“Teu povo será o meu
povo, e o teu Deus será o meu Deus” (Rt 1,16).
Dentro do bloco dos chamados “livros históricos” na Bíblia
cristã, há quatro livros que podem ser definidos como “novelas bíblicas”:
narrativas ou contos sobre diversos aspectos da vida quotidiana, de caráter
didático. São eles: Rute, Ester, Judite e Tobias.
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Rute (Edwin Long) |
1. Breve introdução
ao Livro de Rute
Enquanto na Bíblia Hebraica o
Livro de Rute aparece
entre os Escritos (
Ketubim), na
Bíblia cristã ele se encontra após o
Livro dos Juízes (
Jz), devido ao
primeiro versículo: “
No tempo em que os
juízes governavam...” (
Rt 1,1). Porém,
Rute não faz parte da literatura deuteronomista, à qual pertence
Juízes.
Na tradição hebraica, Rute faz parte dos cinco “Megillot”,
os cinco “rolos” lidos nas principais festas. Por sua referência à colheita e à
fidelidade à aliança, costumava ser lido na Festa das Semanas (Shavuot).
Seu autor (ou autora, dado o protagonismo das mulheres na
obra) é desconhecido. Sua datação também é bastante incerta, embora a maioria
dos estudiosos o situe no período pós-exílico, entre os séculos V e IV a. C.
Nesse período ocorre a reforma de
Esdras e Neemias, que
“fecham” o Judaísmo a influências externas, proibindo casamentos com
estrangeiros. Para alguns estudiosos,
Rute
(assim como
Jonas) seria uma crítica
a essa reforma, colocando uma mulher estrangeira como antepassada do rei Davi.
O Livro de Rute pode ser dividido em quatro “cenas”,
além de um epílogo, cada uma situada em um local:
a) Rt 1,1-22: Em Moab - Noemi retorna a Belém,
acompanhada por Rute;
b) Rt 2,1-23: Nos campos de Belém (dia) - Rute trabalha
no campo de Booz e Noemi trama casá-los;
c) Rt 3,1-18: Nos campos de Belém (noite) - Rute
executa o “plano” de Noemi;
d) Rt 4,1-13a: Na porta da cidade - Casamento de Rute
com Booz;
e) Rt 4,13b-22: Epílogo, incluindo a genealogia de
Davi (vv. 18-22).
A trama pode ser assim resumida: em um período
de fome, uma família natural de Belém (Bet-Lehem,
“casa do pão”) é obrigada a migrar para um país estrangeiro, Moab. Lá os dois filhos
casam-se com mulheres moabitas, mas falecem, assim como seu pai. Noemi, a
viúva, decide então retornar a Belém, sendo acompanhada por uma de suas noras,
Rute, que se nega a abandoná-la (seu nome, com efeito, significa “companheira”
ou “amiga”).
Em Belém, Rute vai trabalhar nos campos de Booz (ou Boaz), parente de
Noemi, a qual arma um “plano” para casá-los. Booz exerce então a função do go’el (traduzido como “redentor” ou “defensor”):
casa-se com Rute para assegurar a continuidade da família e a posse das suas terras.
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Rute e Booz (Julius Schnorr von Carolsfeld) |
Embora Deus não intervenha diretamente na história, embra seja invocado várias vezes, a teologia do livro gira em torno de sua
misericórdia-fidelidade, hesed (Rt
2,20: o Senhor “não cessa de usar de
misericórdia”). Assim como na história de José (Gn 36–50), Deus age
através da Providência, dirigindo silenciosamente os acontecimentos.
Também os personagens mostram misericórdia uns para com os
outros (Rute que não abandona sua sogra, Booz que alimenta Rute) e são
recompensados. O ápice das bênçãos está no dom do filho, Obed, “pai de Jessé, pai de Davi” (Rt
4,17).
Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da
postagem.
2. Leitura litúrgica
do Livro de Rute: Composição
harmônica
Segundo o n. 66 do Elenco
das Leituras da Missa (ELM) são dois os critérios de seleção dos textos para as
celebrações litúrgicas: a composição harmônica, com o texto em harmonia com o
tempo ou festa litúrgica, e a leitura semicontínua, a proclamação dos principais
textos do livro na sequência [1].