X Encontro Mundial das Famílias
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Praça de São Pedro
Sábado, 25 de junho de 2022
Foi celebrada a Missa do XIII Domingo do Tempo Comum - Ano C.
No âmbito do X Encontro Mundial das
Famílias, este é o momento da ação de graças. Hoje trazemos, com
gratidão, à presença de Deus - como num grande ofertório - tudo o que o
Espírito Santo semeou em vós, queridas famílias. Algumas de vós participaram
nos momentos de reflexão e partilha aqui no Vaticano; outras animaram e viveram
os mesmos momentos nas respetivas Dioceses, formando uma espécie de imensa
constelação. Imagino a riqueza de experiências, propósitos, sonhos, como não faltaram
também as preocupações e as incertezas. Agora apresentamos tudo ao Senhor e
pedimos-Lhe que vos sustente com a sua força e o seu amor. Sois pais, mães,
filhos, avós, tios; sois adultos, crianças, jovens, idosos; cada qual com uma
experiência diversa de família, mas todos com a mesma esperança feita oração:
que Deus abençoe e guarde as vossas famílias e todas as famílias do mundo.
Na 2ª Leitura (Gl 5,1.13-18), São Paulo falou-nos de liberdade. A
liberdade é um dos bens mais apreciados e procurados pelo homem moderno e
contemporâneo. Todos desejam ser livres, não sofrer condicionamentos, nem
ver-se limitados; por isso aspiram a libertar-se de qualquer tipo de «prisão»:
cultural, social, económica. E, no entanto, quantas pessoas carecem da
liberdade maior: a liberdade interior! A maior liberdade é a liberdade
interior. O Apóstolo lembra-nos, a nós cristãos, que esta é primariamente um
dom, quando exclama: «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (v. 1). A
liberdade foi-nos dada. Nascemos, todos, com muitos condicionamentos,
interiores e exteriores, e sobretudo com a tendência para o egoísmo, isto é,
para nos colocarmos a nós mesmos no centro e privilegiar os nossos próprios
interesses. Mas, desta escravidão, libertou-nos Cristo. Para evitar equívocos,
São Paulo adverte-nos que a liberdade dada por Deus não é a liberdade falsa e
vazia do mundo que, na realidade, é «uma ocasião para os [nossos] apetites
carnais» (v. 13). Essa, não! A liberdade, que Cristo nos conquistou com o preço
do seu Sangue, está inteiramente orientada para o amor, a fim de que - como
dizia, e nos diz hoje a nós, o Apóstolo -, «pelo amor, [nos façamos] servos uns
dos outros» (v. 13).
Todos vós, esposos, ao formar a vossa
família, com a graça de Cristo fizestes esta corajosa opção: não usar a
liberdade para proveito próprio, mas para amar as pessoas que Deus colocou
junto de vós. Em vez de viver como «ilhas», vos fizestes «servos uns dos
outros». Assim se vive a liberdade em família! Não há «planetas» ou
«satélites», movendo-se cada qual pela sua própria órbita. A família é o lugar
do encontro, da partilha, da saída de si mesmo para acolher o outro e estar
junto dele. É o primeiro lugar onde se aprende a amar. Nunca o
esqueçais: a família é o primeiro lugar onde se aprende a amar.
Irmãos e irmãs, ao mesmo tempo em que
reafirmamos com grande convicção tudo isto, bem sabemos que na realidade dos fatos
não é sempre assim, por muitos motivos e pelas mais variadas situações. Por
isso, justamente enquanto afirmamos a beleza da família, sentimos
mais do que nunca que devemos defendê-la. Não deixemos que seja
poluída pelos venenos do egoísmo, do individualismo, da cultura da indiferença
e da cultura do descarte, perdendo assim o seu DNA que é o acolhimento e o
espírito de serviço. A característica própria da família: o acolhimento, o
espírito de serviço dentro da família.
A relação entre os profetas Elias e
Eliseu, apresentada na 1ª Leitura (1Rs
19,16b.19-21), faz-nos pensar na relação entre as gerações, na
«passagem do testemunho» entre pais e filhos. No mundo atual, esta relação não
é simples, revelando-se muitas vezes motivo de preocupação. Os pais temem que
os filhos não consigam orientar-se no meio da complexidade e confusão das
nossas sociedades, onde tudo parece caótico, precário, acabando por
extraviar-se da sua estrada. Este medo torna alguns pais ansiosos; outros,
superprotetores. E por vezes acaba até por bloquear o desejo de trazer novas
vidas ao mundo.
Faz-nos bem refletir sobre a relação
entre Elias e Eliseu. Elias, num momento de crise e medo face ao futuro, recebe
de Deus a ordem de ungir Eliseu como seu sucessor. Deus faz compreender a Elias
que o mundo não termina com ele, e manda-lhe transmitir a outro a sua missão.
Tal é o significado deste gesto descrito no texto: Elias lança o seu manto
sobre os ombros de Eliseu e, a partir daquele momento, o discípulo tomará o
lugar do mestre para continuar o seu ministério profético em Israel. Deus
mostra, assim, que tem confiança no jovem Eliseu. O velho Elias
passa a Eliseu a função, a vocação profética. Tem confiança num jovem, tem
confiança no futuro. Naquele gesto, está contida toda uma esperança, e é com
esperança que passa o testemunho.
Como é importante, para os pais,
contemplar o modo de agir de Deus! Deus ama os jovens, mas isto não significa
que os preserve de todo o risco, desafio e sofrimento. Deus não é ansioso, nem
superprotetor. Pensai bem nisto: Deus não é ansioso, nem superprotetor; pelo
contrário, tem confiança neles e chama cada um à medida alta da vida e
da missão. Pensemos no pequeno Samuel, no adolescente Davi, no jovem
Jeremias; pensemos sobretudo naquela donzela de dezesseis ou dezessete anos que
concebeu Jesus: a Virgem Maria. Confia-Se a uma jovem. Queridos pais, a Palavra
de Deus mostra-nos o caminho: não é preservar os filhos do mínimo incômodo e
sofrimento, mas procurar transmitir-lhes a paixão pela vida, acender neles o desejo
de encontrar a sua vocação e abraçar a missão grande que Deus pensou para eles.
É precisamente esta descoberta que torna Eliseu corajoso, determinado, que o
torna adulto. O afastamento dos pais e a morte dos bois são o sinal concreto de
que Eliseu compreendeu que agora «é a vez dele», que é hora de acolher a
vocação de Deus e levar por diante aquilo que viu o seu mestre fazer. E o fará
com coragem até ao fim da sua vida. Queridos pais, se ajudardes os filhos a
descobrirem e acolherem a sua vocação, vereis que serão «fascinados» por esta
missão e terão força para enfrentar e superar as dificuldades da vida.
Quero ainda acrescentar que a melhor
maneira de um educador ajudar a outrem a seguir a sua vocação é abraçar
com um amor fiel a própria. Foi o que os discípulos viram Jesus fazer; e o
Evangelho de hoje (Lc 9,51-62)
mostra-nos um momento emblemático disso mesmo, quando Jesus «Se dirigiu
resolutamente para Jerusalém» (v. 51), sabendo bem que lá seria condenado e
morto. E, no caminho para Jerusalém, Ele vê-Se repelido pelos habitantes da
Samaria; uma rejeição, que suscita a reação indignada de Tiago e João, mas que
Jesus aceita, pois faz parte da sua vocação: a princípio, fora rejeitado em
Nazaré - pensemos naquele dia na sinagoga de Nazaré (cf. Mt 13,53-58) -, agora, na Samaria e, no fim,
será rejeitado em Jerusalém. Jesus aceita tudo isto, porque veio para tomar
sobre Si os nossos pecados. De igual modo, não há nada mais animador para os
filhos do que ver os seus pais viverem o casamento e a família como uma missão,
com fidelidade e paciência, apesar das dificuldades, horas tristes e provações.
E, o que sucedeu com Jesus na Samaria, acontece em toda a vocação cristã,
incluindo a vocação familiar. Todos o sabemos: há momentos em que é preciso
assumir as resistências, os fechamentos, as incompreensões que provêm do
coração humano e, com a graça de Cristo, transformá-los em acolhimento do
outro, em amor gratuito.
E no caminho para Jerusalém,
imediatamente depois deste episódio que, de certo modo, nos descreve a «vocação
de Jesus», o Evangelho apresenta-nos outros três chamados, três vocações de
igual número de aspirantes a discípulos de Jesus. O primeiro é convidado a não
procurar, no seguimento do Mestre, uma morada estável, uma acomodação segura.
Com efeito Ele «não tem onde reclinar a cabeça» (Lc 9,58). Seguir
Jesus significa pôr-se em movimento e estar sempre em movimento, sempre «em
viagem» com Ele através das vicissitudes da vida. Como tudo isto é verdade para
vós, casados! Também vós, ao acolher a vocação para o matrimônio e a família,
deixastes o vosso «ninho» e começastes uma viagem, da qual não podíeis conhecer
de antemão todas as etapas, e que vos mantém em constante movimento, com
situações sempre novas, fatos inesperados, surpresas (algumas dolorosas). Assim
é o caminho com o Senhor: dinâmico, imprevisível mas sempre uma maravilhosa
descoberta! Lembremo-nos de que o repouso de cada discípulo de Jesus
encontra-se justamente em fazer cada dia a vontade de Deus, seja ela qual for.
O segundo discípulo é convidado a não
voltar atrás porque queria, «primeiro, sepultar o pai» (vv. 59-60). Não se
trata de faltar ao quarto mandamento, que permanece sempre válido e é um
mandamento que nos santifica imenso; mas é um convite a obedecer, antes de
tudo, ao primeiro mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas. O mesmo se
verifica com o terceiro discípulo, chamado a seguir Cristo resolutamente e de
todo o coração, sem «olhar para trás», nem mesmo para se despedir dos seus
familiares (vv. 61-62).
Queridas famílias, também vós sois
convidadas a não ter outras prioridades, a «não olhar para trás», isto é, a não
vos lamentardes repassando a vida de outrora, a liberdade de antes com as suas
ilusões enganadoras: a vida fossiliza-se quando não acolhe a novidade do chamamento
de Deus, chorando pela falta do passado. E este caminho de lamentar a falta do
passado e não acolher as novidades que Deus nos manda, sempre nos fossiliza;
faz-nos duros, faz-nos desumanos. Quando Jesus chama, nomeadamente ao matrimônio
e à família, pede para olharmos em frente, e sempre nos precede no
caminho, sempre nos precede no amor e no serviço. Quem o
segue, não fica decepcionado!
Queridos irmãos e irmãs,
providencialmente todas as Leituras da Liturgia de hoje nos falam de vocação,
que é precisamente o tema deste X Encontro Mundial das Famílias: «O amor
familiar: vocação e caminho de santidade». Com a força desta Palavra de
vida, animo-vos a retomar resolutamente o caminho do amor familiar, partilhando
com todos os membros da família a alegria desta vocação. E não é uma estrada
fácil, não é um caminho fácil: haverá momentos escuros, momentos de dificuldade
nos quais pensaremos que tudo acabou. O amor que viveis entre vós seja sempre
aberto, comunicativo, capaz de «tocar com a mão» os mais frágeis e os feridos
que encontrardes pelo caminho: frágeis no corpo e frágeis na alma. De fato é
quando se dá que o amor, incluindo o amor familiar, se purifica e fortalece.
A aposta no amor familiar é corajosa: é
preciso coragem para casar. Vemos muitos jovens que não têm a coragem de se
casar, e muitas vezes acontece uma mãe vir dizer-me: «Faça qualquer coisa,
converse com o meu filho, que não se casa; tem 37 anos!» - «Mas, senhora, deixe
de lhe passar a ferro as camisas, comece a senhora a mandá-lo sair um pouco,
que saia do ninho». Porque o amor familiar impele os filhos a voarem, ensina-os
a voar e impele-os a voar. Não é possessivo: sempre dá liberdade. E depois, nos
momentos difíceis, nas crises - crises, todas as famílias as têm -, por favor,
não sigais o caminho mais fácil: «Volto para casa da mãe». Não. Andai avante
com esta aposta corajosa. Haverá momentos difíceis, haverá momentos duros, mas
avante, sempre. O teu marido, a tua esposa tem aquela centelha de amor que vós
sentistes ao princípio: deixai-a sair de dentro, redescobri o amor. E isto
ajudar-vos-á imenso nos momentos de crise.
A Igreja está convosco;
antes, a Igreja está em vós! Com efeito, a Igreja nasceu de uma
família, a família de Nazaré, e é composta principalmente por famílias. Que o
Senhor vos ajude cada dia a permanecer na unidade, na paz, na alegria e também
numa fiel perseverança que nos faz viver melhor e mostra a todos que Deus é
amor e comunhão de vida.