Uma das práticas de piedade popular mais queridas pelos
fiéis, sobretudo no tempo da Quaresma, é a Via Sacra. Acompanhando Jesus nos
últimos passos de sua vida, o cristão é convidado a meditar o mistério de sua
Paixão, obedecendo assim ao convite do próprio Senhor: “Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e me
siga” (Lc 9,23).
Já tratamos aqui em nosso blog sobre esta devoção (para ler a postagem, clique aqui). Nesta postagem, por sua vez, gostaríamos de falar de um texto alternativo ao esquema tradicional: a
Via Sacra Bíblica.
O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, publicado
pela Congregação para o Culto Divino em 2003, menciona a possibilidade de
formas alternativas para a Via Sacra:
“Em todo o caso, há formas alternativas de Via Sacra, aprovadas pela Sé
Apostólica ou publicamente usadas pelo Romano Pontífice: devem ser consideradas
como genuínas, às quais se pode recorrer segundo a oportunidade” (n. 134).
Este parágrafo remete a duas notas de rodapé (notas 33 e
34), que mencionam quais seriam tais formulários aprovados: o texto proposto no
Livro do Peregrino publicado por ocasião do Jubileu de 1975 e aqueles
utilizados na Via Sacra presidida pelo Papa João Paulo II no Coliseu em 1991,
1992 e 1994.
Dom Piero Marini, Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias
de 1987 a 2007, publicou no site da Santa Sé um texto aprofundando a temática, explicando que tanto no Jubileu de 1975 quanto no Coliseu utilizou-se um
formulário para a Via Sacra mais condizente com os textos bíblicos.
Nesta Via Sacra Bíblica não aparecem as estações que são
fruto da tradição e não constam nas Sagradas Escrituras, como as quedas de Jesus e os seus encontros com Maria e com Verônica a caminho do Calvário.
Em contrapartida, o
formulário engloba outros textos dos relatos da Paixão, como a agonia no
Getsêmani, a prisão de Jesus, as negações de
Pedro, entre outros:
Estações da Via Sacra Bíblica
1. Jesus em agonia no Getsêmani
2. Jesus, traído por Judas, é preso
3. Jesus é condenado pelo Sinédrio
4. Jesus é renegado por Pedro
5. Jesus é julgado por Pilatos
6. Jesus é flagelado e coroado de espinhos
7. Jesus carrega a cruz
8. Jesus é ajudado pelo Cireneu a carregar a cruz
9. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
10. Jesus é crucificado
11. Jesus promete o Reino ao bom ladrão
12. A Mãe e o discípulo junto à cruz
13. Jesus morre na cruz
14. Jesus é sepultado
Agonia no Getsêmani: início da Paixão |
Na Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu, este formulário
já foi utilizado diversas vezes, tanto no pontificado de São João Paulo II
quanto no pontificado de Bento XVI (1991, 1992, 1994, 1995, 1997,
2002, 2004, 2007-2009).
Interessante notar que, sobretudo com São João Paulo II, as
meditações preparadas para este esquema foram confiadas inclusive a não
católicos, tanto ortodoxos quanto protestantes (incluindo o Patriarca
Bartolomeu de Constantinopla e o Catholicos Armênio Karekin I). Vê-se, assim,
como a Via Sacra Bíblica tem uma alcance ecumênico.
Como Dom Piero Marini salienta em seu artigo, não se trata
de substituir o formulário tradicional, que continua plenamente válido. Pelo
contrário, ambos podem coexistir em nossas comunidades, destacando diferentes aspectos do mesmo mistério. Pois o mistério da Paixão é tão grande que nenhum
formulário pode abarcá-lo completamente.
De toda forma, utilizando um ou outro esquema, a
Palavra de Deus deve ser sempre um elemento fundamental em toda oração cristã.
Como indica o Diretório sobre Piedade Popular ao falar da Via Sacra: “De preferência usem-se textos nos quais
ressoe, corretamente aplicada, a palavra bíblica e que sejam escritos numa
linguagem nobre e simples” (n. 135).
A oração da Via Sacra não deve ser, portanto, um espaço para
análises sociopolíticas da atualidade, mas sim um lugar para o encontro com
Cristo. Claro que a Palavra pode ser atualizada e, à sua luz, podemos rezar
pelas necessidades atuais, desde que jamais se perca de vista o centro: Jesus
Cristo.
Rezar a Via Sacra é viver aquilo que diz Paulo: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo
Jesus” (Fl 2,5). Ou , para usar a bela definição de Dom Piero Marini:
“Participando da Via Sacra, cada
discípulo de Jesus deve reafirmar a própria adesão ao Mestre: para chorar o
próprio pecado como Pedro; para abrir-se, como o Bom Ladrão, à fé em Jesus,
Messias sofredor; para permanecer junto à Cruz de Cristo, como a Mãe e o
discípulo, e ali acolher com eles a Palavra que salva, o Sangue que purifica, o
Espírito que dá a vida”.
Em nossa próxima postagem publicaremos um modelo de Via Sacra Bíblica,
utilizado na celebração presidida pelo Papa no Coliseu. Outros podem ser encontrados
no site da Santa Sé: alguns em português, outros em outras línguas.
Referências:
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS
SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade
Popular e Liturgia: Princípios e orientações. São Paulo: Paulinas, 2003.
MARINI, Piero. La Via
Crucis: Presentazione. Disponível no site da Santa Sé. Acesso em: 21 de fevereiro de 2018.
Só Jesus e q salvá
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