segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Ângelus: IV Domingo do Tempo Comum - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 30 de janeiro de 2022

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Na Liturgia de hoje, o Evangelho narra a primeira pregação de Jesus na sua cidade, Nazaré. O êxito é amargo: em vez de receber aprovação, Jesus encontra incompreensão e até hostilidade (Lc 4,21-30). Os seus concidadãos, mais do que uma palavra de verdade, queriam milagres, sinais prodigiosos. O Senhor não os realiza e eles rejeitam-no, pois dizem que já o conheciam desde criança, que é o filho de José (v. 22) e outras coisas mais. Então, Jesus pronunciou uma frase que se tornou proverbial: «Nenhum profeta é bem aceito na sua pátria» (v. 24).

Estas palavras revelam que o fracasso para Jesus não foi totalmente inesperado. Conhecia o seu povo, conhecia o coração do seu povo, conhecia o risco que estava a correr e previa a rejeição. Então podemos perguntar-nos: se é assim, se previa o fracasso, por que foi à sua cidade? Por que fazer o bem a pessoas que não estão dispostas a aceitá-lo? É uma pergunta que nos fazemos com frequência. Contudo, é uma questão que nos ajuda a compreender melhor a Deus. Face aos nossos fechamentos, Ele não retrocede: não põe limites ao seu amor. Perante os nossos fechamentos, Ele vai em frente. Vemos um reflexo disto nos pais que estão conscientes da ingratidão dos filhos, mas não deixam de amá-los e de fazer-lhes o bem. Deus é assim, mas a um nível muito mais elevado. E hoje também nos convida a acreditar no bem, a nunca deixar de procurar fazer o bem.

Mas no que aconteceu em Nazaré, encontramos outro aspecto: a hostilidade para com Jesus por parte dos “seus” provoca-nos: eles não foram acolhedores, e nós? Para verificar isto, vejamos os modelos de acolhimento que Jesus propõe hoje, aos seus concidadãos e a nós. São dois estrangeiros: uma viúva de Sarepta, na Sidônia, e Naamã, o sírio. Ambos acolheram profetas: a primeira acolheu Elias, o segundo Eliseu. Mas não foi uma recepção fácil, passou através de experiências. A viúva hospedou Elias, apesar da carestia e embora o profeta fosse perseguido (cf. 1Rs 17,7-16), era um perseguido político-religioso. Naamã, por sua vez, não obstante fosse uma pessoa de nível muito elevado, aceitou o pedido do profeta Eliseu, que o levou a humilhar-se, a banhar-se sete vezes num rio (cf. 2Rs 5,1-14), como se fosse uma criança ignorante. A viúva e Naamã, em suma, acolheram através da disponibilidade e da humildade. O modo de acolher Deus é estar sempre disponível, acolhê-lo e ser humilde. A fé passa por isto: disponibilidade e humildade. A viúva e Naamã não rejeitaram os caminhos de Deus e dos seus profetas; foram dóceis, não rígidos nem fechados.

Irmãos e irmãs, Jesus também segue o caminho dos profetas: apresenta-se como não o esperaríamos. Aqueles que procuram milagres não O encontrarão - se procurarmos milagres não encontraremos Jesus - aqueles que procuram novas sensações, experiências íntimas, coisas estranhas; aqueles que procuram uma fé feita de poder e de sinais exteriores não O encontrarão. Não, eles não O encontrarão. Apenas aqueles que aceitam os seus caminhos e desafios, sem queixas, sem suspeitas, sem críticas nem caras feias, O encontrarão. Jesus, por outras palavras, pede-nos que O acolhamos na realidade quotidiana que vivemos; na Igreja de hoje, como ela é; naqueles que estão próximos todos os dias; na vida concreta dos necessitados, nos problemas das nossas famílias, nos pais, nos filhos, nos avós, ali acolhemos Deus. Ali está ele, convidando-nos a purificar-nos no rio da disponibilidade e em muitos banhos saudáveis de humildade. Precisamos de humildade para encontrar Deus, para nos deixarmos encontrar por Ele.

E nós, somos acolhedores ou parecidos com os seus concidadãos, que pensavam saber tudo sobre ele? “Estudei teologia, fiz o curso de catequese... Sei tudo sobre Jesus!”. Sim, como um estulto! Não sejas estúpido, não conheces Jesus. Talvez, após tantos anos de fé, pensamos que conhecemos bem o Senhor, muitas vezes com as nossas ideias e julgamentos. O risco é acostumarmo-nos, acostumarmo-nos a Jesus. E como nos habituamos? Fechando-nos, fechando-nos à sua novidade, ao momento em que Ele bate à porta e nos diz algo novo, Ele quer entrar em nós. Devemos sair deste permanecer fixados nas nossas posições. O Senhor pede uma mente aberta e um coração simples. E quando uma pessoa tem uma mente aberta, um coração simples, tem a capacidade de se surpreender, de se maravilhar. O Senhor surpreende-nos sempre, esta é a beleza do encontro com Jesus. Que Nossa Senhora, modelo de humildade e disponibilidade, nos mostre o caminho para acolher Jesus.

A rejeição a Jesus na sinagoga de Nazaré
Nikolay Ge (esboço)

Fonte: Santa Sé.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

9ª Catequese do Papa Francisco sobre São José

Durante a Audiência Geral do dia 26 de janeiro de 2022 o Papa Francisco proferiu a 9ª meditação do seu Ciclo de Catequeses sobre São José, refletindo sobre “José, homem que sonha”:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
São José (9): São José, homem que “sonha”

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de me concentrar na figura de São José como homem que sonha. Na Bíblia, como nas culturas dos povos antigos, os sonhos eram considerados um meio pelo qual Deus se revelava (cf. Gn 20,3; 28,12; 31,11.24; 40,8; 41,1-32; Nm 12,6; 1Sm 3,3-10; Dn 2;4;  33,15). O sonho simboliza a vida espiritual de cada um de nós, o espaço interior, que cada um é chamado a cultivar e preservar, onde Deus se manifesta e muitas vezes nos fala. Mas devemos também dizer que dentro de cada um não existe apenas a voz de Deus: existem muitas outras vozes. Por exemplo, as vozes dos nossos receios, as vozes das experiências passadas, as vozes das esperanças; e há também a voz do Maligno que nos quer enganar e confundir. Por conseguinte, é importante ser capaz de reconhecer a voz de Deus no meio de outras vozes. José demonstra que sabe cultivar o silêncio necessário e, sobretudo, tomar as decisões corretas perante a Palavra que o Senhor lhe dirige interiormente. Hoje, será bom para nós retomarmos os quatro sonhos do Evangelho que o têm como protagonista, para compreender como nos colocarmos perante a revelação de Deus. O Evangelho nos narra quatro sonhos de José.
No primeiro sonho (cf. Mt 1,18-25), o anjo ajuda José a resolver o drama que o assola quando soube da gravidez de Maria: «Não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados» (vv. 20-21). E a sua resposta foi imediata: «Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado» (v. 24). Muitas vezes a vida coloca-nos diante de situações que não compreendemos e que parecem não ter solução. Rezar nesses momentos significa deixar que o Senhor nos indique o que é justo fazer. Na verdade, muitas vezes é a oração que nos dá a intuição da saída, como resolver aquela situação. Caros irmãos e irmãs, o Senhor nunca permite que um problema surja sem nos conceder também a ajuda necessária para enfrentá-lo.  Não nos lança sozinhos na fornalha. Não nos lança no meio das feras. Não. O Senhor quando nos mostra um problema ou revela um problema, dá-nos sempre a intuição, a ajuda, a sua presença, para sairmos dele, para resolvê-lo.
O segundo sonho revelador de José chega quando a vida do menino Jesus está em perigo. A mensagem é clara: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe e vai para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo» (Mt 2,13). José obedeceu sem hesitação: «Levantou-se durante a noite, tomou o menino e a sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes» (vv. 14-15). Na vida, todos nós experimentamos perigos que ameaçam a nossa existência ou a daqueles que amamos. Nestas situações, rezar significa ouvir a voz que nos pode dar a mesma coragem de José, para enfrentar as dificuldades sem sucumbir.
No Egito, José espera um sinal de Deus para poder regressar a casa, e este é o conteúdo do terceiro sonho. O anjo revela-lhe que aqueles que queriam matar o menino morreram e ordena-lhe que parta com Maria e Jesus e regresse à pátria (cf. Mt 2,19-20). José «levantou-se, tomou o menino e a sua mãe e foi para a terra de Israel» (v. 21). Mas precisamente na viagem de regresso, «ao ouvir que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá» (v. 22). Eis então a quarta revelação: «Advertido em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré» (vv. 22-23). O medo também faz parte da vida e precisa da nossa oração. Deus não nos promete que nunca teremos medo, mas que, com a sua ajuda, este não será o critério para as nossas decisões. José experimenta o medo, mas Deus guia-o através dele. O poder da oração ilumina as situações de escuridão.
Penso neste momento em tantas pessoas que estão esmagadas pelo peso da vida e já não conseguem ter esperança nem rezar. Que São José as ajude a abrir-se ao diálogo com Deus, para encontrar luz, força e paz. E penso também nos pais diante dos problemas dos filhos. Filhos com muitas doenças, filhos doentes, inclusive com enfermidades permanentes: quanto sofrimento nisto. Pais que veem orientações sexuais diferentes nos filhos; como gerir isto e acompanhar os filhos e não se esconder numa atitude condenatória. Pais que veem os filhos que vão embora, morrem, por causa de uma doença e também - é mais triste, lemos todos os dias nos jornais - jovens que fazem leviandades e acabam num acidente de carro. Os pais que veem os filhos que não rendem na escola e não sabem o que fazer... Muitos problemas dos pais. Pensemos em como ajudá-los. E a estes pais, digo: não vos assusteis. Sim, há o sofrimento. Muito. Mas pensai como José resolveu os problemas e pedi a José que vos ajude. Nunca condeneis um filho. Sinto tanta ternura - também em Buenos Aires - quando ia de ônibus e passava diante da prisão: havia uma fila de pessoas que esperavam para entrar e visitar os encarcerados. E estavam ali as mães, faziam-me sentir tanta ternura: face ao problema de um filho que errou, foi preso, não o deixavam sozinho, encaravam o problema e acompanhavam-no. Esta coragem; coragem de pai e de mãe que acompanham os filhos sempre, sempre. Peçamos ao Senhor que conceda a todos os pais e a todas as mães esta coragem que deu a José. E depois rezar a fim de que o Senhor nos ajude nestes momentos.
A oração, no entanto, nunca é um gesto abstrato nem intimista, como querem fazer aqueles movimentos espirituais mais gnósticos do que cristãos. Não, não é isto. A oração está sempre indissociavelmente ligada à caridade. Só quando unimos a oração com o amor, o amor pelos filhos, como o caso que acabei de mencionar, ou o amor ao próximo, somos capazes de compreender as mensagens do Senhor. José rezava, trabalhava e amava - três ações boas para os pais:  rezar, trabalhar e amar - e por isso recebeu sempre o necessário para enfrentar as provações da vida. Confiemo-nos a ele e à sua intercessão:

São José, vós sois o homem que sonha: ensinai-nos a recuperar a vida espiritual como o lugar interior onde Deus se manifesta e nos salva.
Retirai de nós o pensamento de que rezar é inútil; ajudai cada um de nós a corresponder ao que o Senhor nos indica.
Que o nosso raciocínio seja irradiado pela luz do Espírito, o nosso coração encorajado pela Sua força e os nossos receios salvos pela Sua misericórdia. Amém.


Fonte: Santa Sé.

Catequeses sobre os Salmos (53): I Vésperas do domingo da IV semana

Iniciando a IV e última semana do Saltério na série de Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos e cânticos das Vésperas, propomos hoje suas reflexões sobre os textos das I Vésperas do domingo da IV semana, proferidas nos dias 12 de outubro (Sl 121), 19 de outubro (Sl 129) e 26 de outubro de 2005 (Fl 2,6-11).

150. Jerusalém, cidade santa: Sl 121(122),1-9
12 de outubro de 2005

1. É um dos mais bonitos e apaixonantes “cânticos das subidas” o que agora ouvimos e apreciamos em oração. Trata-se do Salmo 121, uma celebração viva e comunitária em Jerusalém, a cidade santa para a qual se dirigem os peregrinos.
De fato, logo na abertura fundem-se juntamente os dois momentos vividos pelo fiel: o do dia em que aceitou o convite a ir “à casa do Senhor” (v. 1) e o da chegada jubilosa às “portas” de Jerusalém (v. 2); agora os pés pisam finalmente aquela terra santa e amada. Precisamente, então, os lábios se abrem para um cântico de festa em honra de Sião, considerada no seu profundo significado espiritual.

2. “Cidade bem edificada” (v. 3), símbolo de segurança e de estabilidade, Jerusalém é o coração da unidade das doze tribos de Israel, que para ela convergem como centro da sua fé e do seu culto. Com efeito, ali, elas sobem “para louvar o nome do Senhor” (v. 4), no lugar que a “Lei de Israel” (Dt 12,13-14; 16,16) estabeleceu como único santuário legítimo e perfeito.
Existe em Jerusalém outra realidade relevante, também ela sinal da presença de Deus em Israel: é o “trono de Davi” (v. 5), isto é, governa a dinastia davídica, expressão da ação divina na história, que teria chegado com o Messias (2Sm 7,8-16).

"Das profundezas eu clamo a vós, Senhor" (Sl 129,1)
(Jesus caminha sobre as águas e salva Pedro) 

3.  O “trono de Davi” é ao mesmo tempo chamado “sede da justiça” (v. 5), porque o rei era também o juiz supremo. Assim Jerusalém, capital política, também era a sede judiciária suprema, onde se resolviam em última instância as controvérsias: desta forma, saindo de Sião, os peregrinos hebreus regressavam às suas cidades mais justos e pacificados.
Assim, o Salmo traçou um retrato ideal da cidade santa na sua função religiosa e social, mostrando que a religião bíblica não é abstrata nem intimidatória, mas é fermento de justiça e de solidariedade. À união com Deus segue necessariamente à dos irmãos entre si.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Fotos das Vésperas da Conversão de São Paulo em Roma

No dia 25 de janeiro de 2022 o Papa Francisco presidiu na Basílica de São Paulo fora dos Muros as II Vésperas da Solenidade da Conversão de São Paulo por ocasião da conclusão da 55ª Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

Neste ano, à luz do tema proposto - “Vimos sua estrela no Oriente e viemos prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2) -, o material da Semana da Unidade foi preparada pelo Conselho de Igrejas do Oriente Médio. Para acessar o roteiro de Celebração Ecumênica proposto para este ano, clique aqui.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Diego Giovanni Ravelli e Cristiano Antonietti. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão de entrada
Oração diante do túmulo de São Paulo

Oração das Vésperas: Hino
Salmodia

Homilia do Papa: Vésperas da Conversão de São Paulo

Solenidade da Conversão de São Paulo Apóstolo
Celebração das II Vésperas
LV Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Paulo fora dos Muros
Terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Antes de partilhar alguns pensamentos, quero expressar a minha gratidão a Sua Eminência o Metropolita Polykarpos, representante do Patriarcado Ecumênico, a Sua Graça Ian Ernest, representante pessoal do “Arcebispo” de Canterbury em Roma, e aos representantes das outras comunidades cristãs presentes. E obrigado a todos vós, irmãos e irmãs, por terdes vindo rezar. Saúdo em particular os estudantes: os do Ecumenical Institute of Bossey, que aprofundam o conhecimento da Igreja Católica; os anglicanos do Nashotah College, nos Estados Unidos da América; os ortodoxos e ortodoxos orientais que estudam com o apoio da bolsa de estudos oferecida pelo Comitê de Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxas. Acolhamos o ardente desejo de Jesus que nos quer «um só» (Jo 17,21) e, com a sua graça, caminhemos rumo à plena unidade!

Neste caminho, servem-nos de ajuda os Magos. Nesta tarde, contemplemos o seu itinerário, que tem três etapas: parte do Oriente, passa por Jerusalém e, finalmente, chega a Belém.

1. Primeiro, os Magos partem «do Oriente» (Mt 2,1), porque lá veem despontar a estrela. Põem-se em viagem do Oriente, donde surge a luz solar, mas vão à procura duma luz maior. Estes sábios não se contentam com os seus conhecimentos e tradições, mas anseiam por mais. Por isso enfrentam uma viagem arriscada, animados pela inquietação da busca de Deus. Queridos irmãos e irmãs, sigamos também nós a estrela de Jesus! Não nos deixemos distrair pelos fulgores do mundo, estrelas cintilantes mas estrelas cadentes. Não sigamos as modas passageiras, meteoros que se apagam; não cedamos à tentação de brilhar com luz própria, ou seja, de nos fechar no nosso grupo para nos autoconservarmos. Mas, que o nosso olhar esteja fixo em Cristo, no Céu, na estrela de Jesus. Sigamos a Ele, ao seu Evangelho, ao seu convite à unidade, sem nos preocuparmos de quão longa e cansativa possa ser a viagem para alcançá-la plenamente. Não esqueçamos que, contemplando a luz, a Igreja, a nossa Igreja, no caminho da unidade, continua a ser o «mysterium lunae». Aspiremos e caminhemos juntos, apoiando-nos mutuamente, como fizeram os Magos. Muitas vezes a tradição no-los mostrou com indumentos variados para representar diferentes populações. Neles, podemos ver refletidas as nossas diversidades, as várias tradições e experiências cristãs, mas também a nossa unidade, que nasce do mesmo desejo: ver o Céu e caminhar juntos na terra. Caminhar.
O Oriente leva-nos a pensar também nos cristãos que lá habitam em várias regiões devastadas pela guerra e a violência. Foi precisamente o Conselho das Igrejas do Oriente Médio que preparou o roteiro para esta Semana de Oração. Aqueles nossos irmãos e irmãs enfrentam tantos desafios difíceis e, no entanto, com o seu testemunho, dão-nos esperança: lembram-nos não só que a estrela de Cristo resplandece nas trevas e não conhece ocaso, mas também que, do Alto, o Senhor acompanha e anima os nossos passos. Ao redor d’Ele no Céu brilham, juntos e sem distinções de confissão, inúmeros mártires; estes indicam-nos na terra um caminho concreto: o da unidade!

2. Do Oriente, os Magos chegam a Jerusalém com o desejo de Deus no coração, dizendo: «Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (Mt 2,2). Mas, do desejo do Céu, veem-se reconduzidos à dura realidade da terra: «Ao ouvir tal notícia - diz o Evangelho -, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele» (Mt 2,3). Na Cidade Santa, os Magos, em vez de ver refletida a luz da estrela, experimentam a resistência das forças tenebrosas do mundo. Não é só Herodes que se sente ameaçado pela novidade duma realeza diversa da sua corrompida pelo poder mundano, mas toda a Jerusalém se perturba com o anúncio dos Magos.
Também ao longo do nosso caminho rumo à unidade, pode acontecer que nos detenhamos pelo mesmo motivo que paralisou aquela gente: a perturbação, o medo. É o temor da novidade que faz alterar os costumes e as certezas adquiridas; é o medo de que o outro desnorteie as minhas tradições e esquemas consolidados. Mas, na raiz, está o medo que habita o coração do homem e do qual nos quer libertar o Senhor Ressuscitado. Deixemos ressoar no nosso caminho de comunhão a sua exortação pascal: «Não temais!» (Mt 28,10). Não temamos antepor o irmão aos nossos medos! O Senhor deseja que confiemos uns nos outros e caminhemos juntos, não obstante as nossas fraquezas e pecados, apesar dos erros do passado e das feridas mútuas.
Também nisto nos dá coragem a vicissitude dos Magos. Embora Jerusalém seja lugar de decepção e oposição, onde o caminho indicado pelo Céu parece interromper-se contra os muros erguidos pelo homem, todavia é lá precisamente que os Magos descobrem o caminho para Belém. São os sacerdotes e os escribas que fornecem a indicação, sondando as Escrituras (cf. Mt 2,4). Os Magos encontram Jesus não só graças à estrela, entretanto desaparecida, mas eles precisam também da Palavra de Deus. De igual modo nós, cristãos, não podemos chegar ao Senhor sem a sua Palavra viva e eficaz (cf. Hb 4,12). Esta foi dada a todo o Povo de Deus para ser acolhida, rezada, para ser meditada juntamente com todo o Povo de Deus. Aproximemo-nos, pois, de Jesus através da sua Palavra, mas aproximemo-nos também dos irmãos através da Palavra de Jesus. A sua estrela surgirá de novo no nosso caminho e encher-nos-á de alegria.

3. Assim aconteceu com os Magos, chegados à última etapa: Belém. Aqui entram na casa, prostram-se e adoram o Menino (cf. Mt 2,11). Deste modo termina a sua viagem: juntos, na mesma casa, em adoração. Os Magos antecipam-se assim aos discípulos de Jesus que, diversos mas unidos, no final do Evangelho se prostram diante do Ressuscitado no monte da Galileia (cf. Mt 28,17). Desta forma tornam-se um sinal de profecia para nós, desejosos do Senhor, companheiros de viagem pelas estradas do mundo, pesquisadores através da Sagrada Escritura dos sinais de Deus na história. Irmãos e irmãs, também para nós, a unidade plena, na mesma casa, só pode chegar através da adoração do Senhor. Queridas irmãs e queridos irmãos, a etapa decisiva do caminho rumo à plena comunhão requer uma oração mais intensa, requer que se adore, requer a adoração de Deus.
Entretanto os Magos lembram-nos que, para adorar, há um passo a realizar: primeiro é preciso prostrar-se. Este é o caminho, inclinar-se para o chão, pôr de lado as próprias pretensões para deixar no centro apenas o Senhor. Quantas vezes o orgulho foi o verdadeiro obstáculo à comunhão! Os Magos tiveram a coragem de deixar em casa prestígio e reputação, para se abaixarem na pobre casinha de Belém; assim descobriram uma «imensa alegria» (Mt 2,10). Abaixar-se, deixar, simplificar: nesta tarde, peçamos a Deus esta coragem, a coragem da humildade, único caminho para chegar a adorar a Deus na mesma casa, ao redor do mesmo altar.
Em Belém, depois de se terem prostrado em adoração, os Magos abrem os seus cofres e aparecem ouro, incenso e mirra (cf. Mt 2,11). Isto vem lembrar-nos que, só depois de ter rezado juntos, só diante de Deus, na sua luz, nos apercebemos verdadeiramente dos tesouros que possui cada um. Mas são tesouros que pertencem a todos, que devem ser oferecidos e partilhados. Com efeito, trata-se de dons que o Espírito concede para benefício comum, para edificação e unidade do seu povo. E apercebemo-nos disto não só rezando, mas também servindo: quando damos a quem passa necessidade, oferecemos a Jesus, que Se identifica com quem é pobre e marginalizado (cf. Mt 25,34-40); e Ele une-nos entre nós.
Os presentes dos Magos simbolizam aquilo que o Senhor deseja receber de nós. A Deus deve ser dado o ouro, o elemento mais precioso, porque Deus está em primeiro lugar. É para Ele que é preciso olhar, não para nós; para a sua vontade, não a nossa; para os seus caminhos, não para os nossos. Se verdadeiramente temos o Senhor no primeiro lugar, então as nossas opções - mesmo eclesiásticas - não mais se podem basear nas políticas do mundo, mas nos desejos de Deus. Depois temos o incenso, para recordar a importância da oração, que se eleva para Deus como perfume de agradável odor (cf. Sl 141,2). Não nos cansemos de rezar uns pelos outros e uns com os outros. E por fim aparece a mirra, que será usada para venerar o corpo de Jesus descido da cruz (cf. Jo 19,39), remete-nos para o cuidado da carne sofredora do Senhor, dilacerada nos membros dos pobres. Sirvamos os necessitados, juntos sirvamos a Jesus que sofre!
Amados irmãos e irmãs, recolhamos, dos Magos, as indicações para o nosso caminho; e façamos como eles, que regressaram a casa «por outro caminho» (Mt 2,12). Sim, como Saulo antes do encontro com Cristo, precisamos mudar de estrada, inverter a rota dos nossos hábitos e conveniências para encontrar o caminho que o Senhor nos mostra, o caminho da humildade, o caminho da fraternidade, da adoração. Dai-nos, Senhor, a coragem de trocar estrada, converter-nos, seguir a vossa vontade e não as nossas comodidades; a coragem de avançar juntos, para Vós, que com o vosso Espírito quereis fazer de nós um só. Amém.


Fonte: Santa Sé.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Leitura litúrgica da Primeira Carta aos Coríntios (1)

“Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha” (1Cor 11,26)

Em nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, após analisar as duas Cartas de São Paulo aos Tessalonicenses em 2020, entramos no bloco das quatro “grandes cartas paulinas” com a Carta aos Gálatas em 2021.

Agora damos continuidade a esta proposta com a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, Πρὸς Κορινθίους (1Cor), um dos mais importantes escritos paulinos e, como veremos, um dos textos mais lidos nas celebrações litúrgicas do Rito Romano.

São Paulo (Claude Vignon)

1. Breve introdução à Primeira Carta aos Coríntios

De acordo com o testemunho dos Atos dos Apóstolos (At 18,1-18), a cidade de Corinto (Κόρινθος), na Grécia, foi visitada por Paulo em sua 2ª viagem missionária (anos 50-52). O Apóstolo permaneceu em Corinto por cerca de um ano e meio, evangelizando tanto judeus como gentios, ajudado por Silas e Timóteo e sendo acolhido pelo casal Priscila e Áquila, que se tornaram seus grandes colaboradores.

Corinto era uma cidade cosmopolita, capital da província romana da Acaia, com dois importantes portos. Neste contexto, a Igreja nascente teve muitas dificuldades com a questão moral, sobretudo sexual, o que teria levado Paulo a escrever-lhe uma carta, que infelizmente se perdeu, mencionada em 1Cor 5,9.

A Carta que se conservou com o nome de 1Cor teria sido redigida por Paulo em Éfeso (1Cor 16,8), provavelmente entre os anos 56 e 57, após receber notícias dos problemas da comunidade, que tinha dúvidas sobre pontos concretos da ética evangélica (1Cor 1,11; 7,1; 11,18).

A Carta é considerada autêntica (protopaulina) e sua estrutura é bem definida: quatro partes centrais, além de uma introdução e uma conclusão:
a) 1Cor 1,1-9: Introdução: saudação e ação de graças;
b) 1Cor 1,10–4,21: O problema das divisões na comunidade;
c) 1Cor 5,1–11,34: Os problemas morais;
d) 1Cor 12,1–14,40: A questão dos carismas e da caridade;
e) 1Cor 15,1-58: A Ressurreição de Cristo e a ressurreição dos mortos;
f) 1Cor 16,1-18: Conclusão: recomendações finais e a saudação.

Alguns autores, por sua vez, propõem uma subdivisão na 2ª parte: os capítulos 5–7 sobre a santidade (moral sexual); e os capítulos 8–11 sobre as reuniões da comunidade (moral social).

A Primeira Carta aos Coríntios, com efeito, é o escrito paulino que mais dedica espaço ao tema da moral. O primeiro problema enfrentado é o das divisões na comunidade, com vários partidos (de Paulo, de Apolo, de Cefas...). O Apóstolo responde recordando o “Evangelho da cruz” e exortando à unidade.

Em seguida nos deparamos com os problemas de moral sexual (incesto, fornicação...) e social. Aqui se insere o tema da Eucaristia, com o testemunho mais antigo da narrativa da instituição (1Cor 11,23-26). Paulo adverte aos coríntios de que não é possível participar da Eucaristia e das refeições aos ídolos (cap. 10), e, durante o ágape (refeição festiva ligada à celebração), não poderia haver acepção de pessoas, já que os ricos comiam a “sua ceia” sem preocupar-se com os pobres (cap. 11).

Ruínas do templo de Apolo em Corinto

As divisões na comunidade voltam à cena nos capítulos 12–14 com a disputa a respeito dos carismas. Paulo recorda então que todos os carismas servem à unidade e que o maior deles é a caridade, à qual entoa o célebre “hino” (cap. 13).

Homilia: Festa da Conversão de São Paulo

São João Crisóstomo, Bispo
Homilia 2 em louvor de São Paulo
Por amor de Cristo, Paulo tudo suportou

O que é o homem, quão grande é a dignidade da nossa natureza e de quanta virtude é capaz a criatura humana, Paulo o demonstrou mais do que qualquer outro. Cada dia ele subia mais alto e se tornava mais ardente, cada dia lutava com energia sempre nova contra os perigos que o ameaçavam. É o que depreendemos de suas próprias palavras: Esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente (cf. Fl 3,13). Percebendo a morte iminente, convidava os outros a comungarem da sua alegria, dizendo: Alegrai-vos e congratulai-vos comigo (Fl 2,18). Diante dos perigos, injúrias e opróbrios, igualmente se alegra e escreve aos coríntios: Eu me comprazo nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições (2Cor 12,10); porque sendo estas, conforme declarava, as armas da justiça, mostrava que delas lhe vinha um grande proveito.
Realmente, no meio das insídias dos inimigos, conquistava contínuas vitórias triunfando de todos os seus assaltos. E em toda parte, flagelado, coberto de injúrias e maldições, como se desfilasse num cortejo triunfal, erguendo numerosos troféus, gloriava-se e dava graças a Deus, dizendo: Graças sejam dadas a Deus que nos fez sempre triunfar (2Cor 2,14). Por isso, corria ao encontro das humilhações e das ofensas que suportava por causa da pregação, com mais entusiasmo do que nós quando nos apressamos para alcançar o prazer das honrarias; aspirava mais pela morte do que nós pela vida; ansiava mais pela pobreza do que nós pelas riquezas; e desejava muito mais o trabalho sem descanso do que nós o descanso depois do trabalho. Uma só coisa o amedrontava e fazia temer: ofender a Deus. E uma única coisa desejava: agradar a Deus.
Só se alegrava no amor de Cristo, que era para ele o maior de todos os bens; com isto julgava-se o mais feliz dos homens; sem isto, de nada lhe valia ser amigo dos senhores e poderosos. Com este amor preferia ser o último de todos, isto é, ser contado entre os réprobos, do que encontrar-se no meio de homens famosos pela consideração e pela honra, mas privados do amor de Cristo.
Para ele, o maior e único tormento consistia em separar-se de semelhante amor; esta era a sua geena, o seu único castigo, o infinito e intolerável suplício.
Em compensação, gozar do amor de Cristo era para ele a vida, o mundo, o anjo, o presente, o futuro, o reino, a promessa, enfim, todos os bens. Afora isto, nada tinha por triste ou alegre. De tudo o que existe no mundo, nada lhe era agradável ou desagradável.
Não se importava com as coisas que admiramos, como se costuma desprezar a erva apodrecida. Para ele, tanto os tiranos como as multidões enfurecidas eram como mosquitos.
Considerava como brinquedo de crianças os mil suplícios, os tormentos e a própria morte, desde que pudesse sofrer alguma coisa por Cristo.


Responsório (1Tm 1,13b-14; 1Cor 15,9b)

Consegui misericórdia porque agi por ignorância e na incredulidade;
R. Mas a graça do Senhor foi em mim mais que abundante com a fé e o amor que está em Jesus Cristo.

Não mereço ser chamado com o nome de apóstolo pois cheguei a perseguir a Igreja do Senhor.
R. Mas a graça do Senhor foi em mim mais que abundante com a fé e o amor que está em Jesus Cristo.

Oração
Ó Deus, que instruístes o mundo inteiro pela pregação do apóstolo São Paulo, dai-nos, ao celebrar hoje sua conversão, caminhar para vós seguindo seus exemplos, e ser no mundo testemunhas do Evangelho. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Fonte: Liturgia das Horas, v. III, pp. 1208-1210.

Confira também:

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Ângelus: III Domingo do Tempo Comum - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 23 de janeiro de 2022

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho da Liturgia de hoje vemos Jesus que inaugura a sua pregação (Lc 4,14-21): é a primeira pregação de Jesus. Ele vai a Nazaré, onde cresceu, e participa na oração na sinagoga. Levanta-se para ler e, no rolo do profeta Isaías, encontra a passagem relativa ao Messias, que proclama uma mensagem de consolação e libertação para os pobres e oprimidos (cf. Is 61,1-2). No final da leitura, «os olhos de todos estavam fixos n’Ele» (v. 20). E Jesus começa assim: «Hoje cumpriu-se esta escritura» (v. 21). Reflitamos sobre este hoje. É a primeira palavra da pregação de Jesus citada no Evangelho de Lucas. Pronunciada pelo Senhor, indica um “hoje” que atravessa todas as épocas e permanece sempre válido. A Palavra de Deus é sempre “hoje”. Começa um “hoje”: quando lês a Palavra de Deus, na tua alma tem início um “hoje”, se a compreenderes bem. Hoje. A profecia de Isaías remontava a séculos, mas Jesus, «pelo poder do Espírito» (v. 14), torna-a atual e, sobretudo, leva-a a cumprimento, indicando o modo de receber a Palavra de Deus: hoje. Não como uma história antiga, não: hoje. Fala hoje ao teu coração.

Os concidadãos de Jesus impressionaram-se com a sua palavra. Não obstante enevoados pelos preconceitos, não acreditem nele, percebem que o seu ensinamento é diferente daquele dos outros mestres (cf. v. 22): intuem que em Jesus há algo mais. O quê? Há a unção do Espírito Santo. Às vezes acontece que os nossos sermões e os nossos ensinamentos permanecem genéricos, abstratos, não comovem a alma nem a vida do povo. E por quê? Porque lhes falta a força deste hoje, aquilo que Jesus “enche de significado” com o poder do Espírito é o hoje. Hoje fala-te. Sim, às vezes ouvimos palestras impecáveis, discursos bem construídos, mas não comovem o coração e por isso tudo permanece como antes. Também muitas homilias - digo isto com respeito, mas com tristeza - são abstratas, e em vez de despertar a alma, fazem-na dormir. Quando os fiéis começam a olhar para o relógio - “quando acabará isto?” - adormecem a alma. A pregação corre este risco: sem a unção do Espírito empobrece a Palavra de Deus, cai no moralismo ou em conceitos abstratos; apresenta o Evangelho com distância, como se estivesse fora do tempo, longe da realidade. E este não é o caminho. Mas uma palavra na qual a força do hoje não pulsa, não é digna de Jesus e não ajuda a vida das pessoas. É por isso que aqueles que pregam, por favor, são os primeiros a ter que experimentar o hoje de Jesus, para o poder comunicar no hoje dos outros. E se quiser dar palestras, conferências, que o faça, mas noutro lugar, não no momento da homilia, onde deve transmitir a Palavra de maneira a comover os corações.

Prezados irmãos e irmãs, neste Domingo da Palavra de Deus, gostaria de agradecer aos pregadores e anunciadores do Evangelho que permanecem fiéis à Palavra que comove o coração, que permanecem fiéis ao “hoje”. Oremos por eles, para que vivam o hoje de Jesus, o suave poder do seu Espírito, que vivifica as Escrituras. Com efeito, a Palavra de Deus é viva e eficaz (cf. Hb 4,12), muda-nos, entra nas nossas vicissitudes, ilumina a nossa vida quotidiana, consola e traz ordem. Lembremo-nos: a Palavra de Deus transforma um dia comum no hoje em que Deus nos fala. Portanto, peguemos no Evangelho, cada dia uma pequena passagem para ler e reler. Levai o Evangelho no bolso ou na bolsa, para lê-lo em viagem, a qualquer momento, lendo-o calmamente. Com o tempo descobriremos que estas palavras são para nós, para a nossa vida: nos ajudarão a aceitar cada dia com uma perspectiva melhor e mais serena, porque quando o Evangelho entra no hoje, enche-o de Deus. Gostaria de vos fazer uma proposta. Nos domingos deste ano litúrgico é proclamado o Evangelho de Lucas, o Evangelho da misericórdia. Por que não o ler também pessoalmente, na íntegra, um pequeno trecho por dia? Um pequeno trecho. Familiarizemo-nos com o Evangelho, nos trará a novidade e a alegria de Deus!

A Palavra de Deus é também o farol que guia o percurso sinodal, que teve início em toda a Igreja. Enquanto nos esforçamos por nos escutar uns aos outros, com atenção e discernimento - porque não é fazer uma pesquisa de opinião, não, mas discernir a Palavra - escutemos juntos a Palavra de Deus e o Espírito Santo. E que Nossa Senhora obtenha para nós a constância de nos nutrir com o Evangelho todos os dias.

Jesus ensinando na sinagoga de Nazaré

Fonte: Santa Sé.

Fotos da Missa do III Domingo do Tempo Comum no Vaticano

No dia 23 de janeiro de 2022 o Papa Francisco celebrou a Missa do III Domingo do Tempo Comum (ano C) na Basílica de São Pedro por ocasião do "Domingo da Palavra de Deus".

Durante a celebração o Papa instituiu no Ministério de Leitores oito leigos, homens e mulheres, de diversas partes do mundo, à luz do Motu proprio Spiritus Domini.

Na sequência, à luz do Motu proprio Antiquum ministerium, o Papa instituiu oito leigos, igualmente homens e mulheres de vários países, no novo Ministério de Catequistas, cujo rito foi recentemente publicado pela Congregação para o Culto Divino.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Diego Giovanni Ravelli e Ľubomír Welnitz. Para ver o livreto da celebração, clique aqui.

Procissão de entrada
Ósculo do altar
Incensação
Ritos iniciais
Evangelho

Homilia do Papa: III Domingo do Tempo Comum - Ano C

Domingo da Palavra de Deus
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
III Domingo do Tempo Comum, 23 de janeiro de 2022

Encontramos, na primeira Leitura e no Evangelho, dois gestos paralelos: o sacerdote Esdras coloca em lugar elevado o livro da lei de Deus, abre-o e proclama-o diante de todo o povo; Jesus, na sinagoga de Nazaré, abre o rolo da Sagrada Escritura e, na frente de todos, lê uma passagem do profeta Isaías. Estas duas cenas comunicam-nos uma realidade fundamental: no centro da vida do povo santo de Deus e do caminho da fé, não estamos nós com as nossas palavras; no centro, está Deus com a sua Palavra.

Tudo teve início pela Palavra que Deus nos dirigiu. Em Cristo, sua Palavra eterna, o Pai «escolheu-nos antes da fundação do mundo» (Ef 1,4). Com a sua Palavra, criou o universo: «Ele ordenou e tudo foi criado» (Sl 33,9). Desde os tempos antigos, falou-nos por meio dos profetas (cf. Hb 1,1); por fim, na plenitude do tempo (cf. Gl 4,4), enviou-nos a sua própria Palavra, o Filho Unigênito. Por isso no Evangelho, terminada a leitura de Isaías, Jesus anuncia uma coisa inaudita: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura» (Lc 4,21). Cumpriu-se: a Palavra de Deus já não é uma promessa, mas realizou-se. Em Jesus, fez-Se carne. Por obra do Espírito Santo, veio habitar no meio de nós e quer habitar em nós, para satisfazer os nossos anseios e curar as nossas feridas.

Irmãs e irmãos, tenhamos os olhos fixos em Jesus, como as pessoas na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,20) - fixavam-no, era um deles: Que fenômeno! Que fará este de quem tanto se fala? - e acolhamos a sua Palavra. Meditemos hoje em dois aspectos interligados da mesma: a Palavra desvenda Deus e a Palavra leva-nos ao homem. Está no centro: desvenda Deus e leva-nos ao homem.

Antes de tudo, a Palavra desvenda Deus. Jesus, no início da sua missão, ao comentar aquela passagem particular do profeta Isaías, anuncia claramente uma opção: veio para libertar os pobres e os oprimidos (cf. Lc 4,18). Assim nos desvenda, precisamente através das Escrituras, o rosto de Deus como o d’Aquele que cuida da nossa pobreza e tem a peito o nosso destino. Não é patrão enrocado nos céus - uma imagem perversa de Deus! Ele não é assim -, mas o Pai que acompanha os nossos passos. Não é observador frio, distante e impassível, um Deus «matemático». É o Deus-conosco que Se apaixona pela nossa vida e empenha-Se nela a ponto de chorar as nossas lágrimas. Não é deus neutral e indiferente, mas o Espírito amante do homem, que nos defende, aconselha, toma posição a nosso favor, entra em campo e compromete-Se com a nossa dor. Nesta, sempre está presente. Eis «a Boa-Nova» (Lc 4,18), que Jesus proclama diante do olhar atônito dos presentes: Deus está perto e quer cuidar de mim, de ti, de todos. Esta é o traço distintivo de Deus: a proximidade. Assim se define a Si próprio, quando diz ao povo no Deuteronômio: «Qual povo tem os seus deuses tão próximos de si, como Eu estou próximo de ti?» (cf. Dt 4,7). O Deus próximo com uma proximidade compassiva e terna, quer aliviar-te dos pesos que te esmagam, quer aquecer o frio dos teus invernos, quer iluminar os teus dias sombrios, quer sustentar os teus passos incertos. E fá-lo através da sua Palavra, com a qual te fala para reacender a esperança por entre as cinzas dos teus medos, para te fazer reencontrar a alegria nos labirintos das tuas tristezas, para encher de esperança a amargura das solidões. Faz-te andar, mas não num labirinto; faz-te andar no caminho, para O encontrares dia a dia cada vez mais.

Irmãos, irmãs, perguntemo-nos: trazemos no coração esta imagem libertadora de Deus, o Deus próximo, o Deus compassivo, o Deus terno? Ou imaginamo-Lo como um juiz rigoroso, um rígido guarda alfandegário da nossa vida? A nossa é uma fé que gera esperança e alegria, ou - pergunto-me... - dentro de nós há ainda uma fé acabrunhada pelo medo, uma fé medrosa? Qual é o rosto de Deus que anunciamos na Igreja: o Salvador que liberta e cura, ou o Deus Temível que esmaga, avivando os sentimentos de culpa? Para nos convertermos ao verdadeiro Deus, Jesus indica-nos por onde começar: pela Palavra. Esta, ao narrar a história do amor de Deus por nós, liberta-nos dos medos e preconceitos sobre Ele, que apagam a alegria da fé. A Palavra derruba os ídolos falsos, desmascara as nossas fantasias, destrói as representações demasiado humanas de Deus e traz-nos de volta ao seu rosto verdadeiro, à sua misericórdia. A Palavra de Deus alimenta e renova a fé: voltemos a colocá-la no centro da oração e da vida espiritual! No centro, a Palavra que nos revela como é Deus. A Palavra que nos aproxima de Deus.

E agora o segundo aspecto: a Palavra leva-nos ao homem. Leva-nos a Deus e leva-nos ao homem. Na verdade, quando descobrimos que Deus é amor compassivo, vencemos a tentação de nos fecharmos numa sacra religiosidade, que se reduz a um culto exterior, que não toca nem transforma a vida. Tal religiosidade é idolatria, idolatria sumida, idolatria rebuscada, mas é idolatria. A Palavra impele-nos a sair de nós mesmos caminhando ao encontro dos irmãos, animados unicamente com a força serena do amor libertador de Deus. É precisamente isto que nos revela Jesus, na sinagoga de Nazaré: Ele é enviado para ir ao encontro dos pobres (que somos todos nós!) e libertá-los. Não veio para entregar um elenco de normas nem para oficiar nalguma cerimônia religiosa, mas desceu às estradas do mundo para encontrar a humanidade ferida, acariciar os rostos macerados pelo sofrimento, curar os corações dilacerados, libertar-nos das correntes que nos agrilhoam a alma. Revela-nos assim qual é o culto mais agradável a Deus: cuidar do próximo. E desculpai se insisto nisto. Há momentos em que sobrevêm na Igreja as tentações da rigidez, que é uma perversão, e se pensa encontrar Deus tornando-se mais rígidos, com mais normas, acertando as coisas, pondo as coisas claras... Mas não é assim! Quando virmos propostas de rigidez, pensemos imediatamente: isto é um ídolo, não é Deus. O nosso Deus não é assim.

Irmãs e irmãos, a Palavra de Deus transforma-nos - a rigidez não nos transforma, dissimula - a Palavra de Deus transforma-nos penetrando na alma como uma espada (cf. Hb 4,12). Com efeito, se por um lado consola, desvendando-nos o rosto de Deus, por outro provoca e sobressalta-nos, fazendo-nos cientes das nossas contradições. Põe-nos em crise. Não nos deixa tranquilos, se o preço a pagar por esta tranquilidade é um mundo dilacerado pela injustiça e pela fome e quem paga o preço são sempre os mais frágeis. Sempre pagam os mais frágeis. A Palavra põe em crise as nossas justificações que sempre fazem depender, aquilo que corre mal, duma coisa diferente e dos outros. Quanta amargura sentimos ao ver os nossos irmãos e irmãs morrerem no mar, porque não os deixam desembarcar! E isto é feito por alguns em nome de Deus. A Palavra de Deus convida-nos a sair às claras, a não nos escondermos atrás da complexidade dos problemas, atrás do «não há nada a fazer» - «é um problema deles», «o problema é seu» - ou «que posso fazer eu?», «Deixemo-los para lá!». Exorta-nos a agir, a unir o culto a Deus e o cuidado do homem. Porque a Sagrada Escritura não foi dada para nos entreter, para nos mimar numa espiritualidade angélica, mas para sair ao encontro dos outros e debruçar-nos sobre as suas feridas. Falei da rigidez, deste pelagianismo moderno, como uma das tentações da Igreja. E esta - a de procurar uma espiritualidade angélica - de algum modo é a outra tentação de hoje: os movimentos espirituais gnósticos, o gnosticismo, propondo-te uma Palavra de Deus que te coloca «em órbita» e não te faz tocar a realidade. A Palavra que Se fez carne (cf. Jo 1,14), quer tornar-Se carne em nós. Não nos aliena da vida; mas mergulha-nos nela, nas situações do dia a dia, na auscultação dos sofrimentos dos irmãos, do clamor dos pobres, das violências e injustiças que ferem a sociedade e a terra, a fim de sermos, não cristãos indiferentes, mas diligentes, cristãos criativos, cristãos proféticos.

«Cumpriu-se hoje - diz Jesus - esta passagem da Escritura» (Lc 4,21). A Palavra quer tornar-Se carne hoje, no tempo que vivemos, não num futuro ideal. Uma mística francesa do século passado, que escolheu viver o Evangelho nas periferias, escreveu que a Palavra do Senhor não é «“letra morta”: é espírito e vida. (...) A acústica exigida de nós para bem ressoar a Palavra do Senhor é o nosso “hoje”: as circunstâncias da nossa vida quotidiana e as necessidades do nosso próximo» (M. Delbrêl, A alegria de acreditar, Milão, 1994, 258). Perguntemo-nos então: queremos imitar Jesus, tornando-nos ministros de libertação e consolação para os outros, realizar a Palavra? Somos uma Igreja dócil à Palavra? Uma Igreja propensa a ouvir os outros, empenhada em estender a mão para aliviar os irmãos e as irmãs daquilo que os oprime, para desfazer os nós dos medos, libertar os mais frágeis das prisões da pobreza, do cansaço interior e da tristeza que apaga a vida? É isto que nós queremos?

Nesta celebração, são instituídos leitores e catequistas alguns dos nossos irmãos e irmãs. São chamados à importante tarefa de servir o Evangelho de Jesus, anunciá-lo para que a sua consolação, a sua alegria e a sua libertação cheguem a todos. Esta é também a missão de cada um de nós: ser arautos credíveis, profetas da Palavra no mundo. Por isso apaixonemo-nos pela Sagrada Escritura, deixemo-nos interpelar profundamente pela Palavra, que desvenda a novidade de Deus e leva-nos a amar incansavelmente os outros. Voltemos a colocar a Palavra de Deus no centro da pastoral e da vida da Igreja! Assim seremos libertos tanto de qualquer pelagianismo rígido, de qualquer rigidez, como da ilusão duma espiritualidade que nos coloca «em órbita» sem cuidar dos irmãos e irmãs. Voltemos a colocar a Palavra de Deus no centro da pastoral e da vida da Igreja. Ouçamo-la, rezemo-la, ponhamo-la em prática.


Fonte: Santa Sé.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Hinos de São Pedro e São Paulo: Iam, bone pastor

“Vós os fizestes príncipes sobre toda a terra...” [1].

Como vimos em nossas postagens anteriores, os Apóstolos São Pedro e São Paulo estão sempre associados no Rito Romano, tanto na Solenidade do seu Martírio (29 de junho) quanto na Memória da Dedicação das suas Basílicas em Roma (18 de novembro).

Cristo ladeado pelos Apóstolos Pedro e Paulo
(Fachada da Basílica de São Paulo fora dos muros, Roma)

Além disso, cada um dos Apóstolos possui uma celebração própria: as Festas da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) e da Conversão de São Paulo (25 de janeiro).

Cada uma dessas festas possui dois hinos específicos para a Liturgia das Horas, como vimos em suas respectivas postagens, além de um hino que é retomado em três celebrações.

Trata-se do hino Iam, bone pastor, que possui duas estrofes dedicadas aos Apóstolos, além de uma doxologia final em honra da Trindade (Sit Trinitáti sempitérna glória):

- no Ofício das Leituras da Festa da Cátedra de São Pedro entoa-se a 1ª estrofe, Iam, bone pastor (Ó Pedro, pastor piedoso), e a doxologia;

- nas Laudes da Festa da Conversão de São Paulo entoa-se a 2ª estrofe, Doctor egrégie (Ó Paulo, mestre dos povos), e a doxologia;

- e, finalmente, na Memória da Dedicação das Basílicas entoa-se o hino completo tanto nas Laudes quanto nas Vésperas.

O Padre Anselmo Lentini, O.S.B. (†1989), que coordenou a revisão dos hinos da Liturgia das Horas no contexto das reformas do Concílio Vaticano II, considera Iam, bone pastor e Doctor egrégie como dois hinos distintos [2].

"Traditio legis": Jesus entrega as chaves a Pedro e o livro da Palavra a Paulo
(Cibório da Basílica de Santo Ambrósio, Milão)

Na verdade, como indica Felix Arocena em sua obra Los himnos de la Liturgia de las Horas, os dois textos são parte de um hino maior, Aurea luce (Ó áurea luz), uma composição anônima realizada entre os séculos VIII ou IX [3].

O hino completo possui seis estrofes, além da doxologia final (Sit Trinitáti...). As quatro estrofes restantes são entoadas nas I Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo, como veremos em uma postagem futura.

Para acessar o “índice” com todos os hinos do Próprio dos Santos, clique aqui.

A seguir reproduziremos as três estrofes - Iam, bone pastor; Doctor egrégie; Sit Trinitáti - no seu texto original em latim e em sua tradução oficial para o português do Brasil, seguidos de alguns breves comentários sobre sua teologia:

Hino: Iam, bone pastor

Iam, bone pastor, Petre, clemens áccipe
vota precántum, et peccáti víncula
resólve, tibi potestáte trádita,
qua cunctis caelum verbo claudis, áperis.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Santo Irineu de Lião é proclamado Doutor da Igreja

Na sexta-feira, 21 de janeiro de 2022, foi publicado o Decreto através do qual o Papa Francisco concede o título de Doutor da Igreja a Santo Irineu de Lião, Bispo e Mártir.

Vitral da igreja de Santo Irineu em Lião (França)

Já em outubro de 2021, no encontro com um grupo de estudos ortodoxo-católico, Francisco havia expressado seu desejo de conceder esse título a Santo Irineu, destacando-o como Doctor unitatis, Doutor da unidade.

Irineu, com efeito, nasceu no Oriente, em torno ao ano 130, sendo discípulo de São Policarpo de Esmirna (que, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo João). Exerceu, porém, seu ministério no Ocidente, como Bispo de Lugdunum, a atual Lyon (ou Lião), na França, onde teria sido martirizado no ano 202, durante a perseguição do Imperador Septímio Severo.

Francisco destacou, portanto, o papel de Irineu como “ponte espiritual e teológica entre cristãos orientais e ocidentais”. Além disso, ressaltou o Papa, seu próprio nome “traz impressa a palavra paz”: Ειρηναίος, em grego, significa pacificador.

Com efeito, além de seus importantes escritos condenando a heresia do gnosticismo e reafirmando a fé da Igreja (Contra as Heresias e Demonstração da Pregação Apostólica), Santo Irineu exerceu a função de mediador entre Oriente e Ocidente durante as controvérsias sobre a data da Páscoa.

Segue, pois, o breve Decreto do Papa Francisco, retomando na essência seu discurso de 07 de outubro de 2021:

Decreto do Santo Padre para a concessão do título de Doutor da Igreja a Santo Irineu de Lião

Santo Irineu de Lião, vindo do Oriente, exerceu seu ministério episcopal no Ocidente: ele foi uma ponte espiritual e teológica entre cristãos orientais e ocidentais. O seu nome, Irineu, exprime aquela paz que vem do Senhor e que reconcilia, reintegrando na unidade. Por estes motivos, depois de ter recebido o parecer da Congregação das Causas dos Santos, com a minha Autoridade Apostólica o declaro Doutor da Igreja com o título de Doctor unitatis.
Que a doutrina de tão grande Mestre possa encorajar cada vez mais o caminho de todos os discípulos do Senhor rumo à plena comunhão.

Do Vaticano, 21 de janeiro de 2022.

FRANCISCO


Sobre o título de Doutor da Igreja

Atualmente 37 santos que se destacaram por sua doutrina integram o insigne grupo dos “Doutores da Igreja”.

Festa da Teofania no Patriarcado Ortodoxo de Jerusalém

O Patriarca Greco-Ortodoxo de Jerusalém, Theophilos III, celebrou no último dia 19 de janeiro (que corresponde ao dia 06 de janeiro no calendário juliano) a Divina Liturgia da Festa da Teofania do Senhor com a Grande Bênção das Águas na Basílica do Santo Sepulcro.

Na véspera, dia 18, o Patriarca Theophilos presidiu a Grande Bênção das Águas junto ao rio Jordão, local do Batismo de Jesus.

Para saber mais, confira nossas postagens sobre a história da Solenidade da Epifania do Senhor e sobre o ícone da Teofania.

18 de janeiro: Bênção das águas junto ao rio Jordão

Acolhida do Patriarca


Rito da Grande Bênção das Águas

Festa da Teofania em Kiev

No dia 19 de janeiro de 2022 (que corresponde ao dia 06 de janeiro no calendário juliano) o Arcebispo-Maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, Dom Sviatoslav Shevchuk (Святосла́в Шевчу́к), celebrou a Divina Liturgia da Festa da Teofania na Catedral da Ressurreição em Kiev, seguida da Grande Bênção das Águas às margens do rio Dnipro (Дніпро, às vezes traduzido como Dniepre).

Para saber mais sobre essa celebração, confira nossas postagens sobre a Festa do Batismo do Senhor e sobre o ícone da Teofania.

O Arcebispo abençoa com o dikirion e o trikirion


Evangelho

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

8ª Catequese do Papa Francisco sobre São José

O Papa Francisco proferiu na quarta-feira, 19 de janeiro de 2022, a 8ª meditação do seu Ciclo de Catequeses sobre São José, refletindo sobre “José, pai na ternura”:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 19 de janeiro de 2022
São José (8): São José, pai na ternura

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de aprofundar a figura de São José como pai na ternura.
Na Carta Apostólica Patris corde (08 de dezembro de 2020) tive a oportunidade de refletir sobre este aspecto da ternura, um aspecto da personalidade de São José. De facto, embora os Evangelhos não nos deem quaisquer detalhes sobre como ele exerceu a sua paternidade, podemos estar certos de que o seu ser um homem “justo” também se verificou na educação que deu a Jesus. «José via Jesus crescer “em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52): assim diz o Evangelho. Como o Senhor fez com Israel, assim ele ensinou Jesus a andar segurando-O pela mão: era para Ele como o pai que levanta o filho contra o seu rosto, inclinava-se para Ele a fim de Lhe dar de comer (cf. Os 11,3-4)» (Patris corde, n. 2). É bonita esta definição da Bíblia que mostra a relação de Deus com o povo de Israel. E pensamos que tenha sido a mesma relação de São José com Jesus.
Os Evangelhos atestam que Jesus sempre usou a palavra “pai” para falar de Deus e do seu amor. Muitas parábolas têm como protagonista a figura de um pai (cf. Mt 15,13; 21,28-30; 22,2; Lc 15,11-32; Jo 5,19-23; 6,32-40; 14,2; 15,1.8). Uma das mais famosas é certamente a do Pai misericordioso, narrada pelo evangelista Lucas (cf. Lc 15,11-32). Esta parábola sublinha não só a experiência do pecado e do perdão, mas também a forma como o perdão chega à pessoa que errou. O texto diz: «Estava ainda longe, quando o seu pai o viu e, movido de compaixão, foi ao encontro dele, abraçou-o e beijou-o» (v. 20). O filho esperava um castigo, uma justiça que no máximo lhe poderia ter dado o lugar de um dos servos, mas encontra-se envolto no abraço do seu pai. A ternura é algo maior do que a lógica do mundo. É uma forma inesperada de fazer justiça. É por isso que nunca devemos esquecer que Deus não se assusta com os nossos pecados: convençamo-nos bem disto. Deus não se assusta com os nossos pecados, é maior do que os nossos pecados: é pai, é amor, é terno. Não se assusta com os nossos pecados, com os nossos erros, as nossas quedas, mas assusta-se com o fechamento do nosso coração - isto sim, fá-lo sofrer - assusta-se com a nossa falta de fé no seu amor. Há uma grande ternura na experiência do amor de Deus. E é bom pensar que a primeira pessoa que transmitiu esta realidade a Jesus foi precisamente José. Pois as coisas de Deus vêm sempre até nós através da mediação de experiências humanas. Há algum tempo - não sei se já contei isto - um grupo de jovens que fazem teatro, um grupo de jovens pop, “modernos”, ficaram impressionados com esta parábola do pai misericordioso e decidiram fazer uma peça de teatro pop com este tema, com esta história. E fizeram-na bem. E, no final, o tema principal é que um amigo ouve o filho que se afastou do pai, que queria voltar para casa, mas tinha medo que o pai o expulsasse e castigasse. E o amigo diz-lhe, naquela ópera pop: “Manda um mensageiro e diz que queres voltar para casa, e se o pai aceitar receber-te que ponha um lenço na janela, naquela que verás quando chegares à reta final”. Assim foi feito. E a ópera, com cantos e danças, continua até ao momento em que o filho inicia o caminho final e vê a casa. E quando olha para cima, vê a casa cheia de lenços brancos: cheia. Não um, mas três ou quatro para cada janela. Esta é a misericórdia de Deus. Ele não se assusta com o nosso passado, com os nossos aspectos negativos: assusta-se apenas com o fechamento. Todos temos contas a acertar; mas acertar as contas com Deus é belíssimo, porque começamos a falar e Ele abraça-nos. A ternura!
Assim, podemos perguntar-nos se experimentamos esta ternura, e se, por nossa vez, nos tornamos suas testemunhas. Pois a ternura não é sobretudo uma questão emocional ou sentimental: é a experiência de nos sentirmos amados e acolhidos precisamente na nossa pobreza e miséria, e, por conseguinte, transformados pelo amor de Deus.
Deus não conta apenas com os nossos talentos, mas também com a nossa fraqueza redimida. Isto, por exemplo, faz São Paulo dizer que há um desígnio sobre a sua fragilidade. De fato, escreveu à comunidade de Corinto: «Para que não me enchesse de orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás, para me ferir, a fim de que não me orgulhasse. A esse respeito, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Mas Ele respondeu-me: “Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza”» (2Cor 12,7-9). O Senhor não nos tira todas as fragilidades, mas ajuda-nos a caminhar com as fragilidades, pegando-nos pela mão. Pega pela mão as nossas fragilidades e se põe perto de nós. Isto é ternura. A experiência da ternura consiste em ver o poder de Deus passar precisamente por aquilo que nos torna mais frágeis; mas sob condição de nos convertermos do olhar do Maligno que nos faz «olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito a traz à luz com ternura» (Patris corde, n. 2). «A ternura é a melhor forma para tocar o que há de frágil em nós. (...) Observai como as enfermeiras, os enfermeiros, tocam as feridas dos doentes: com ternura, para não feri-los mais. E assim o Senhor toca as nossas feridas, com a mesma ternura. Por isso, é importante encontrar a Misericórdia de Deus, especialmente no sacramento da Reconciliação, - na oração pessoal com Deus, fazendo uma experiência de verdade e ternura. Paradoxalmente, também o Maligno pode dizer-nos a verdade: ele é mentiroso, mas arranja-se para nos dizer a verdade a fim de nos levar à mentira; mas, se o faz, é para nos condenar. Ao contrário, o Senhor diz-nos a verdade e estende-nos a mão para nos salvar.  Entretanto nós sabemos que a Verdade vinda de Deus não nos condena, mas acolhe-nos, abraça-nos, ampara-nos, perdoa-nos» (cf. Patris corde, n. 2). Deus perdoa sempre: ponde isto na cabeça e no coração. Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Mas ele perdoa sempre, inclusive as coisas mais terríveis.
Faz-nos bem, então, espelharmo-nos na paternidade de José que é um espelho da paternidade de Deus, e perguntarmo-nos se permitimos que o Senhor nos ame com a sua ternura, transformando cada um de nós em homens e mulheres capazes de amar desta forma. Sem esta “revolução da ternura” - é necessária uma revolução da ternura!  - corremos o risco de permanecer presos numa justiça que não nos permite erguer-nos facilmente e que confunde redenção com castigo. Por esta razão, hoje desejo recordar de um modo especial os nossos irmãos e irmãs que estão na prisão. É justo que quem erra pague pelo próprio erro, mas é também justo que aqueles que erraram possam redimir-se do seu erro. Não podem haver condenações sem janelas de esperança. Qualquer condenação tem sempre uma janela de esperança. Pensemos nos nossos irmãos e irmãs encarcerados, e pensemos na ternura de Deus por eles e rezemos por eles, para que encontrem naquela janela de esperança um caminho de saída rumo a uma vida melhor.
E concluamos com esta oração:

São José, pai na ternura, ensinai-nos a aceitar que somos amados precisamente naquilo que é mais débil em nós.
Concedei que não coloquemos qualquer obstáculo entre a nossa pobreza e a grandeza do amor de Deus.
Suscitai em nós o desejo de nos aproximarmos do Sacramento da Reconciliação, para que possamos ser perdoados e também que nos tornemos capazes de amar com ternura os nossos irmãos e irmãs na sua pobreza.
Estai próximo daqueles que erraram e que pagam o preço por isso; ajudai-os a encontrar, juntamente com a justiça, a ternura para recomeçar.
E ensinai-lhes que a primeira maneira de recomeçar é pedir sinceramente perdão, para sentir a carícia do Pai.


Fonte: Santa Sé.