quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Fotos da Quarta-feira de Cinzas no Vaticano

Concentração no átrio da Basílica

Procissão penitencial
Ritos iniciais
Bênção ao diácono

Homilia do Papa na Quarta-feira de Cinzas

Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica de São Pedro
Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Venerados Irmãos,
Amados irmãos e irmãs!
Hoje, Quarta-feira de Cinzas, começamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se estende por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a morte. Seguindo a tradição romana, muito antiga, das stationes quaresmais, reunimo-nos hoje para a Celebração da Eucaristia. A referida tradição prevê que a primeira statio tenha lugar na Basílica de Santa Sabina na colina do Aventino. Mas as circunstâncias sugeriram que nos reuníssemos na Basílica Vaticana, atendendo ao elevado número da nossa assembleia que, nesta tarde, se juntou ao redor do Túmulo do Apóstolo Pedro inclusive para pedir a sua intercessão em favor do caminho da Igreja neste momento particular, renovando a nossa fé no Supremo Pastor, Cristo Senhor. Para mim, constitui uma ocasião propícia para agradecer a todos, especialmente aos fiéis da diocese de Roma, no momento em que estou para concluir o meu ministério petrino, e pedir uma especial lembrança na oração.
As Leituras proclamadas oferecem-nos sugestões que somos chamados a fazê-las tornar-se, com a graça de Deus, atitudes e comportamentos concretos nesta Quaresma. A Igreja propõe-nos, em primeiro lugar, o forte apelo que o profeta Joel dirige ao povo de Israel: «Mas agora diz o Senhor, convertei-vos a mim de todo o coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos» (2,12). Começo por sublinhar a expressão «de todo o coração», que significa a partir do centro dos nossos pensamentos e sentimentos, a partir das raízes das nossas decisões, escolhas e ações, com um gesto de liberdade total e radical. Mas, este regresso a Deus é possível? Sim, porque há uma força que não habita no nosso coração, mas emana do próprio coração de Deus. É a força da sua misericórdia. Continua o profeta: «Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia» (v. 13). A conversão ao Senhor é possível como «graça», já que é obra de Deus e fruto da fé que depomos na sua misericórdia. Esta conversão a Deus só se torna realidade concreta na nossa vida, quando a graça do Senhor penetra no nosso íntimo e o abala, dando-nos a força para «rasgar o coração». O mesmo profeta faz ressoar, da parte de Deus, estas palavras: «Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes» (v. 13). Com efeito, também nos nossos dias, muitos estão prontos a «rasgarem as vestes» diante de escândalos e injustiças – naturalmente cometidos por outros – mas poucos parecem dispostos a actuar sobre o seu «coração», a sua consciência e as próprias intenções, deixando que o Senhor transforme, renove e converta.
Além disso, este «convertei-vos a mim de todo o coração» é um apelo que envolve não só o indivíduo, mas também a comunidade. Na primeira Leitura, ouvimos também dizer: «Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada. Reuni o povo, convocai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu leito nupcial» (vv. 15-16). A dimensão comunitária é um elemento essencial na fé e na vida cristã. Cristo veio «para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos» (Jo 11,52). O «nós» da Igreja é a comunidade na qual Jesus nos congrega na unidade (cf. Jo 12,32): a fé é necessariamente eclesial. É importante recordar isto e vivê-lo neste Tempo da Quaresma: cada qual esteja consciente de que não empreende o caminho penitencial sozinho, mas juntamente com muitos irmãos e irmãs, na Igreja.
Por fim, o profeta detém-se na oração dos sacerdotes, os quais, com as lágrimas nos olhos, se dirigem a Deus, dizendo: «Não transformes em ignomínia a tua herança, para que ela não se torne o escárnio dos povos! Porque diriam: “Onde está o seu Deus?”» (v. 17). Esta oração faz-nos refletir sobre a importância que tem o testemunho de fé e de vida cristã de cada um de nós e das nossas comunidades para manifestar o rosto da Igreja; rosto este que, às vezes, fica deturpado. Penso de modo particular nas culpas contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial. Viver a Quaresma numa comunhão eclesial mais intensa e palpável, superando individualismos e rivalidades, é um sinal humilde e precioso para aqueles que estão longe da fé ou são indiferentes.
«Agora é o momento favorável, agora é o dia da salvação» (2Cor 6,2). A urgência com que estas palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto ressoam também para nós é tal que não admite escapatória ou inércia. A repetição do termo «agora» significa que este momento não pode ser desperdiçado, é-nos oferecido como uma ocasião única e irrepetível. E o olhar do Apóstolo concentra-se sobre Cristo cuja vida se caracteriza pela partilha, tendo Ele assumido tudo o que era humano até ao ponto de carregar sobre Si o próprio pecado dos homens. A frase de São Paulo é muito forte: «Deus o fez pecado por nós». Jesus, o inocente, o Santo, «Aquele que não havia conhecido o pecado» (2Cor 5,21), carrega o peso do pecado partilhando com a humanidade o seu resultado: a morte, e morte de cruz. A reconciliação que nos é oferecida teve um preço altíssimo: a cruz erguida no Gólgota, na qual esteve pendurado o Filho de Deus feito homem. Nesta imersão de Deus no sofrimento humano e no abismo do mal, está a raiz da nossa justificação. O «converter-se a Deus de todo o coração» no nosso caminho quaresmal passa através da Cruz, do seguir Cristo pela estrada que conduz ao Calvário, ao dom total de si mesmo. É um caminho onde devemos aprender dia a dia a sair cada vez mais do nosso egoísmo e mesquinhez para dar espaço a Deus que abre e transforma o coração. E São Paulo lembra que o anúncio da Cruz ressoa para nós mediante a pregação da Palavra, da qual o próprio Apóstolo é embaixador; trata-se de um apelo que nos é dirigido para fazermos com que este caminho quaresmal se caracterize por uma escuta mais atenta e assídua da Palavra de Deus, luz que ilumina os nossos passos.
Na página do Evangelho de Mateus, que pertence ao chamado Sermão da Montanha, Jesus faz referência a três práticas fundamentais previstas pela Lei mosaica: a esmola, a oração e o jejum; mas são também indicações tradicionais, no caminho quaresmal, para responder ao convite de «converter-se a Deus de todo o coração». Mas Jesus põe em evidência aquilo que qualifica a autenticidade de cada gesto religioso, dizendo que é a qualidade e a verdade do relacionamento com Deus. Por isso, denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer dar nas vistas, as atitudes que buscam o aplauso e a aprovação. O verdadeiro discípulo não procura servir-se a si mesmo ou ao «público», mas ao seu Senhor com simplicidade e generosidade: «E teu Pai, que vê o oculto, há de recompensar-te» (Mt 6,4.6.18). Então o nosso testemunho será tanto mais incisivo quanto menos procurarmos a nossa glória, cientes de que a recompensa do justo é o próprio Deus, permanecer unido a Ele, aqui nesta terra, no caminho da fé e, no fim vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para sempre (cf. 1Cor 13,12).
Amados irmãos e irmãs, confiantes e alegres comecemos o itinerário quaresmal. Ressoe em nós intensamente o convite à conversão, a «converter-se a Deus de todo o coração», acolhendo a sua graça que faz de nós homens novos, e de uma novidade maravilhosa que é a participação na própria vida de Jesus. Que nenhum de nós fique surdo a este apelo, que nos é dirigido nomeadamente com o rito austero – tão simples e ao mesmo tempo tão sugestivo – da imposição das cinzas, que dentro em breve realizaremos. Acompanha-nos neste tempo a Virgem Maria, Mãe da Igreja e modelo de todo o verdadeiro discípulo do Senhor. Amém!


Fonte: Santa Sé

Catequese do Papa sobre a Quaresma

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
As tentações de Jesus e a conversão para o Reino dos Céus

Queridos irmãos e irmãs,
Como sabeis, decidi… – obrigado pela vossa amizade! – decidi renunciar ao ministério que o Senhor me confiou no dia 19 de abril de 2005. Fi-lo em plena liberdade para o bem da Igreja, depois de ter longamente rezado e ter examinado diante de Deus a minha consciência, bem ciente da gravidade de tal ato mas igualmente ciente de já não ser capaz de desempenhar o ministério petrino com a força que o mesmo exige. Anima-me e ilumina-me a certeza de que a Igreja é de Cristo, o Qual não lhe deixará jamais faltar a sua orientação e a sua solicitude. Agradeço a todos pelo amor e pela oração com que me tendes acompanhado. Obrigado! Nestes dias, não fáceis para mim, senti quase fisicamente a força da oração que me proporciona o amor da Igreja, a vossa oração. Continuai a rezar por mim, pela Igreja, pelo futuro Papa. O Senhor vos guiará.

Amados irmãos e irmãs
Hoje, Quarta-Feira de Cinzas, damos início ao Tempo litúrgico da Quaresma, quarenta dias que nos preparam para a celebração da Santa Páscoa; é um tempo de compromisso particular no nosso caminho espiritual. O número quarenta aparece várias vezes na Sagrada Escritura. De modo particular, como sabemos, ele evoca os quarenta anos durante os quais o povo de Israel peregrinou no deserto: um longo período de formação para se tornar o povo de Deus, mas também um longo período em que a tentação de ser infiel à aliança com o Senhor estava sempre presente. Quarenta foram também os dias de caminho do profeta Elias para chegar ao Monte de Deus, o Horeb; assim como o período que Jesus passou pelo deserto antes de começar a sua vida pública e onde foi tentado pelo diabo. Na Catequese hodierna, gostaria de meditar precisamente sobre este momento da vida terrena do Senhor, que leremos no Evangelho do próximo domingo.
Antes de tudo o deserto, onde Jesus se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem permanece desprovido das ajudas materiais e se encontra diante dos pedidos fundamentais da existência, é impelido a ir ao essencial e, precisamente por isso, é-lhe mais fácil encontrar Deus. Mas o deserto é inclusive o lugar da morte, pois onde não há água também não há vida, e é o lugar da solidão, onde o homem sente mais intensa a tentação. Jesus vai ao deserto, e ali padece a tentação de deixar o caminho indicado pelo Pai para seguir outras veredas, mais fáceis e mundanas (cf. Lc 4,1-13). Assim, Ele assume as nossas tentações, traz consigo a nossa miséria, para vencer o maligno e para nos abrir o caminho rumo a Deus, a senda da conversão.
Meditar sobre as tentações às quais Jesus foi submetido no deserto é um convite para cada um de nós a responder a uma pergunta fundamental: o que conta verdadeiramente na minha vida? Na primeira tentação, o diabo propõe a Jesus que transforme uma pedra em pão, para saciar a fome. Jesus afirma que o homem vive também de pão, mas não  de pão: sem uma resposta à fome de verdade, à fome de Deus, o homem não se pode salvar (cf. vv. 3-4). Na segunda tentação, o diabo propõe a Jesus o caminho do poder: condu-lo para o alto e oferece-lhe o domínio do mundo; mas não é este o caminho de Deus: para Jesus é evidente que não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade e do amor (cf. vv. 5-8). Na terceira tentação, o diabo propõe a Jesus que se lance do pináculo do Templo de Jerusalém para se fazer salvar por Deus mediante os seus anjos, ou seja, que realize algo de sensacional para pôr à prova o próprio Deus; mas a resposta é que Deus não é um objeto ao qual impor as nossas condições: é o Senhor de tudo (cf. vv. 9-12). Qual é o núcleo das três tentações que Jesus sofre? É a proposta de instrumentalizar Deus, de o usar para os próprios interesses, glória e sucesso. E portanto, nomeadamente, de se colocar no lugar de Deus, removendo-o da sua existência e fazendo-o parecer supérfluo. Então, cada um deveria interrogar-se: que lugar tem Deus na minha vida? O Senhor é Ele, ou sou eu?
Superar as tentações de submeter Deus a nós mesmos e aos nossos interesses, ou de o pôr num canto, e converter-se à justa ordem de prioridades, reservar a Deus o primeiro lugar, é um caminho que cada cristão deve percorrer sempre de novo. «Converter-se», um convite que ouviremos muitas vezes na Quaresma, significa seguir Jesus de modo que o seu Evangelho seja guia concreta da vida; quer dizer deixar que Deus nos transforme, deixar de pensar que nós somos os únicos construtores da nossa existência; significa reconhecer que somos criaturas, que dependemos de Deus, do seu amor, e que só «perdendo» a nossa vida nele podemos ganhá-la. Isto exige que façamos as nossas escolhas à luz da Palavra de Deus. Hoje não podemos continuar a ser cristãos como uma simples consequência do fato de vivermos numa sociedade que tem raízes cristãs: até quem nasce de uma família cristã e é educado religiosamente deve, todos os dias, renovar a escolha de ser cristão, ou seja, reservar a Deus o primeiro lugar, diante das tentações que uma cultura secularizada lhe propõe continuamente, diante do juízo crítico de muitos contemporâneos.
Com efeito, as provações às quais a sociedade atual submete o cristão são numerosas, e dizem respeito à sua vida pessoal e social. Não é fácil ser fiel ao matrimónio cristão, praticar a misericórdia na vida quotidiana, dar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se publicamente a escolhas que muitos consideram óbvias, como o aborto em caso de gravidez indesejada, a eutanásia em caso de doenças graves, ou a seleção dos embriões para prevenir enfermidades hereditárias. A tentação de pôr de lado a própria fé está sempre presente e a conversão torna-se uma resposta a Deus, que deve ser confirmada muitas vezes na vida.
São exemplo e estímulo as grandes conversões, como a de são Paulo no caminho de Damasco, ou de santo Agostinho, mas também na nossa época de eclipse do sentido do sagrado, a graça de Deus está em ação e realiza maravilhas na vida de muitas pessoas. O Senhor não se cansa de bater à porta do homem em contextos sociais e culturais que parecem absorvidos pela secularização, como aconteceu com o russo ortodoxo Pavel Florensky. Depois de uma educação completamente agnóstica, a ponto de sentir verdadeira hostilidade pelos ensinamentos religiosos recebidos na escola, o cientista Florensky exclamou: «Não, não se pode viver sem Deus!», e muda completamente a sua vida, a ponto de se tornar monge.
Penso também na figura de Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judaica, que morrerá em Auschwitz. Inicialmente distante de Deus, descobre-o olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve: «Dentro de mim existe um poço muito profundo. E naquele poço está Deus. Às vezes consigo alcançá-lo, mas na maioria das vezes está coberto por pedras e areia: então Deus está sepultado. É necessário que eu o volte a desenterrar» (Diário, 97). Na sua vida dispersa e inquieta, ela encontra Deus precisamente no meio da grande tragédia de Novecentos, o Shoah. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, transforma-se numa mulher cheia de amor e de paz interior, capaz de afirmar: «Vivo constantemente em intimidade com Deus».
A capacidade de se opor às adulações ideológicas do seu tempo, para escolher a busca da verdade e para se abrir à descoberta da fé é testemunhada por outra mulher da nossa época, a estadunidense Dorothy Day. Na sua autobiografia, confessa abertamente que caiu na tentação de resolver tudo com a política, aderindo à proposta marxista: «Eu queria sair com os manifestantes, ir para a prisão, escrever, influenciar os outros e deixar o meu sonho ao mundo. Quanta ambição e quanta busca de mim mesma havia em tudo isto!». O caminho rumo à fé num ambiente tão secularizado era particularmente difícil, mas a Graça age sempre, como ela mesma sublinha: «Sem dúvida, eu sentia com mais frequência a necessidade de ir à igreja, de me ajoelhar, de inclinar a cabeça em oração. Um instinto cego, poder-se-ia dizer, porque eu não estava consciente de rezar. Mas eu ía, inseria-me na atmosfera de oração...». Deus levou-a a uma adesão consciente à Igreja, numa vida dedicada aos deserdados.
Na nossa época não são poucas as conversões entendidas como o retorno de quem, depois de uma educação cristã talvez superficial, se afasta da fé durante anos e depois volta a descobrir Cristo e o seu Evangelho. No Livro do Apocalipse lemos: «Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo» (3,20). O nosso homem interior deve preparar-se para ser visitado por Deus, e precisamente por isso não deve deixar-se invadir pelas ilusões, pelas aparências e pelas coisas materiais.
Neste Tempo de Quaresma, no Ano da fé, renovemos o nosso compromisso no caminho de conversão, para superar a tendência de nos fecharmos em nós mesmos e para reservar, ao contrário, espaço a Deus, contemplando com os seus olhos a realidade quotidiana. A alternativa entre o fechamento do nosso egoísmo e a abertura ao amor a Deus e ao próximo, poderíamos dizer que corresponde à alternativa das tentações de Jesus: ou seja, alternativa entre poder humano e amor pela Cruz, entre uma redenção vista unicamente no bem-estar material e uma redenção como obra de Deus, na qual reservamos o primado na existência. Converter-se significa não se fechar na busca do próprio sucesso, prestígio e posição, mas fazer com que cada dia, nas pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor se tornem o mais importante.


Fonte: Santa Sé

Orientações litúrgicas para o período de Sede Vacante

Amanhã, dia 28 de fevereiro, às 20h do horário de Roma (às 16h do horário de Brasília), se tornará oficial a renúncia do Santo Padre, o Papa Bento XVI, ao Ministério Petrino de Bispo de Roma. A partir deste momento, a Igreja entra no período de Sede Vacante (expressão latina para “cadeira vazia”), durante o qual algumas orientações litúrgicas devem ser observadas.


A menção do nome do Papa na Oração Eucarística
A intercessão pela Igreja na Oração Eucarística busca estabelecer uma comunhão com a Igreja Universal, rezando-se pelo Bispo de Roma, e com a Igreja particular, rezando pelo Bispo Diocesano.

Embora o Missal Romano utilizado atualmente não mencione abertamente o caso da Sede Vacante, no Missale Romanum de 1962, ainda vigente para a Forma Extraordinária, a questão apresenta-se muito clara: omite-se a memória do Papa.

Não se deve rezar pelo Colégio dos Cardeais ou pelo Camerlengo, porque nenhum deles governa de fato a Igreja de Roma, apenas a administram até a eleição do novo Papa. Portanto, omitimos a oração pelo Papa e rezamos única e exclusivamente pelo Bispo Diocesano.

Assim, as Orações Eucarísticas I a IV (utilizadas em todo o mundo) são rezadas a partir do dia 28 da seguinte forma:

Oração Eucarística I (Cânon Romano): “Nós as oferecemos também por nosso bispo N. e por todos os que guardam a fé que receberam dos Apóstolos”.

Oração Eucarística II: “Lembrai-vos, ó Pai, da vossa Igreja que se faz presente pelo mundo inteiro: que ela cresça na caridade com o nosso bispo N. e todos os ministros do vosso povo”.

Oração Eucarística III: Confirmai na fé e na caridade a vossa Igreja, enquanto caminha neste mundo: o nosso bispo N. com os bispos do mundo inteiro, o clero e todo o povo que conquistastes”.

Oração Eucarística IV: “E agora, ó Pai, lembrai-vos de todos pelos quais vos oferecemos este sacrifício: o nosso bispo N., os bispos do mundo inteiro, os presbíteros e todos os ministros, os fiéis que, em torno deste altar, vos oferecem este sacrifício, o povo que vos pertence e todos aqueles que vos procuram de coração sincero”.

No caso da diocese de Roma (na qual o Bispo Diocesano é o próprio Papa) e de alguma diocese que porventura esteja igualmente vacante, omitem-se as duas invocações: a do Papa e a do Bispo Diocesano:

Oração Eucarística I (Cânon Romano): “Nós as oferecemos também todos os que guardam a fé que receberam dos Apóstolos”.

Oração Eucarística II: “Lembrai-vos, ó Pai, da vossa Igreja que se faz presente pelo mundo inteiro: que ela cresça na caridade com todos os ministros do vosso povo”.

Oração Eucarística III: Confirmai na fé e na caridade a vossa Igreja, enquanto caminham neste mundo os bispos do mundo inteiro, o clero e todo o povo que conquistastes”.

Oração Eucarística IV: “E agora, ó Pai, lembrai-vos de todos pelos quais vos oferecemos este sacrifício: os bispos do mundo inteiro, os presbíteros e todos os ministros, os fiéis que, em torno deste altar, vos oferecem este sacrifício, o povo que vos pertence e todos aqueles que vos procuram de coração sincero”.

Ao ser eleito um novo Papa, seu nome passa a ser invocado na Oração Eucarística a partir do momento do seu anúncio público, feito pelo Cardeal Protodiácono.


Durante todo o período de Sede Vacante, o nome do Papa é omitido igualmente na Bênção do Santíssimo Sacramento, na oração pela Igreja e pela pátria:

Deus e Senhor nosso, protegei a vossa Igreja, dai-lhe santos pastores e dignos ministros. Derramai as vossas bênçãos sobre o nosso (Arce)Bispo (e seu Bispo Auxiliar/ Bispos Auxiliares)...”

Se porventura na Sexta-feira da Semana Santa a Sé ainda estiver vacante, omite-se na Oração Universal da Ação Litúrgica da Paixão a segunda invocação: pelo Papa.

A Missa “pela eleição do Papa”
No Missal Romano, dentre as Missas para diversas necessidades, há um formulário intitulado “Para a eleição do Papa ou Bispo”. Esta Missa é chamada em latim de “Pro eligendo Romano Pontifice” e é sempre celebrada pelo Decano do Colégio dos Cardeais imediatamente antes do início do conclave.


Em nossas comunidades, é vivamente recomendado que se celebre a Santa Missa utilizando-se deste formulário, uma ou mais vezes, durante a Sede Vacante. Contudo, para esta celebração deve-se observar as normas litúrgicas do Calendário Romano:

Proibida: Nas solenidades, nos domingos do Advento, da Quaresma e da Páscoa, na Oitava Pascal, na Comemoração dos Fieis Defuntos, na Quarta-feira de Cinzas e na Semana Santa.

Permitida apenas com autorização do Bispo Diocesano: Nos domingos do Natal e do Tempo Comum, nas festas, nos dias de semana do Advento de 17 a 24 de Dezembro, na oitava do Natal e nos dias de semana da Quaresma.

Permitida, a juízo do sacerdote: Nas memórias obrigatórias, nos dias de semana do Advento até 16 de Dezembro, nos dias de semana do tempo do Natal e do Tempo Pascal.

Sempre permitida: Nos dias de semana do Tempo Comum.

Como estamos no tempo litúrgico da Quaresma, a Missa pela eleição do Papa só pode ser celebrada nos dias de semana, com autorização do Bispo Diocesano. Não obstante, podemos utilizar seu rico formulário para nossa oração pessoal ou para uma intenção da Oração dos Fieis:

Antífona de entrada (1 Sm 2, 35)
Farei surgir um sacerdote fiel, que agirá segundo o meu coração e minha vontade. Eu lhe darei uma casa que permaneça para sempre e ele caminhará na minha presença todos os dias.

Oração do dia
Ó Deus, pastor eternos, que governais o vosso rebanho com solicitude constante, no vosso amor de Pai concedei à Igreja um pastor que vos agrade pela virtude e que vele solícito sobre nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Sobre as oferendas
Ó Deus, sede compassivo para conosco, e dai-nos, pelas oferendas que vos apresentamos, a alegria de ver à frente de vossa Igreja um pastor do vosso agrado. Por Cristo, nosso Senhor.

Antífona da comunhão (Jo 15, 16)
Fui eu que vos escolhi e enviei para produzirdes fruto, e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor.

Depois da comunhão
Refeitos, ó Deus, pelo sacramento do corpo e do sangue de vosso Filho, dai-nos a alegria de possuir um pastor que dirija o vosso povo no caminho da virtude e faça penetrar em seu coração a verdade do evangelho. Por Cristo, nosso Senhor.

Para saber mais, ouça a vídeo-aula do Pe. Paulo Ricardo:


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Fotos da Quarta-feira de Cinzas no Butiatuvinha

No último dia 13 de Fevereiro o Revmo. Pe. Elmo Heck presidiu a Celebração Eucarística na Quarta-feira de Cinzas, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Butiatuvinha.

Procissão de entrada

Incensação do altar
Incensação da cruz
Oração do dia

Ordenação Sacerdotal na Forma Extraordinária

No último dia 03 de Fevereiro Dom Fernando Areas Rifan, Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, com sede em Campos dos Goytacazes (RJ), celebrou a Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano por ocasião do Domingo da Sexagésima, durante a qual conferiu a Ordem Sacerdotal ao Diácono Rafael Scolaro, natural de Curitiba.

Seguem algumas fotos da celebração, disponíveis no blog Salvem a Liturgia:

Diác. Rafael Scolaro

Ladainha de Todos os Santos

Imposição das mãos

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Fotos do Consistório no qual o Papa apresentou sua renúncia

Santo Padre Papa Bento XVI


Cardeais
O Santo Padre anuncia sua renúncia

Domingo do Perdão no Rito Bizantino

No último dia 10 de fevereiro o Arquimandrita João Carlos Teodoro celebrou a Divina Liturgia de São Basílio Magno na Paróquia Greco-Melquita São Jorge em Juiz de Fora (MG) por ocasião do Domingo do Perdão, que antecede a Grande Quaresma.

Antes da celebração, o sacerdote e os fieis pedem-se perdão mutuamente. Destacamos o resgate dos paramentos roxos, próprios para os Domingos da Grande Quaresma no Rito Bizantino.

Seguem algumas fotos, publicadas no blog Luz do Oriente:

Sagradas Alfaias no Altar da Preparação
Iconostase e porskinetárion
Pedido de perdão antes da Divina Liturgia


Nota de Falecimento: Cardeal Julien Ries

Faleceu no dia de hoje, 23 de fevereiro de 2013, na cidade de Tournai (Bélgica), aos 92 anos de idade, o Cardeal Julien Ries.


Julien Ries nasceu no dia 19 de Abril de 1920 em Fouches, Bélgica, e foi ordenado sacerdote em 12 de agosto de 1945. Durante muitos anos lecionou História das Religiões na Universidade de Louvaine (Bélgica). É considerado o maior estudioso de Antropologia Religiosa da contemporaneidade.

No dia 18 de fevereiro de 2012, o Papa Bento XVI o elevou ao cardinalato, sob o título diaconal de Santo Antônio de Pádua. Ao ser anunciada sua nomeação, era ainda presbítero, tendo recebido a ordenação episcopal uma semana antes do consistório.


"Dai-lhe Senhor o descanso eterno. E a luz perpétua o ilumine.
Que descanse em paz. Amém."

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Fotos da Lectio Divina do Papa com os Seminaristas

Chegada do Santo Padre

Oração diante do sacrário

Entrada

Lectio Divina do Papa com os Seminaristas de Roma

Visita ao Seminário Maior Romano na Festa de Nossa Senhora da Confiança
"Lectio Divina" do Papa Bento XVI
Capela do Seminário
Sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Eminência

Queridos Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Estimados amigos!
É para mim todos os anos uma grande alegria estar aqui convosco, ver tantos jovens que caminham para o sacerdócio, que estão atentos à voz do Senhor, que querem seguir esta voz e procuram o caminho para servir o Senhor neste nosso tempo.
Ouvimos três versículos da Primeira Carta de São Pedro (cf. 1,3-5). Antes de entrar neste texto, parece-me importante precisamente estar atento ao fato de que é Pedro quem fala. As duas primeiras palavras da Carta são «Petrus apostolus» (cf. v. 1): ele fala, e fala às Igrejas na Ásia e chama os fiéis «eleitos e estrangeiros dispersos» (ibidem). Reflitamos um pouco sobre isto. Pedro fala, e fala - como se ouve no final da Carta - de Roma, que chamou «Babilônia» (cf. 5, 13). Pedro fala: quase uma primeira encíclica, com a qual o primeiro apóstolo, vigário de Cristo, fala à Igreja de todos os tempos.
Pedro, apóstolo. Por conseguinte, fala aquele que encontrou em Cristo Jesus o Messias de Deus, o primeiro que falou em nome da Igreja futura: «Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo» (cf. Mt 16,16). Fala aquele que nos introduziu nesta fé. Fala aquele ao qual o Senhor disse: «Entrego-te as chaves do reino dos céus» (cf. Jo 16,19), ao qual confiou o seu rebanho depois da Ressurreição, dizendo-lhe três vezes: «Apascenta o meu rebanho, as minhas ovelhas» (cf. Jo 21,15-17). Fala também o homem que caiu, que negou Jesus e que teve a graça de ver o olhar de Jesus, de ser tocado no seu coração e ter encontrado o perdão e a renovação da sua missão. Mas é sobretudo importante que este homem, cheio de paixão, de amor a Deus, de desejo do reino de Deus, do Messias, que este homem que encontrou Jesus, o Senhor e o Messias, é também o homem que pecou, caiu, e contudo permaneceu sob o olhar do Senhor e assim permanece responsável pela Igreja de Deus, permanece encarregado por Cristo, portador do seu amor.
Fala Pedro, o apóstolo, mas os exegetas dizem-nos: não é possível que esta Carta seja de Pedro, porque o grego é tão bom que não pode ser o grego de um pescador do lago da Galileia. E não só a linguagem, a estrutura da língua é ótima, mas também o pensamento é já bastante maduro, há já fórmulas concretas nas quais se condensam a fé e a reflexão da Igreja. Por conseguinte, eles dizem: é já um estádio de desenvolvimento que não pode ser o de Pedro. Como responder? Há duas posições importantes: primeira, o próprio Pedro - ou seja a Carta - dá-nos uma chave porque no final do texto diz: Escrevo-vos através de Silvano – dia Silvano». Este através [dia] pode significar várias coisas: pode significar que ele [Silvano] transporta, transmite; pode significar que ele ajudou na redação; pode querer dizer que realmente ele foi o escritor concreto. Contudo, podemos concluir que a própria Carta nos indica que Pedro não escreveu esta Carta sozinho, mas expressa a fé de uma Igreja que já está a caminho da fé, uma fé cada vez mais madura. Não escreve sozinho, indivíduo isolado, escreve com o apoio da Igreja, das pessoas que ajudam a aprofundar a fé, a entrar na profundidade do seu pensamento, da sua racionalidade, da sua profundidade. E isto é muito importante: não fala Pedro como indivíduo, fala ex persona Ecclesiae, fala como homem da Igreja, certamente como pessoa, com a sua responsabilidade pessoal, mas também como pessoa que fala em nome da Igreja: não só ideias pessoais, não como um génio do século XIX que pretendia expressar só ideias suas, originais, que antes ninguém teria podido ouvir. Não fala como génio individualista, mas fala precisamente na comunhão da Igreja. No Apocalipse, na visão inicial de Cristo é dito que a voz de Cristo é a voz de muitas águas (cf. Ap 1,15). Isto significa: a voz de Cristo reúne todas as águas do mundo, traz em si todas as águas vivas que dão vida ao mundo; é Pessoa, mas é precisamente esta a grandeza do Senhor, que traz em si todo o rio do Antigo Testamento, aliás, da sabedoria dos povos. E tudo o que aqui é dito sobre o Senhor é válido, de outra forma, também para o apóstolo, que não quer dizer uma palavra só sua, mas traz em si realmente as águas da fé, as águas de toda a Igreja, e precisamente assim dá fertilidade, dá fecundidade e deste modo é uma testemunha pessoal que se abre ao Senhor, e assim se torna aberto e vasto. Portanto, isto é importante.
Depois, parece-me também importante que nesta conclusão da Carta são mencionados Silvano e Marcos, duas pessoas que pertencem também às amizades de são Paulo. Assim, através desta conclusão, os mundos de são Pedro e de são Paulo caminham juntos: não é uma teologia exclusivamente petrina contra uma teologia paulina, mas é uma teologia da Igreja, da fé da Igreja, na qual há diversidade - sem dúvida - de temperamento, de pensamento, de estilo no falar entre Paulo e Pedro. É bom que haja esta diversidade, também hoje, de diversos carismas, de vários temperamentos, mas contudo não são contrastantes e unem-se na fé comum.
Gostaria de dizer ainda uma coisa: são Pedro escreve de Roma. É importante: aqui temos já o Bispo de Roma, temos o início da sucessão, temos já o início da primazia concreta colocada em Roma, não só entregue pelo Senhor, mas aqui colocada, nesta cidade, nesta capital do mundo. Como veio Pedro para Roma? Esta é uma pergunta séria. Os Atos dos Apóstolos narram que, depois da sua fuga da prisão de Herodes, foi para outro lugar (cf. 12,17) - eis eteron topon - não se sabe para onde; alguns dizem Antioquia, outros Roma. Contudo, neste capítulo, deve-se dizer também que, antes de fugir, confiou a Igreja judaico-cristã, a Igreja de Jerusalém, a Tiago e, ao confiá-la a Tiago, ele permanece contudo Primaz da Igreja universal, da Igreja dos pagãos, mas também da Igreja judaico-cristã. Os liturgistas dizem-nos que no Cânone romano se encontram vestígios de uma linguagem tipicamente judaico-cristã; assim vemos que em Roma se encontram ambas as partes da Igreja; a judaico-cristã e a pagã-cristã, unidas, expressão da Igreja universal. E certamente para Pedro a passagem de Jerusalém para Roma é a passagem para a universalidade da Igreja, a passagem para a Igreja dos pagãos e de todos os tempos, para a Igreja também sempre dos judeus. E penso que, vindo para Roma, são Pedro não só pensou nesta passagem: Jerusalém/Roma, Igreja judaico-cristã/Igreja universal. Certamente recordou-se também das últimas palavras que Jesus lhe dirigiu, escritas por são João: «No fim, tu irás para onde não queres. Cingir-te-ão, estenderão as tuas mãos» (cf. Jo 21,18). É uma profecia da crucifixão. Os filólogos mostram-nos que é uma expressão clara, técnica, este «estender as mãos», para a crucifixão. São Pedro sabia que o seu fim teria sido o martírio, a cruz. Por conseguinte, vindo para Roma certamente vinha também para o martírio: na Babilónia esperava-o o martírio. Portanto, a primazia tem este conteúdo da universalidade, mas também um conteúdo martirológico. Desde o início, Roma é também lugar do martírio. Vindo para Roma, Pedro aceita de novo esta palavra do Senhor: vai ao encontro da Cruz, e convida-nos a aceitar também nós o aspecto martirológico do cristianismo, que pode ter formas muito diversas. E a cruz pode ter formas muito diversas, mas ninguém pode ser cristão sem seguir o Crucificado, sem aceitar também o momento martirológico.
Depois destas palavras sobre o remetente, uma breve palavra também sobre as pessoas às quais é escrito. Já disse que são Pedro define aqueles aos quais escreve com as palavras «eklektois parepidemois», «aos eleitos que são estrangeiros dispersos» (cf. 1Pd 1,1). Temos de novo este paradoxo de glória e cruz: eleitos, mas dispersos e estrangeiros. Eleitos: este era o título de glória de Israel: nós somos os eleitos, Deus escolheu este pequeno povo não porque somos grandes - diz o Deuteronômio - mas porque Ele nos ama (cf. 7,7-8). Somos eleitos: isto, agora são Pedro transfere-o para todos os batizados, e precisamente o conteúdo dos capítulos iniciais da sua Primeira Carta diz que os batizados entram nos privilégios de Israel, são o novo Israel. Eleitos: parece-me que vale a pena refletir sobre estas palavras. Somos eleitos. Deus conheceu-nos desde sempre, antes do nosso nascimento, da nossa concepção; Deus quis-me cristão, católico, quis-me sacerdote. Deus pensou em mim, procurou-me entre milhões, entre muitos, viu-me e elegeu-me, não pelos meus merecimentos que não existiam, mas pela sua vontade; quis que eu fosse portador da sua eleição, que é sempre também missão, sobretudo missão, e responsabilidade pelos outros. Eleitos: devemos estar gratos e jubilosos por este fato. Deus pensou em mim, escolheu-me como católico, como portador do seu Evangelho, como sacerdote. Parece-me que vale a pena refletir diversas vezes sobre isto, e entrar de novo neste facto da sua eleição: elegeu-me, quis-me; agora eu respondo.
Talvez hoje sejamos tentados a dizer: não queremos ser jubilosos por termos sido eleitos, seria triunfalismo. Seria triunfalismo se pensássemos que Deus me elegeu porque eu já sou tão grande. Isto seria realmente triunfalismo errado. Mas estar alegre porque Deus me quis não é triunfalismo, é gratidão, e penso que devemos reaprender esta alegria: Deus quis que eu nascesse assim, numa família católica, que conhecesse Jesus desde o início. Que dom ser querido por Deus, de modo que pude conhecer o seu rosto, que pude conhecer Jesus Cristo, o rosto humano de Deus, a história humana de Deus neste mundo! Sentir-se jubiloso porque me elegeu para ser católico, para estar nesta sua Igreja, onde subsistit Ecclesia unica; devemos ser jubilosos porque Deus me concedeu esta graça, esta beleza de conhecer a plenitude da verdade de Deus, a alegria do seu amor.
Eleitos: uma palavra de privilégio e de humildade ao mesmo tempo. Mas «eleitos» está - como dizia - acompanhado de «parapidemois», dispersos, estrangeiros. Como cristãos, estamos dispersos e somos estrangeiros: vemos que hoje no mundo os cristãos são o grupo mais perseguido porque não se conforma, porque é um estímulo, porque é contrário às tendências do egoísmo, do materialismo, de todas estas coisas.
Certamente, os cristãos são não só estrangeiros; são também nações cristãs, são orgulhosos de ter contribuído para a formação da cultura; há um patriotismo sadio, uma alegria sadia de pertencer a uma nação que tem uma grande história de cultura, de fé. Contudo, como cristãos, somos sempre também estrangeiros - o destino de Abraão, descrito na Carta aos Hebreus. Somos, como cristãos, precisamente hoje, também sempre estrangeiros. Nos lugares de trabalho os cristãos são uma minoria, encontram-se numa situação de estraneidade; é de admirar que hoje ainda se possa crer e viver assim. Isto pertence também à nossa vida: é a forma de ser com Cristo Crucificado; este ser estrangeiros, não vivendo segundo o modo no qual todos vivem, mas vivendo - ou pelo menos procurando viver - segundo a sua Palavra, numa grande diversidade em relação a quanto todos dizem. E precisamente isto para os cristãos é característico... Todos dizem: «Mas todos fazem assim, por que não eu?» Não, eu não, porque quero viver segundo Deus. Santo Agostinho disse: «Os cristãos são aqueles que não têm as raízes para baixo como as árvores, mas têm as raízes para cima, e vivem esta gravitação não na gravitação natural para baixo». Rezemos ao Senhor para que nos ajude a aceitar esta missão de viver como dispersos, como minoria, num certo sentido; de viver como estrangeiros e contudo ser responsáveis pelos outros e, precisamente assim, dando força ao bem no nosso mundo.
Chegamos finalmente aos três versículos de hoje. Gostaria apenas de frisar, ou digamos interpretar um pouco, na medida do possível, três palavras: a palavra regenerados, a palavra herança e a palavra preservados pela féRegenerados - anaghennesas, diz o texto grego - significa: ser cristão não é simplesmente uma decisão da minha vontade, uma minha ideia; vejo que é um grupo que me agrada, torno-me membro deste grupo, partilho os seus objetivos, etc. Não: ser cristão não é entrar num grupo para fazer algo, mas é unicamente um ato da minha vontade, não primariamente da minha vontade, da minha razão: é um ato de Deus. Regenerado não se refere só à esfera da vontade, do pensar, mas à esfera do ser. Renasci: isto significa que tornar-se cristão é antes de tudo passivo; eu não me posso tornar cristão, mas sou feito renascer, sou refeito pelo Senhor na profundidade do meu ser. E eu entro neste processo do renascer, deixo-me transformar, renovar, regenerar. Isto parece-me muito importante: como cristão não me faço só uma ideia minha que partilho com alguns, e quando já não me agradam posso sair. Não: concerne precisamente a profundidade do ser, ou seja, o tornar-se cristão começa com uma ação de Deus, sobretudo uma sua ação, e eu deixo-me formar e transformar.
Parece-me que é matéria de reflexão, precisamente num ano no qual refletimos sobre os Sacramentos da Iniciação cristã, meditar isto: este passivo e ativo profundo do ser regenerado, do tornar-se de toda uma vida cristã, do deixar-me transformar pela sua Palavra, para a comunhão da Igreja, para a vida da Igreja, para os sinais com os quais o Senhor realiza em mim, comigo e para mim. E renascer, ser regenerado, indica também que deste modo entro numa família nova: Deus, meu Pai, a Igreja, minha Mãe, os outros cristãos, meus irmãos e irmãs. Por conseguinte, ser regenerado, deixar-se regenerar implica portanto também este deixar-se voluntariamente inserir nesta família, viver para Deus Pai e de Deus Pai, viver da comunhão com Cristo seu Filho, que me regenera pela sua Ressurreição, como diz a Carta (cf. 1Pd 1,3), viver com a Igreja deixando-me formar pela Igreja em tantos sentidos, em muitos caminhos, e estar aberto aos meus irmãos, reconhecer nos outros realmente os meus irmãos, que comigo são regenerados, transformados, renovados; um tem responsabilidade pelo outro. Portanto, uma responsabilidade do Baptismo que é um processo de toda uma vida.
Segunda palavra: herança. É um termo muito importante no Antigo Testamento, onde é dito a Abraão que a sua semente será herdeira da terra, e esta foi sempre a promessa para os seus: tereis a terra, sereis herdeiros da terra. No Novo Testamento, torna-se palavra para nós: nós somos herdeiros, não de um determinado país, mas da terra de Deus, do futuro de Deus. Herança é algo do futuro, e assim esta palavra diz sobretudo que como cristãos temos o futuro: o futuro é nosso, o futuro é de Deus. E assim, sendo cristãos, sabemos que é nosso o futuro e a árvore da Igreja não é moribunda, mas a árvore que cresce sempre de novo. Portanto, temos motivos para não nos deixarmos impressionar - como disse o Papa João XXIII - pelos profetas de desventura, que dizem: a Igreja, bem, é uma árvore que veio da semente de mostarda, que cresceu em dois milénios, agora tem o tempo atrás de si, agora chegou o tempo no qual morre». Não. A Igreja renova-se sempre, renasce sempre. O futuro é nosso. Naturalmente, há um falso optimismo e um falso pessimismo. Um falso pessimismo que diz: o tempo do cristianismo acabou. Não: começa de novo! O falso optimismo era do pós-Concílio, quando os conventos fechavam, os seminários fechavam, e diziam: mas... nada, tudo corre bem... Não! Nem tudo corre bem. Há também quedas graves, perigosas, e devemos reconhecer com realismo sadio que assim não pode ser onde se fazem coisas erradas. Mas ter também a certeza, ao mesmo tempo, de que se aqui e ali a Igreja morre por causa dos pecados dos homens, por causa da sua não crença, ao mesmo tempo, nasce de novo. O futuro é realmente de Deus: esta é a grande certeza da nossa vida, o grande, verdadeiro optimismo que sabemos. A Igreja é a árvore de Deus que vive eternamente e traz consigo a eternidade e a verdadeira herança: a vida eterna.
E, por fim, preservados pela fé. O texto do Novo Testamento, da Carta de são Pedro, usa aqui uma palavra rara, phrouroumenoi, que significa: há os «vigilantes», e a fé é como o «vigilante» que preserva a integridade do meu ser, da minha fé. Esta palavra interpreta sobretudo os «vigilantes» das portas de uma cidade, onde eles estão e vigiam a cidade, para que não seja invadida por poderes de destruição. Assim a fé é «vigilante» do meu ser, da minha vida, da minha herança. Devemos estar gratos por esta vigilância da fé que nos protege, ajuda, guia, dá segurança: Deus não me deixa cair das suas mãos. Preservados pela fé: assim concluo. Falando da fé devo pensar sempre naquela mulher sírio-fenícia doente que, no meio da multidão, encontra acesso a Jesus, toca nele para ser curada, e é curada. O Senhor diz: «Quem me tocou?». Respondem-lhe: «Senhor, todos te tocam, como podes perguntar: quem me tocou?» (cf. Mc 7,24-30). Mas o Senhor sabe: há um modo de o tocar, superficial, exterior, que realmente nada tem a ver com um verdadeiro encontro com Ele. E há um modo de o tocar profundamente. E esta mulher tocou deveras nele: tocou não só com a mão, mas com o seu coração e deste modo recebeu a força curadora de Cristo, tocando-o realmente do interior, da fé. Esta é a fé: tocar Cristo com a mão da fé, com o nosso coração e, deste modo, entrar na força da sua vida, na força curadora do Senhor. E rezemos ao Senhor para que o possamos tocar cada vez mais de modo a sermos curados. Rezemos para que não nos deixe cair, que nos guie sempre pela mão e deste modo nos preserve para a vida verdadeira. Obrigado!


Fonte: Santa Sé

Catequese do Papa: Criador do céu e da terra

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
Ano da Fé (16): Criador do Céu e da terra, Criador do ser humano

Queridos irmãos e irmãs,
Credo, que começa qualificando Deus como «Pai Todo-Poderoso», como pudemos meditar na semana passada, acrescenta em seguida que Ele é o «Criador do céu e da terra», e assim retoma a afirmação com a qual Bíblia começa. Com efeito, no primeiro versículo da Sagrada Escritura lê-se: «No princípio Deus criou o céu e a terra» (Gn 1,1): Deus é a origem de todas as coisas, e é na beleza da criação que se manifesta a sua omnipotência de Pai que ama.
Deus manifesta-se como Pai na criação, enquanto origem da vida e, ao criar, demonstra a sua omnipotência. As imagens utilizadas pela Sagrada Escritura a este propósito são muito sugestivas (cf. Is 40,12; 45,18; 48,13; Sl 104,2.5; 135,7; Pr 8,27-29;  38-39). Como Pai bom e poderoso, o Pai cuida daquilo que criou com um amor e uma fidelidade que nunca esmorecem, como recordam reiteradamente os Salmos (cf. Sl 57,11; 108,5; 36,6). Assim, a criação torna-se um lugar onde conhecer e reconhecer a omnipotência do Senhor e a sua bondade, tornando-se apelo à nossa fé, de nós crentes, para que proclamemos Deus como Criador. «Pela fé - escreve o autor da Carta aos Hebreus - nós reconhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível» (11,3). Portanto, a fé exige que saibamos reconhecer o invisível, reconhecendo os seus vestígios no mundo visível. O crente pode ler o grande livro da natureza e compreender a sua linguagem (cf. Sl 19,2-5); mas é necessária a Palavra de revelação, que suscita a fé, para que o homem possa chegar à plena consciência da realidade de Deus como Criador e Pai. É no livro da Sagrada Escritura que a inteligência humana pode encontrar, à luz da fé, a chave de interpretação para compreender o mundo. Em particular, ocupa um lugar especial o primeiro capítulo do Génesis, com a apresentação solene da obra criadora divina, que se desenvolve ao longo de sete dias: em seis dias Deus completa a criação, e no sétimo, o sábado, cessa todas as atividades e descansa. Dia de liberdade para todos, dia da comunhão com Deus. E assim, com esta imagem, o livro do Génesis indica-nos que o primeiro pensamento de Deus consistia em encontrar um amor que corresponda ao seu amor. Depois, o segundo pensamento consiste em criar um mundo material onde inserir este amor, estas criaturas que lhe respondem livremente. Por conseguinte, tal estrutura faz com que o texto seja cadenciado por algumas repetições significativas. Por exemplo, é repetida seis vezes esta frase: «Deus viu que isso era bom» (vv. 4.10.12.18.21.25), para concluir, na sétima vez, depois da criação do homem: «Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom» (v. 31). Tudo o que Deus cria é belo e bom, repleto de sabedoria e de amor; o gesto criador de Deus traz ordem, incute harmonia e confere beleza. Além disso, na narração do Gênesis sobressai que o Senhor cria com a sua palavra: no texto lê-se dez vezes a expressão «Deus disse» (vv. 3.6.9.11.14.20.24.26.28.29). É a palavra, o Logos de Deus, que se encontra na origem da realidade do mundo, e afirmando: «Deus disse», foi assim, ressalta o poder eficaz da Palavra divina. Assim canta o Salmista: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e pelo sopro da sua boca, todo o seu exército... Porque Ele disse e tudo foi feito, Ele ordenou e tudo existiu» (32,6.9). A vida nasce, o mundo existe, porque tudo obedece à Palavra divina.
Mas hoje a nossa pergunta é: na época da ciência e da técnica, ainda tem sentido falar de criação? Como devemos compreender as narrações do Génesis? A Bíblia não quer ser um manual de ciências naturais; ao contrário, deseja compreender a verdade autêntica e profunda da realidade. A verdade fundamental que as narrações do Génesis nos revelam é que o mundo não é um conjunto de forças contrastantes entre si, mas tem a sua origem e a sua estabilidade no Logos, na Razão eterna de Deus, que continua a sustentar o universo. Existe um desígnio sobre o mundo que nasce desta Razão, do Espírito criador. Julgar que isto está na base de tudo ilumina todos os aspectos da existência e infunde a coragem de enfrentar a aventura da vida com confiança e esperança. Portanto, a Escritura diz-nos que a origem do ser, do mundo, a nossa origem não é o irracional, mas a razão, o amor e a liberdade. Por isso, a alternativa: ou prioridade do irracional, da necessidade, ou prioridade da razão, da liberdade e do amor. Nós cremos nesta última posição.
Mas gostaria de dizer uma palavra também sobre aquele que é o ápice da criação inteira: o homem e a mulher, o ser humano, o único «capaz de conhecer e de amor o seu Criador» (Constituição Pastoral Gaudium et spes, 12). Contemplando os céus, o Salmista pergunta: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que Vós fixastes; que é o homem para Vos lembrardes dele, o filho do homem, para dele cuidardes?» (8,4-5). O ser humano, criado por Deus com amor, é pequenino diante da imensidade do universo; às vezes, contemplando fascinados as enormes extensões do firmamento, também nós sentimos o nosso limite. O ser humano está marcado por estes paradoxo: a nossa pequenez e a nossa caducidade convivem com a grandeza daquilo que o amor eterno de Deus desejou para ele.
As narrações da criação no Livro do Génesis introduzem-nos inclusive neste âmbito misterioso, ajudando-nos a conhecer o desígnio de Deus sobre o homem. Antes de tudo, afirmam que Deus formou o homem com o pó da terra (cf. Gn 2,7). Isto significa que não somos Deus, que não nos fizemos sozinhos, pois somos terra; mas significa também que nascemos da terra boa, por obra do Criador bom. A isto acrescenta-se mais uma realidade fundamental: todos os seres humanos são pó, para além das distinções realizadas pela cultura e pela história, para além de qualquer diferença social; somos uma única humanidade plasmada com a única terra de Deus. Depois, existe um segundo elemento: o ser humano tem origem, porque Deus inspira o sopro de vida no corpo modelado pela terra (cf. Gn 2,7). O ser humano é feito à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27). Então, todos trazemos em nós mesmos o sopro vital de Deus, e cada vida humana - diz-nos a Bíblia - está sob a salvaguarda particular de Deus. Esta é a razão mais profunda da inviolabilidade da dignidade humana contra qualquer tentação de avaliar a pessoa em conformidade com critérios utilitaristas de poder. Além disso, ser criado à imagem e semelhança de Deus indica que o homem não está fechado em si próprio, mas tem uma referência essencial em Deus.
Nos primeiros capítulos do Livro do Génesis encontramos duas imagens significativas: o jardim com a árvore do conhecimento do bem e do mal, e a serpente (cf. 2,15-17; 3,1-5). O jardim diz-nos que a realidade em que Deus inseriu o ser humano não é uma floresta selvagem, mas um lugar que Ele protege, nutre e sustém; e o homem deve reconhecer o mundo não como propriedade a assolar e explorar, mas como dádiva do Criador, sinal da sua vontade salvífica, dom a cultivar e conservar, a fazer crescer e desenvolver no respeito e na harmonia, seguindo os seus ritmos e a sua lógica, segundo o desígnio de Deus (cf. Gn 2,8-15). Depois, a serpente é uma figura que deriva dos cultos orientais da fecundidade, que fascinavam Israel e constituíam uma tentação constante de abandonar a aliança misteriosa com Deus. À luz disto, a Sagrada Escritura apresenta a tentação à qual Adão e Eva sucumbem como o núcleo da tentação e do pecado. Com efeito, o que diz a serpente? Não nega Deus, mas insinua uma pergunta fingida: «É verdade que Deus vos proibiu de comer do fruto de alguma árvore do jardim?» (Gn 3,1). Deste modo, a serpente suscita a suspeita de que a aliança com Deus é como uma cadeia que amarra, que priva da liberdade e das coisas belas e preciosas da vida. Surge a tentação de construirmos sozinhos o mundo no qual vivermos, de não aceitarmos os limites de sermos criaturas, os limites do bem, do mal e da moralidade; a dependência do amor criador de Deus é vista como um peso do qual libertar-se. Este é sempre o cerne da tentação. Mas quando se falsifica a relação com Deus com uma mentira, pondo-se no seu lugar, todas as demais relações são alteradas. Então, o outro torna-se um rival, uma ameaça: depois de ter cedido à tentação, Adão acusa imediatamente Eva (cf. Gn 3,12); os dois escondem-se da visão daquele Deus com Quem conversavam amistosamente (cf. 3,8-10); o mundo deixa de ser o jardim no qual viver com harmonia, mas um lugar a explorar e no qual se ocultam insídias (cf. 3,14-19); a inveja e o ódio pelo outro entram no coração do homem: exemplar é Caim, que mata o seu próprio irmão Abel (cf. 4,3-9). Indo contra o seu Criador, na realidade o homem vai contra ele mesmo, renega a sua origem e portanto a sua verdade; e o mal entra no mundo, com a sua penosa cadeia de dor e de morte. E desde modo, aquilo que Deus tinha criado é bom, aliás, muito bom; a seguir a esta decisão livre do homem, pela mentira contra a verdade, o mal entra no mundo.
Das narrações da criação, gostaria de evidenciar um último ensinamento: o pecado gera pecado, e todos os pecados da história estão ligados entre si. Este aspecto impele-nos a falar daquilo que é chamado o «pecado original». Qual é o significado desta realidade, difícil de compreender? Gostaria de propor apenas alguns elementos. Antes de tudo, devemos considerar que nenhum homem é fechado em si mesmo, ninguém pode viver só de si e para si; nós recebemos a vida do outro, e não só no momento do nascimento, mas todos os dias. O ser humano é relacionamento: sou eu mesmo só no tu e através do tu, na relação do amor com o Tu de Deus e o tu dos outros. Pois bem, o pecado é perturbar ou destruir a relação com Deus; esta é a sua essência: aniquilar a relação com Deus, a relação fundamental, colocar-se no lugar de Deus. O Catecismo da Igreja Católica afirma que com o primeiro pecado o homem «optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem» (n. 398). Alterada a relação fundamental, comprometem-se ou destroem-se também os outros polos da relação, o pecado arruína as relações e assim aniquila tudo, porque nós somos relação. Ora, se a estrutura relacional da humanidade for perturbada desde o início, cada homem entra num mundo assinalado por esta perturbação dos relacionamentos, entra num mundo alterado pelo pecado, pelo qual é marcado pessoalmente; o pecado primordial corrói e fere a natureza humana (cf. Catecismo da Igreja Católica, 404-406). E o homem sozinho, um só, não pode sair desta situação, não pode redimir-se isoladamente; só o próprio Criador pode restabelecer as justas relações. As justas relações só poderão ser reatadas, se Aquele do qual nos afastamos vier ao nosso encontro e nos estender a mão com amor. Isto acontece em Jesus Cristo, que percorre precisamente o caminho oposto em relação ao de Adão, como descreve o hino no segundo capítulo da Carta de são Paulo aos Filipenses (cf. 2,5-11): enquanto Adão não reconhece o seu ser criatura e quer colocar-se no lugar de Deus, Jesus, Filho de Deus, está numa relação filial perfeita com o Pai, abaixa-se, torna-se o servo, percorre o caminho do amor, humilhando-se até à morte, e morte de cruz, para voltar a pôr em ordem as relações com Deus. Assim, a Cruz de Cristo torna-se a nova árvore da vida.
Caros irmãos e irmãs, viver de fé quer dizer reconhecer a grandeza de Deus e aceitar a nossa pequenez, a nossa condição de criaturas, deixando que o Senhor a cumule com o seu amor e assim cresça a nossa verdadeira grandeza. O mal, com a sua carga de dor e de sofrimento, é um mistério iluminado pela luz da fé, que nos confere a certeza de poder ser libertados dele: a certeza de que ser homem é um bem.


Fonte: Santa Sé