domingo, 31 de dezembro de 2017

Homilia: Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

São Basílio de Selêucia
Sermão 39
A Virgem Mãe de Deus

O Criador do universo, o todo-poderoso, nascido da Virgem Mãe de Deus, uniu-se à natureza humana; ele assumiu uma carne verdadeiramente dotada de uma alma, e não experimentou culpa alguma: Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca.

Corpo sagrado que abrigava o Senhor! Em Maria foi anulada a constatação de nosso pecado, pois foi nela que Deus se fez homem, permanecendo Deus. Ele quis submeter-se a esta gravidez, e se humilhou ao nascer como nós; sem abandonar o seio do Pai, satisfez-se com os afagos de sua mãe. Porque Deus não fica dividido quando cumpre sua vontade; isto é, mesmo permanecendo para todos indivisível, ele dá a salvação ao mundo.

Gabriel veio à Virgem Maria sem deixar o céu, e o Verbo de Deus que abraça toda a criação, enquanto nela esteve encarnado, não cessou de ser adorado no céu. Será necessário intervir com tudo o que os profetas disseram anunciando o advento de Cristo que nasceria da Mãe de Deus? Que voz seria assaz sublime para entoar hinos que convenham a sua dignidade? De que flores nós lhe trançaríamos a coroa que a ela é devida? Porque é dela que germinará a flor de Jessé, e que tem coroado nossa raça de glória e de honra. Que presentes dignos dela lhe ofereceremos, quando tudo o que há no mundo é indigno dela? Porque, se São Paulo disse dos demais santos: que o mundo não era digno deles, o que diremos da Mãe de Deus que resplandeceu acima de todos os mártires tanto quanto o sol brilha mais do que as estrelas?

Ó virgindade pela qual os anjos, inicialmente distanciados do gênero humano, se alegram com razão por serem colocados a serviço dos homens! E Gabriel exulta por ser incumbido de anunciar a concepção divina, porque ele percorre sua mensagem de salvação que invoca a alegria e a graça. Alegra-te, cheia de graça, assume um rosto jovial, pois é de ti que vai nascer a alegria de todos, com este que, depois de ter destruído a potência da morte, e ter dado a todos a esperança de ressuscitar, nos libertará da antiga maldição.

O Emanuel foi rebento deste mundo que outrora havia criado, aparecendo como um recém-nascido, ele que era Deus antes da eternidade; recostado em uma manjedoura, excluído do habitat comum, então veio para preparar as moradas eternas. Confinado a uma gruta e apontado por uma estrela, cumulado de presentes pelos magos e pagando o resgate do pecado, carregado nos braços de Simeão e abraçando o universo pela extensão de sua potência divina, visto como um infante pelos pastores e reconhecido como Deus pelo exército dos anjos que cantavam sua glória no céu, paz sobre a terra, benevolência de Deus para os homens.

Tudo isso, a Santa Mãe do Senhor do universo meditava em seu coração, diz o Evangelho. Ela se alegrava interiormente pela reunião destas maravilhas, ao mesmo tempo em que é transtornada pela grandeza de seu Filho que é Deus, grandeza que ela percebe pelos olhos da alma. Como ela ficava a contemplar o divino infante, seduzida, como eu o creio, por impulsos cheios de respeito, ela estava sozinha a conversar com o Único.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 296-298. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Agostinho para essa Solenidade clicando aqui.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Homilia: Festa da Sagrada Família - Ano B

São Cirilo de Alexandria
Comentário ao Evangelho de Lucas, Sermão 4
Ele será um sinal de contradição

E o que disse de Cristo o profeta Simeão? Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição, visto que o Emanuel é posto para os alicerces de Sião por Deus Pai, sendo uma pedra escolhida, angular e preciosa. Aqueles, então, que confiaram nele não se envergonharam; mas aqueles que eram descrentes e ignorantes, e incapazes de compreender o mistério a respeito dele, caíram, e foram feitos em pedaços. Por Deus Pai novamente foi dito em outro lugar: Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo, e aquele que crê nela não será confundido; mas aquele sobre quem ela cair, ele será esmagado. Mas o profeta tranquilizou aos israelitas dizendo: Só ao Senhor chameis de santo, é a ele que é preciso respeitar, a ele que se deve temer. Ele será a pedra de escândalo e a pedra de tropeço.

No entanto, porque Israel não santificou o Emanuel, que é Senhor e Deus, nem estava disposto a confiar nele, tropeçaram em uma pedra por causa da descrença, e ele foi feito em pedaços e caiu. Porém, muitos se reergueram, isto é, aqueles que abraçaram a fé nele. Por isso mudaram do legalismo para um ofício espiritual; tendo neles um espírito de serviço, foram enriquecidos com aquele Espírito que os torna livres, e que é o Espírito Santo; eles foram feitos participantes da natureza divina, considerados dignos da doção filial, e de viver na esperança de alcançar a cidade que é do Alto, até mesmo a cidadania, ou seja, o Reino dos Céus.

E pelo sinal de contradição, ele significa a preciosa cruz, em nome da qual o sapientíssimo Paulo escreve: para os judeus é escândalo, e loucura para os pagãos. E novamente: Para os que estão perecendo é loucura; porém, para nós que somos salvos, é o poder de Deus para a salvação. O sinal, portanto, de contradição, se para aqueles que perecem lhes parece ser loucura, todavia, para aqueles que reconhecem o seu poder, ele é salvação e vida.

E Simeão ainda disse à Santa Virgem: Sim, uma espada transpassará a tua alma, significando pela espada a dor que ela sofreria por Cristo, visto que ela trouxe à luz o crucificado; e sem saber que ele seria mais forte do que a morte, e ressurgiria da sepultura. Ou tu podias imaginar que a Virgem não sabia disso, quando vamos encontrar até mesmo os Santos Apóstolos, então, com pouca fé; pois em verdade o bem-aventurado Tomé, se não introduzisse suas mãos no seu lado após a ressurreição, e sentisse também as marcas dos pregos, iria desacreditar os outros discípulos que lhe diziam que Cristo ressuscitou e tinha-se manifestado a eles.

O evangelista com sabedoria, portanto, para o nosso benefício nos ensina tudo quanto o Filho, feito carne, consentiu padecer por nossa pobreza, suportar em nosso benefício e em nosso favor, para que possamos glorificá-lo como nosso Redentor e Senhor, nosso Salvador e nosso Deus: por quem e com quem a Deus Pai e pelo Espírito Santo sejam a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 294-295. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também outra homilia de São Cirilo de Alexandria para essa Festa clicando aqui.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Homilias do Patriarca de Lisboa: Natal do Senhor

Publicamos aqui as homilias de Natal (Missa da Noite e Missa do Dia) do Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente:

Homilia na Noite de Natal
Sé de Lisboa, 24 de dezembro de 2017
"É a sua luz que unicamente nos deslumbra"

Irmãos caríssimos: Nesta noite de grande contraste entre o negrume exterior e a intensa luz do presépio os trechos bíblicos são de tal densidade que o passar dos anos e dos séculos nunca lhes tira a surpresa. Bem pelo contrário, no rodar dos tempos litúrgicos, o Natal guarda sempre uma especial fecundidade meditativa.
Impressionou-me particularmente agora a grande desproporção que o texto assinala. Vistas bem as coisas, torna-se numa ainda maior advertência. São duas frases quase seguidas, com enorme contraste. Assim: «Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra». E, mais à frente: «[Maria] envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria».
Os agentes são dois: César Augusto que manda recensear toda a terra e Maria – certamente com a ajuda de José – que envolve o Menino em panos e o deita na manjedoura. Abissal diferença esta, na verdade. Augusto no auge do seu império sobre todos e Maria na humildade que a define em tudo.
Em termos históricos e mundiais, nunca houvera um império assim. Os antigos impérios tinham forte preponderância étnica, religiosa e cultural da parte dos seus protagonistas e mandantes. O Império de Otávio César Augusto, sem esquecer a base romana em que nascera, ganhou nessa altura uma dimensão geográfica e cultural inédita e desenvolveu uma civilização larga e duradoura. Herdamos-lhe, além do mais, o direito e a língua.
Integrava três continentes, da Europa meridional à Ásia Menor e ao Norte de África. Quando a notícia daquele Menino que nascera e depois dera a vida pela fé que trazia se tornou em Evangelho, o Império Romano tanto se opôs ao novo culto como predispôs a sua expansão. Não por acaso Jesus mandará «dar a César o que é de César» e Paulo insistirá no respeito pela autoridade, conquanto que não se divinizasse a si própria. Mas este era já o problema do Império, que redundaria em perseguição aos discípulos de Cristo.
Não foi problema só então. Nesta mesma noite, em que passados dois milênios, celebramos entre nós e em paz o Natal de Cristo, muitos irmãos nossos arriscam a vida para o fazerem noutras latitudes, publicamente, ou mesmo discretamente. Não há grande intervalo nas notícias de perseguições e atentados, de igrejas destruídas, de prisões, maus tratos e humilhações vitimando cristãos - sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e famílias. E quase sempre em consequência de poderes que exorbitam da sua esfera, desrespeitam consciências e discriminam por motivos religiosos. Naquele tempo não demorou muito até que os sucessores de Augusto fizessem o mesmo, de Nero a Diocleciano. E, mesmo depois e até hoje, o mal pode persistir ou voltar, apesar da crescente afirmação dos direitos humanos. Direitos que o Cristianismo também inspirou e dos quais os cristãos deveriam ter sido sempre, como devemos ser nós agora, os primeiros defensores e promotores. Porque o contraste persiste e deve persistir entre a grandeza do Império e a humildade do Natal. E deve existir em tensão criativa e humanizante. Antigas ideologias políticas, que alguma vez podem regressar, e outras mais recentes, ditas culturais mas na verdade políticas também, porque assim mesmo se pretendem impor, atuam geralmente a partir do todo que alcançam ou pretendem alcançar. Tomam o poder e põem-no ao seu serviço, reduzindo drástica ou disfarçadamente o campo dos que lhes resistem. Tão convictas de si próprias, ignoram ou desclassificam tudo o mais: tradições que persistem pela verdade, bondade e beleza que transportam; legítimas crenças religiosas que libertam o espírito e criam comunhão: tudo isto sofre e com isto sofreremos realmente todos.
As democracias desenvolveram-se como resistência a tais “impérios”. E trechos como este do nascimento de Cristo e nas condições em que aconteceu demonstram desde o início o modo imprescindível delas se sustentarem. Formulemos assim: Diante de tudo o que se queira impor de fora, servindo-se dalguma autoridade materialmente entendida e apanhada, o modo divino de intervir é como uma criança que nasce, acolhida numa família que a protege, alargando-se depois numa familiaridade nova que tem em cada um o seu polo irredutível, para respeitar, ajudar a crescer e criar verdadeira comunhão.
Ao Império de Augusto e sucessores sujeitaram-se muitos, por melhores ou piores razões. Com o tempo foram-se rarefazendo a força e a convicção, até tudo ruir sob os bárbaros. Por seu lado, àquele Menino acorreram pastores, chegaram Magos, e chegamos nós todos nesta celebração festiva. Com Ele queremos coincidir na humildade do coração, que dá todo o espaço a Deus e em Deus a cada um, novo ou idoso, saudável ou doente, forte ou fragilizado, no arco inteiro da existência, da concepção à morte natural, como ela se define. É o Presépio que congrega o mundo, não qualquer império que ultrapassasse os seus limites e se esquecesse do primeiríssimo dever de respeitar e promover a dignidade de cada pessoa humana.
Formulo ainda: Se partirmos do Império de qualquer “Augusto” que seja, corremos o risco de o contrafazer a ele próprio, num totalitarismo desumanizador. Se partimos de cada pessoa, como naquele Menino o próprio Deus quis recomeçar conosco, faremos do poder um serviço autêntico e capaz para o bem comum de todos.
Em Roma o esplendor de Augusto podia deslumbrar. Em Jerusalém, Herodes juntava grandes obras a grandes prepotências. Nestes todos reparavam e tinham forçosamente de reparar. Duraram o que duraram e, do fórum de Roma ao Muro das Lamentações, o que sobra hoje são ruínas. Em contraste, num estábulo de Belém nasceu aquele Menino, que pouco depois um mago do Oriente reconheceria como rei, oferecendo-lhe o sinal do ouro (cf. Mt 2,11).
E, de fato, Jesus anunciou e inaugurou um Reino. Trinta anos depois do seu nascimento, «começou a pregar, dizendo: “Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu”» (Mt 4,17). Mas, reparemos no contraste, este Reino é dom de Deus e exige conversão ao modo divino de ser como em Jesus inteiramente se revela. Não se impõe, senão pela verdade que transporta. Não impera, serve, com atenção prioritária aos mais pobres e frágeis. 
Não cresce por qualquer estratégia ou logística comum, pois a sua finalidade as ultrapassa em muito. Nada menos do que isto, como lemos na 2ª Carta de Pedro: «O divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas que contribuem para a vida e a piedade. Com elas, teve a bondade de nos dar também os mais preciosos e sublimes bens prometidos, a fim de que – por meio deles – vos torneis participantes da natureza divina, depois de vos livrardes da corrução que a concupiscência gerou no mundo» (2Pd 1,3-4).  Reparemos, a finalidade é participarmos da natureza divina; a conversão é o contrário da concupiscência, sendo esta a vontade de captar para si tudo e todos.
Assim começa o Reino e o seu primeiro trono é o Presépio, como depois será a Cruz. Assim crescerá, como o mesmo Rei ensina: «O Reino do Céu é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. É a mais pequena de todas as sementes; mas depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore, a ponto de virem as aves do céu abrigar-se nos seus ramos» (Mt 13,31-32).
Irmãos caríssimos, voltemos ao presépio desta noite, recolhamos a lição, vivamos o contraste. Na companhia de Maria e José, no círculo alargado de anjos e pastores, acolhamos a Deus no Menino assim nascido. Mantenhamo-nos com Ele, no crescimento do seu Reino, garantido por uma ressurreição que não lhe desfaz, antes reforça, o modo simples e prestável de acontecer. Em cada momento de serviço aos irmãos, um por um, lugar por lugar, com verdadeiro acolhimento e resposta, garante-se o tempo todo, pois «o amor jamais passará» (1 Cor 13,8).
É o Natal deste Reino que hoje celebramos. É a sua luz que unicamente nos deslumbra!

* * *

Fotos das Missas de Natal em Milão

Na Arquidiocese de Milão as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor segundo o Rito Ambrosiano foram presididas pelo Arcebispo, Dom Mário Enrico Delpini, na Catedral de Santa Maria Nascente, o Duomo de Milão:

Dia 24 de dezembro: Vigília e Missa da Noite

Vigília
Procissão de entrada: O Arcebispo leva a imagem do Menino Jesus
Imagem do Menino Jesus diante do altar
Evangelho
 

Fotos das Missas de Natal em Cracóvia

Dom Marek Jędraszewski, Arcebispo de Cracóvia, presidiu as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor na Catedral dos Santos Venceslau e Estanislau, a Catedral de Wawel:

Dia 24 de dezembro: Missa da Noite

Procissão de entrada
Incensação do altar

Canto da Kalenda
Deposição da imagem do Menino Jesus na manjedoura

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Fotos da Missa da Noite de Natal em Belém

No último dia 24 de dezembro o Administrador Apostólico do Patriarcado de Jerusalém, Dom Pierbatista Pizzaballa, dirigiu-se à Belém para as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor na igreja de Santa Catarina, junto à Basílica da Natividade.

À tarde foram celebradas as I Vésperas da Solenidade e, à meia-noite, a Santa Missa da Noite. No final da celebração, a imagem do Menino Jesus foi levada em procissão até o altar onde, segundo a tradição, era a gruta da Natividade.

I Vésperas:

Oração diante do Santíssimo Sacramento
Hino
Salmodia
Leitura breve
Incensação durante o Magnificat

Fotos da Bênção Urbi et Orbi de Natal

No último dia 25 de dezembro o Papa Francisco concedeu, do balcão central da Basílica de São Pedro, a tradicional Bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo) por ocasião da Solenidade do Natal do Senhor.

Assistiram ao Santo Padre os Monsenhores Guido Marini e John Richard Cihak e os Cardeais Diáconos Leonardo Sandri (que fez as vezes do Protodiácono) e Prosper Grech.

Entrada do Santo Padre



Mensagem de Natal

Mensagem Urbi et Orbi do Papa: Natal 2017

Papa Francisco
Mensagem Urbi et Orbi - Natal 2017
Sacada Central da Basílica Vaticana
Segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!
Em Belém, da Virgem Maria, nasceu Jesus. Não foi por vontade humana que nasceu, mas por um dom de amor de Deus Pai, que «tanto amou o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigênito, a fim de que todo o que n’Ele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16).
Este acontecimento renova-se hoje na Igreja, peregrina no tempo: a fé do povo cristão revive, na liturgia do Natal, o mistério de Deus que vem e assume a nossa carne mortal, fazendo-Se pequenino e pobre para nos salvar. E isto enche-nos de comoção, porque é demasiado grande a ternura do nosso Pai.
Os primeiros, depois de Maria e José, a ver a glória humilde do Salvador foram os pastores de Belém. Reconheceram o sinal que lhes fora anunciado pelos anjos e adoraram o Menino. Aqueles homens, humildes mas vigilantes, são um exemplo para os crentes de todos os tempos que, diante do mistério de Jesus, não se escandalizam da sua pobreza, mas, como Maria, fiam-se da palavra de Deus e, com olhos simples, contemplam a sua glória. Perante o mistério do Verbo encarnado, os cristãos de toda a parte confessam, com as palavras do evangelista João: «contemplamos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade» (1,14).
Hoje, enquanto sopram no mundo ventos de guerra e um modelo de progresso já ultrapassado continua a produzir degradação humana, social e ambiental, o Natal lembra-nos o sinal do Menino convidando-nos a reconhecê-Lo no rosto das crianças, especialmente daquelas para as quais, como sucedeu a Jesus, «não há lugar na hospedaria» (Lc 2,7).
Vemos Jesus nas crianças do Médio Oriente, que continuam a sofrer pelo agravamento das tensões entre israelitas e palestinenses. Neste dia de festa, imploramos do Senhor a paz para Jerusalém e para toda a Terra Santa; rezamos para que prevaleça, entre as Partes, a vontade de retomar o diálogo e se possa finalmente chegar a uma solução negociada que permita a coexistência pacífica de dois Estados dentro de fronteiras mutuamente concordadas e internacionalmente reconhecidas. O Senhor sustente também os esforços de quantos, na Comunidade Internacional, se sentem animados pela boa vontade de ajudar aquela martirizada terra a encontrar – não obstante os graves obstáculos – a concórdia, a justiça e a segurança por que há muito aguarda.
Vemos Jesus no rosto das crianças sírias, ainda feridas pela guerra que ensanguentou o país nestes anos. Possa a Síria amada encontrar, finalmente, o respeito pela dignidade de todos, através dum esforço concorde por reconstruir o tecido social, independentemente da pertença étnica e religiosa. Vemos Jesus nas crianças do Iraque, ainda contuso e dividido pelas hostilidades que o afetaram nos últimos quinze anos, e nas crianças do Iémen, onde perdura um conflito em grande parte esquecido, mas com profundas implicações humanitárias sobre a população que padece a fome e a propagação de doenças.
Vemos Jesus nas crianças da África, sobretudo nas que sofrem no Sudão do Sul, na Somália, no Burundi, na República Democrática do Congo, na República Centro-Africana e na Nigéria.
Vemos Jesus nas crianças de todo o mundo, onde a paz e a segurança se encontram ameaçadas pelo perigo de tensões e novos conflitos. Rezamos para que se possam superar, na península coreana, as contraposições e aumentar a confiança mútua, no interesse do mundo inteiro. Ao Deus Menino, confiamos a Venezuela, para que possa retomar um confronto sereno entre os diversos componentes sociais em benefício de todo o amado povo venezuelano. Vemos Jesus nas crianças que padecem, juntamente com suas famílias, as violências do conflito na Ucrânia e as suas graves repercussões humanitárias, e rezamos para que o Senhor conceda, o mais depressa possível, a paz àquele querido país.
Vemos Jesus nas crianças, cujos pais não têm emprego, provando dificuldade em oferecer aos filhos um futuro seguro e tranquilo; e naquelas cuja infância foi roubada, obrigadas a trabalhar desde tenra idade ou alistadas como soldados por mercenários sem escrúpulos.
Vemos Jesus nas inúmeras crianças constrangidas a deixar o seu país, viajando sozinhas em condições desumanas, presa fácil dos traficantes de seres humanos. Através dos seus olhos, vemos o drama de tantos migrantes forçados que chegam a pôr a vida em risco, enfrentando viagens extenuantes que por vezes acabam em tragédia. Revejo Jesus nas crianças que encontrei durante a minha última viagem ao Myanmar e ao Bangladesh, e espero que a Comunidade Internacional não cesse de trabalhar para que seja adequadamente tutelada a dignidade das minorias presentes na região. Jesus conhece bem a tribulação de não ser acolhido e a dificuldade de não ter um lugar onde poder reclinar a cabeça. Que o nosso coração não fique fechado como ficaram as casas de Belém.
Queridos irmãos e irmãs!
Também a nós é indicado, como sinal do Natal, «um menino envolto em panos» (Lc 2,12). Como a Virgem Maria e São José, como os pastores de Belém, acolhamos no Menino Jesus o amor de Deus feito homem por nós e comprometamo-nos, com a sua graça, a tornar o nosso mundo mais humano, mais digno das crianças de hoje e de amanhã.

Depois da Bênção:
A vós, queridos irmãos e irmãs, congregados de todo o mundo nesta Praça e a quantos estão unidos conosco, nos vários países, através do rádio, televisão e outros meios de comunicação, dirijo cordiais votos de Boas Festas.
Que o nascimento de Cristo Salvador renove os corações, suscite o desejo de construir um futuro mais fraterno e solidário, conceda alegria e esperança a todos. Feliz Natal!


Fonte: Santa Sé

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Fotos da Missa de Natal no Vaticano

No último dia 24 de dezembro o Papa Francisco celebrou na Basílica de São Pedro a Santa Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Guido Marini e John Richard Cihak. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão de entrada
Desvelamento da imagem do Menino Jesus

Veneração da imagem do Menino Jesus

Homilia do Papa: Missa da Noite de Natal 2017

Santa Missa da Noite de Natal
Homilia do Papa Francisco
Basílica Vaticana
Domingo, 24 de dezembro de 2017

«Completaram-se os dias de [Maria] dar à luz e teve o seu filho primogênito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2,6-7). Com esta afirmação simples mas clara, Lucas leva-nos ao coração daquela noite santa: Maria deu à luz, Maria deu-nos a Luz. Uma narração simples para nos entranhar no acontecimento que muda para sempre a nossa história. Tudo, naquela noite, se tornava fonte de esperança.

Mas recuemos alguns versículos... Por decreto do imperador, Maria e José viram-se obrigados a partir. Tiveram de deixar os parentes, a sua casa, a sua terra e pôr-se a caminho para se recensearem. Uma viagem nada confortável nem fácil para um casal jovem que estava para ter um bebê: viram-se forçados a deixar a sua terra. No coração, transbordavam de esperança e de futuro por causa do filho que chegava; mas sentiam os passos carregados com as incertezas e perigos próprios de quem tem de deixar a sua casa.

E em seguida tocou-lhes enfrentar a coisa talvez mais difícil: chegar a Belém e sentir que era uma terra que não os esperava, uma terra onde não havia lugar para eles.

Mas foi precisamente lá, naquela realidade que se revelava um desafio, que Maria nos presenteou com o Emanuel. O Filho de Deus teve de nascer num curral, porque os seus não tinham espaço para Ele. «Veio para o que era seu, e os seus não O receberam» (Jo 1,11). E lá, no meio da escuridão duma cidade que não tem espaço nem lugar para o forasteiro que vem de longe, no meio da escuridão duma cidade toda em movimento que parecia querer, neste caso, edificar-se voltando as costas aos outros… precisamente lá acende-se a centelha revolucionária da ternura de Deus. Em Belém, criou-se uma pequena abertura para aqueles que perderam a terra, a pátria, os sonhos; mesmo para aqueles que sucumbiram à asfixia produzida por uma vida fechada.

Nos passos de José e Maria, escondem-se tantos passos. Vemos as pegadas de famílias inteiras que hoje são obrigadas a partir. Vemos as pegadas de milhões de pessoas que não escolhem partir, mas são obrigadas a separar-se dos seus entes queridos, são expulsas da sua terra. Em muitos casos, esta partida está carregada de esperança, carregada de futuro; mas, em tantos outros, a partida tem apenas um nome: sobrevivência. Sobreviver aos Herodes de turno, que, para impor o seu poder e aumentar as suas riquezas, não têm problema algum em derramar sangue inocente.

Maria e José, para quem não havia lugar, são os primeiros a abraçar Aquele que nos vem dar a todos o documento de cidadania; Aquele que, na sua pobreza e pequenez, denuncia e mostra que o verdadeiro poder e a autêntica liberdade são os que honram e socorrem a fragilidade do mais fraco.

Naquela noite, Aquele que não tinha um lugar para nascer é anunciado àqueles que não tinham lugar nas mesas e nas ruas da cidade. Os pastores são os primeiros destinatários desta Boa Notícia. Pelo seu trabalho, eram homens e mulheres que tinham de viver à margem da sociedade. As suas condições de vida, os lugares onde eram obrigados a permanecer, impediam-lhes de observar todas as prescrições rituais de purificação religiosa e, por isso, eram considerados impuros. Traía-os a sua pele, as suas roupas, o seu odor, o modo de falar, a origem. Neles tudo gerava desconfiança. Homens e mulheres de quem era preciso estar ao largo, recear; eram considerados pagãos entre os crentes, pecadores entre os justos e estrangeiros entre os cidadãos. A eles - pagãos, pecadores e estrangeiros - disse o anjo: «Não tenhais medo, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor» (Lc 2,10-11).

Eis a alegria que somos convidados a partilhar, celebrar e anunciar nesta noite. A alegria com que Deus, na sua infinita misericórdia, nos abraçou a nós, pagãos, pecadores e estrangeiros, e nos impele a fazer o mesmo.

A fé desta noite leva-nos a reconhecer Deus presente em todas as situações onde O julgamos ausente. Ele está no visitante indiscreto, muitas vezes irreconhecível, que caminha pelas nossas cidades, pelos nossos bairros, viajando nos nossos transportes públicos, batendo às nossas portas.

E esta mesma fé impele-nos a abrir espaço a uma nova imaginação social, não ter medo de experimentar novas formas de relacionamento onde ninguém deva sentir que não tem um lugar nesta terra. Natal é tempo para transformar a força do medo em força da caridade, em força para uma nova imaginação da caridade. A caridade que não se habitua à injustiça como se fosse algo natural, mas tem a coragem, no meio de tensões e conflitos, de se fazer «casa do pão», terra de hospitalidade. Assim no-lo recordava São João Paulo II: «Não tenhais medo! Abri, antes, escancarai as portas a Cristo» (Homilia na Missa de início do Pontificado, 22 de outubro de 1978).

No Menino de Belém, Deus vem ao nosso encontro para nos tornar protagonistas da vida que nos rodeia. Oferece-Se para que O tomemos nos braços, para que O levantemos e abracemos; para que n’Ele não tenhamos medo de tomar nos braços, levantar e abraçar o sedento, o forasteiro, o nu, o doente, o recluso (cf. Mt 25,35-36). «Não tenhais medo! Abri, antes, escancarai as portas a Cristo». Neste Menino, Deus convida-nos a cuidar da esperança. Convida-nos a fazer-nos sentinelas para muitos que sucumbiram sob o peso da desolação, que deriva do fato de encontrar tantas portas fechadas. Neste Menino, Deus torna-nos protagonistas da sua hospitalidade.

Comovidos pelo jubiloso dom, Menino pequenino de Belém, Vos pedimos que o vosso choro nos desperte da nossa indiferença, abra os olhos perante quem sofre. A vossa ternura desperte a nossa sensibilidade e nos faça sentir convidados a reconhecer-Vos em todos aqueles que chegam às nossas cidades, às nossas histórias, às nossas vidas. Que a vossa ternura revolucionária nos persuada a sentir-nos convidados a cuidar da esperança e da ternura do nosso povo.


Fonte: Santa Sé.

Ângelus: IV Domingo do Advento - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 24 de dezembro de 2017

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Neste domingo que precede imediatamente o Natal, ouvimos o Evangelho da Anunciação (Lc 1,26-38).

Neste trecho evangélico podemos observar um contraste entre as promessas do anjo e a resposta de Maria. Este contraste manifesta-se na dimensão e no conteúdo das expressões dos dois protagonistas. O anjo diz a Maria: «Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de David, seu pai; e reinará eternamente na casa de Jacob, e o seu reino não terá fim» (vv. 30-33). É uma longa revelação, que abre perspectivas extraordinárias. A criança que vai nascer desta humilde jovem de Nazaré será chamada Filho do Altíssimo: não é possível conceber uma dignidade mais alta do que esta. E depois da pergunta de Maria, com a qual ela pede explicações, a revelação do anjo torna-se ainda pormenorizada e surpreendente.

Ao contrário, a resposta de Maria é uma frase breve, que não fala de glória, não fala de privilégios, mas somente de disponibilidade e de serviço: «Eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra» (v. 38). Também o conteúdo é diverso. Maria não se exalta diante da perspectiva de se tornar até a mãe do Messias, mas permanece modesta e expressa a própria adesão ao projeto do Senhor. Maria não se orgulha. É humilde, modesta. Mantém-se como sempre.

Este contraste é significativo. Faz-nos compreender que Maria é deveras humilde e não procura vangloriar-se. Reconhece que é pequena aos olhos de Deus, e sente-se feliz por ser assim. Ao mesmo tempo, está ciente de que da sua resposta depende a realização do projeto de Deus, e que por conseguinte ela está chamada a aderir totalmente a ele.

Nesta circunstância, Maria apresenta-se com uma atitude que corresponde perfeitamente à do Filho de Deus quando vem ao mundo: Ele quer tornar-se o Servo do Senhor, pôr-se ao serviço da humanidade para cumprir o projeto do Pai. Maria diz: «Eis a serva do Senhor»; e o Filho de Deus, entrando no mundo diz: «Eis que venho (...) para fazer, ó Deus, a tua vontade» (Hb 10,7.9). A atitude de Maria reflete plenamente esta declaração do Filho de Deus, que se torna também filho de Maria. Assim Nossa Senhora se revela perfeita colaboradora do projeto de Deus, e revela-se também discípula do seu Filho, e no Magnificat poderá proclamar que «Deus elevou os humildes» (Lc 1,52), porque com esta sua resposta humilde e generosa Ela obteve uma alegria altíssima, e também uma glória altíssima.

Enquanto admiramos a nossa Mãe por esta sua resposta à chamada e à missão de Deus, peçamos-lhe que ajude cada um de nós a acolher o projeto de Deus na nossa vida, com humildade sincera e generosidade corajosa.


Fonte: Santa Sé.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Homilia: Natal do Senhor - Missa do Dia

São Proclo de Constantinopla
Sermão 1 em louvor de Santa Maria
Vinha para salvar, mas também lhe era necessário morrer

Cristo, que por natureza era impassível, por sua misericórdia se submeteu a muitos padecimentos. É inadmissível que Cristo se fizesse passar por Deus em proveito próprio. Nem sequer ousemos pensá-lo! Muito pelo contrário: sendo - como nos ensina a fé - Deus, fez-se homem nas aras de sua misericórdia. Não pregamos a um homem deificado; antes, proclamamos a um Deus encarnado. Adotou por mãe a uma escrava quem por natureza não conhece mãe, e que, contudo, apareceu sobre a terra sem pai, segundo a economia divina.

Observa em primeiro lugar, ó homem, a economia e as motivações de sua vinda, para exaltar em um segundo momento o poder do que se encarnou. Pois o gênero humano tinha contraído, pelo pecado, uma imensa dívida, dívida que de modo algum podia saldar. Porque em Adão todos tinham assinado o recibo do pecado: éramos escravos do diabo. Ele tinha em seu poder o contrato de nossa escravidão, e exibia títulos de possessão sobre nós assinalando nosso corpo, joguete das mais variadas paixões. Pois bem: ao encontrar-se o homem marcado pela dívida do pecado, não podia pretender salvar a si mesmo. Nem sequer um anjo poderia redimir o gênero humano: o preço do resgate não seria suficiente. Não restava mais do que uma única solução: que o único que não estava submetido ao pecado, ou seja, Deus, morresse pelos pecadores. Não havia outra alternativa para tirar o homem do pecado.

E o que ocorreu? Pois que o mesmo que tinha tirado do nada todas as coisas conferindo-lhes a existência, e que possuía plenos poderes para saldar a dívida, planejou um seguro de vida para os condenados à morte, e uma estupenda solução ao problema da morte. Fez-se homem nascendo da virgem de um modo muito conhecido para ele. Não há palavra humana capaz de explicar este mistério: morreu na natureza que tinha assumido, e levou a cabo a redenção em virtude do que já era, conforme o que diz São Paulo: por cujo sangue temos recebido a redenção, o perdão dos pecados.

Ó prodígio realmente estupendo! Negociou e obteve para os demais a imortalidade aquele que por natureza era imortal. Em nível de encarnação, jamais existiu, nem existe nem existirá um ser semelhante, a não ser o nascido de Maria, Deus e homem. E não somente pelo mero fato de adequar-se à multidão de réus suscetíveis de redenção, mas porque era, sob todos os aspectos, superior a eles. Pois, enquanto Filho, conserva imutável a mesma natureza que seu Pai; como Criador do universo, possui plenos poderes; como misericordioso, possui uma imensa e inesgotável misericórdia; e finalmente, como pontífice, está ao nosso lado qual idôneo intercessor. Sob qualquer um destes aspectos, jamais encontrarás nenhum outro que se lhe possa comparar. Considera, por exemplo, sua clemência: entregue espontaneamente e, condenado à morte, destruiu a morte que tinham de sofrer os que o crucificavam. Trocou em saudável a perfídia daqueles que o matavam, e que se convertiam por isso mesmo em feitores de iniquidade.

Vinha para salvar, porém lhe era também necessário morrer. Sendo Deus, o Emanuel se fez homem; a natureza que possuía nos trouxe a salvação, a natureza assumida suportou a paixão e a morte. O que está no seio do Pai é o mesmo que se encarna no seio da mãe; o que repousa no regaço da mãe é o mesmo que caminha sobre as asas do vento. O mesmo que nos céus é adorado pelos anjos, na terra se senta na mesa com os arrecadadores de impostos.

Ó grande mistério! Vejo os milagres e proclamo a divindade; contemplo seus sofrimentos e não nego a humanidade. Da mesma forma, o Emanuel, enquanto homem, abriu as portas da humanidade, porém, enquanto Deus nem violou nem rompeu os selos da virgindade. Ainda mais: saiu do útero como entrou pelo ouvido; nasceu do modo que foi concebido. Entrou sem paixão e saiu sem corrupção.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 290-291. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Agostinho para essa Missa clicando aqui.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Homilia: Natal do Senhor - Missa da Noite

São Jerônimo
Tratado sobre o Salmo 84
Aquele que nasceu de Maria, nasce diariamente em nós

A misericórdia e a fidelidade se encontram, a justiça e a paz se abraçam. Que amizade mais excelente! A misericórdia e a fidelidade se encontram. Você é pecador? Escuta o que foi dito: “misericórdia”. És santo? Escuta o que diz: “fidelidade”. Não se desespere se és pecador, nem te ensoberbeças se és santo. Tentemos outra interpretação.

Dois são os povos crentes: um formado pelos pagãos e outro pelos judeus. Aos judeus foi prometido um Salvador; e a nós, que vivíamos à margem da lei, não. Portanto, a misericórdia se exercita com o povo dos pagãos, e a fidelidade com os judeus, já que se cumpriu o que lhes estava prometido, isto é, o que foi anunciado aos pais se cumpriu nos filhos.

A justiça e a paz se abraçam. Observa o que se diz: A justiça e a paz se abraçam. É o mesmo que foi dito antes: misericórdia e fidelidade, pois misericórdia equivale à paz, e fidelidade é sinônimo de justiça. Se alguma coisa tem relação com a paz, igualmente tem relação com a misericórdia; e se algo tem a ver com a fidelidade, também tem a ver com a justiça. Com efeito, olha o que diz: A justiça e a paz se abraçam, ou seja, a misericórdia e a fidelidade se tornaram amigas, isto é, judeus e pagãos estão sob o cajado de um só pastor: Cristo.

A fidelidade brota da terra. Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Aquele que disse: Eu sou a verdade, brotou da terra. E qual é esta verdade que brotou da terra? Brotará um renovo do tronco de Jessé, e de sua raiz florescerá um rebento. E em outro lugar: Tu, ó Deus, tiveste a vitória entre nós. Observa: a verdade, o Salvador, brotou da terra, ou seja, de Maria.

E a justiça olha do alto do céu. Era justo que o Salvador tivesse compaixão de seu povo. Vede o que afirma: Quão insondáveis são as suas decisões, e quão irrastreáveis os seus caminhos! A verdade brota da terra, isto é, o Salvador. E de novo: E a justiça olha do alto do céu. A justiça, isto é, o Salvador. Como brotou da terra? Como olhou do alto do céu?

Brotou da terra nascendo como homem; olhou do alto do céu porque Deus está sempre nos céus. Brotou, é verdade, da terra, porém aquele que nasceu da terra está sempre no céu. Isto significa que apareceu na terra sem abandonar o céu, porque está em todas as partes. Olhou, porque enquanto pecávamos apartava a sua vista de nós.

Eis o que quis dizer: É justo que o oleiro tenha compaixão da obra de suas mãos, e que o pastor se compadeça do seu rebanho. Nós somos seu povo, somos suas criaturas. Foi para isto, pois, que ele brotou da terra e olhou do alto do céu: para cumprir toda a justiça e ter compaixão de sua obra.

Finalmente, para que saibais que a palavra “justiça” não designa crueldade, mas misericórdia, vede o que foi dito: O Senhor nos enviará a chuva. Para isto olhou desde o céu: para compadecer-se de suas obras. E nossa terra dará seu fruto. A fidelidade brotou da terra, dito em pretérito. Agora se expressa no futuro: E nossa terra dará o seu fruto.

Não deveis vos desesperar por ter nascido uma só vez de Maria: diariamente ele nasce em nós. E a terra dará seu fruto. Também nós, se queremos, podemos gerar Cristo. E a terra dará seu fruto: fruto do qual é feito o pão celestial. Dele diz: Eu sou o pão que desceu do céu.
Tudo o que foi dito se refere à misericórdia de Deus, que veio exatamente para salvar o gênero humano.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 287-288. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Pedro Crisólogo para esta Missa clicando aqui.

O Evangeliário das Missas de Natal no Vaticano

Aqueles que acompanham as celebrações do Tempo do Natal presididas pelo Papa, sobretudo a Missa da Noite de Natal (popularmente conhecida como “Missa do Galo”), notam a presença de um Evangeliário, usado na proclamação do Evangelho, na bênção à assembleia concedida pelo Papa (gesto próprio da Liturgia Episcopal) e em seguida depositado junto da imagem do Menino Jesus.


Na verdade não é um Evangeliário, mas sim um Missal: o Missale Pontificis in Nativitate Domini (Missal Pontifício no Natal do Senhor). Como antes do Concílio Vaticano II o Missal continha não apenas as orações, mas também as leituras para as celebrações, pode ser igualmente usado como Evangeliário.

Este Missal foi feito a pedido do Papa Alexandre VI (1431-1503), após sua eleição em 1492. Contém os textos de todas as Solenidades do Tempo do Natal, em latim. Ele, porém, só foi usado pela primeira vez no Natal de 1495, como testemunha o então Cerimoniário do Papa, Johannes Burchard. Com certeza foi usado igualmente na Abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro no Jubileu de 1500.

Imagem e brasão de Alexandre VI em um das páginas do Missal
Inicialmente o projeto seria compor três volumes, um para cada grande celebração presidida pelo Papa: Natal, Páscoa e Solenidade dos Santos Pedro e Paulo. Contudo, não possuímos informações sobre os outros dois volumes. Apenas o Missal de Natal conservou-se na Biblioteca Apostólica Vaticana, identificado como Codex Borgianus Latinus 425.

As gravuras presentes no Missal foram feitas pelo artista milanês Antonio da Monza. Na capa encontra-se o monograma de Cristo (cristograma), formado pela sobreposição das letras gregas X (chi) e P (), primeiras letras da palavra ΧΡΙΣΤΟΣ (Christos). O monograma é circundado por quatro anjos.

Na contracapa encontra-se uma cruz grega com as palavras Φως (Luz) na trave vertical e Ζωή (Vida) na trave horizontal, igualmente ladeada por quatro anjos. Os dois fechos da capa têm o formato de conchas.


Atualmente, o Papa usa este Evangeliário em três ocasiões: na Missas da Noite do Natal do Senhor (24 de dezembro), da Solenidade da Santa Mãe de Deus (01 de janeiro) e da Epifania do Senhor (06 de janeiro). O Missal é colocado ainda junto da imagem do Menino Jesus nas I Vésperas da Solenidade da Santa Mãe de Deus, embora nesta ocasião não seja usado para a leitura do Evangelho.

No ano de 2015, quando o Papa celebrou a Festa da Sagrada Família, o Evangeliário foi usado extraordinariamente também nesta ocasião (nesta celebração, porém, não foi concedida a bênção com o Evangeliário).

Por fim, cumpre dizer que o Evangeliário usado não é o original, uma preciosa relíquia do final do século XV. Trata-se na verdade de um fac-símile, permanecendo o original na Biblioteca Vaticana.


Confira também vídeos que mostram o uso deste Evangeliário nas três solenidades do Tempo do Natal:



sábado, 23 de dezembro de 2017

Homilia: IV Domingo do Advento - Ano B

São Beda, o Venerável
Sermão III no Advento
Conceberás e darás à luz um filho

A leitura do santo Evangelho que acabamos de escutar, caríssimos irmãos, nos recorda o prelúdio de nossa redenção, quando Deus enviou um anjo à Virgem para anunciar-lhe o novo nascimento, na carne, do Filho de Deus, e por quem, deposta a antiga nociva, possamos ser renovados e constados entre os filhos de Deus. Assim, para merecer conseguir as graças da salvação que nos foi prometida, procuremos perceber com ouvido atento os seus primeiros passos.

O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, e a virgem se chamava Maria. O que se afirma da estirpe de Davi se refere não somente a José, mas também a Maria, pois na Lei existia a norma segundo a qual cada israelita devia casar-se com uma mulher de sua mesma tribo e família. O atesta o apóstolo quando, escrevendo a Timóteo, diz: Lembra-te de Jesus Cristo, o Senhor, nascido da linhagem de Davi, e ressuscitado dentre os mortos. Este tem sido o meu Evangelho. Em consequência, o Senhor nasceu realmente da linhagem de Davi, já que sua Mãe virginal pertencia à verdadeira estirpe de Davi.

O anjo, entrando em sua presença, disse: Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás em teu ventre e darás à luz um filho e lhe porás por nome Jesus. Ele será grande, se chamará Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Chama trono de Davi ao reino de Israel, e que Davi em seu tempo governou com fiel dedicação por mandato e com o auxílio de Deus. O Senhor deu, portanto, a nosso Redentor o trono de seu pai Davi, quando dispôs que este se encarnasse na estirpe de Davi, para que com a sua graça espiritual conduzisse ao reino eterno o povo eu Davi regeu com um poder temporal. Como afirma o apóstolo: Ele nos tirou do domínio das trevas, e nos transladou ao reino de seu Filho amado.

E reinará para sempre na casa de Jacó. O anjo chama casa de Jacó a Igreja universal, que pela fé e a confissão de Cristo pertence à estirpe dos patriarcas, seja através dos que genealogicamente pertencem à linhagem deles, seja através dos que, oriundos de outras nações, renasceram em Cristo mediante o banho espiritual. Justamente é nesta casa que reinará para sempre, e seu reino não terá fim. Cristo reina atualmente na Igreja, quando, habitando no coração dos escolhidos pela fé e a caridade, os rege e os governa com sua contínua proteção, para que consigam alcançar os dons da suprema retribuição. Reina na vida futura, quando, ao término de seu exílio temporal, os introduz na morada da pátria celestial, onde eternamente seduzidos pela visão de sua presença se sentem felizes de não fazer outra coisa além de louvá-lo.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 282-283. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Cirilo de Alexandria para este domingo clicando aqui.

Raniero Cantalamessa: II Pregação de Advento 2017

Pe. Raniero Cantalamessa, OFMCap
II Pregação de Advento
22/12/2017

“Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8)
A onipresença de Cristo no tempo

1. Cristo e o tempo
Depois de ter meditado, da última vez, no lugar que a pessoa de Cristo ocupa no cosmos, queremos dedicar essa segunda reflexão ao lugar que Cristo ocupa na história humana; depois da presença no espaço, aquela no tempo.
Na Missa da Noite de Natal na Basílica de São Pedro, foi restaurado, depois do concílio, o antigo canto da Kalenda, retirado do Martirológio Romano. Nele, o nascimento de Jesus Cristo é colocado no final de uma série de datas que o situam ao longo do tempo. Aqui estão algumas frases:
"Transcorridos muitos séculos desde que Deus criou o mundo [...]; treze séculos depois da saída de Israel do Egito sob a guia de Moisés; cerca de mil anos depois da unção de Davi como rei de Israel; [...]; na centésima nonagésima quarta Olimpíada de Atenas; no ano setecentos e cinquenta e dois da fundação de Roma; [...] no quadragésimo segundo ano do Império de César Otaviano Augusto, enquanto reinava a paz sobre a terra, na sexta idade do mundo. Jesus Cristo, Deus Eterno e Filho do Eterno Pai, querendo santificar o mundo com a sua vinda, foi concebido por obra do Espírito Santo e se fez homem; transcorridos nove meses nasceu da Virgem Maria em Belém de Judá.
Esta forma relativa de calcular o tempo, a partir de um princípio e se referindo a diferentes eventos, estava destinada a mudar radicalmente com a vinda de Cristo, mesmo que não tenha acontecido imediatamente e de uma só vez. Oscar Cullmann, no conhecido estudo "Cristo e o Tempo", explicou com a maior clareza em que consistia esta mudança no modo humano de calcular o tempo.
Nós não começamos mais de um ponto inicial (a criação do mundo, a saída do Egito, a fundação de Roma, etc.), seguindo um progresso que avança em direção a um futuro ilimitado. Começamos agora de um ponto central, o nascimento de Cristo, e calculamos o tempo que o precede de uma maneira decrescente em direção a ele: cinco séculos, quatro séculos, um século antes de Cristo ... e, de modo crescente o tempo que o segue: um século, dois séculos ou dois milênios depois de Cristo. Dentro de alguns dias, vamos comemorar o 2017° aniversário daquele evento.
Esta maneira de calcular o tempo, dizia, não se impôs imediatamente e da mesma maneira. Com Dionísio Exíguo, em 525, começou-se a calcular os anos a partir do nascimento de Cristo, e não desde a fundação de Roma; mas só a partir do século XVII (parece que com o teólogo Denis Pétau, chamado Petavius) espalhou-se o costume de contar também o tempo antes de Cristo de acordo com os anos que precederam a sua vinda.
Chegou-se assim ao uso geral, expressado pelas fórmulas: ante Christum natum (abreviado a.C.) e post Christum natum (abreviado p.C.); antes de Cristo, depois de Cristo.
Já faz algum tempo que está se espalhando o costume, especialmente no mundo anglo-saxão e nas relações internacionais, de evitar essa redação, não apreciada, por razões compreensíveis, por pessoas pertencentes a outras religiões ou a nenhuma religião. Em vez de falar de "era cristã" ou "de ano do Senhor", se prefere falar de "era atual" ou "era comum" ("Common era").
Às palavras "antes de Cristo" (a. C.) prefere-se “antes da era comum” (em inglês BCE) e àquele "depois do Cristo" (d.C.) as palavras "era comum" (em inglês CE). Muda-se a forma de dizer, mas não a substância da coisa; o cálculo dos anos e do tempo permanece o mesmo.
Oscar Cullmann deixou claro qual é a novidade da nova cronologia, introduzida pelo cristianismo. O tempo não procede por ciclos que se repetem, como acontecia no pensamento filosófico dos gregos e, entre os modernos, em Nietzsche, mas progride linearmente, a partir de um ponto não especificado (e na realidade não datável) que é a criação do mundo, em direção a um ponto igualmente indefinido e imprevisível que é parusia.
Cristo é o centro da linha, aquele a quem tudo tende antes dele e do qual tudo depende depois dele. Ao se definir "o Alfa e o Ômega" da história (Ap 21,6), o Ressuscitado assegura que não só reúne o princípio no final, mas ele mesmo é esse princípio não especificado e esse fim imprevisível, o autor da criação e da consumação.
Na época, a posição de Cullmann encontrou uma forte reação hostil dos representantes da teologia dialética, dominante naquele momento: Barth, Bultmann e seus discípulos. Tal teologia tendia a des-historicizar o kerygma, reduzindo-o a um existencialístico "apelo à decisão".
Professava, consequentemente, um marcado desinteresse pelo "Jesus da história" em favor do chamado "Cristo da fé". O renovado interesse pela "história da salvação" na teologia do pós Concílio e a volta do interesse pelo Jesus da história na exegese (a assim chamada “nova pesquisa histórica sobre Jesus”), confirmou a validez da intuição de Cullmann.
Uma conquista da teologia dialética permaneceu intacta: Deus é totalmente outro, diferente do mundo, da história e do tempo: entre as duas realidades há uma "infinita e irredutivel diferença qualitativa". Quando se trata de Cristo, no entanto, a esta certeza da infinita diferença, junta-se sempre a afirmação da igualmente “infinita” semelhança.
É o próprio núcleo da definição de Calcedônia, expressado com os dois advérbios "inconfundidos, indivisíveis, sem confusão e sem separação. De Cristo, devemos dizer, de uma maneira eminente, que está "no mundo", mas não é "do mundo"; está na história e no tempo, mas transcende a história e o tempo.