terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Missas votivas da Terra Santa (1): Introdução

Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que há de vir” (Ap 1,8).

Dentre os diversos formulários de oração propostos pelo Missal Romano, encontramos as Missas votivas, celebradas para favorecer a devoção dos fiéis. Dentre estas Missas, porém, não constam “os mistérios da vida do Senhor ou da bem-aventurada Virgem Maria (...), pelo fato de sua celebração estar unida ao ciclo do Ano Litúrgico” (Introdução Geral do Missal Romano, 3ª edição, n. 375) [1].

Assim, não há a “Missa votiva do Natal” ou a “Missa votiva da Páscoa”. Porém, como veremos, encontramos algumas Missas votivas dos mistérios do Senhor nos santuários da Terra Santa: são as “Missas votivas do lugar”.

Hodie” (Hoje): A Liturgia, atualização da história da salvação

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a Liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos que nos salvaram: atualiza-os, torna-os presentes” (n. 1104).

Os acontecimentos salvíficos, como a Morte e a Ressurreição de Cristo, ocorreram “uma vez por todas” (cf. Hb 7,27; 9,12; 10,10). Porém, “toda vez que” os celebramos, eles se tornam presentes: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,26).

Não se trata de repetição, como prossegue o Catecismo: “O Mistério Pascal de Cristo celebra-se, não se repete; as celebrações é que se repetem. Mas em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único mistério” (n. 1104).

“Quando a Igreja celebra o mistério de Cristo, há uma palavra que ritma a sua oração: Hoje!, como um eco da oração que lhe ensinou o seu Senhor e do chamamento do Espírito Santo” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1165).

Cristo Pantocrator, Senhor do tempo e da história
(Basílica do Santo Sepulcro, Jerusalém)

Mas embora em cada celebração litúrgica todo o mistério da salvação esteja presente, a Igreja nos propõe, de maneira pedagógica, a celebração anual dos mistérios do Senhor, transformando assim o chronós (tempo cronológico) em kairós (tempo favorável, tempo da salvação) [2]:

“A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou domingo, celebra a da Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão. Distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor” (Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 102).

Hic” (Aqui): As Missas votivas nos Santuários da Terra Santa

Após esta introdução, entramos no tema proposto: as Missas votivas dos Santuários da Terra Santa. Nestes lugares onde aconteceram os eventos da história da salvação, os peregrinos podem celebrar a “Missa votiva do lugar”, nas quais o grande eco não é tanto o “hoje” (hodie), mas o “aqui” (hic).

Naturalmente, as comunidades que residem na Terra Santa seguem o ciclo do Ano Litúrgico, como temos demonstrado aqui no blog. As Missas votivas do lugar são uma concessão especial para grupos de peregrinos, considerando o caráter extraordinário de uma visita à Terra Santa.

Cruz sobre o domo da Basílica do Santo Sepulcro

Podemos encontrar essa dupla dimensão no relato (Itinerarium) da peregrina Etéria (ou Egéria) que visitou a Terra Santa no final do século IV. Na segunda parte do relato, ela descreve as celebrações de Jerusalém conforme o ritmo do Ano Litúrgico, uma vez que permaneceu por bastante tempo na cidade (entre um e três anos). Porém, na primeira parte, em suas várias viagens, ela fazia uma oração de acordo com o lugar:

“Era sempre o nosso costume que, onde quer que conseguíssemos aproximar-nos dos lugares procurados, aí rezássemos, em primeiro lugar, uma oração, lêssemos em seguida as palavras da Bíblia, disséssemos um salmo de acordo com a circunstância e outra oração” [3].

Embora se trate ainda de uma oração privada, temos aqui o “embrião” das Missas votivas dos diversos santuários da Terra Santa. Estes tiveram um impulso também no século IV graças a outra peregrina: Santa Helena, mãe do imperador Constantino.

Outro impulso para a construção de igrejas foi a fundação do Reino de Jerusalém após a Primeira Cruzada (1099-1291). Nesse período vieram à Terra Santa os primeiros franciscanos (1217). Dois anos depois, em 1219, o próprio Francisco de Assis realizaria sua peregrinação (não é certo, porém, que tenha visitado Jerusalém, que havia caído sob domínio muçulmano em 1187 e só seria recuperada entre 1229 e 1244).

Cerca de 100 anos depois, quando a região ainda estava sob domínio muçulmano, foi instituída oficialmente a Custódia Franciscana da Terra Santa, com a Bula Gratias Agimus do Papa Clemente VI (1342). Na época a sede da Custódia era no Cenáculo (posteriormente transferida para a igreja do Santíssimo Salvador, quando o Cenáculo foi tomado pelos muçulmanos e depois pelos judeus), por isso a referência ao “Monte Sião” no listel sobre o seu brasão.

Brasão da Custódia

Desde então, a Custódia tem colaborado com o Patriarcado Latino de Jerusalém na preservação dos lugares santos e na acolhida dos peregrinos. Desde sua criação, os franciscanos se empenharam em restaurar muitos dos santuários destruídos durante as sucessivas guerras que tiveram a Terra Santa como palco.

Em seu site encontramos os Missais votivos para os diversos santuários em várias línguas. Algumas Missas recolhem as orações e leituras já previstas para determinadas solenidades (a Anunciação, o Natal, a Páscoa...), com pequenos acréscimos, outras são formulários específicos.

Nas próximas semanas vamos apresentar aqui essas Missas votivas. Cumpre notar, porém, que estes textos não devem ser usados em nossas celebrações, pois são específicos da Terra Santa, utilizados por especial concessão [4].

I. Santuários ligados ao mistério da Encarnação:


II. Santuários ligados à vida pública de Jesus:


III. Santuários ligados ao mistério da Paixão:


IV. Santuários ligados ao mistério da Ressurreição:

“A Terra Santa foi chamada um ‘quinto Evangelho’, porque nela podemos ver, aliás, tocar a realidade da história que Deus realizou com os homens”
(Papa Bento XVI, Regina Coeli de 17 de maio de 2009).

Cruz de Jerusalém
(As pequenas cruzes representam os quatro Evangelhos)

Notas:
[1] ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre o Missal Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 215.
[2] cf. AUGÉ, Matias. Ano Litúrgico: É o próprio Cristo presente na sua Igreja. São Paulo: Paulinas, 2019, pp. 19-55; BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: O ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 42-85.
[3] Peregrinação de Etéria: Liturgia e catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 64.
[4] Segundo as orientações apresentadas em todos os Missais, as Missas votivas do lugar podem ser celebradas em qualquer dia, exceto: no Natal, na Epifania, na Quarta-feira de Cinzas, nos Domingos da Quaresma, na Semana Santa, no Domingo de Páscoa, no II Domingo da Páscoa, na Solenidade da Ascensão do Senhor, no Domingo de Pentecostes, nas Solenidades da Santíssima Trindade e do Corpus Christi e na Comemoração dos Fiéis Defuntos.

2 comentários:

  1. RAFAEL DA COSTA BOLSANEL7 de fevereiro de 2022 às 15:36

    Poderia rezar alguma das missas votivas da terra santa, aqui no brasil, claro com a devida alterção na Eucologia menor?

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    1. Não. A maioria das Missas votivas da Terra Santa, como indicamos nas respectivas postagens, toma os textos das celebrações do Ano Litúrgico: Natal, Páscoa, Pentecostes...
      Como indica o n. 375 da Instrução Geral sobre o Missal Romano (33ª edição): "Não podem ser celebradas como votivas as Missas que se referem as mistérios da vida do Senhor (...), pelo fato de a sua celebração estar unida ao círculo do Ano Litúrgico".

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