminho no deserto» (Is 43,19). No deserto abre-se o caminho que nos leva da morte para a vida. Entremos no deserto com Jesus e dali sairemos saboreando a Páscoa, o poder do amor de Deus que renova a vida. Acontecerá conosco como com aqueles desertos que florescem na primavera, fazendo germinar de repente, “do nada”, brotos e plantas. Ânimo, entremos neste deserto quaresmal, sigamos Jesus no deserto: com Ele os nossos desertos hão de florescer.


Fonte: Santa Sé.

O tríplice múnus de Cristo: Teologia em questão (2018)

A revista Teologia em questão, publicação semestral da Faculdade Dehoniana, dedicou seu primeiro volume do ano de 2018 (n. 33) ao tema do tríplice múnus de Cristo, isto é, da sua tríplice missão como profeta, sacerdote e rei.

Depois de nossa postagem sobre o Documento “O Presbítero, Mestre da Palavra, Ministro dos Sacramentos e Guia da Comunidade em vista do Terceiro Milênio”, e uma vez que este tema toca diretamente a Liturgia (especialmente o munus sanctificandi), apresentamos os sete artigos sobre o tema na revista, com seus respectivos resumos:

A importância da discussão sobre o Tríplice Múnus de Cristo
José Adalberto Vanzella

Jesus é o Bom Pastor que conduz, reúne e cuida do rebanho. Enquanto conduz, é profeta, enquanto reúne é sacerdote e enquanto cuida é rei. Assim, encontramos em Jesus o Tríplice Múnus: profético, sacerdotal e régio, que definem as áreas e âmbitos de atuação da Igreja e possibilitam a conversão pessoal, pastoral, social e ecológica. Assim, o Tríplice Múnus possibilita ao ser humano a reconstrução da paz destruída pelo pecado e a construção do Reino de Deus na história.


Cristo profeta, rei, sacerdote em Agostinho de Hipona
Heres Drian de Oliveira Freitas

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2020

Papa Francisco
Mensagem para a Quaresma de 2020
«Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus» (2Cor 5,20)

Queridos irmãos e irmãs!
O Senhor concede-nos, também neste ano, um tempo propício para nos prepararmos para celebrar, de coração renovado, o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus, perne da vida cristã pessoal e comunitária. Com a mente e o coração, devemos voltar continuamente a este Mistério. Com efeito, o mesmo não cessa de crescer em nós na medida em que nos deixarmos envolver pelo seu dinamismo espiritual e aderirmos a ele com uma resposta livre e generosa.

1. O Mistério pascal, fundamento da conversão
A alegria do cristão brota da escuta e receção da Boa Nova da morte e ressurreição de Jesus: o kerygma. Este compendia o Mistério dum amor «tão real, tão verdadeiro, tão concreto, que nos proporciona uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo» (Francisco, Exort. Ap. Christus vivit, 117). Quem crê neste anúncio rejeita a mentira de que a nossa vida teria origem em nós mesmos, quando na realidade nasce do amor de Deus Pai, da sua vontade de dar vida em abundância (cf. Jo 10,10). Se, pelo contrário, se presta ouvidos à voz persuasora do «pai da mentira» (Jo 8,44), corre-se o risco de precipitar no abismo do absurdo, experimentando o inferno já aqui na terra, como infelizmente dão testemunho muitos acontecimentos dramáticos da experiência humana pessoal e coletiva.
Por isso, nesta Quaresma de 2020, quero estender a todos os cristãos o mesmo que escrevi aos jovens na Exortação Apostólica Christus vivit: «Fixa os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar sempre de novo. E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo» (n. 123). A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.

2. Urgência da conversão
É salutar uma contemplação mais profunda do Mistério pascal, em virtude do qual nos foi concedida a misericórdia de Deus. Com efeito, a experiência da misericórdia só é possível «face a face» com o Senhor crucificado e ressuscitado, «que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gl 2,20). Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo. Por isso mesmo, é tão importante a oração no tempo quaresmal. Antes de ser um dever, esta expressa a necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. De fato, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade.
Por isso, neste tempo favorável, deixemo-nos conduzir como Israel ao deserto (cf. Os 2,16), para podermos finalmente ouvir a voz do nosso Esposo, deixando-a ressoar em nós com maior profundidade e disponibilidade. Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós. Portanto não deixemos passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.

3. A vontade apaixonada que Deus tem de dialogar com os seus filhos.
O fato de o Senhor nos proporcionar uma vez mais um tempo favorável para a nossa conversão, não devemos jamais dá-lo como garantido. Esta nova oportunidade deveria suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do nosso torpor. Não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação conosco. Em Jesus crucificado, que Deus «fez pecado por nós» (2Cor 5,21), esta vontade chegou ao ponto de fazer recair sobre o seu Filho todos os nossos pecados, como se houvesse – segundo o Papa Bento XVI - um «virar-se de Deus contra Si próprio» (Enc. Deus caritas est, 12). De fato, Deus ama também os seus inimigos (cf. Mt 5,43-48).
O diálogo que Deus quer estabelecer com cada homem, por meio do Mistério pascal do seu Filho, não é como o diálogo atribuído aos habitantes de Atenas, que «não passavam o tempo noutra coisa senão a dizer ou a escutar as últimas novidades» (At 17,21). Este tipo de conversa, ditado por uma curiosidade vazia e superficial, caracteriza a mundanidade de todos os tempos e, hoje em dia, pode insinuar-se também num uso pervertido dos meios de comunicação.

4. Uma riqueza que deve ser partilhada, e não acumulada só para si mesmo
Colocar o Mistério pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria.
Também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo. Podemos e devemos ir mais além, considerando as dimensões estruturais da economia. Por este motivo, na Quaresma de 2020 - mais concretamente, de 26 a 28 de março -, convoquei para Assis jovens economistas, empreendedores e transformativos, com o objetivo de contribuir para delinear uma economia mais justa e inclusiva do que a atual. Como várias vezes se referiu no magistério da Igreja, a política é uma forma eminente de caridade (cf. Pio XI, Discurso à FUCI, 18/XII/1927). E sê-lo-á igualmente ocupar-se da economia com o mesmo espírito evangélico, que é o espírito das Bem-aventuranças.
Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13.14).
Roma, em São João de Latrão, 7 de outubro de 2019, Memória de Nossa Senhora do Rosário.

Franciscus


Fonte: Santa Sé

Celebração no Monte Sinai - Jubileu 2000

No dia 26 de fevereiro do ano 2000, no contexto de sua peregrinação aos lugares da história da salvação por ocasião do Grande Jubileu, o Papa João Paulo II presidiu uma Celebração da Palavra no Mosteiro de Santa Catarina junto ao Monte Sinai.

Confira sua homilia na ocasião:

Celebração da Palavra no Monte Sinai
Homilia do Papa João Paulo II 
Mosteiro de Santa Catarina, Monte Sinai
 26 de fevereiro de 2000

Caríssimos irmãos e irmãs!
1. Neste ano do Grande Jubileu a nossa fé impele-nos a tornar-nos peregrinos na esteira de Deus. Contemplamos a via que Ele percorreu no tempo, revelando ao mundo o mistério magnífico do seu amor fiel por toda a humanidade. Hoje, com grande alegria e profunda emoção, o Bispo de Roma é peregrino no Monte Sinai, atraído por este monte santo que se ergue como monumento majestoso àquilo que Deus aqui revelou. Aqui revelou o seu Nome! Aqui deu a sua Lei, os Dez Mandamentos da Aliança!
Inúmeros foram os que vieram a este lugar antes de nós! Aqui o Povo de Deus acampou (cf. Ex 19,2); aqui o profeta Elias encontrou refúgio, numa caverna (cf. 1Rs 19,9); aqui o corpo da mártir Catarina encontrou o repouso eterno; aqui multidões de peregrinos, ao longo dos séculos, escalaram aquela que São Gregório de Nissa definiu a “montanha do desejo” (Vida de Moisés, II, 232); aqui gerações de monges velaram e oraram. Nós seguimos com humildade as suas pegadas, no “solo santo” onde o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó ordenou a Moisés que libertasse o seu povo (cf. Ex 3,5-8).

O Papa venera uma cruz durante a celebração no Monte Sinai

2. Deus revela-se de modos misteriosos, como o fogo que não se consome, segundo uma lógica que desafia tudo aquilo que conhecemos e que esperamos. É o Deus que ao mesmo tempo está próximo e distante; está no mundo, mas não é do mundo. É o Deus que vem ao nosso encontro, mas que não será possuído. Ele é “Eu sou Aquele que sou”, o abismo divino no qual essência e existência são uma só coisa! É o Deus que é o Ser em si mesmo! Diante desse mistério, como podemos deixar de “tirar as sandálias”, como Ele ordena, e não adorá-lo neste solo sagrado?
Aqui, no Monte Sinai, a verdade de “quem é Deus” tornou-se fundamento e garantia da Aliança. Moisés entra na “obscuridade luminosa” (Vida de Moisés, II, 164), e neste lugar foi-lhe dada a lei escrita “pelo dedo de Deus” (Ex 31,18). O que é esta lei? É a lei da vida e da liberdade!
Junto do Mar Vermelho o povo experimentara uma grande libertação. Tinha visto a força e a fidelidade de Deus, descobrira que Ele é o Deus que, na realidade, torna livre o seu povo, como havia prometido. Contudo, agora no cume do Sinai, este mesmo Deus sela o seu amor estreitando a Aliança, à qual jamais renunciará. Se o povo observar a Sua lei, conhecerá a liberdade para sempre. O Êxodo e a Aliança não são simplesmente eventos do passado, eles são o destino eterno de todo o Povo de Deus!

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Homilia: Quarta-feira de Cinzas

São Basílio Magno
Sermão sobre o jejum
Corre com alegria ao dom do jejum

Perfuma a cabeça e lava o rosto. Estas palavras da santa Escritura chamam tua atenção a um sentido misterioso. Aquele que foi ungido, ungiu; e o que foi lavado, lavou. Translada este preceito ao teu interior. Lava tua alma das repugnantes manchas do pecado; unge tua cabeça com o perfume da santidade para que acompanhes a Cristo, e com esta disposição inicie o jejum. Não mudes o tom de teu rosto como fazem os hipócritas; e fique sabendo que a cor de teu rosto se muda quando o afeito interior cobre-se por um hábito exterior simulado, e se cobre com a mentira como com um véu espesso.
O hipócrita vem a ser como um cômico que representa outras pessoas: algumas vezes representa ser um senhor, quando não é mais que um vil criado; outras de ser um rei poderoso, não passando de um desprezível servo. De tal forma que na vida presente, como em uma farsa, muitos passam por uma representação aparente de teatro, porque ocultam uma coisa em seu coração e manifestam outra em seu semblante. Por isso, não mudes o teu rosto; apresenta-te como és na realidade, e não te desfigure em um exterior triste e melancólico, colocando toda a tua glória em que te considerem um homem sóbrio e comedido.
A verdade é que aquela prática não deixa nada de útil, porque se revelou como trombeta; nem se tira fruto algum daquele jejum, porque se faz apenas para pública ostentação. Aquelas obras que geram reputação entre os homens de nada servem para o século vindouro, porque terminam com a recomendação e louvor dos outros homens. Portanto, corre com alegria ao dom do jejum. O jejum é um dom, que, apesar de ser muito antigo, nem se deteriora, nem envelhece, mas sempre rejuvenesce com um vigor perpétuo e contínuo.
Pensas que eu conto a antiguidade do jejum desde que a lei começou? Pois saiba que o jejum é ainda mais antigo que ela. Pensas um pouco, e verás que é verdade o que te digo... O jejum não é nenhuma invenção nova, mas um tesouro que nos guardaram os antigos, e deles chegou até nós. Tudo aquilo que possui em si a recomendação da antiguidade, ao mesmo tempo é digno de veneração. Venera, pois, e reverencia as cinzas e a antiguidade do jejum. Ele é tão antigo quanto o primeiro homem, porque no paraíso o jejum foi promulgado.
O primeiro preceito que teve Adão foi este: Da árvore da ciência do bem e do mal não comereis. Estas palavras, não comereis, expressam uma rigorosa lei de jejum e de abstinência. Se Eva houvesse observado o jejum da árvore, não teríamos necessidade do jejum atual, porque os sãos não necessitam de médico, mas os enfermos. Pelo pecado todos fomos feridos: esforcemo-nos, portanto, pela penitência. Porém, é penitência vã e infrutuosa a que não vai acompanhada pelo jejum. A terra maldita não produzirá senão espinhos e abrolhos. Está ordenado que vivas em penitência, e que não te entregues às delícias. Satisfaz, pois, a Deus com o jejum.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 54-55. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São João Crisóstomo para esta celebração clicando aqui
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Missa do Papa no Egito - Jubileu 2000

No dia 25 de fevereiro do ano 2000, no contexto de sua peregrinação aos lugares da história da salvação por ocasião do Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na cidade do Cairo (Egito).

Como podemos deduzir da sua homilia, foi celebrada uma Missa votiva em honra da Sagrada Família, recordando particularmente a tradição de sua estadia no Egito.

Missa no Egito
Homilia do Papa João Paulo II 
Palácio dos Esportes, Cairo
25 de fevereiro de 2000

1. “Do Egito chamei o Meu Filho” (Mt 2,15).
O Evangelho de hoje recorda-nos a fuga da Sagrada Família para o Egito, onde veio buscar refúgio. “Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, e disse-lhe:  ‘Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o Menino para O matar’” (Mt 2,13). Desta maneira, Cristo “que se fez homem a fim de tornar o homem capaz de receber a divindade” (Santo Atanásio de Alexandria, Contra os arianos, 2, 59), quis refazer o percurso que foi o do chamamento divino, o caminho que o seu povo tinha empreendido, a fim de que todos os seus membros se tornassem filhos no Filho. “E ele (José) levantou-se, de noite, tomou o Menino e Sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta:  Do Egito chamei o Meu Filho’” (Mt 2,14-15). A Providência conduzia Jesus pelos caminhos que outrora os israelitas tinham percorrido rumo à terra prometida, sob o sinal do cordeiro pascal, celebrando a Páscoa. Também Jesus, o Cordeiro de Deus, foi chamado do Egito pelo Pai, para cumprir em Jerusalém a Páscoa da aliança nova e irrevogável, a Páscoa definitiva, a Páscoa que dá ao mundo a salvação.


2. “Do Egito chamei o Meu Filho”. Assim fala o Senhor, que fez sair o seu povo da condição de escravidão (cf. Ex 20,2), para concluir com ele no Monte Sinai uma aliança. A festa da Páscoa permanece para sempre a lembrança desta libertação. Ela comemora este evento, que continua presente na memória do povo de Deus. Quando partiram para a sua longa caminhada, sob a guia de Moisés, os israelitas não pensavam que a sua peregrinação através do deserto até à terra prometida devesse durar quarenta anos. O próprio Moisés, que conduzira o seu povo fora do Egito e o guiara durante todo aquele tempo, não entrou na terra prometida. Antes de morrer, contemplou-a do alto do monte Nebo e depois confiou o povo a Josué, seu sucessor.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Fotos da Missa do Papa em Bari

No último dia 23 de fevereiro o Papa Francisco celebrou a Santa Missa do VII Domingo do Tempo Comum na cidade italiana de Bari, por ocasião de um encontro dos Bispos do Mediterrâneo.

O Santo Padre foi assistido por Mons. Guido Marini.

Procissão de entrada
Incensação
Ritos iniciais
Bênção com o Livro dos Evangelhos

Homilia do Papa: Missa em Bari

Visita a Bari por ocasião do Encontro de Reflexão e Espiritualidade “Mediterrâneo, fronteira de paz”
Santa Missa do VII Domingo do Tempo Comum (Ano A)
Homilia do Papa Francisco
Corso Vittorio Emanuele II, Bari
Domingo, 23 de fevereiro de 2020

Jesus cita a lei antiga «olho por olho e dente por dente» (Mt 5,38; Ex 21,24), que significava: a quem te tirar algo, tirar-lhe-ás a mesma coisa. Era realmente um grande progresso, porque impedia retaliações mais graves: se alguém te fizer mal, retribui-lo-ás com a mesma medida; não poderás fazer-lhe pior. Fechar os litígios num empate era um passo em frente. Contudo Jesus vai mais além, muito mais além! «Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau» (Mt 5,39). Mas como, Senhor? Se alguém pensa mal de mim, se alguém me faz mal, não posso retribuir-lhe com a mesma moeda? «Não» - diz Jesus. Não-violência, nenhuma violência!

Podemos pensar que o ensinamento de Jesus persiga uma estratégia: no fim, o mau desistirá. Mas não é este o motivo pelo qual Jesus pede para amar mesmo a quem nos faz mal. Qual é o motivo? Porque o Pai, o nosso Pai, ama sempre a todos, mesmo quando não é correspondido. Ele «faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus, e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (Mt 5,45). E hoje, na primeira Leitura, diz-nos: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo» (Lv 19,2). Ou seja: «Vivei como Eu, procurai aquilo que Eu procuro». Assim procedeu Jesus. Não levantou a mão contra aqueles que O condenaram injustamente e mataram cruelmente, mas abriu-lhes os braços na cruz. E perdoou a quem Lhe espetou os cravos nos pulsos (cf. Lc 23,33-34).

Ora, se quisermos ser discípulos de Cristo, se nos quisermos chamar cristãos, este é o caminho; não há outro. Amados por Deus, somos chamados a amar; perdoados, a perdoar; tocados pelo amor, a dar amor sem esperar que comecem os outros; salvos gratuitamente, a não buscar lucro algum no bem que fazemos. Tu poderias dizer: «Mas, Jesus exagera! Chega a dizer: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). Fala assim, mas é para atrair a nossa atenção; talvez não entenda verdadeiramente isso». Mas é mesmo isso que Ele entende! Jesus não fala por paradoxos, não usa giros de palavras. É direto e claro. Cita a lei antiga e, solenemente, diz: «Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos». São palavras deliberadas, palavras precisas.

Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem». É a novidade cristã, a especificidade cristã. Orar e amar: isto é o que devemos fazer; e não só com quem nos ama, não só com os amigos, não só com os do nosso povo, porque o amor de Jesus não conhece fronteiras nem barreiras. O Senhor pede-nos a coragem dum amor sem cálculos. Porque a medida de Jesus é o amor sem medida. Quantas vezes negligenciamos os seus pedidos, comportando-nos como todo o mundo! E, todavia, o mandamento do amor não é uma simples provocação; está no coração do Evangelho. Sobre o amor para com todos, não procuremos desculpas, nem apregoemos prudências que nos são cómodas. O Senhor não Se mostrou prudente, não desceu a compromissos, pediu-nos o extremismo da caridade. É o único extremismo cristão lícito: o extremismo do amor.

Amai os vossos inimigos. Hoje, durante a Missa e depois, far-nos-á bem repetir, para nós próprios, estas palavras e aplicá-las às pessoas que nos tratam mal, aborrecem, que sentimos dificuldade em acolher e nos roubam a serenidade. Amai os vossos inimigos. Será útil interrogar-nos: «Na vida, preocupo-me com os inimigos, com quem me quer mal? Ou preocupo-me por amar?» Não te preocupes com a maldade dos outros, com a maldade de quem pensa mal de ti. Pelo contrário, começa a desarmar o teu coração por amor de Jesus. Porque quem ama a Deus, não tem inimigos no coração. O culto a Deus é contrário à cultura do ódio. E a cultura do ódio combate-se, contrariando o culto do lamento. Quantas vezes nos lamentamos do que não recebemos, daquilo que está errado! Jesus bem sabe que muitas coisas estão erradas, que haverá sempre alguém que nos quer mal, até mesmo alguém que nos perseguirá. Mas a nós, Jesus pede-nos apenas para rezar e amar. Aqui está a revolução de Jesus, a maior da história: do inimigo a odiar passar ao inimigo a amar; do culto do lamento, à cultura do dom. Se formos de Jesus, este é o caminho! Não há outro.

É verdade, todavia pode-se objetar: «Compreendo a grandeza do ideal, mas a vida é diferente! Se amo e perdoo, não sobreviverei neste mundo, onde prevalece a lógica da força e parece que cada um só pensa em si». Mas então a lógica de Jesus é perdente? É perdente aos olhos do mundo, mas vitoriosa aos olhos de Deus. São Paulo diz-nos na segunda Leitura: «Ninguém se engane (…), porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus» (1Cor 3,18.19). Deus vê mais além: sabe como se vence, sabe que o mal só se vence com o bem. Ele salvou-nos assim: não com a espada, mas com a cruz. Amar e perdoar é viver como vencedores. Perderemos, se defendemos a fé pela força; o Senhor repetiria a nós as mesmas palavras que disse a Pedro no Getsêmani: «Mete a espada na bainha» (Jo 18,11). Nos «getsêmanis» de hoje, no nosso mundo indiferente e injusto, onde parece assistir-se à agonia da esperança, o cristão não pode fazer como aqueles discípulos que, primeiro, empunharam a espada e, depois, fugiram. Não! A solução não é desembainhar a espada contra alguém, nem sequer fugir dos tempos que vivemos. A solução é o caminho de Jesus: o amor ativo, o amor humilde, o amor levado «até ao extremo» (Jo 13,1).

Queridos irmãos e irmãs, hoje Jesus, com o seu amor sem limites, eleva o nível da nossa humanidade. A questão final que nos podemos colocar: «E nós, alcançá-lo-emos?» Se a meta fosse impossível, o Senhor não nos teria pedido para a atingir. Mas, sozinhos, é difícil. É uma graça que devemos pedir. Suplicar a Deus a força de amar, dizendo-Lhe: «Senhor, ajudai-me a amar; ensinai-me a perdoar. Sozinho, não consigo; preciso de Vós». E devemos pedir também a graça de ver os outros, não como obstáculos e estorvos, mas como irmãos e irmãs a amar. É frequente solicitar a Deus auxílio e graças para nós, mas quão pouco pedimos para saber amar! Não pedimos, suficientemente, para saber viver o coração do Evangelho, para ser verdadeiramente cristãos. Mas, «ao entardecer desta vida, examinar-te-ão no amor» (São João da Cruz, Ditos de luz e amor, 57). Optemos hoje pelo amor, ainda que custe, mesmo que vá contra a corrente. Não nos deixemos condicionar pelo pensamento comum, nem nos contentemos com meias medidas. Acolhamos o desafio de Jesus, o desafio da caridade. Seremos verdadeiros cristãos e o mundo será mais humano.


Fonte: Santa Sé.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Comemoração de Abraão no Jubileu do ano 2000: Homilia

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Comemoração de Abraão, “Pai de todos os crentes”
Homilia do Papa João Paulo II 
23 de fevereiro de 2000

1. “Eu sou o Senhor, que te fez sair de Ur dos Caldeus, para te dar esta terra como herança... Nesse dia, o Senhor estabeleceu uma aliança com Abraão nestes termos: ‘À tua descendência darei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio, o Eufrates’” (Gn 15,7.18).
Antes de Moisés ter ouvido no monte Sinai as célebres palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2), o Patriarca Abraão já ouvira estas palavras: “Eu sou o Senhor, que te fez sair de Ur dos Caldeus”. Portanto, devemos dirigir-nos com o pensamento rumo a esse importante lugar na história do Povo de Deus, para ali buscar os primórdios da aliança de Deus com o homem. Eis porque, neste ano do Grande Jubileu, enquanto com o coração remontamos ao início da aliança de Deus com a humanidade, o nosso olhar se volta para Abraão, para o lugar onde ele ouviu a chamada de Deus e lhe respondeu com a obediência da fé. Juntamente conosco, também os judeus e os muçulmanos olham para a figura de Abraão como para um modelo de incondicional submissão à vontade de Deus (cf. Nostra aetate, 3).
O autor da Carta aos Hebreus escreve: “Pela fé Abraão, chamado por Deus, partiu para um lugar que deveria receber como herança. E partiu sem saber para onde” (11,8). Eis que Abraão, que o Apóstolo Paulo denomina “nosso pai na fé” (cf. Rm 4,11-16), acreditou em Deus e confiou n'Aquele que o chamava. Acreditou na Sua promessa. Deus disse a Abraão: “Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te mostrar. Farei de ti um grande povo e abençoar-te-ei; tornarei famoso o teu nome, de modo que seja uma bênção... Em ti, todas as famílias da terra serão abençoadas” (Gn 12,1-3). Estamos porventura a falar do trajeto de uma das múltiplas migrações, típicas de uma época em que o pastoreio era uma fundamental forma de vida econômica? Provavelmente sim. Porém, sem dúvida não se tratava só disto. Na vicissitude de Abraão, com quem teve início a história da salvação, já podemos captar outro significado da chamada e da promessa. A terra, rumo à qual começa a caminhar o homem guiado pela voz de Deus, não pertence exclusivamente à geografia deste mundo. Abraão, o crente que recebe o convite de Deus, é aquele que caminha na direção de uma terra prometida que não é deste mundo.

2. Na Carta aos Hebreus, lemos: “Pela fé Abraão, colocado à prova, ofereceu Isaac; e justamente ele que havia recebido as promessas ofereceu o seu único filho, do qual fora dito: ‘De Isaac sairá uma descendência que terá o teu nome’” (11,17-18). Eis o apogeu da fé de Abraão. Ele é posto à prova por aquele Deus em quem depositara a própria confiança, por aquele Deus de quem recebera a promessa concernente ao longínquo futuro: “De Isaac sairá uma descendência que terá o teu nome” (Hb 11,18). Porém, é chamado a oferecer em sacrifício a Deus precisamente Isaac, o seu único filho, a quem estava ligada toda a sua esperança, conforme de resto à promessa divina. Como poderá cumprir-se a promessa que Deus lhe fez de uma descendência numerosa, se Isaac, o seu filho unigênito, deverá ser oferecido em sacrifício?
Mediante a fé, Abraão sai vitorioso desta provação, uma prova dramática que punha em questão diretamente a sua fé. “De fato, Abraão pensava - escreve o autor da Carta aos Hebreus - que Deus é capaz de ressuscitar os mortos” (11,19). Nesse momento humanamente trágico, em que já estava pronto a infligir o golpe mortal contra o seu filho, Abraão não cessou de acreditar. Pelo contrário, a sua fé na promessa de Deus alcançou o ápice. Ele pensava: “Deus é capaz de ressuscitar os mortos”. Assim pensava este pai provado, humanamente falando, para além de toda a medida. E a sua fé, o seu total abandono em Deus, não o desiludiu. Está escrito: “Por isso, Abraão recuperou o seu filho” (ibid.). Recuperou Isaac, porque acreditou em Deus até ao fim e de maneira incondicional.
Aqui o autor da Carta parece exprimir algo mais: toda a experiência de Abraão se lhe manifesta como uma antologia do evento salvífico da morte e da ressurreição de Cristo. Este homem, que se encontra na origem da nossa fé, faz parte do eterno desígnio divino. Segundo uma tradição, o lugar onde Abraão estava prestes a sacrificar o próprio filho é o mesmo lugar em que outro pai, o Pai eterno, teria aceito a oferta do seu Filho unigênito, Jesus Cristo. Assim, o sacrifício de Abraão apresenta-se como anúncio profético do sacrifício de Cristo. “Pois Deus - escreve São João - amou de tal forma o mundo que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). Sem o saber, o Patriarca Abraão, nosso pai na fé, introduz de certa forma todos os crentes no desígnio eterno de Deus, no qual se realiza a redenção do mundo.

3. Certo dia, Cristo afirmou: “Garanto-vos: antes que Abraão existisse, Eu sou!” (Jo 8,58), e estas palavras surpreenderam os ouvintes, que objetaram: “Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?” (v. 57). Quem reagia assim, raciocinava de maneira meramente humana, e por isso não aceitava quanto Cristo dizia. “Acaso és maior que o nosso pai Abraão, que morreu? Os profetas também morreram. Quem é que pretendes ser?” (v. 53). Jesus retorquiu-lhes: “Abraão, vosso pai, alegrou-se porque viu o meu dia. Ele viu e encheu-se de alegria” (v. 56).
A vocação de Abraão parece estar inteiramente orientada para o dia de que Cristo fala. Aqui não contam os cálculos humanos; é preciso aplicar a medida de Deus. Só assim podemos compreender o justo significado da obediência de Abraão que, “esperando contra toda a esperança... acreditou” (Rm 4,18). Esperou tornar-se pai de numerosas nações, e hoje sem dúvida alegra-se conosco porque a promessa de Deus se realiza ao longo dos séculos, de geração em geração.
O facto de ter acreditado, esperando contra toda a esperança, “foi-lhe creditado como justiça” (Rm 4,22), não só em consideração dele, mas também de todos nós, seus descendentes na fé. Nós “acreditamos n'Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus nosso Senhor” (v. 24), condenado à morte pelos nossos pecados e ressuscitado pela nossa justificação (cf. v. 25). Abraão não o sabia; todavia, mediante a obediência da fé, dirigia-se para o cumprimento de todas as promessas divinas, animado pela esperança de que estas se realizassem. E existe por ventura maior promessa do que aquela que se cumpriu no mistério pascal de Cristo? Verdadeiramente, na fé de Abraão, Deus todo-poderoso entreteceu uma aliança eterna com o gênero humano, e o cumprimento definitivo dessa é Jesus Cristo. O Filho unigênito do Pai, da sua mesma substância, fez-Se homem para nos introduzir, mediante a humilhação da Cruz e a glória da ressurreição, na terra de salvação que, desde o princípio, Deus rico de misericórdia prometeu à humanidade.

4. Modelo insuperável do povo remido, no caminho rumo ao cumprimento desta promessa universal, é Maria, “aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45).
Filha de Abraão segundo a fé e a carne, Maria participou pessoalmente na sua experiência. Também ela, como Abraão, aceitou a imolação do Filho, mas enquanto a Abraão não foi pedido o sacrifício efetivo de Isaac, Cristo bebeu até à última gota o cálice da amargura. E Maria participou pessoalmente na provação do Filho, acreditando e esperando com firmeza aos pés da cruz (cf. Jo 19,25).
Era o epílogo de uma longa expectativa. Formada na meditação das páginas proféticas, Maria pressentia o que estava à sua espera e, exaltando a misericórdia de Deus, fiel ao seu povo de geração em geração, exprimia a pronta adesão ao seu desígnio de salvação; expressava de modo especial o seu “sim” ao evento central daquele projeto, o sacrifício daquele Menino que Ela trazia no seio. Como Abraão, aceitou o sacrifício do Filho.
Hoje, unimos a nossa voz à sua e, juntamente com Ela, a Virgem Filha de Sião, proclamamos que Deus se recordou da sua misericórdia, “conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e da sua descendência para sempre” (Lc 1,55).

Ícone de Abraão, "nosso pai na fé"

Fonte: Santa Sé