Mostrando postagens com marcador Matrimônio e Família. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Matrimônio e Família. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Fotos da Missa no Jubileu das Famílias (2025)

No dia 01 de junho de 2025 o Papa Leão XIV presidiu na Praça de São Pedro a Missa do VII Domingo da Páscoa (Ano C) por ocasião do Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos.

Esta foi a primeira grande celebração do Jubileu Ordinário de 2025 presidida pelo novo Papa, assistido por Dom Diego Giovanni Ravelli e pelo Monsenhor Ján Dubina.

O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão de entrada
Incensação

Ritos iniciais

Homilia do Papa: Jubileu das Famílias (2025)

Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos
Homilia do Papa Leão XIV
Praça de São Pedro
Domingo, 01 de junho de 2025

Foi celebrada a Missa do VII Domingo da Páscoa (Ano C) com suas leituras.

O Evangelho que acaba de ser proclamado (Jo 17,20-26) mostra-nos Jesus rezando por nós na Última Ceia: o Verbo de Deus, feito homem, já perto do fim da sua vida terrena, pensa em nós, seus irmãos, tornando-se bênção, súplica e louvor ao Pai, com a força do Espírito Santo. E também nós, ao entrarmos na oração de Jesus cheios de admiração e confiança, somos envolvidos pelo seu próprio amor em um grande projeto, que diz respeito a toda a humanidade.

Cristo pede, com efeito, que todos sejamos «um» (v. 21). Trata-se do maior bem que possa ser desejado, porque esta união universal realiza entre as criaturas a comunhão eterna de amor na qual se identifica o próprio Deus, como Pai que dá a vida, Filho que a recebe e Espírito que a partilha.


O Senhor não quer que nos juntemos em uma massa indistinta, como um bloco sem nome, apenas com o fim de estarmos unidos, mas deseja que sejamos um: «como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti, para que eles estejam em Nós» (v. 21). A unidade pela qual Jesus reza é, portanto, uma comunhão fundada no mesmo amor com que Deus ama, do qual provêm a vida e a salvação. E como tal é, primeiramente, um dom que Jesus vem trazer. É, portanto, a partir do seu coração de homem que o Filho de Deus se dirige ao Pai dizendo: «Eu neles e Tu em mim, para que assim eles cheguem à unidade perfeita e o mundo reconheça que Tu me enviaste e os amaste, como amaste a mim» (v. 23).

Ouçamos com admiração estas palavras: Jesus está revelando-nos que Deus nos ama como ama a si mesmo. O Pai não nos ama menos do que ama o seu Filho Único, isto é, infinitamente. Deus não ama menos, porque ama antes, ama por primeiro! O próprio Cristo testemunha isso quando diz que o Pai o amou «antes da fundação do universo» (v. 24). E é exatamente assim: na sua misericórdia, Deus sempre quis atrair todos os homens para si, e é a sua vida, entregue por nós em Cristo, que nos faz um, que nos une uns aos outros.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Ângelus: XXVII Domingo do Tempo Comum - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 06 de outubro de 2024

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
Hoje, no Evangelho da Liturgia (Mc 10,2-16), Jesus fala-nos do amor conjugal. Como em outras ocasiões, alguns fariseus fazem-lhe uma pergunta provocadora sobre um tema controverso: o repúdio da esposa por parte do marido. Queriam arrastá-lo para uma polêmica, mas ele não cai nisso, antes, aproveita a ocasião para chamar a atenção deles para uma questão mais importante: o valor do amor entre o homem e a mulher.

No tempo de Jesus, a condição da mulher no matrimônio era muito desvantajosa em relação à do homem: o marido podia expulsar, repudiar a esposa, até por motivos fúteis, e isso era justificado com interpretações legalistas das Escrituras. É por isso que o Senhor reconduz os seus interlocutores às exigências do amor. Recorda-lhes que mulher e homem foram desejados pelo Criador para serem iguais em dignidade e complementares na diversidade, para poderem ser ajuda e companhia um do outro, mas ao mesmo tempo estímulo e desafio para crescer (cf. Gn 2,20-23).

E, para que isso aconteça, sublinha a necessidade de que o dom recíproco seja pleno, envolvente, sem “meias medidas” - isto é o amor - para que seja o início de uma vida nova (cf. Mc 10,7; Gn 2,24), destinada a durar não “enquanto me apetecer”, mas para sempre, acolhendo-se mutuamente e vivendo unidos como “uma só carne” (cf. Mc 10,8; Gn 2,24). Claro que isso não é fácil, exige fidelidade, mesmo nas dificuldades, exige respeito, sinceridade, simplicidade (cf. Mc 10,15). É preciso estar abertos ao confronto, por vezes à discussão, quando é preciso, mas sempre prontos ao perdão e à reconciliação. E atenção: marido e esposa, discutam à vontade, desde que façam as pazes antes do fim do dia! Sabem por quê? Porque a guerra fria do dia seguinte é perigosa. “E diga-me, Padre, como é que se faz a paz?” - “Basta uma carícia, assim”, mas nunca terminar o dia sem fazer as pazes.

Não esqueçamos, portanto, que é essencial que os esposos se abram ao dom da vida, ao dom dos filhos, que são o mais belo fruto do amor, a maior bênção de Deus, fonte de alegria e de esperança para cada lar e toda a sociedade. Tende filhos! Ontem tive uma grande consolação. Era o dia da Gendarmeria, e um gendarme veio com os seus oito filhos! Foi bonito vê-lo. Por favor, abertos à vida, ao que Deus envia.

Queridas irmãs, queridos irmãos, o amor é exigente, sim, mas é belo, e quanto mais nos deixamos envolver por ele, mais descobrimos nele a verdadeira felicidade. E agora, que cada um se pergunte no seu coração: como é o meu amor? É fiel? É generoso? É criativo? Como são as nossas famílias? Estão abertas à vida, ao dom dos filhos?

Que a Virgem Maria ajude os esposos cristãos. Dirijamo-nos a ela em união espiritual com os fiéis reunidos no Santuário de Pompeia para a tradicional Súplica a Nossa Senhora do Santo Rosário.


Fonte: Santa Sé.

Após a oração do Ângelus o Papa anunciou a celebração de um Consistório para criação de 21 novos Cardeais no próximo dia 08 de dezembro.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Leitura litúrgica do Livro de Tobias (1)

“Bendize o Senhor em todo o tempo, e pede-lhe para que sejam retos os teus caminhos” (Tb 4,19).

Dedicamos as postagens anteriores da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura aos livros do Antigo Testamento (AT) definidos como “novelas bíblicas”, isto é, narrativas sobre diversos aspectos da vida quotidiana, com propósito didático.

Após analisar os três livros que têm mulheres como protagonistas (Rute, Ester e Judite), cabe-nos agora contemplar o último escrito desse bloco: o Livro de Tobias (Tb).

Tobias e o Arcanjo Rafael
(Szymon Czechowicz)

1. Breve introdução ao Livro de Tobias

Assim como Judite, Tobias é um livro deuterocanônico (“da segunda lista”), isto é, tendo sido escrito em grego, não foi aceito na Bíblia hebraica (e posteriormente rejeitado também pelos protestantes). Contudo, é possível que tenha existido um original aramaico ou hebraico que se perdeu.

Em grego o livro possui duas versões, razão pela qual há diferenças na numeração dos versículos nas traduções. Seu nome em grego é Τοβίτ, Tobit, embora o conheçamos como Tobias, nome do seu filho. Ambos são nomes simbólicos que provêm da mesma raiz hebraica: tôb, bom.

Como as demais “novelas bíblicas”, trata-se de uma história fictícia. Isto fica claro pelos erros históricos e geográficos em sua narrativa: são “erros” propositais, que o autor usa para recordar ao leitor que a sua mensagem serve para todos os tempos e lugares.

A redação do livro pode ser datada entre o final do século III e o início do século II a. C., no início do período helênico, quando os primeiros reis selêucidas foram tolerantes com a fé judaica. A obra tem como objetivo exortar à prática das “boas obras”, como dar esmolas ou sepultar os mortos.

Sua narrativa pode ser organizada em três grandes partes:
a) Tb 1–4: As “desventuras” de Tobit e Sara;
b) Tb 5–10: A viagem de Tobias e o seu casamento com Sara;
c) Tb 11–14: A cura de Tobit e o seu cântico de ação de graças.

A história é ambientada na Assíria, após o fim do reino do norte, Israel (722 a. C.) Primeiramente Tobit se apresenta: é um judeu piedoso, que dá esmolas e sepulta os mortos (cap. 1). Porém, quase como um “novo Jó”, é perseguido, perde seus bens e fica cego (cap. 2), entoando então uma súplica a Deus (Tb 3,1-6).

Em Tb 3,7 somos apresentados a Sara, filha de Raguel (“amigo de Deus”): ela casara-se sete vezes, mas o demônio Asmodeu (cujo nome poderia significar “destruidor”) matara todos os seus maridos antes que a união fosse consumada. Ela então também eleva a Deus uma súplica (Tb 3,11-15).

Deus ouve as súplicas dos dois “desventurados” e envia-lhes o anjo Rafael, isto é, “Deus cura” (Tb 3,16-17). Antes da sua intervenção, porém, a primeira parte encerra-se com o envio de Tobias a outra cidade para resgatar um dinheiro depositado por Tobit. O cap. 4 é formado por conselhos de caráter sapiencial e religioso do pai a seu filho.

A segunda parte do livro começa com a viagem de Tobias, acompanhado por Rafael, que a princípio não se dá a conhecer (cap. 5–6). Por sua intervenção, Tobias casa-se com Sara e a jovem é libertada do demônio Asmodeu (cap. 7–8). Essa segunda parte encerra-se com a recuperação do dinheiro e a viagem de volta (cap. 9–10).

A última parte da história é marcada pelo encontro entre pai e filho e pela cura de Tobit, novamente pela intervenção de Rafael (cap. 11), que por fim se dá a conhecer (cap. 12). A obra se encerra com um cântico de ação de graças de Tobit (cap. 13) e a narração da sua morte (cap. 14).

Tobit sepultando os mortos
(Andrea di Lione)

Como podemos ver, o Livro de Tobias é uma “história de família”, sobre o valor do matrimônio e a importância de praticar boas ações. O recurso a diversos gêneros literários dá um colorido particular à obra. Está próxima dos escritos sapienciais, enquanto sua teologia é deuteronomista, marcada pela promessa de que, no final, Deus recompensará o justo.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem.

2. Leitura litúrgica do Livro de Tobias: Composição harmônica

Como fizemos com as demais “novelas bíblicas”, analisaremos a presença do Livro de Tobias nas celebrações litúrgicas segundo os dois critérios de seleção dos textos bíblicos indicados pelo Elenco das Leituras da Missa (ELM) em seu n. 66: a composição harmônica e a leitura semicontínua [1].

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Missa pelas famílias em Cracóvia

Há seis meses a Arquidiocese de Cracóvia (Polônia) promove a peregrinação de um ícone da Sagrada Família por suas paróquias. O ícone foi abençoado pelo Arcebispo, Dom Marek Jędraszewski, na Missa da Noite de Natal de 2021 e iniciou sua peregrinação no dia seguinte, 26 de dezembro, Festa da Sagrada Família.

A peregrinação concluiu no último domingo, 26 de junho de 2022, em sintonia com o encerramento do X Encontro Mundial das Famílias em Roma:

Já no sábado, 25 de junho, o ícone foi acolhido no Santuário de São João Paulo II, etapa final da peregrinação, com a Missa presidida pelo Arcebispo Emérito, Cardeal Stanisław Dziwisz.

No domingo, por sua vez, Dom Marek celebrou a Santa Missa pelas famílias no mesmo Santuário.

25 de junho: Missa presidida pelo Cardeal Dziwisz

Acolhida do ícone no Santuário de São João Paulo II

Incensação do altar

Evangelho

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Fotos da Missa do X Encontro Mundial das Famílias

No fim da tarde do sábado, 25 de junho de 2022, o Cardeal Kevin Farrell, Prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, presidiu a Santa Missa do XIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) na Praça de São Pedro por ocasião da conclusão do X Encontro Mundial das Famílias.

O Papa Francisco, assistido por Monsenhor Diego Giovanni Ravelli, participou da celebração proferindo sua homilia.

O Cardeal Farrell, por sua vez, foi assistido pelo Monsenhor Marco Agostini. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão de entrada
Incensação do ícone da Salus Populi Romani

Ritos iniciais
Liturgia da Palavra

Homilia do Papa: Missa no X Encontro Mundial das Famílias

X Encontro Mundial das Famílias
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Praça de São Pedro
Sábado, 25 de junho de 2022

Foi celebrada a Missa do XIII Domingo do Tempo Comum - Ano C.

No âmbito do X Encontro Mundial das Famílias, este é o momento da ação de graças. Hoje trazemos, com gratidão, à presença de Deus - como num grande ofertório - tudo o que o Espírito Santo semeou em vós, queridas famílias. Algumas de vós participaram nos momentos de reflexão e partilha aqui no Vaticano; outras animaram e viveram os mesmos momentos nas respetivas Dioceses, formando uma espécie de imensa constelação. Imagino a riqueza de experiências, propósitos, sonhos, como não faltaram também as preocupações e as incertezas. Agora apresentamos tudo ao Senhor e pedimos-Lhe que vos sustente com a sua força e o seu amor. Sois pais, mães, filhos, avós, tios; sois adultos, crianças, jovens, idosos; cada qual com uma experiência diversa de família, mas todos com a mesma esperança feita oração: que Deus abençoe e guarde as vossas famílias e todas as famílias do mundo.

Na 2ª Leitura (Gl 5,1.13-18), São Paulo falou-nos de liberdade. A liberdade é um dos bens mais apreciados e procurados pelo homem moderno e contemporâneo. Todos desejam ser livres, não sofrer condicionamentos, nem ver-se limitados; por isso aspiram a libertar-se de qualquer tipo de «prisão»: cultural, social, económica. E, no entanto, quantas pessoas carecem da liberdade maior: a liberdade interior! A maior liberdade é a liberdade interior. O Apóstolo lembra-nos, a nós cristãos, que esta é primariamente um dom, quando exclama: «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (v. 1). A liberdade foi-nos dada. Nascemos, todos, com muitos condicionamentos, interiores e exteriores, e sobretudo com a tendência para o egoísmo, isto é, para nos colocarmos a nós mesmos no centro e privilegiar os nossos próprios interesses. Mas, desta escravidão, libertou-nos Cristo. Para evitar equívocos, São Paulo adverte-nos que a liberdade dada por Deus não é a liberdade falsa e vazia do mundo que, na realidade, é «uma ocasião para os [nossos] apetites carnais» (v. 13). Essa, não! A liberdade, que Cristo nos conquistou com o preço do seu Sangue, está inteiramente orientada para o amor, a fim de que - como dizia, e nos diz hoje a nós, o Apóstolo -, «pelo amor, [nos façamos] servos uns dos outros» (v. 13).

Todos vós, esposos, ao formar a vossa família, com a graça de Cristo fizestes esta corajosa opção: não usar a liberdade para proveito próprio, mas para amar as pessoas que Deus colocou junto de vós. Em vez de viver como «ilhas», vos fizestes «servos uns dos outros». Assim se vive a liberdade em família! Não há «planetas» ou «satélites», movendo-se cada qual pela sua própria órbita. A família é o lugar do encontro, da partilha, da saída de si mesmo para acolher o outro e estar junto dele. É o primeiro lugar onde se aprende a amar. Nunca o esqueçais: a família é o primeiro lugar onde se aprende a amar.

Irmãos e irmãs, ao mesmo tempo em que reafirmamos com grande convicção tudo isto, bem sabemos que na realidade dos fatos não é sempre assim, por muitos motivos e pelas mais variadas situações. Por isso, justamente enquanto afirmamos a beleza da família, sentimos mais do que nunca que devemos defendê-la. Não deixemos que seja poluída pelos venenos do egoísmo, do individualismo, da cultura da indiferença e da cultura do descarte, perdendo assim o seu DNA que é o acolhimento e o espírito de serviço. A característica própria da família: o acolhimento, o espírito de serviço dentro da família.

A relação entre os profetas Elias e Eliseu, apresentada na 1ª Leitura (1Rs 19,16b.19-21), faz-nos pensar na relação entre as gerações, na «passagem do testemunho» entre pais e filhos. No mundo atual, esta relação não é simples, revelando-se muitas vezes motivo de preocupação. Os pais temem que os filhos não consigam orientar-se no meio da complexidade e confusão das nossas sociedades, onde tudo parece caótico, precário, acabando por extraviar-se da sua estrada. Este medo torna alguns pais ansiosos; outros, superprotetores. E por vezes acaba até por bloquear o desejo de trazer novas vidas ao mundo.

Faz-nos bem refletir sobre a relação entre Elias e Eliseu. Elias, num momento de crise e medo face ao futuro, recebe de Deus a ordem de ungir Eliseu como seu sucessor. Deus faz compreender a Elias que o mundo não termina com ele, e manda-lhe transmitir a outro a sua missão. Tal é o significado deste gesto descrito no texto: Elias lança o seu manto sobre os ombros de Eliseu e, a partir daquele momento, o discípulo tomará o lugar do mestre para continuar o seu ministério profético em Israel. Deus mostra, assim, que tem confiança no jovem Eliseu. O velho Elias passa a Eliseu a função, a vocação profética. Tem confiança num jovem, tem confiança no futuro. Naquele gesto, está contida toda uma esperança, e é com esperança que passa o testemunho.

Como é importante, para os pais, contemplar o modo de agir de Deus! Deus ama os jovens, mas isto não significa que os preserve de todo o risco, desafio e sofrimento. Deus não é ansioso, nem superprotetor. Pensai bem nisto: Deus não é ansioso, nem superprotetor; pelo contrário, tem confiança neles e chama cada um à medida alta da vida e da missão. Pensemos no pequeno Samuel, no adolescente Davi, no jovem Jeremias; pensemos sobretudo naquela donzela de dezesseis ou dezessete anos que concebeu Jesus: a Virgem Maria. Confia-Se a uma jovem. Queridos pais, a Palavra de Deus mostra-nos o caminho: não é preservar os filhos do mínimo incômodo e sofrimento, mas procurar transmitir-lhes a paixão pela vida, acender neles o desejo de encontrar a sua vocação e abraçar a missão grande que Deus pensou para eles. É precisamente esta descoberta que torna Eliseu corajoso, determinado, que o torna adulto. O afastamento dos pais e a morte dos bois são o sinal concreto de que Eliseu compreendeu que agora «é a vez dele», que é hora de acolher a vocação de Deus e levar por diante aquilo que viu o seu mestre fazer. E o fará com coragem até ao fim da sua vida. Queridos pais, se ajudardes os filhos a descobrirem e acolherem a sua vocação, vereis que serão «fascinados» por esta missão e terão força para enfrentar e superar as dificuldades da vida.

Quero ainda acrescentar que a melhor maneira de um educador ajudar a outrem a seguir a sua vocação é abraçar com um amor fiel a própria. Foi o que os discípulos viram Jesus fazer; e o Evangelho de hoje (Lc 9,51-62) mostra-nos um momento emblemático disso mesmo, quando Jesus «Se dirigiu resolutamente para Jerusalém» (v. 51), sabendo bem que lá seria condenado e morto. E, no caminho para Jerusalém, Ele vê-Se repelido pelos habitantes da Samaria; uma rejeição, que suscita a reação indignada de Tiago e João, mas que Jesus aceita, pois faz parte da sua vocação: a princípio, fora rejeitado em Nazaré - pensemos naquele dia na sinagoga de Nazaré (cf. Mt 13,53-58) -, agora, na Samaria e, no fim, será rejeitado em Jerusalém. Jesus aceita tudo isto, porque veio para tomar sobre Si os nossos pecados. De igual modo, não há nada mais animador para os filhos do que ver os seus pais viverem o casamento e a família como uma missão, com fidelidade e paciência, apesar das dificuldades, horas tristes e provações. E, o que sucedeu com Jesus na Samaria, acontece em toda a vocação cristã, incluindo a vocação familiar. Todos o sabemos: há momentos em que é preciso assumir as resistências, os fechamentos, as incompreensões que provêm do coração humano e, com a graça de Cristo, transformá-los em acolhimento do outro, em amor gratuito.

E no caminho para Jerusalém, imediatamente depois deste episódio que, de certo modo, nos descreve a «vocação de Jesus», o Evangelho apresenta-nos outros três chamados, três vocações de igual número de aspirantes a discípulos de Jesus. O primeiro é convidado a não procurar, no seguimento do Mestre, uma morada estável, uma acomodação segura. Com efeito Ele «não tem onde reclinar a cabeça» (Lc 9,58). Seguir Jesus significa pôr-se em movimento e estar sempre em movimento, sempre «em viagem» com Ele através das vicissitudes da vida. Como tudo isto é verdade para vós, casados! Também vós, ao acolher a vocação para o matrimônio e a família, deixastes o vosso «ninho» e começastes uma viagem, da qual não podíeis conhecer de antemão todas as etapas, e que vos mantém em constante movimento, com situações sempre novas, fatos inesperados, surpresas (algumas dolorosas). Assim é o caminho com o Senhor: dinâmico, imprevisível mas sempre uma maravilhosa descoberta! Lembremo-nos de que o repouso de cada discípulo de Jesus encontra-se justamente em fazer cada dia a vontade de Deus, seja ela qual for.

O segundo discípulo é convidado a não voltar atrás porque queria, «primeiro, sepultar o pai» (vv. 59-60). Não se trata de faltar ao quarto mandamento, que permanece sempre válido e é um mandamento que nos santifica imenso; mas é um convite a obedecer, antes de tudo, ao primeiro mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas. O mesmo se verifica com o terceiro discípulo, chamado a seguir Cristo resolutamente e de todo o coração, sem «olhar para trás», nem mesmo para se despedir dos seus familiares (vv. 61-62).

Queridas famílias, também vós sois convidadas a não ter outras prioridades, a «não olhar para trás», isto é, a não vos lamentardes repassando a vida de outrora, a liberdade de antes com as suas ilusões enganadoras: a vida fossiliza-se quando não acolhe a novidade do chamamento de Deus, chorando pela falta do passado. E este caminho de lamentar a falta do passado e não acolher as novidades que Deus nos manda, sempre nos fossiliza; faz-nos duros, faz-nos desumanos. Quando Jesus chama, nomeadamente ao matrimônio e à família, pede para olharmos em frente, e sempre nos precede no caminho, sempre nos precede no amor e no serviço. Quem o segue, não fica decepcionado!

Queridos irmãos e irmãs, providencialmente todas as Leituras da Liturgia de hoje nos falam de vocação, que é precisamente o tema deste X Encontro Mundial das Famílias: «O amor familiar: vocação e caminho de santidade». Com a força desta Palavra de vida, animo-vos a retomar resolutamente o caminho do amor familiar, partilhando com todos os membros da família a alegria desta vocação. E não é uma estrada fácil, não é um caminho fácil: haverá momentos escuros, momentos de dificuldade nos quais pensaremos que tudo acabou. O amor que viveis entre vós seja sempre aberto, comunicativo, capaz de «tocar com a mão» os mais frágeis e os feridos que encontrardes pelo caminho: frágeis no corpo e frágeis na alma. De fato é quando se dá que o amor, incluindo o amor familiar, se purifica e fortalece.

A aposta no amor familiar é corajosa: é preciso coragem para casar. Vemos muitos jovens que não têm a coragem de se casar, e muitas vezes acontece uma mãe vir dizer-me: «Faça qualquer coisa, converse com o meu filho, que não se casa; tem 37 anos!» - «Mas, senhora, deixe de lhe passar a ferro as camisas, comece a senhora a mandá-lo sair um pouco, que saia do ninho». Porque o amor familiar impele os filhos a voarem, ensina-os a voar e impele-os a voar. Não é possessivo: sempre dá liberdade. E depois, nos momentos difíceis, nas crises - crises, todas as famílias as têm -, por favor, não sigais o caminho mais fácil: «Volto para casa da mãe». Não. Andai avante com esta aposta corajosa. Haverá momentos difíceis, haverá momentos duros, mas avante, sempre. O teu marido, a tua esposa tem aquela centelha de amor que vós sentistes ao princípio: deixai-a sair de dentro, redescobri o amor. E isto ajudar-vos-á imenso nos momentos de crise.

A Igreja está convosco; antes, a Igreja está em vós! Com efeito, a Igreja nasceu de uma família, a família de Nazaré, e é composta principalmente por famílias. Que o Senhor vos ajude cada dia a permanecer na unidade, na paz, na alegria e também numa fiel perseverança que nos faz viver melhor e mostra a todos que Deus é amor e comunhão de vida.


Fonte: Santa Sé.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Itinerários catecumenais para a vida matrimonial

“O Evangelho da família é alegria que enche o coração e a vida inteira” (Amoris laetitia, n. 200).

Há poucos dias do X Encontro Mundial das Famílias, que se celebra em Roma de 22 a 26 de junho de 2022 com o tema “Amor em família: Vocação e caminho de santidade”, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida publicou no dia 15 de junho um documento intitulado “Itinerários catecumenais para a vida matrimonial: Orientações pastorais para as Igrejas particulares”.


O contexto

O termo “catecumenato”, em sentido estrito, refere-se ao itinerário de Iniciação Cristã de adultos, retomado pelo Concílio Vaticano II e marcado por vários ritos e etapas em torno aos Sacramentos do Batismo, Confirmação e Eucaristia.

Em sentido amplo, por sua vez, propõe-se uma “inspiração catecumenal” para todos os itinerários catequéticos eclesiais. Ver, nesse sentido, o novo Diretório para a Catequese (2020) e o Documento n. 107 da CNBB, “Iniciação à vida cristã: Itinerário para formar discípulos missionários” (2017).

Para acessar nossa série de postagens sobre o Diretório para a Catequese, clique aqui.

A preparação para a vida matrimonial não é um tema novo: em 1996 o Pontifício Conselho para a Família publicou um documento dedicado justamente à Preparação para o Sacramento do Matrimônio, recolhendo as reflexões de São João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris Consortio (1981).

O novo documento, por sua vez, é fruto dos dois Sínodos sobre a Família (2014-2015), que culminaram na Exortação Apostólica Amoris laetitia (A alegria do amor) pelo Papa Francisco (2016). Particularmente o capítulo VI do documento - “Algumas perspectivas pastorais” - reflete sobre a preparação para o Matrimônio (nn. 205-216) e o acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial (nn. 217-230).

A proposta

Os Itinerários catecumenais para a vida matrimonial são, como indica seu subtítulo, Orientações pastorais para as Igrejas particulares. Ou seja, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida propõe os princípios gerais que devem nortear os processos de preparação para a vida matrimonial, a serem implementados pelas Conferências Episcopais, Dioceses e paróquias.

Após o Prefácio do Papa Francisco, o documento de 94 parágrafos está dividido em duas partes, emolduradas por um Preâmbulo (nn. 1-3) e  uma conclusão:
- Primeira parte (nn. 4-15), com algumas “Indicações gerais”;
- Segunda parte (nn. 16-94), na qual se delineia a “Proposta concreta” de catequese matrimonial.


Inspirado nas etapas descritas no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), o itinerário catecumenal para a vida matrimonial é composto por três fases:

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Meditação do Papa Francisco sobre o hino à caridade (1Cor 13)

Em nossas recentes postagens da série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, analisamos a presença da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor) nas celebrações do Rito Romano. Dentre os textos mais célebres desse importante escrito encontra-se o chamado “hino à caridade” (1Cor 13,1-13).

Em sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A alegria do amor) sobre o amor na família, promulgada em 19 de março de 2016 como fruto dos Sínodos de 2014 e 2015, o Papa Francisco reflete sobre o núcleo desse hino (vv. 4-7), inclusive remetendo-se ao seu texto original, em grego.

O Papa Francisco abençoa com o Evangeliário durante o Sínodo (2015)
A Sagrada Família, representada na capa, é modelo para as famílias

Reproduzimos a seguir sua meditação, que se encontra nos nn. 89-119 da Exortação, integrando o capítulo IV, intitulado “O amor no Matrimônio”:

Papa Francisco
Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia
Sobre o amor na família

Capítulo IV: O amor no Matrimônio

89. Tudo o que foi dito não é suficiente para exprimir o Evangelho do Matrimônio e da família, se não nos detivermos particularmente a falar do amor. Com efeito, não poderemos encorajar um caminho de fidelidade e doação recíproca, se não estimularmos o crescimento, a consolidação e o aprofundamento do amor conjugal e familiar. De fato, a graça do sacramento do Matrimônio destina-se, antes de tudo, «a aperfeiçoar o amor dos cônjuges» [1]. Também aqui é verdade que «ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor de nada me vale» (1Cor 13,2-3). Mas a palavra «amor», uma das mais usadas, muitas vezes aparece desfigurada [2].

O nosso amor quotidiano

90. No chamado hino à caridade escrito por São Paulo vemos algumas características do amor verdadeiro: «O amor é paciente, o amor é benevolente; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13,4-7).
Isto pratica-se e cultiva-se na vida que os esposos partilham dia-a-dia entre si e com os seus filhos. Por isso, vale a pena deter-se a esclarecer o significado das expressões deste texto, tendo em vista uma aplicação à existência concreta de cada família.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Leitura litúrgica da Primeira Carta aos Coríntios (2)

“Atualmente permanecem estas três coisas: fé, esperança e caridade. Mas a maior delas é a caridade” (1Cor 13,13)

Em nossa postagem anterior da série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, iniciamos um estudo sobre a leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor) nas celebrações do Rito Romano.

Após uma breve introdução, analisamos sua leitura sob o critério da composição harmônica, isto é, da sintonia com o tempo ou a festa litúrgica [1], no ciclo do Ano Litúrgico e no Próprio dos Santos.


Fé, esperança e caridade (Julius Schnorr von Carolsfeld)

Nesta postagem prosseguiremos com as Missas dos Comuns dos Santos, para diversas necessidades e votivas e com os demais sacramentos.

2. Leitura litúrgica de 1Cor: Composição harmônica

a) Celebração Eucarística

Começando esta segunda parte do nosso estudo com os Comuns dos Santos, formulários com várias opções de leituras ad libitum (à escolha) para cada “categoria” de santos, encontramos leituras da Primeira Carta aos Coríntios em cinco dos sete formulários (nossa Carta está ausente apenas dos Comuns de Nossa Senhora e dos Mártires).

Primeiramente, no Comum da dedicação de igreja, propõe-se 1Cor 3,9c-11.16-17 [2]. Aqui Paulo afirma que nós somos “santuário de Deus” sobre o alicerce que é Cristo.

No Comum dos Pastores, por sua vez, temos três opções de leitura à escolha:
- 1Cor 1,18-25: indicada para missionários, sobre o anúncio do “Evangelho da cruz”;
- 1Cor 4,1-5: Paulo recorda que os Apóstolos são “servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus”;
- 1Cor 9,16-19.22-23: aqui o Apóstolo sintetiza a própria missão: “Ai de mim se eu não pregar o Evangelho!” [3].

sábado, 2 de outubro de 2021

Homilia: XXVII Domingo do Tempo Comum - Ano B

São João Crisóstomo
Sermão 20 sobre a Epístola aos Efésios
O que tu deves dizer à tua mulher?

O que tu deves dizer à tua mulher? Diz-lhe com todo carinho “Eu te escolhi, te amo e te prefiro à minha própria vida. A existência presente não é nada; por isso minhas orações, recomendações e todas as minhas ações vão dirigidas a que nos seja concedido passar esta vida de tal maneira que possamos estar reunidos na vida futura sem nenhum temor de separação.

O tempo que vivemos é curto e frágil. Se nos for concedido agradar a Deus durante esta vida, estaremos eternamente com Cristo e um com o outro, em uma felicidade sem limites. Teu amor me enche de alegria, mais do que qualquer outra coisa, e não conheceria uma desventura mais insuportável do que estar separado de ti.

Ainda que tivesse de perder tudo e chegar a ser mais pobre do que um mendigo, enfrentar os maiores perigos, aguentar seja o que fosse, tudo me seria suportável contanto que o teu afeto por mim permaneça. Só somente contando com este amor que desejarei ter filhos”.

Será também necessário que teu comportamento seja conforme a essas palavras... Demonstra à tua mulher que aprecias muito poder viver com ela e que, por ela, preferes estar em casa do que na praça. Prefere-a a todos os teus amigos e inclusive aos filhos que ela te deu; que estes sejam amados por ti por causa dela...

Fazei as vossas orações em comum. Que cada um de vós vá à igreja, e em casa o marido pergunte à sua mulher e a mulher ao seu marido o que ali foi dito e lido... Aprendei o temor de Deus; todo o resto decorrerá daí como de uma fonte, e vossa casa se encherá de bens inumeráveis. Aspiremos aos bens incorruptíveis, que os outros não nos faltarão. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus, nos diz o Evangelho, e todas as outras coisas vos serão dadas por acréscimo.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, p. 482. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Para ler uma homilia de São Gregório Nazianzeno para este domingo, clique aqui.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 08

“A Igreja, em seus cuidados maternos, acompanha seus filhos e filhas ao longo de toda a sua existência” (Diretório para a Catequese, n. 232).

Nesta série de postagens estamos analisando sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular o Diretório para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização em 2020 [1].

Damos início nesta postagem ao capítulo VIII, que está subdividido em nove seções. As seis primeiras serão analisadas aqui, e as três últimas na próxima postagem.

Capítulo VIII: A catequese na vida das pessoas

“O Evangelho não se destina à pessoa abstrata, mas a cada pessoa, real, concreta, histórica, inserida em um contexto particular” (n. 224). Com esta afirmação o Diretório dá início ao cap. VIII, que propõe “caminhos de Catequese” que levem em conta cada sujeito: famílias, crianças e adolescentes, jovens, adultos, etc.

8.1 Catequese e família (nn. 224-235)

As reflexões sobre Catequese e família são iluminadas aqui pelas Exortações Apostólicas Familiaris Consortio (1981), do Papa João Paulo II; e Amoris Laetitia (2016), do Papa Francisco.

Mosaico de São João Paulo II, protetor da família

Ao propor os âmbitos da catequese familiar (Catequese na família, Catequese com a família, Catequese da família), o Diretório assinala que, a par da graça batismal (cf. cap. III), as famílias cristãs são enriquecidas em sua missão catequética também pela graça própria do sacramento do Matrimônio:

“Os cônjuges cristãos, em virtude do sacramento do Matrimônio, participam do mistério da unidade e do amor fecundo entre Cristo e a Igreja. A catequese na família, portanto, tem a missão de fazer revelar aos protagonistas da vida familiar, sobretudo aos cônjuges e aos pais, o dom que Deus lhes concede mediante o sacramento do Matrimônio” (n. 228).

Na sequência, o n. 232, intitulado Indicações pastorais, recorda que “a Igreja, em seus cuidados maternos, acompanha seus filhos e filhas ao longo de toda a sua existência. Reconhece, porém, que alguns momentos são como passagens decisivas, nas quais a pessoa se deixa mais facilmente ser tocada pela graça de Deus”.

Nesse mesmo parágrafo são elencadas seis passagens decisivas, que estão diretamente relacionadas aos sacramentos. Porém, como veremos, a celebração dos sacramentos não é o ponto final, mas se insere dentro de um processo de iniciação permanente:

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 05

“Em virtude do Batismo e da Confirmação, os cristãos são incorporados a Cristo e participam de seu múnus sacerdotal, profético e régio” (Diretório para a Catequese, n. 110).

Esta é a quinta postagem da nossa série analisando sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular o Diretório para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização em 2020 [1].

As quatro postagens anteriores foram dedicadas a dois capítulos: na primeira analisamos o capítulo I (além da Apresentação e da Introdução), enquanto nas três partes seguintes tratamos do capítulo II, um dos mais longos e com mais referências à Liturgia.

Esta postagem, por sua vez, abarcará o capítulo III - “O catequista” (nn. 110-129) - e o capítulo IV - “A formação dos catequistas” (nn. 130-156) -, que concluem a Primeira Parte do Diretório, “A catequese na missão evangelizadora da Igreja”.

Capítulo III: O catequista

3.1 A identidade e a vocação do catequista (nn. 110-113)

Todo o capítulo III se baseia em uma afirmação fundamental: “Em virtude do Batismo e da Confirmação, os cristãos são incorporados a Cristo e participam de seu múnus sacerdotal, profético e régio” (n. 110).

O Batismo, fonte de todas as vocações

Esta afirmação nos remete às bases da eclesiologia do Concílio Vaticano II. Com efeito, o Diretório nos indica aqui dois dos seus documentos: a Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja (n. 31) e o Decreto Apostolicam Actuositatem sobre o apostolado dos leigos (n. 02).

O título “Cristo” significa literalmente “ungido”. No Batismo e na Confirmação, com efeito, todos os cristãos são “ungidos”, isto é, participam da missão de Jesus Cristo: anunciar o Evangelho (múnus profético), santificar (múnus sacerdócio) e servir os irmãos (múnus régio), consciente de que todos somos “filhos no Filho”.

À luz dessa vocação batismal, “toda a comunidade cristã é responsável pelo ministério da catequese, mas cada um conforme a sua condição particular na Igreja: ministros ordenados, pessoas consagradas, fiéis leigos” (n. 111).

sábado, 22 de maio de 2021

Reciprocidade entre fé e sacramentos (6): Matrimônio

Esta é a sexta e última postagem sobre o Documento "A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental", promulgado pela Comissão Teológica Internacional em 2020, que por sua relevância e extensão (195 parágrafos) dividimos em seis partes (confira os links para as anteriores no final desta postagem).

Aqui trazemos a segunda parte do capítulo IV, que iniciamos na postagem anterior, dedicado ao sacramento do Matrimônio e sua relação com a fé, além da Conclusão do Documento (nn. 168-195):

Comissão Teológica Internacional
A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental

Sumário:
4. A reciprocidade entre fé e Matrimônio
4.3 A intenção e constituição do vínculo matrimonial na ausência de fé
    a) A intenção é necessária para que haja sacramento
    b) Compreensão cultural predominante sobre o Matrimônio
    c) A falta de fé pode comprometer a intenção de contrair Matrimônio natural
5. Conclusão: A reciprocidade entre fé e sacramentos na economia sacramental


4.3 A intenção e a constituição do vínculo matrimonial na ausência de fé

a) A intenção é necessária para que haja um sacramento

168. [Necessidade da intenção]. Como já dissemos [218] (cf. §§ 67-69), pertence à doutrina tradicional dos sacramentos a convicção de que para o sacramento a ser dado se exige pelo menos a intenção de fazer o que a Igreja faz: “Todos esses sacramentos se realizados por três elementos: das coisas, como a matéria; das palavras, como forma; e da pessoa do ministro, que confere o sacramento com a intenção de fazer o que a Igreja faz (cum intentione faciendi quod facit Ecclesia). Se um deles estiver faltando, o sacramento não se realiza” [219]. De acordo com a opinião comum da teologia latina, os ministros do sacramento do Matrimônio são os cônjuges, que se doam reciprocamente o Matrimônio [220]. No caso do Matrimônio sacramental, se requer ao menos a intenção de realizar um Matrimônio natural. Contudo, o Matrimônio natural, tal como o entende a Igreja, inclui como propriedades essenciais a indissolubilidade, a fidelidade e a ordenação ao bem dos cônjuges e ao bem da prole. Portanto, se a intenção de contrair Matrimônio não inclui essas propriedades, ao menos implicitamente, se dá uma carência grave na intenção, capaz de pôr em questão a própria existência do Matrimônio natural, base necessária para o Matrimônio sacramental [221].



169. [Inter-relação entre fé e intenção]Com ênfase variada, o Magistério dos três últimos Pontífices constata a interconexão entre uma fé viva e explícita e a intenção de celebrar um verdadeiro Matrimônio natural: indissolúvel e exclusivo, focado no bem dos cônjuges, mediante sincera caridade oblativa, e aberto à prole. João Paulo II pede para não se aceitar os cônjuges que rejeitam “de modo explícito e formal o que a Igreja realiza ao celebrar Matrimônios entre batizados” (cf. § 153), uma vez que mantém a necessidade “da reta intenção de se casar segundo a realidade natural do matrimônio” (cf. § 154). Bento XVI destaca o notável impacto da ausência de fé na concepção da vida, nas relações, no próprio vínculo matrimonial e no bem dos cônjuges, podendo chegar a “ferir também os bens do Matrimônio” (cf. § 161). Francisco indica como raiz da crise do Matrimônio a “crise do conhecimento iluminado pela fé” (cf. § 163) e cita a falta de fé como um possível motivo para a simulação no consentimento (cf. § 164). A jurisprudência da Rota Romana segue a linha apontada por Bento XVI (cf. § 156). Precisando ainda mais, as instâncias eclesiais mencionadas e os dois últimos Pontífices estimam que a falta de fé viva e explícita suscita suspeitas fundadas sobre a intenção de realmente celebrar um Matrimônio indissolúvel, definitivo e exclusivo, como doação recíproca gratuita e aberta à prole, mesmo que em princípio não excluam a possibilidade de isso ocorrer. Em nenhum caso se trata de um automatismo sacramental simplista.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Reciprocidade entre fé e sacramentos (5): Matrimônio

Ao longo dessa semana estamos apresentando aqui em nosso blog o Documento "A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental", promulgado pela Comissão Teológica Internacional em 2020, que por sua relevância e extensão (195 parágrafos) dividimos em seis partes.

As primeiras duas partes cobriram os capítulos I e II, sobre à relação entre fé e sacramentos em geral (nn. 1-41 e nn. 42-79), enquanto as duas postagens seguintes foram dedicadas ao capítulo III, sobre os sacramentos da Iniciação Cristã:  Batismo e Confirmação (nn. 80-101) e Eucaristia (nn. 102-131).

Cabe-nos agora, portanto, iniciar aqui o capítulo IV (nn. 132-167), que reflete sobre o sacramento do Matrimônio e sua relação com a fé:

Comissão Teológica Internacional
A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental

Sumário:
4. A reciprocidade entre fé e Matrimônio
4.1 O sacramento do Matrimônio
    a) Fundamentação bíblica
    b) Luzes a partir da tradição
    c) O Matrimônio como sacramento
    d) A fé e os bens do Matrimônio
4.2 Uma quaestio dubia: A qualidade sacramental do Matrimônio dos “batizados não-crentes”
    a) Abordagem da questão
    b) Estado e termos da questão

4. A reciprocidade entre fé e Matrimônio

132. [Problemática]. Se há um sacramento no qual a reciprocidade essencial entre fé e sacramentos, por várias razões, é posta em prova, este é o Matrimônio. Na própria definição do sacramento do Matrimônio, segundo a Igreja latina, a fé não aparece de modo explícito (cf. § 143). Fica pressuposto, por assim dizer, pelo fato prévio do Batismo, o sacramento da fé por excelência. Além disso, para a validade do Matrimônio entre batizados na Igreja latina não se requer a intenção de celebrar um sacramento [151]: não é necessário o desejo ou a consciência da sacramentalidade da união matrimonial, mas apenas a intenção de contrair um matrimônio natural, isto é, de acordo com a ordem da criação, com as propriedades que a Igreja considera inerentes ao matrimônio natural. Dentro dessa compreensão do Matrimônio, compete à teologia elucidar o complexo caso de Matrimônios entre “batizados não-crentes”. Uma defesa definitiva da sacramentalidade de tais uniões minaria a reciprocidade essencial entre fé e sacramentos, como característica da economia sacramental, apoiando, pelo menos no caso do Matrimônio, um automatismo sacramental que temos rejeitado como impróprio da fé cristã (cf. cap. 2).

133. [Abordagem]. Cientes da dificuldade da questão colocada sob o título “Reciprocidade entre fé e Matrimônio”, procederemos da seguinte maneira. Primeiro, já que, mesmo compartilhando um tronco comum, há diferenças notáveis ​​na teologia do Matrimônio entre a tradição latina e a oriental, nos concentramos exclusivamente no entendimento latino. A rica tradição oriental possui uma fisionomia própria. Apontamos alguns aspectos distintos entre ambas. Enquanto na teologia latina predomina a compreensão de que os cônjuges são os ministros do sacramento e que esse acontece através do mútuo consentimento livre dos cônjuges, para a tradição oriental a bênção do Bispo ou do sacerdote pertence em si à essência do sacramento [152]. Somente ao ministro sagrado foi conferido o poder de invocar o Espírito (epiclese) para que ele realize a santificação inerente ao sacramento. Possui uma própria regulamentação canônica completa [153]. Isto se deve a uma concepção do sacramento do Matrimônio que brota de uma teologia com personalidade e perfil próprios, na qual se põe em primeiro plano os efeitos santificantes do sacramento [154].
134. Em segundo lugar, tratamos, de acordo com a metodologia habitual (cf. § 80), com suas adaptações, o caso ordinário do sacramento do Matrimônio. Em seguida, investigamos a questão duvidosa sobre a qualidade sacramental dos Matrimônios entre “batizados não-crentes”, com uma abordagem dupla: o estado da questão e uma proposta teológica de solução, congruente com a reciprocidade entre fé e sacramentos, que não nega a teologia matrimonial vigente.


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Formações sobre o Missal (8): O Missal e os limiares da vida

Como indicamos nas postagens anteriores desta série (publicadas entre novembro e dezembro de 2020), em preparação à 3ª edição do Missal Romano, o Ofício Litúrgico da Conferência Episcopal Italiana (CEI) publicou o subsídio “Un Messale per le nostre Assemblee: La terza edizione italiana del Messale Romano tra Liturgia e Catechesi” (Um Missal para as nossas Assembleias: A terceira edição italiana do Missal Romano entre Liturgia e Catequese), cujos dez “encontros” formativos estamos traduzindo.

Nesta oitava postagem se estabelece a relação entre a Eucaristia, os demais sacramentos e sacramentais e as diversas etapas da vida:

8. O Missal e os limiares da vida

«Um longo caminho foi percorrido nessas décadas [desde o Concílio Vaticano II] para aproximar o povo de Deus dos tesouros da Sagrada Escritura: urge agora um empenho correspondente para que a celebração litúrgica seja vivida como um lugar privilegiado de transmissão da autêntica Tradição da Igreja e de acesso aos mistérios da fé, em uma conexão sempre mais estreita com as diversas dimensões da vida quotidiana» (CEI, Apresentação da 3ª edição do Missal Romano, n. 10).

A Eucaristia no centro do caminho cristão

Quando, no caminho da existência, chegamos a passagens decisivas, o mistério da vida nos toca com a sua mão forte e decidida e nos propõe questionamentos que podem tornar-se “limiares” de acesso à fé, mas também deixar-nos incertos e desorientados, sem o “alfabeto” para decifrá-las e sem referências para vivê-las como momentos propícios nos quais se faz presente o chamado do Senhor. Nesses momentos, a Eucaristia surge como raiz e como centro da vida cristã (cf. Presbyterorum Ordinis, n. 6), onde o centro da fé se realiza no coração da vida. A Eucaristia é o encontro vivo com Jesus, que se aproxima de todas as situações da vida, trazendo-lhes luz e força, cura e salvação. A Eucaristia é o dom que Jesus nos deixou para viver em relação com Ele em cada momento do nosso caminho, especialmente aqueles mais delicados e decisivos.

A Eucaristia e os sacramentos: uma relação constitutiva e delicada

Todos os sacramentos encontram a razão do seu vínculo constitutivo no fato de terem brotado, segundo a feliz imagem patrística, do lado aberto de Cristo sobre a cruz. A existência humana do fiel, com suas etapas delicadas e limiares de passagem, é acolhida pela Eucaristia: nela recebe força, a partir dela é moldada, para ela se orienta.
O caminho da Iniciação Cristã, com os seus graduais ritos de passagem, tem como ponto de referência a possibilidade de receber a Eucaristia. Somos batizados e crismados em ordem à Eucaristia (Sacramentum caritatis, n. 17), que mantém vivos em nós os dons do Batismo e da Crisma. Justamente enquanto dom que se recebe a cada domingo, ela pode ser considerada o “sacramento da maturidade cristã”.

A experiência do gerar: Pais conduzem seu filho ao Batismo

No sacramento da Penitência o batizado pecador é acolhido, iluminado e acompanhado pelo cuidado materno da Igreja, para que, deixando-se tocar pela misericórdia do Pai, já experimentada no Batismo, volte a participar da Eucaristia com um coração novo, livre e grato. Na própria estrutura ritual da Eucaristia são muitos os elementos que convidam a reconhecer o pecado e a invocar a misericórdia do Pai.
Na provação da doença grave, com resultado sempre imprevisível, a Eucaristia é doada como viático (alimento dos viajantes) e acompanhada pelo sacramento da Unção dos Enfermos, como força e conforto.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Jubileu das Famílias no ano 2000

No dia 15 de outubro do ano 2000, durante o Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na Praça de São Pedro por ocasião da conclusão do III Encontro Mundial das Famílias e Jubileu das Famílias no contexto do Ano Santo.

Durante a celebração o Santo Padre assistiu ao Matrimônio de 08 casais de diversos países do mundo, razão pela qual foi celebrada a Missa Ritual desse sacramento.

Jubileu das Famílias
Homilia do Papa João Paulo II
15 de outubro de 2000

1. Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!. A invocação que repetimos no salmo responsorial, caríssimos irmãos e irmãs, sintetiza muito bem a oração quotidiana de cada família cristã, e hoje, nesta Celebração Eucarística jubilar, exprime de modo muito eficaz o sentido do nosso encontro.
Reunistes-vos aqui não só como pessoas individuais, mas como famílias. Viestes a Roma de todas as partes do mundo, trazendo convosco a convicção profunda de que a família é um grande dom de Deus, um dom originário, assinalado pela sua bênção.
De fato é assim. Desde o início da criação Deus pousou o seu olhar de bênção sobre a família. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem, e confiou-lhes uma tarefa específica para o desenvolvimento da família humana: “(...) abençoou-os e disse-lhes: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e submetei a terra’” (Gn 1,28).
Caríssimas famílias, o vosso Jubileu é cântico de louvor por esta bênção originária. Ela desceu sobre vós, casais cristãos, quando, ao celebrar o vosso matrimônio, jurastes reciprocamente amor perene diante de Deus. Recebê-la-ão hoje os oito casais de várias partes do mundo, que vieram celebrar o seu matrimônio no âmbito solene deste rito jubilar.
Sim, que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe! Disponde-vos ao fluxo sempre novo desta bênção. Ela traz em si uma força criadora, regeneradora, capaz de aliviar qualquer forma de cansaço e de garantir um vigor perene ao vosso dom.

2. Esta bênção originária está relacionada com um desígnio de Deus, que a sua palavra acaba de nos recordar: Não é bom que o homem esteja sozinho: vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante” (Gn 2,18). É desta forma que, no Livro do Gênesis, o autor sagrado delineia a existência fundamental sobre a qual se baseia a união esponsal de um homem e de uma mulher, e com ela a vida da família que dela tem origem. Trata-se de uma existência de comunhão. O ser humano não é feito para a solidão, traz em si uma vocação relacional, radicada na sua própria natureza espiritual. Em virtude desta vocação, ele cresce na medida em que se relaciona com o próximo, encontrando-se plenamente “no dom sincero de si mesmo” (Gaudium et spes, n. 24).
Para o ser humano não são suficientes relações meramente funcionais. Ele precisa de relações interpessoais ricas de interioridade, gratuidade e oblatividade. Entre estas, é fundamental a que se realiza na família: nas relações entre os cônjuges, e na deles com os seus filhos. Toda a grande rede das relações humanas brota e regenera-se continuamente a partir daquela relação com a qual um homem e uma mulher se reconhecem feitos um para o outro, e decidem unir as próprias existências num só projeto de vida: Por isso, um homem deixa seu pai e sua mãe, e une-se à sua mulher, e os dois tornam-se uma só carne (Gn 2,24).

3. Uma só carne! Como não captar o vigor desta expressão? A palavra bíblica “carne” não recorda apenas o aspecto físico do homem, mas a sua identidade global de espírito e de corpo. O que os esposos realizam não é só um encontro corpóreo, mas uma verdadeira união das suas pessoas. Uma união tão profunda, que os torna de certa forma um reflexo do Nós das Três Pessoas divinas na história (cf. Carta às famílias, 8).
Compreende-se então a grande aposta que emerge do debate de Jesus com os fariseus no Evangelho de Marcos, há pouco proclamado. Para os interlocutores de Jesus, tratava-se de um problema de interpretação da lei mosaica, que permitia o repúdio, provocando debates sobre as razões que o podiam legitimar. Jesus ultrapassa totalmente esta visão legalista, indo ao âmago do desígnio de Deus. Na norma mosaica ele vê uma concessão à esclerocardia”, aos “corações duros”. Mas é sobretudo com estes corações duros que Jesus não se resigna. E como poderia, Ele que veio precisamente para dissolvê-los e oferecer ao homem, com a redenção, a força de vencer as oposições devidas ao pecado? Ele não receia indicar de novo o desígnio originário: Desde o início da criação, Deus fê-los homem e mulher (Mc 10,6).

4. No início! Só Ele, Jesus, conhece o Pai “desde o início”, e conhece também o homem “desde o início”. Ele é ao mesmo tempo o revelador do Pai e o revelador do homem ao homem (cf. Gaudium et spes, n. 22). Por isso, seguindo as suas pegadas, a Igreja tem a tarefa de testemunhar na história este desígnio originário, manifestando a sua verdade e praticabilidade.
Ao fazer isto, a Igreja não fecha os olhos às dificuldades e aos dramas, que a experiência histórica concreta registra na vida das famílias. Mas ela também sabe que a vontade de Deus, aceita e realizada com todo o coração, não é uma cadeia que torna escravos, mas a condição de uma liberdade verdadeira que tem a sua plenitude no amor. A Igreja também sabe e a experiência quotidiana ensina que quando este desígnio originário se obscurece nas consciências, a sociedade é danificada de modo incalculável.
Sem dúvida, existem dificuldades. Mas Jesus não deixou de fornecer aos esposos os meios da graça adequados para vencê-las. Por vontade sua, o matrimônio adquiriu, nos batizados, o valor e a força de um sinal sacramental, que consolida a sua índole e as prerrogativas. Com efeito, no matrimônio sacramental os cônjuges - como farão daqui a pouco os jovens casais dos quais abençoarei o casamento - empenham-se a exprimir-se reciprocamente e a testemunhar ao mundo o amor grande e indissolúvel com que Cristo ama a Igreja. É o “grande mistério”, como lhe chama o Apóstolo Paulo (cf. Ef 5,32).

5. Que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe!”. A bênção de Deus está na origem não só da comunhão conjugal, mas também da responsável e generosa abertura à vida. Os filhos são verdadeiramente a “primavera da família e da sociedade”, como recita o mote do vosso Jubileu.
Nos filhos o matrimônio encontra o seu florescimento: neles realiza-se o coroamento daquela partilha total de vida (“totius vitae consortium”: CIC, cân. 1055 §1), que faz com que os esposos sejam “uma só carne”; e isto tanto nos filhos que nascem da relação natural entre os esposos, como nos que são adotivos. Os filhos não são umacessório no projeto de uma vida conjugal. Não são um “acessório”, mas um “dom preciosíssimo” (Gaudium et spes, n. 50), inscrito na própria estrutura da união conjugal.
Como se sabe, a Igreja ensina a ética do respeito desta estrutura fundamental no seu significado juntamente unitivo e procriativo. Em tudo isto, ela exprime a justa deferência ao desígnio de Deus, delineando um quadro de relações entre os esposos caracterizada pela aceitação recíproca sem hesitações. Além de tudo, isto vai ao encontro do direito que os filhos têm de nascer e crescer num contexto de amor plenamente humano. Conformando-se com a palavra de Deus, a família torna-se desta forma um laboratório de humanização e de verdadeira solidariedade.

6. Para esta tarefa são chamados pais e filhos, mas, como já escrevi em 1994, por ocasião do Ano da Família, “o ‘nós’ dos pais, do marido e da esposa, desenvolve-se, por meio da educação, no ‘nós’ da família, que se enxerta nas gerações precedentes e se abre a um gradual alargamento” (Carta às famílias, 16). Quando os papeis são respeitados, de maneira que o relacionamento entre os esposos e destes com os seus filhos se desenvolva de maneira total e serena, é natural que para a família adquiram significado e importância também os outros parentes, tais como os avós, os tios, os primos. Com frequência, nestes relacionamentos assinalados pelo afeto sincero e pela ajuda recíproca, a família desempenha um papel deveras insubstituível, para que as pessoas em dificuldade, as pessoas que não casaram, as viúvas e viúvos, os órfãos, possam encontrar um lugar caloroso e acolhedor. A família não se pode fechar em si mesma. A relação afetuosa com os familiares é o primeiro aspecto daquela abertura necessária, que projeta a família em toda a sociedade.

7. Por conseguinte, queridas famílias cristãs, recebei com confiança a graça jubilar, que é efundida com abundância nesta Eucaristia. Recebei-a tomando como modelo a família de Nazaré que, apesar de lhe ter sido confiada uma missão incomparável, percorreu um caminho igual ao vosso, entre alegrias e tristezas, oração e trabalho, esperança e provações angustiantes, sempre enraizada na adesão à vontade de Deus. Sejam as vossas famílias, cada vez mais, verdadeiras “igrejas domésticas”, das quais se eleve todos os dias o louvor a Deus e se irradie sobre a sociedade uma influência benéfica e regeneradora de amor.
Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!. Oxalá este Jubileu das Famílias constitua, para todos vós que o estais a viver, um grande momento de graça. Que ele seja também para a sociedade um convite a refletir acerca do significado e do valor deste grande dom que é a família, construída segundo o coração de Deus.
Maria, “Rainha da Família”, vos acompanhe sempre com a sua mão materna.

Mosaico de São João Paulo, "protetor da família"

Fonte: Santa Sé