Quase concluindo nossa série de postagens sobre os Apóstolos no Ano da Fé, publicamos a catequese do Papa Bento XVI sobre São Mateus, cuja festa celebramos no dia 21 de setembro:
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 30 de Agosto de 2006
Mateus
Queridos irmãos e irmãs!
Prosseguindo a
série de retratos dos doze Apóstolos, que começamos há algumas semanas, hoje
detemo-nos em Mateus. Na verdade, apresentar completamente a sua figura é quase
impossível, porque as notícias que lhe dizem respeito são poucas e
fragmentadas. Mas o que podemos fazer, não é tanto um esboço da sua biografia,
mas ao contrário o perfil que o Evangelho transmite.
Entretanto, ele
está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,15; At 1,13). O seu nome hebraico
significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canônico, que tem o seu
nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara:
"o publicano" (Mt 10,3).
Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que
Jesus chama ao seu seguimento: "Partindo dali, Jesus viu um homem
chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: 'Segue-me!'. Ele levantou-se e seguiu-o" (Mt 9,9). Também Marcos (cf. 2,13-17) e Lucas (cf. 5,27-30)
narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas chamam-no
"Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9,9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio,
conservada aqui em Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos
sobressai um ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede
imediatamente a narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus
em Cafarnaum (cf. Mt 9,1-8; Mc 2,1-12) e é mencionada a proximidade
do Mar da Galileia, isto é, do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2,13-14). Disto pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a
função de cobrador em Cafarnaum, situada precisamente "à beira-mar" (Mt 4,13), onde Jesus era hóspede fixo
na casa de Pedro.
Com base nestas
simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões.
A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo
as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público
pecador. De fato, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro
devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava
também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam
ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez
os Evangelhos falam unitariamente de "publicanos e pecadores" (Mt 9,10; Lc 15,1), de "publicanos e prostitutas" (Mt 21,31). Além disso eles veem nos
publicanos um exemplo de mesquinhez (cf. Mt
5,46: amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu, como
"chefe dos publicanos e rico" (Lc
19,2), enquanto a opinião popular os associava a "ladrões, injustos,
adúlteros" (Lc 18,11). É
ressaltado um primeiro dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém
da própria amizade. Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em
casa de Mateus-Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo fato de ele
frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu
não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2,17).
O bom anúncio do
Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador!
Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao
Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anônimo publicano como
exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto
o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de
impostos... nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito,
dizendo: 'Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador'". E Jesus
comenta: "Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro
não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será
exaltado" (Lc 18,13-14). Na
figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio
paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até
tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os
seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São João
Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na narração
de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão
desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar,
Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca
importância - comenta Crisóstomo - "porque não há nada mais detestável do
que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca" (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A
chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social,
enquanto desempenham o trabalho quotidiano.
Outra reflexão,
que provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde
imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A condensação da
frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto
significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe garantia
uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto.
Evidentemente Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia
perseverar em atividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a
aplicação ao presente: também hoje não é admissível o apego a coisas
incompatíveis com o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas desonestas.
Certa vez Ele disse sem meios-termos: "Se queres ser perfeito, vai,
vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois,
vem e segue-me" (Mt 19,21). Foi
precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste
"levantar-se" é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e
ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, recta, na comunhão
com Jesus.
Por fim,
recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da
paternidade do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo
de Hierápolis na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu
as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como
podia" (em Eusébio de Cesareia, Hist.
eccl. III, 39, 16).
O historiador
Eusébio acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro tinha pregado
aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua
materna o Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a
escrita, junto daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a
sua partida" (
ibid., III, 24,
6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em aramaico, mas
no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa forma, a voz
persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a
anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta mensagem de São
Mateus, meditamo-la sempre de novo para aprender também nós a levantar-nos e a seguir
Jesus com determinação.