quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 35

Com sua 54ª Catequese sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II concluiu a primeira seção da segunda parte das suas reflexões, dedicada à missão de Cristo.

Para acessar o índice com os links para as demais Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

54. A missão de Cristo: “A testemunha fiel”
João Paulo II - 08 de junho de 1988
 
1. Sobre a missão terrena de Jesus Cristo, lemos na Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II: “Veio então o Filho, enviado pelo Pai, que nos escolheu n’Ele antes da criação do mundo e nos predestinou a sermos filhos adotivos, porque foi do seu agrado restaurar n’Ele todas as coisas (Ef 1,4-5.10). Por isso, para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o reino dos céus, revelou-nos o seu mistério e por sua obediência realizou a redenção” (n. 3).

Este texto nos permite considerar de modo sintético tudo o que falamos nas últimas Catequeses. Nelas, com efeito, buscamos destacar os aspectos essenciais da missão messiânica de Cristo. Agora o texto conciliar nos repropõe a verdade sobre a estreita e profunda conexão entre esta missão e o próprio Enviado, Cristo que, no seu cumprimento, manifesta suas disposições e capacidades pessoais. Em toda a conduta de Jesus, com efeito, destacam-se algumas características fundamentais, que encontram expressão também na sua pregação e servem para dar plena credibilidade à sua missão messiânica.

Jesus Cristo, “a testemunha fiel” (Ap 1,5)
(Vitral da Catedral de Chartres, França)

2. Jesus demonstra na sua pregação e na sua conduta antes de tudo sua profunda união com o Pai em pensamento e palavras. Aquilo que quer transmitir aos seus ouvintes (e a toda a humanidade) provém do Pai que o “enviou ao mundo” (Jo 10,36). “Porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ordenou-me o que dizer e anunciar. E sei que seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que Eu falo, falo de acordo com o que me disse o Pai” (Jo 12,49-50). Falo conforme o Pai me ensinou” (Jo 8,28). Assim lemos no Evangelho de João. Mas também os Sinóticos transmitem uma expressão análoga pronunciada por Jesus: “Tudo me foi entregue por meu Pai” (Mt 11,27), e com esse “tudo” Jesus se refere expressamente ao conteúdo da revelação que Ele trouxe aos homens (cf. Mt 11,25-27; Lc 10,21-22). Nestas palavras de Jesus encontramos a manifestação do espírito com o qual Ele realiza sua pregação. Ele é e permanece a testemunha fiel” (Ap 1,5). Esse testemunho inclui e enfatiza aquela particular “obediência” do Filho ao Pai, que no momento culminante se demonstrará “obediência até a morte” (Fl 2,8).

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Homilias do Papa Bento XVI: Solenidades e festas

No dia 28 de fevereiro de 2013 tornou-se oficial a renúncia do Papa Bento XVI (†2022), anunciada durante o Consistório do dia 11 de fevereiro.

No aniversário desse histórico acontecimento e pouco mais de um ano após sua Páscoa, gostaríamos de propor aqui os links para as suas homilias e meditações para as principais solenidades e festas do Ano Litúrgico (Natal, Semana Santa, Pentecostes, celebrações da Virgem Maria e dos santos), como já fizemos com o Papa Francisco.

Futuramente atualizaremos esse “Homiliário”, publicando as reflexões do “Papa alemão” de maneira retrospectiva, promovendo assim seu riquíssimo magistério.

Bento XVI abençoa com o Livro dos Evangelhos
(Missa da Noite de Natal)

TEMPO DO NATAL

Is 9,1-6 / Sl 95 / Tt 2,11-14 / Lc 2,1-14
24 de dezembro de 2011: Homilia
24 de dezembro de 2012: Homilia

Mensagem Urbi et Orbi de Natal
25 de dezembro de 2012: Mensagem

Catequeses sobre o Natal
21 de dezembro de 2011: O santo Natal
04 de janeiro de 2012: Natal, mistério de alegria e luz

Vésperas no encerramento do ano
31 de dezembro de 2011: Homilia
31 de dezembro de 2012: Homilia

Nm 6,22-27 / Sl 66 / Gl 4,4-7 / Lc 2,16-21
01 de janeiro de 2012: Homilia e Ângelus
01 de janeiro de 2013: Homilia

Is 60,1-6 / Sl 71 / Ef 3,2-3a.5-6 / Mt 2,1-12
06 de janeiro de 2012: Homilia e Ângelus
06 de janeiro de 2013: Homilia

Is 42,1-4.6-7 / Sl 28 / At 10,34-38 / Mt 3,13-17 (Ano A); Mc 1,7-11 (Ano B); Lc 3,15-16.21-22 (Ano C)
08 de janeiro de 2012: Homilia e Ângelus (Ano B)
13 de janeiro de 2013: Homilia (Ano C)

TEMPO DA QUARESMA

Jl 2,12-18 / Sl 50 / 2Cor 5,20–6,2 / Mt 6,1-6.16-18
22 de fevereiro de 2012: Homilia
13 de fevereiro de 2013: Homilia

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Ângelus: II Domingo da Quaresma - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 25 de fevereiro de 2024

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste II Domingo da Quaresma apresenta-nos o episódio da Transfiguração de Jesus (Mc 9,2-10).

Depois de ter anunciado a sua Paixão aos discípulos, Jesus leva consigo Pedro, Tiago e João, sobe a uma alta montanha e ali manifesta-se fisicamente em toda a sua luz. Assim, revela-lhes o significado do que tinham vivido juntos até àquele momento. A pregação do Reino, o perdão dos pecados, as curas e os sinais realizados eram, de fato, centelhas de uma luz maior: a luz de Jesus, a luz que é Jesus. E desta luz os discípulos nunca mais devem desviar o olhar, sobretudo nos momentos de provação, como os já próximos da Paixão.

Eis a mensagem: nunca desviar os olhos da luz de Jesus. Um pouco como faziam antigamente os agricultores que, ao lavrar os campos, fixavam o olhar em um ponto preciso à sua frente e, mantendo os olhos fixos na meta, traçavam sulcos retos. É isto que nós, cristãos, somos chamados a fazer no caminho da vida: ter sempre diante dos olhos o rosto resplandecente de Jesus, nunca desviar os olhos de Jesus.

Irmãos e irmãs, abramo-nos à luz de Jesus! Ele é amor, Ele é vida sem fim. Ao longo dos caminhos da existência, por vezes tortuosos, procuremos o seu rosto, cheio de misericórdia, de fidelidade, de esperança. Ajudam-nos a fazê-lo a oração, a escuta da Palavra e os Sacramentos: a oração, a escuta da Palavra e os Sacramentos ajudam-nos a manter o olhar fixo em Jesus. E este é um bom objetivo para a Quaresma: cultivar olhares abertos, tornarmo-nos “buscadores de luz”, buscadores da luz de Jesus na oração e nas pessoas.

Perguntemo-nos então: no meu caminho, mantenho o olhar fixo em Cristo que me acompanha? E, para fazê-lo, dou lugar ao silêncio, à oração, à adoração? Por fim, procuro cada raio de luz de Jesus, que se reflete em mim e em cada irmão e irmã que encontro? E lembro-me de agradecer ao Senhor por isto?

Maria, resplandecente com a luz de Deus, nos ajude a manter o olhar fixo em Jesus e a olharmo-nos uns aos outros com confiança e amor.

Transfiguração do Senhor (Pieter Ykens)

Fonte: Santa Sé.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Festa da Cátedra de São Pedro em Tiberíades (2024)

Na manhã do último sábado, dia 24 de fevereiro de 2024, o Custódio da Terra Santa, Padre Francesco Patton, presidiu a Santa Missa da Festa da Cátedra de São Pedro (transferida do dia 22 de fevereiro) no Santuário de São Pedro em Tiberíades (para saber mais sobre esse Santuário, clique aqui).

Imagem de São Pedro no pátio do Santuário
Procissão de entrada
Incensação do altar
Sinal da cruz
Ritos iniciais

Cardeal Cantalamessa: I Pregação de Quaresma 2024

Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap
I pregação de Quaresma
23 de fevereiro de 2024
“Eu sou o pão da vida”

1. No início destas pregações da Quaresma, retomemos o diálogo entre Jesus e os Apóstolos em Cesareia de Filipe:
“Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’. Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros, que é Jeremias ou um dos profetas’. Então disse-lhes: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’. Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’” (Mt 16,13-16).

De todo o diálogo, interessa-nos, pelo momento, apenas e exclusivamente, a segunda pergunta de Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Não a tomemos, contudo, no sentido com que esta pergunta é normalmente entendida; isto é, como se a Jesus interessasse saber o que pensa d’Ele a Igreja, ou o que nossos estudos de teologia nos dizem d’Ele. Não! Tomemos essa pergunta como deve ser tomada toda palavra que sai da boca de Jesus, isto é, como se dirigida, hic et nunc (aqui e agora), a quem a escuta, individualmente, pessoalmente.


Para realizar este exame, deixemo-nos ajudar pelo evangelista João. Em seu Evangelho, encontramos uma série de declarações de Jesus, os famosos Ego eimi, “Eu sou”, com os quais revela o que pensa, Ele, de si mesmo, quem diz, Ele, ser: “Eu sou o pão da vida”, “Eu sou a luz do mundo”, e assim por diante. Veremos cinco destas autorrevelações e nos perguntaremos cada vez se Ele é realmente para nós aquilo que afirma ser e como fazer para que o seja sempre mais.

Será um momento para se viver de modo particular. Isto é, não com o olhar voltado para o exterior, aos problemas do mundo e da própria Igreja, como somos levados a fazer em outros contextos, mas um olhar introspectivo. Um momento, então, intimista e separado e, por isso, egoísta? Totalmente o contrário! É um evangelizar-nos para evangelizar, um preencher-nos de Jesus para falar d’Ele “por redundância de amor”, como as primitivas Constituições da minha Ordem Capuchinha recomendavam aos pregadores; isto é, por íntima convicção, não apenas para cumprir um mandato.

2. Iniciemos pelo primeiro destes “Eu sou” de Jesus que encontramos no Quarto Evangelho, no capítulo sexto: “Eu sou o pão da vida”. Escutemos primeiramente a parte do trecho que mais diretamente nos interessa:

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Raniero Cantalamessa: Celebração da Paixão 2012

Ao longo dessa Quaresma gostaríamos de propor, de maneira retrospectiva, as homilias do Cardeal Raniero Cantalamessa na Celebração da Paixão do Senhor que não foram publicadas aqui no blog a seu tempo.

Começamos com a homilia da Sexta-feira Santa de 2012, a última do pontificado do Papa Bento XVI:

Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
Homilia na Celebração da Paixão do Senhor
Basílica de São Pedro
Sexta-feira Santa, 06 de abril de 2012
Passar de espectadores a atores

1. Alguns Padres da Igreja concentraram em uma imagem todo o mistério da redenção. Dizem: imagina que aconteceu uma luta épica na arena. Um herói enfrentou o cruel tirano que escravizava a cidade e, com enorme esforço e sofrimento, o venceu. Você estava na arquibancada, não lutou, não se esforçou nem se feriu. Mas, se você admira o herói, se alegra com ele pela vitória, tece-lhe uma coroa, se anima e exalta a plateia por ele, se ajoelha com alegria diante do vencedor, beija a sua cabeça e aperta a sua mão direita; em suma, se tanto se exalta por ele, a ponto de considerar como sua a vitória dele, eu lhe digo que você terá certamente parte no prêmio do vencedor.

E mais: supondo que o vencedor não tenha necessidade alguma do prêmio que conquistou para si, mas que deseje, mais do que tudo, ver honrado o seu admirador e considere que o prêmio da sua luta seja a coroação do seu amigo, em tal caso aquele homem não terá talvez a coroa, mesmo sem ter lutado e sem ter feridas? Certamente a obterá (cf. Nicolau Cabasilas, Vita in Christo, I, 9; PG 150, 517).

Dessa forma, dizem esses Padres, acontece entre nós e Cristo. Ele, na cruz, derrotou o antigo adversário. “As nossas espadas - exclama São João Crisóstomo - não estão sujas de sangue, não estivemos na arena, não temos lesões, nem sequer vimos a batalha, e eis que obtivemos a vitória. Sua foi a luta, nossa a coroa. E porque também nós vencemos, imitemos o que fazem os soldados nesse caso: com vozes de alegria exaltemos a vitória, entoemos hinos de louvor ao Senhor” (São João Crisóstomo, De coemeterio et de cruce; PG 49, 596). Não poderia ser explicado melhor o significado da Liturgia que estamos celebrando.


2. Mas o que estamos fazendo é, em si, uma imagem, a representação de uma realidade passada, ou é a própria realidade? Ambas as coisas! “Nós - dizia Santo Agostinho ao povo - sabemos e acreditamos com fé certíssima que Cristo morreu uma vez só por nós... Sabeis perfeitamente que tudo isto aconteceu apenas uma vez, e ainda assim a solenidade o renova periodicamente... Verdade histórica e solenidade litúrgica não estão em contradição entre si, como se a segunda fosse falsa e só a primeira correspondesse à verdade. O que a história afirma ter acontecido uma só vez na realidade, a solenidade renova muitas vezes através da celebração nos corações dos fiéis” (Santo Agostinho, Sermão 220; PL 38, 1089).

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 34

Confira as Catequeses nn. 52-53 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, dando continuidade à sua reflexão sobre a missão de Cristo.

Confira também a postagem que serve de Introdução e Índice das Catequeses clicando aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

52. A missão de Cristo: “Para dar testemunho da verdade”
João Paulo II - 04 de maio de 1988

1. “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Quando Pilatos, durante o processo, perguntou a Jesus se Ele é rei, a primeira resposta que ouviu foi: “O meu reino não é deste mundo...”. E quando o governador romano insistiu e perguntou de novo: “Então, tu és rei?”, recebeu esta resposta: “Tu dizes, Eu sou rei” (vv. 33-37). Este diálogo judicial, relatado pelo Evangelho de João, nos permite reconectar com a última Catequese, cujo tema era a mensagem de Cristo sobre o Reino de Deus. Ao mesmo tempo, abre nosso espírito a outra dimensão ou outro aspecto da missão de Cristo, indicado por estas palavras: “Dar testemunho da verdade”. Cristo é rei e “veio ao mundo para dar testemunho da verdade”. Ele mesmo o afirma, e acrescenta: “Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz” (v. 37).

Esta resposta abre diante dos nossos olhos novos horizontes tanto sobre a missão de Cristo como sobre a vocação do homem, particularmente sobre o enraizamento da vocação do homem em Cristo.

Jesus, Mestre no caminho de Deus

2. Através das palavras dirigidas a Pilatos, Jesus enfatiza o que é essencial em toda a sua pregação. Ao mesmo tempo, Ele de certo modo antecipa aquilo que constituirá a eloquente mensagem contida no acontecimento pascal, ou seja, na sua Cruz e Ressurreição.

Ao falar da pregação de Jesus, até mesmo seus opositores expressavam, a seu modo, seu significado fundamental quando lhe diziam: “Mestre, sabemos que és verdadeiro... que ensinas segundo a verdade o caminho de Deus” (Mc 12,14). Jesus era, pois, o Mestre no “caminho de Deus”: expressão com profundas raízes bíblicas e extrabíblicas para designar uma doutrina religiosa e salvífica. Quanto aos ouvintes comuns de Jesus, estes estavam impressionados por outro aspecto da sua pregação, como testemunham os evangelistas: “Ficaram maravilhados com seu ensinamento, pois Ele os ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas” (Mc 1,22); “Sua palavra tinha autoridade” (Lc 4,32).

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Hinos da Cátedra de São Pedro: Vésperas

Segui-me, e Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,19).

Em nossa última postagem começamos a apresentar os dois hinos próprios da Liturgia das Horas (LH) para a Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro):
Laudes: Petrus beátus catenárum láqueos (Pedro, que rompes algemas);
Vésperas: Divína vox te déligit (Pescador de homens te faço).

“Vocação” de Pedro e dos primeiros Apóstolos
(Igreja de São Miguel, Lewes, Inglaterra)

Além desses dois hinos, no Ofício das Leituras da Festa entoa-se a 1ª estrofe e a doxologia do hino Iam, bone pastor (Ó Pedro, pastor piedoso), proposto em outras duas ocasiões:
- Nas Laudes da Festa da Conversão de São Paulo (25 de janeiro): 2ª estrofe - Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos) - e a doxologia;

Assim, após apresentarmos o texto das Laudes (Petrus beátus catenárum láqueos) da Festa da Cátedra de São Pedro, nesta postagem nos deteremos no hino das Vésperas: Divína vox te déligit (Pescador de homens te faço).

Trata-se de uma composição nova, elaborada pela Comissão encarregada da revisão dos hinos da LH após o Concílio Vaticano II, coordenada pelo Padre Anselmo Lentini, OSB (†1989).

Como testemunha Dom Annibale Bugnini (†1982), grande responsável pela reforma litúrgica, buscou-se propor hinos individuais sobretudo para os Apóstolos, Evangelistas e outros santos mencionados nos Evangelhos, como é o caso desse composição em honra do Apóstolo Pedro [1].

A Comissão, com efeito, resgatou antigos hinos compostos ao longo de toda a história da Igreja e propôs outros novos, como aquele pai de família que do seu tesouro “tira coisas novas e velhas” (Mt 13,52).

Antes da reforma litúrgica, nas Vésperas da Cátedra de São Pedro se repetia o hino do Ofício das Leituras (Matinas), Quodcúmque vinclis, atualmente indicado para as Laudes desse dia e enriquecido com mais uma estrofe (Petrus beátus).

Nas Laudes, por sua vez, se entoava o hino Iam bone pastor, sobre o qual já falamos acima, atualmente indicado para o Ofício do dia 22 de fevereiro.

A seguir reproduzimos o texto original do hino das Vésperas (em latim), composto por seis estrofes de quatro versos, e sua tradução oficial para o português do Brasil, que faz algumas adaptações, como veremos, tecendo também alguns breves comentários sobre a sua teologia.

Entrega das chaves a Pedro
(Nicolas Poussin, séc. XVII)

Cathedrae Sancti Petri Apostoli (Festum)
Vesperae: Divína vox te déligit

1. Divína vox te déligit,
piscátor, ac pro rétibus
remísque qua tu glória
caeli refúlges clávibus!

2. Tenax amóris próferens
ac dulce testimónium,
omnes amor quos láverat
oves regéndas áccipis.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Hinos da Cátedra de São Pedro: Laudes

Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus...” (Mt 16,19).

No mês de janeiro destacamos aqui em nosso blog os dois hinos próprios da Liturgia das Horas (LH) para a Festa da Conversão de São Paulo (25 de janeiro):
Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados);
Vésperas: Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando).

Nas Laudes dessa Festa são entoadas a 2ª estrofe - Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos) - e a doxologia do hino Iam, bone pastor (Ó Pedro, pastor piedoso), entoado também:
- No Ofício das Leituras da Festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro): 1ª estrofe e a doxologia;

Entrega das chaves a Pedro
(Vitral do Castelo de Cardiff, Gales)

Dando continuidade à proposta, gostaríamos de apresentar os dois hinos da Festa da Cátedra de São Pedro, também conhecida como “Confissão de São Pedro”, celebrada no dia 22 de fevereiro ou, em algumas tradições, no dia 18 de janeiro:
Laudes: Petrus beátus catenárum láqueos (Pedro, que rompes algemas);
Vésperas: Divína vox te déligit (Pescador de homens te faço).

Começamos, naturalmente, pelo hino das Laudes: Petrus beátus catenárum láqueos (Pedro, que rompes algemas). Como indica o Padre Félix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas [1], trata-se na verdade de algumas estrofes de um hino maior em honra dos Apóstolos Pedro e Paulo: Felix per omnes festum (A festa dos Apóstolos).

O hino foi composto entre os séculos VIII e IX, sendo atribuído a São Paulino de Aquileia (†802), mestre na corte do Imperador Carlos Magno (†814) e posteriormente Patriarca de Aquileia (Itália).

O hino completo possui oito estrofes, além da doxologia final em honra da Trindade (Glória Patri...). Atualmente outros dois trechos do hino são entoados na LH na Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos (29 de junho): no Ofício das Leituras (Felix per omnes festum) e nas II Vésperas (O Roma felix).

Nas Laudes da Festa da Cátedra de São Pedro entoam-se duas estrofes do hino (Petrus beátus... Quodcúmque vinclis...) e a doxologia (Glória Patri...).

Antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, por sua vez, entoava-se tanto no Ofício (Matinas) quanto nas Vésperas da Cátedra de São Pedro apenas uma estrofe (Quodcúmque vinclis) e a doxologia, enquanto nas Laudes se entoava o hino Iam bone pastor, atualmente indicado para o Ofício.

A primeira estrofe do nosso hino (Petrus beátus), por sua vez, era entoada nas Vésperas da Festa de São Pedro “em Cadeias” (Sancti Petri ad Vincula), celebrada no dia 01 de agosto, que recordava as duas prisões do Apóstolo: em Jerusalém (At 12,1-11) e em Roma [2].

Em ambos os casos, na verdade, se entoava uma versão dos hinos adaptada pelo Papa Urbano VIII (†1644): Miris modis (Petrus beátus) e Quodcumque in orbe (Quodcúmque vinclis).

A Comissão encarregada da revisão dos hinos da LH após o Concílio, coordenada pelo Padre Anselmo Lentini, OSB (†1989), resgatou o texto original da composição, propondo as duas estrofes e a doxologia para as Laudes do dia 22 de fevereiro.

São Paulino de Aquileia (†802), autor do hino

A seguir reproduzimos o texto original do hino (em latim), composto por três estrofes de cinco versos, e sua tradução oficial para o português do Brasil, que adaptou o hino em duas estrofes de seis versos (unindo a doxologia à segunda estrofe), seguidos de alguns breves comentários sobre a sua teologia.

Cathedrae Sancti Petri Apostoli (Festum)
Laudes matutinae: Petrus beátus catenárum láqueos

1. Petrus beátus catenárum láqueos
Christo iubénte rupit mirabíliter;
custos ovílis et doctor Ecclésiae,
pastórque gregis, conservátor óvium
arcet lupórum truculéntam rábiem.

Ângelus: I Domingo da Quaresma - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 18 de fevereiro de 2024

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, I Domingo da Quaresma, o Evangelho apresenta-nos Jesus tentado no deserto (Mc 1,12-15). Diz o texto: «Permaneceu quarenta dias no deserto, tentado por Satanás». Também nós, na Quaresma, somos convidados a “entrar no deserto”, isto é, no silêncio, no mundo interior, na escuta do coração, no contato com a verdade. No deserto - acrescenta o Evangelho de hoje - Cristo «estava com as feras e os anjos serviam-no» (v. 13). As feras e os anjos eram a sua companhia. Mas, em sentido simbólico, são também a nossa companhia: quando entramos no deserto interior, de fato, podemos encontrar aí feras e anjos.

Feras. Em que sentido? Na vida espiritual, podemos pensar nelas como as paixões desordenadas que dividem o coração, procurando possuí-lo. Elas sugestionam-nos, parecem seduzir-nos. Elas atraem-nos, parecem cativantes, mas, se não tomarmos cuidado, há o risco de que nos destrocem. Podemos dar nomes a estas “feras” da alma: os vários vícios, a ambição da riqueza, que nos aprisiona no cálculo e na insatisfação, a vaidade do prazer, que nos condena ao desassossego e à solidão, e ainda a avidez da fama, que gera insegurança e uma necessidade constante de confirmação e de protagonismo - não esqueçamos estas coisas que podemos encontrar dentro de nós: a ambição, a vaidade e a avidez. São como feras “selvagens” e, como tal, devem ser domadas e combatidas: caso contrário, devorarão a nossa liberdade. E a Quaresma ajuda-nos a entrar no deserto interior para corrigir estas coisas.

E depois, no deserto, estavam os anjos. Eles são os mensageiros de Deus, que nos ajudam, nos fazem bem; de fato, a sua característica, segundo o Evangelho, é o serviço (v. 13): exatamente o contrário da posse, típica das paixões. Serviço contra posse. Os espíritos angélicos suscitam os bons pensamentos e sentimentos sugeridos pelo Espírito Santo. Enquanto as tentações nos dilaceram, as boas inspirações divinas unem-nos e fazem-nos entrar na harmonia: tranquilizam o coração, incutem o gosto de Cristo, “o sabor do Céu”. E para captar a inspiração de Deus, é preciso entrar no silêncio e na oração. E a Quaresma é o tempo para fazer isto.

Podemos perguntar-nos: em primeiro lugar, quais são as paixões desordenadas, as “feras selvagens” que se agitam no meu coração? Em segundo lugar, para deixar que a voz de Deus fale ao meu coração e o mantenha no bem, penso em retirar-me um pouco para o “deserto”, procuro dedicar durante o dia um espaço para isto?

Que a Virgem Santa, que guardou a Palavra e não se deixou tocar pelas tentações do Maligno, nos ajude no nosso caminho de Quaresma.

Cristo no deserto, entre os animais e os anjos
(Moretto da Brescia)

Fonte: Santa Sé.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Nota Gestis verbisque sobre a validade dos Sacramentos

No dia 02 de fevereiro de 2024 o Dicastério para a Doutrina da Fé, com a aprovação do Papa Francisco, promulgou a Nota Gestis verbisque sobre a validade dos Sacramentos, exortando à fidelidade sobretudo em relação à matéria e à forma dos Sacramentos.

Confira o texto do documento na íntegra, em uma tradução livre nossa, precedido de uma Apresentação do Prefeito do Dicastério:

Dicastério para a Doutrina da Fé
Nota Gestis verbisque
Sobre a validade dos Sacramentos

Apresentação

Já por ocasião da Assembleia Plenária do Dicastério de janeiro de 2022, os Cardeais e os Bispos Membros manifestaram a sua preocupação pela multiplicação de situações em que foram obrigados a constatar a invalidade dos Sacramentos celebrados. As graves alterações introduzidas na matéria ou na forma dos Sacramentos, tornando nula a sua celebração, levaram então à necessidade de localizar as pessoas envolvidas para repetir o rito do Batismo ou da Confirmação, e um número significativo de fiéis exprimiu com razão a sua preocupação. Por exemplo, em vez de utilizar a fórmula estabelecida para o Batismo, foram utilizadas fórmulas como as seguintes: «Eu te batizo em nome do Criador...» e «Em nome do papai e da mamãe... nós te batizamos». Em tão grave situação se encontraram também sacerdotes. Estes últimos, tendo sido batizados com fórmulas deste tipo, descobriram dolorosamente a invalidade da sua ordenação e dos sacramentos celebrados até aquele momento.

Enquanto em outros âmbitos da ação pastoral da Igreja haja um amplo espaço para a criatividade, tal inventividade no contexto da celebração dos Sacramentos se transforma antes em uma “vontade manipuladora” e não pode, portanto, ser invocada [1]. Modificar, pois, a forma de um Sacramento ou a sua matéria é sempre um ato gravemente ilícito e merece uma pena exemplar, precisamente porque tais gestos arbitrários são capazes de produzir graves danos ao Povo fiel de Deus.

Símbolos dos sete Sacramentos

No discurso dirigido ao nosso Dicastério por ocasião da recente Assembleia Plenária, em 26 de janeiro de 2024, o Santo Padre recordou que «através dos Sacramentos, os fiéis se tornam capazes de profecia e de testemunho. E o nosso tempo necessita com particular urgência de profetas de vida nova e de testemunhas de caridade: portanto, amemos e façamos amar a beleza e a força salvífica dos Sacramentos!». Neste contexto indicou também que «aos ministros é exigido um particular cuidado ao administrar os Sacramentos e ao revelar aos fiéis os tesouros da graça que eles comunicam» [2].

É assim que, por um lado, o Santo Padre nos convida a agir de modo que os fiéis possam aproximar-se frutuosamente dos Sacramentos, enquanto, por outro lado, sublinha fortemente o apelo a um “particular cuidado” na sua administração.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Sugestão de leitura: Cadernos do Concílio (Parte 2)

No mês de janeiro começamos a propor como sugestão de leitura os nove volumes da ColeçãoCadernos do Concílio” dedicados à Constituição Sacrosanctum Concilium.

Com efeito, em preparação para o Jubileu Ordinário de 2025, o Papa Francisco propôs “revisitar” as quatro Constituições do Concílio Vaticano II (1962-1965): Dei Verbum, Sacrosanctum Concilium, Lumen Gentium e Gaudium et Spes.

Atendendo ao pedido do Papa, o Dicastério para a Evangelização (Seção para as questões fundamentais da evangelização no mundo), responsável pela organização do Jubileu, publicou a Coleção “Cadernos do Concílio” (Quaderni del Concilio), com 34 volumes dedicados às quatro Constituições conciliares.


Os breve volumes, escritos por diversos autores, começaram a ser publicados no Brasil no segundo semestre de 2023 pelas Edições CNBB.

Após apresentar os primeiros três dos nove volumes dedicados à Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada Liturgia em janeiro (nn. 6-8), damos continuidade com os nn. 9-11, que abrangem os capítulos II-IV do documento:

O Mistério Eucarístico
Irmã Fulvia Maria Sieni, monja agostiniana
Coleção Cadernos do Concílio, vol. 9
64 páginas

Quarta-feira de Cinzas em Lisboa (2024)

O Patriarca de Lisboa (Portugal), Dom Rui Manuel Sousa Valério, presidiu no dia 14 de fevereiro de 2024 a Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas na Catedral Patriarcal de Santa Maria Maior em Lisboa:

Procissão de entrada
Ritos iniciais

Liturgia da Palavra
Bênção com o Livro dos Evangelhos

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Meditações da Via Sacra no Coliseu 2004

Nesta primeira sexta-feira da Quaresma, como de costume aqui em nosso blog, publicamos um esquema de meditação para a tradicional Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.
Para saber mais, confira nossas postagens sobre a Via Sacra e sobre a Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

Nesta postagem recordamos as meditações proferidas há vinte anos, na Sexta-feira Santa de 2004, a última presidida por São João Paulo II no Coliseu (uma vez que em 2005, poucos dias antes da sua morte, o Papa polonês acompanhou a Via Sacra pela televisão).

As meditações foram elaboradas pelo Padre André Louf, monge trapista (Ordem dos Cistercienses de Estrita Observância) belga, falecido em 2010, seguindo o modelo da “Via Sacra Bíblica”.

Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Via-Sacra no Coliseu presidida pelo Papa João Paulo II
Sexta-feira Santa, 09 de abril de 2004
Meditações do Padre André Louf

Apresentação

Anualmente, na noite de Sexta-feira Santa, memória litúrgica da Paixão do Senhor, a Igreja de Deus que está em Roma, guiada pelo seu Pastor, o Sucessor de Pedro, realiza ao pé do Coliseu o piedoso exercício da Via Crucis, o “caminho da Cruz”. À comunidade cristã de Roma vêm juntar-se ao longo das quatorze estações peregrinos de todo o oikumene, enquanto milhões de fiéis de todas as línguas, povos e culturas se associam à oração e meditação através dos meios radio-televisivos. Neste ano, por uma feliz coincidência de calendário, os cristãos do Oriente e do Ocidente celebram simultaneamente o grande mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do único Senhor de todos e, assim, vivem contemporaneamente a memória do acontecimento fontal da sua fé.


Neste ano, os textos bíblicos da Via-Sacra são tirados do Evangelho de São Lucas e os textos de meditação compostos pelo Padre André Louf. Trata-se de um monge cisterciense de estrita observância, que vive já há alguns anos em um ermo depois de ter desempenhado o ministério de abade na sua comunidade de Notre-Dame de Monte-des-Cats em França durante trinta e cinco anos, guiando-a no seguimento de Jesus Cristo desde os anos do Concílio Vaticano II até ao limiar do terceiro milênio: um monge radicado na Sagrada Escritura pela prática quotidiana da lectio divina, amante dos Padres da Igreja dos primeiros séculos e dos místicos flamengos; um pai de monges capaz de acompanhar os irmãos na vida espiritual e na busca diária daquele ideal de “um só coração e uma só alma” que caracterizava a comunidade apostólica de Jerusalém (At 4,32). Ou seja, um monge cenobita, para quem solidão e comunhão estão em constante dialética existencial: solidão diante de Deus e comunhão fraterna, unificação interior e união comunitária, redução à simplicitas do essencial e abertura à pluralidade das expressões de fé vivida. Tal é o empenho diário do monge, a dinâmica da sua stabilitas em uma determinada realidade comunitária, o “trabalho da obediência” (Regra de São Bento, Prólogo 2) através do qual regressar a Deus.

Quarta-feira de Cinzas em Cracóvia (2024)

Na Catedral dos Santos Venceslau e Estanislau em Cracóvia (Polônia), a Catedral de Wawel, a Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas deste ano de 2024 foi presidida pelo Arcebispo, Dom Marek Jędraszewski, no dia 14 de fevereiro:

Procissão de entrada

Incensação do altar
Evangelho
Homilia

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Quarta-feira de Cinzas em Roma (2024)

No dia 14 de fevereiro de 2024 o Papa Francisco presidiu sem celebrar a Santa Missa da Quarta-feira de Cinzas na Basílica de Santa Sabina em Roma.

Como de costume, a celebração teve início na igreja de Santo Anselmo no Aventino, de onde partiu a procissão penitencial na forma das estações quaresmais romanas, presidida pelo Cardeal Mauro Piacenza, Penitenciário Mor da Santa Igreja, o qual também celebrou a Liturgia Eucarística na Basílica de Santa Sabina, assistido pelo Monsenhor L'ubomir Welnitz.

O Santo Padre, por sua vez, foi assistido por Dom Diego Giovanni Ravelli e pelo Monsenhor Didier Jean-Jacques Bouable. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Início da celebração (Santo Anselmo)
Procissão penitencial


Incensação do altar (Santa Sabina)

Homilia do Papa: Quarta-feira de Cinzas (2024)

Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa Francisco
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Quando deres esmola, quando rezares, quando jejuares, procura fazê-lo em segredo: o teu Pai, de fato, vê no segredo (cf. Mt 6,4). Entra no segredo: este é o convite que Jesus dirige a cada um de nós no início do caminho da Quaresma.

Entrar no segredo significa voltar ao coração, como adverte o profeta Joel (cf. Jl 2,12). Trata-se de um percurso de fora para dentro, a fim de que todo o nosso viver, incluindo a nossa relação com Deus, não se reduza a exterioridade, a uma moldura sem quadro, a mero revestimento da alma, mas brote de dentro e corresponda aos movimentos do coração, isto é, aos nossos desejos, aos nossos pensamentos, ao nosso sentir, ao núcleo fontal da nossa pessoa.

Deste modo a Quaresma mergulha-nos em um banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a «maquiagem», tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos. Voltar ao coração significa tornar ao nosso verdadeiro “eu” e apresentá-lo nu e sem disfarces, como é diante de Deus. Significa olhar dentro de nós mesmos e tomar consciência daquilo que realmente somos, tirando as máscaras que muitas vezes utilizamos, diminuindo a corrida do nosso frenesi, abraçando a vida e a verdade de nós mesmos. A vida não é um teatro, e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos. Regressar ao coração, regressar à verdade.


Por isso nesta tarde recebemos, com espírito de oração e humildade, as cinzas na cabeça. Trata-se de um gesto que visa reconduzir-nos à realidade essencial de nós mesmos: somos pó, a nossa vida é como um sopro (cf. Sl 38,6; 143,4), mas o Senhor - Ele, e só Ele! Não outros... - não deixa que ela desapareça; recolhe e plasma o pó que somos, para que não acabe disperso pelos ventos impetuosos da vida nem se dissolva no abismo da morte.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 33

Dando continuidade à segunda parte das suas Catequeses sobre Jesus Cristo, centrada na sua missão, confira a meditação n. 51 do Papa São João Paulo II, destacando o anúncio do Evangelho do Reino” através das parábolas.

Para acessar o índice com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO


51. A missão de Cristo: “Chegou para vós o Reino de Deus”
João Paulo II - 27 de abril de 1988

1. “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Jesus Cristo foi enviado pelo Pai “para anunciar a boa-nova aos pobres” (Lc 4,18). Foi - e continua sendo - o primeiro mensageiro do Pai, o primeiro evangelizador, como afirmamos na Catequese anterior com as palavras de Paulo VI na Evangelii nuntiandi. Antes, Jesus é não só o anunciador do Evangelho, da boa-nova, mas Ele mesmo é o Evangelho (cf. Evangelii nuntiandi, n. 7).

Com efeito, em todo o conjunto da sua missão, por meio de tudo o que faz e ensina, e, por fim, mediante a sua Cruz e Ressurreição, Ele “manifesta plenamente o homem ao próprio homem” (Gaudium et spes, n. 22), e lhe desvela as perspectivas daquela felicidade à qual Deus o chamou e destinou desde o princípio. A mensagem das bem-aventuranças resume o programa de vida proposto a quem deseja seguir o chamado divino, é a síntese de todo o “ethos” evangélico vinculado ao mistério da redenção.

O semeador, uma das principais “parábolas do Reino”

2. A missão de Cristo consiste antes de tudo na revelação da boa-nova (Evangelho) dirigida ao homem. Visa, portanto, o homem e, neste sentido, se pode dizer que é “antropocêntrica”; porém, ao mesmo tempo, está profundamente enraizada na verdade do Reino de Deus, no anúncio da sua vinda e da sua proximidade: “Está próximo o Reino de Deus... crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Este é, portanto, o “Evangelho do Reino”, cuja referência ao homem, visível em toda a missão de Cristo, está enraizada em uma dimensão “teocêntrica”, que se chama precisamente Reino de Deus. Jesus anuncia o Evangelho desse Reino e, ao mesmo tempo, realiza o Reino de Deus em todo o desenvolvimento da sua missão, por meio da qual o Reino nasce e se desenvolve já no tempo, como semente inserida na história do homem e do mundo. Esta realização do Reino ocorre mediante a palavra do Evangelho e mediante toda a vida terrena do Filho do homem, coroada no Mistério Pascal com a Cruz e a Ressurreição. Com efeito, com a sua “obediência até a morte” (cf. Fl 2,8), Jesus deu início a uma nova fase da economia da salvação, cujo processo se concluirá quando Deus for “tudo em todos” (1Cor 15,28), de maneira que o Reino de Deus verdadeiramente começou a realizar-se na história do homem e do mundo, embora no curso terreno da vida humana nos encontremos e choquemos continuamente com o outro termo fundamental da dialética histórica: a “desobediência do primeiro Adão”, que submeteu o seu espírito ao “príncipe deste mundo” (cf. Rm 5,19; Jo 14,30).

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Ladainha para a Quaresma

Ouvi-nos, Senhor, tende piedade, porque pecamos contra vós” (Br 3,2).

A ladainha (em latim litania, do grego λιτή [lité], súplica) é uma oração composta por uma série de invocações ou preces intercaladas por uma resposta. Inspirada em alguns textos da Sagrada Escritura (como o Salmo 135/136 e os cânticos do Livro de Daniel), foi amplamente acolhida pela tradição cristã.

Já apresentamos aqui em nosso blog as oito Ladainhas aprovadas oficialmente pela Igreja e que, portanto, podem ser entoadas nas celebrações litúrgicas: do Santíssimo Nome de Jesus; do Sagrado Coração de Jesus; do Preciosíssimo Sangue de Jesus; de Nossa Senhora; de São José; de Todos os Santos; de Jesus Cristo, Sacerdote e Vítima; e do Santíssimo Sacramento [1].

Não obstante, sobretudo a partir do final da Idade Média, foram compostas várias outras Ladainhas a serem rezadas de maneira privada, como devoção pessoal, ou mesmo de forma comunitária, em momentos de oração não-litúrgicos (novenas, horas-santas, etc.).

É o caso da Ladainha para a Quaresma (Litaniae in Quadragesima), publicada em um célebre livro de orações editado em 1612, o Fasciculus Sacrarum Orationum et Litaniarum ad usum quotidianum Christiani hominis, ex sanctis Scripturis et Patribus collectus (Conjunto de Orações Sagradas e Ladainhas para uso quotidiano dos cristãos, extraídas das Sagradas Escrituras e dos Santos Padres).

Cristo com santos penitentes do Antigo e do Novo Testamento
(Gerard Seghers)

As invocações da Ladainha para a Quaresma, com efeito, são tomadas sobretudo da Sagrada Escritura, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Tais invocações são similares às “preces” indicadas no Ritual da Penitência, pelas quais a Igreja, reunida no Espírito Santo, suplica a misericórdia do Pai e do Filho [2].

Após as tradicionais invocações iniciais a Cristo (Kyrie eleison, Christe eleison...) e à Trindade, com efeito, a Ladainha para a Quaresma está dividida em quatro partes:
- 16 súplicas a Deus com testemunhos do Antigo Testamento, com a resposta miserere nobis (tende piedade de nós);
- 24 súplicas a Cristo com referências ao Novo Testamento, também com a resposta miserere nobis;
- 18 súplicas a Cristo para que nos livre do mal, com a resposta libera nos, Domine (livrai-nos, Senhor);
- 13 súplicas a Cristo para que nos ajude a fazer penitência pelos nossos pecados, com a resposta te rogamus, audi nos (ouvi-nos, Senhor).

Concluem a Ladainha as tradicionais invocações a Cristo como Cordeiro de Deus, seguidas da oração do Senhor (Pai-nosso), alguns responsórios e orações.

Confira a seguir o texto original da Ladainha (em latim), conforme presente no Fasciculus Sacrarum Orationum et Litaniarum, e uma tradução feita pela equipe do site do Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, a partir da versão divulgada no site Preces Latinae.

Esta versão possui pequenas diferenças em relação ao texto do século XVII, omitindo algumas invocações, que acrescentamos a seguir a partir do original, buscando oferecer a versão mais completa do texto, o qual pode ser de grande ajuda para nossa oração nesse tempo quaresmal.

Litaniae in Quadragesima

Kyrie eleison. Kyrie eleison.
Christe eleison. Christe eleison.
Kyrie eleison. Kyrie eleison.

Pater sancte, audi nos.
Pater iuste, exaudi nos.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2024

Papa Francisco
Mensagem para a Quaresma de 2024
Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade

Queridos irmãos e irmãs!
Quando o nosso Deus se revela, comunica liberdade: «Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da servidão» (Ex 20,2). Assim inicia o Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai. O povo sabe bem de que êxodo Deus está falando: traz ainda gravada na sua carne a experiência da escravidão. Recebe as «dez palavras» no deserto como caminho de liberdade. Nós chamamos-lhes «mandamentos», fazendo ressaltar a força amorosa com que Deus educa o seu povo; mas, de fato, a chamada para a liberdade constitui um vigoroso apelo. Não se reduz a um mero acontecimento, mas amadurece ao longo de um caminho. Como Israel no deserto tinha ainda dentro de si o Egito (vemo-lo muitas vezes lamentar a falta do passado e murmurar contra o céu e contra Moisés), também hoje o povo de Deus traz dentro de si vínculos opressivos que deve optar por abandonar. Damo-nos conta disto quando nos falta a esperança e vagamos na vida como em terra desolada, sem uma terra prometida para a qual tendermos juntos. A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser - como anuncia o profeta Oseias - o lugar do primeiro amor (Os 2,16-17). Deus educa o seu povo, para que saia das suas escravidões e experimente a passagem da morte para a vida. Como um esposo, atrai-nos novamente a si e sussurra ao nosso coração palavras de amor.

Passagem do Mar Vermelho (Lidia Kozenitzky):
Início do caminho pelo deserto

O êxodo da escravidão para a liberdade não é um caminho abstrato. A fim de ser concreta também a nossa Quaresma, o primeiro passo é querer ver a realidade. Quando o Senhor, da sarça ardente, atraiu Moisés e lhe falou, revelou-se logo como um Deus que vê e sobretudo escuta: «Eu vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de libertá-lo das mãos dos egípcios e de fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel» (Ex 3,7-8). Também hoje o grito de tantos irmãos e irmãs oprimidos chega ao céu. Perguntemo-nos: E chega também a nós? Mexe conosco? Comove-nos? Há muitos fatores que nos afastam uns dos outros, negando a fraternidade que originariamente nos une.