Publicamos aqui as homilias do Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente, proferidas durante as celebrações da Semana Santa deste ano na Sé Patriarcal de Lisboa:
Homilia de Domingo de Ramos
A Paixão de Cristo torna-se
Páscoa para todos
Iniciamos a Semana Maior. É oportunidade e graça para
aprofundarmos os motivos, também maiores, da nossa vida e da nossa fé. Não pode
ser apenas o calendário, no primeiro plenilúnio desta Primavera. Trata-se, isso
sim, da novidade evangélica, que há de qualificar um tempo novo.
A Liturgia católica preenche estes dias com sinais
expressivos dos acontecimentos celebrados. Tão expressivos e até vistosos que,
aqui e ali, se tornam apelo turístico, com encenação e reclame… É natural que
assim seja, mas será pena se for isso só. Não chega e redobra-nos o cuidado com
possíveis distrações.
Porque não se trata de distrair os sentidos, mas de
converter as vidas, a partir dos momentos definitivos que Deus quis viver
conosco na Páscoa de Jesus. Na sua paixão, que redime a paixão do mundo. A
nossa própria, do que passamos e os outros padecem, longe ou perto – e muito
perto até.
Ao longo destes dias, estando realmente atentos,
acompanharemos os últimos episódios de Jesus neste mundo, como era então, tão
distante no tempo e tão próximo no essencial. Uma glorificação breve e
equívoca, ao entrar em Jerusalém entre palmas e hosanas. Os últimos diálogos
com os seus discípulos, outros tantos avisos sobre o que previa para depois e
ainda agora. A ceia em que tudo ultimou, oferecendo-se por nós e para nós. O
combate final – a “agonia” do horto -, vencendo, por si e por todos, a última
etapa para chegar a Deus. A condenação que se seguiu, por parte de quem não
aceitava que Deus se aproximasse tanto e exigisse tudo. O tormento final, de
flagelos, espinhos e pregos, que lhe massacraram o corpo, já por si entregue.
Sobrou-nos a Cruz, novo centro do mundo em atração total, como prometera: «Eu,
quando for erguido da terra atrairei todos a mim» (Jo 12,32). Por isso aqui
estamos e é só o que importa.
Esta sim, caríssimos irmãos – esta sim e esta sempre – é a
razão de estarmos aqui, iniciando a Semana que Jesus santificou, razão única,
bastante e salutar. É certo que a Liturgia é pródiga em palavras e sinais. Mas
concentremo-nos mais na Cruz que nos salva, assumindo-a também.
Aquela multidão de discípulos aclamava o Messias a entrar na
cidade, com os sinais proféticos do reino anunciado. Sinais proféticos e já
contraditórios com as entradas normais dos triunfos mundanos. Pois assim a
anunciara o profeta Zacarias: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos
de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti; Ele é justo e
misericordioso; vem humilde, montado num jumento…» (Zc 9,9). Jesus aceitou o
entusiasmo, deixando-os gritar, ou gritariam as pedras…
Retenhamos o passo, tão insólito como determinante. É assim
que Jesus Cristo continua a entrar na cidade e na nossa vida. Como Messias
humilde, que vence porque convence. Somos seus discípulos quando O reconhecemos
e aclamamos deste modo, apenas deste modo, com a mesma humildade e verdade, no
dia-a-dia em que nos chega.
Não passou muito tempo até se ouvirem outros gritos, no
pretório de Pilatos, pedindo a sua morte. De Jesus, que de novo aceitou o
clamor, sujeitando-se à mais injusta das condenações.
Aí O temos, igual a si próprio. – E nós, onde estamos, assim
como somos? Dos Ramos ao pretório, Jesus teve razão para se decepcionar com
multidões desencontradas, entre hosanas e apupos. Perguntemo-nos nós agora se
também nos decepcionamos com Jesus, quando Ele não corresponde ao que desejamos
para já – e como o desejamos ainda. Quando o deixamos “morrer” no horizonte das
nossas vidas por converter, no que mais profundamente desejamos.
Porque, da nossa parte, a clareza tem de ser total, como o é
da sua. Para desejos vãos a resposta de Jesus é nenhuma. Como ouvimos, Pilatos
enviou-O a Herodes, que ficou contente, à espera de milagres e coisas de
espantar. Resultado: às muitas perguntas de Herodes, Jesus nada respondeu.
Fixemo-nos neste ponto ao iniciar a Semana Maior, para que
seja de franca conversão, com disponibilidade total da nossa parte para seguir
Jesus na obediência inteira a Deus Pai. Nada mais nos oferece, pois só isso nos
salva.
- Quando Jesus nos levar consigo à obediência perfeita à
vontade do Pai, ainda a mais custosa, para ser salvadora, como aconteceu no
Horto das Oliveiras, continuaremos com Ele, como estamos agora?