Padre Raniero Cantalamessa
I pregação de Quaresma
10 de março de 2017
“O Espírito Santo nos introduz no mistério do Senhorio de
Jesus"
1. "Ele me fará
testemunho"
Lendo a Oração da Coleta da
Primeiro Domingo da Quaresma, me tocou este ano um detalhe. Nela, não se pede a
Deus para para dar-nos a força de realizar alguma das obras clássicas deste
tempo: jejum, oração, esmola; pede-se somente uma coisa: de fazer-nos
"crescer no conhecimento de Cristo". Creio que seja realmente a obra
mais bela e mais agradável ao Salvador e é o objetivo com o qual gostaria de
contribuir com as meditações quaresmais deste ano.
Prosseguindo a reflexão
iniciada na pregação do Advento sobre o Espírito Santo que deve permear toda a
vida e anúncio da Igreja ("Teologia do terceiro artigo!"), nestas
meditações quaresmais nos propomos subir da terceira para a segunda parte do
Creio. Em outras palavras, buscaremos ressaltar como o Espírito Santo "no
introduz na verdade plena" sobre Cristo e sobre seu mistério pascal, isto
é, sobre o ser e sobre o agir do Salvador.
Do agir de Cristo em
sintonia com o tempo litúrgico da Quaresma, procuraremos aprofundar o papel que
o Espírito Santo desenvolve na morte e na ressurreição de Cristo e após ele, na
nossa morte e na nossa ressurreição.
A segunda parte do Creio, na
sua forma completa, diz assim: "Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz
da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial
Pai: Por Ele todas as coisas foram criadas".
Esta parte central do Creio
reflete dois estágios diferentes da fé. A frase "Creio em um só Senhor
Jesus Cristo", reflete a primeiríssima fé da Igreja, logo após a Páscoa. O
que segue nesta parte do Creio: "Filho Unigênito de Deus..." reflete
um estágio posterior, mais evoluído, sucessivo à controvérsia ariana e ao
Concílio de Nicéia. Dediquemos a presente meditação à primeira parte -
"creio em um só Senhor Jesus Cristo" - e vejamos o que o Novo Testamento
nos diz sobre o Espírito Santo como autor do verdadeiro conhecimento de Cristo.
São Paulo afirma que Jesus
Cristo foi estabelecido "Filho de Deus com o poder mediante o Espírito de
santidade" (Rom 1,4), isto é, por obra do Espírito Santo. Chega a afirmar
que "ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão sob a ação do Espírito
Santo" (1 Cor 12,3), isto é, graças a uma iluminação interior sua. Atribui
ao Espírito Santo "a compreensão do mistério de Cristo" que foi dada
a ele como a todos os santos apóstolos e profetas (cf. Ef 3, 4-5); diz que
aqueles que creem serão capazes de "compreender a largura, o comprimento,
a altura e a profundidade e conhecer a caridade (o amor) de Cristo que desafia
todo o conhecimento" somente se forem "repletos do Espírito" (Ef
3, 16-19).
No Evangelho de João, Jesus
mesmo anuncia esta obra do Paráclito em relação a eles. Ele tomará do que é seu
e o anunciará aos discípulos; recordará a eles tudo aquilo que disse; os
conduzirá à verdade plena sobre sua relação com o Pai e os fará testemunhas (cf.
Jo 16, 7-15). Precisamente isto será, desde então, o critério para reconhecer
se se trata do verdadeiro Espírito de Deus e não de outro espírito: se leva a
reconhecer Jesus que veio na carne (cf. 1 Jo 4,2-3).
Alguns acreditam que a
ênfase atual sobre o Espírito Santo possa colocar na sombra a obra de Cristo,
como se esta fosse incompleta ou perfectível. É uma incompreensão total. O
Espírito nunca diz "eu", nunca fala em primeira pessoa, não pretende
fundar uma obra própria, mas sempre faz referência a Cristo. O Espírito Santo
não faz coisas novas, mas faz novas todas as coisas! Não acrescenta nada às
coisas "instituídas" por Jesus, mas as vivifica e renova.
A vinda do Espírito Santo em
Pentecostes traduz-se em uma repentina iluminação de todas as ações e a pessoa
de Cristo. Pedro concluiu o seu discurso de Pentecostes com a solene definição,
que hoje se diria "urbi et orbi": "Que toda a casa de Israel
saiba, portanto, com a maior certeza de que este Jesus que vós crucificastes,
Deus o constituiu Senhor (Kyrios) e Messias" (At 2,36).
A partir daquele dia, a
comunidade primitiva começou a repassar a vida de Jesus, a sua morte e a sua
ressurreição, de maneira diversa; tudo pareceu claro, como se tivesse sido
tirado um véu de seus olhos (cf. 2 Cor 3,16). Mesmo vivendo lado a lado com
ele, sem o Espírito não tinham podido penetrar em profundidade em seu
mistérios.
Hoje está em andamento uma
reaproximação entre teologia ortodoxa e teologia católica sobre este tema da
relação entre Cristo e o Espírito. O teólogo Johannes Zizioulas, em um encontro
realizado em Bolonha em 1980, por um lado manifestava reservas sobre a
eclesiologia do Concílio Vaticano II porque, segundo ele, "o Espírito
Santo era introduzido na eclesiologia depois que se tinha construído o edifício
da Igreja somente com material cristológico"; por outro, porém, reconhecia
que também a teologia ortodoxa tinha necessidade de repensar a relação entre
cristologia e pneumatologia, para não construir a eclesiologia somente sobre
uma base pneumatológica. Em outras palavras, nós latinos somos estimulados a
aprofundar o papel do Espírito Santo na vida interna da Igreja (que foi o que
ocorreu após o Concílio), e os irmãos ortodoxos o de Cristo e da presença na
Igreja na história.
2. Conhecimento objetivo e
conhecimento subjetivo de Cristo
Voltemos, portanto, ao papel
do Espírito Santo em relação ao conhecimento de Cristo. Delineiam-se já, no
âmbito do Novo Testamento, dois tipos de conhecimento de Cristo, ou dois
âmbitos onde o Espírito desenvolve a sua ação. Existe um conhecimento objetivo
de Cristo, de seu ser, de seu mistério e de sua pessoa, e existe um
conhecimento mais subjetivo, funcional e interior, que tem por objeto o que
Jesus "faz por mim", mais do que aquilo que ele "é em si mesmo".
Em Paulo prevalece ainda o
interesse pelo conhecimento daquilo que Cristo fez por nós, pela obra de Cristo
e em particular o seu mistério pascal; já em João prevalece o interesse por
aquilo que Cristo é: o "Logos" eterno que estava junto de Deus e veio
na carne, que é "um com o Pai" (Jo 10,30).
Para João, Cristo é
sobretudo o Revelador, para Paulo é sobretudo o Salvador. Mas é somente nos
fatos sucessivos que estas duas tendências ficarão evidentes. Fazemos uma breve
referência a elas, porque isto nos ajudará a compreender qual é o dom que o
Espírito Santo faz, neste campo, na Igreja hoje.
Na época patrística, o
Espírito Santo aparece sobretudo como garante da tradição apostólica em torno a
Jesus, contra as inovações dos gnósticos. À Igreja - afirma Santo Irineu - foi
confiado o Dom de Deus que é o Espírito; dele não são partícipes os que se
separam da verdade pregada pela Igreja com suas falsas doutrinas. As Igrejas
apostólicas - argumenta Tertuliano - não podem ter errado ao pregar a verdade.
Pensar o contrário, significaria que "o Espírito Santo, para esta
finalidade enviado por Cristo impetrado pelo Pai como mestre da verdade, ele
que é o vigário de Cristo e o seu administrador, teria falhado no cumprimento
de sua missão”.
Na época das grandes
controvérsias dogmáticas, o Espírito Santo é visto como o custódio da ortodoxia
cristológica. Nos concílios, a Igreja tem a firme certeza de ser
"inspirada" pelo Espírito ao formular a verdade sobre as duas
naturezas de Cristo, a unidade de sua pessoa, a totalidade de sua humanidade. O
acento, portanto, é claramente sobre o conhecimento objetivo, dogmático,
eclesial de Cristo.
Esta tendência predominou,
na teologia, até a Reforma. Com uma diferença, porém. Os dogmas que no momento
de serem formulados eram questões vitais, fruto de viva participação, de toda a
Igreja, uma vez sancionados e transmitidos, tendem a perder pungência, a
tornarem-se formais. "Duas naturezas, uma pessoa", torna-se uma
fórmula bela e acabada, mais do que o ponto de chegada de um longo e sofrido
processo. Certamente não faltaram, em todo este tempo, esplêndidas experiências
de um conhecimento de Cristo íntimo, pessoal, repleto de fervorosa devoção a
Cristo, como aquelas de São Bernardo e de São Francisco de Assis; mas isso não
influenciava muito na teologia. Também hoje disso se fala na história da
espiritualidade, não naquela da teologia.
Os reformadores protestantes
invertem esta situação e dizem: "Conhecer Cristo significa reconhecer os
seus benefícios, não pesquisar as suas naturezas e os modos de
encarnação". O Cristo "para mim" aparece em primeiro plano. Ao
conhecimento objetivo, dogmático, se opõe um conhecimento subjetivo, íntimo; ao
testemunho externo da Igreja e das próprias Escrituras sobre Jesus, se antepõe
o "testemunho interno" que o Espírito Santo dá a Jesus no coração de
cada cristão.
Quando, mais tarde, esta
novidade teológica tenderá, ela mesma, no protestantismo oficial, a
transformar-se em "morta ortodoxia", surgirão periodicamente
movimentos, como o Pietismo no âmbito luterano e o Metodismo no anglicano, para
trazê-la novamente à vida. O ápice do conhecimento de Cristo coincide, nestes
âmbitos, com o momento em que, movido pelo Espírito Santo, o cristão toma
conhecimento de que Jesus morreu "por ele", precisamente por ele, e o
reconhece como seu Salvador pessoal:
"Pela primeira vez de
todo o coração eu acreditei;
acreditei de fé divina,
e no Espírito Santo
encontrei a força
de chamar meu o Salvador.
Senti o sangue da expiação
de meu Senhor
diretamente derramado em
minha alma".
Completemos este rápido
olhar para a história, acenando a uma terceira fase na maneira de perceber a
relação entre o Espírito Santo e o conhecimento de Cristo, aquela que
caracterizou os séculos do Iluminismo, do qual nós somos herdeiros diretos.
Volta a predominar um conhecimento objetivo, separado; não mais, porém, do tipo
ontológico, como na época antiga, mas histórico.
Em outras palavras, não
interessa saber quem é Jesus Cristo (a pré-existência, as naturezas, a pessoa),
mas quem ele foi na realidade da história. É a época da busca do assim chamado
"Jesus histórico"!
Nesta fase, o Espírito Santo
não desempenha mais nenhum papel no conhecimento de Cristo; está totalmente
ausente. O "testemunho interno" do Espírito Santo passa a ser
identificado com a razão e com o espírito humano. O "testemunho
externo" é o único importante, mas com ele não se entende mais o
testemunho apostólico da Igreja, mas unicamente aquele da história, comprovado
com os diversos métodos críticos. O pressuposto comum deste esforço era de que
para encontrar o verdadeiro Jesus, é necessário buscar fora da Igreja,
separá-lo "das vendas do dogma eclesiástico".
Sabemos qual foi o êxito de
toda esta busca do Jesus histórico: o fracasso, o que não significa que não
tenha trazido muitos frutos positivos. Persiste ainda, a este respeito, um
equívoco de fundo. Jesus Cristo - e depois dele outros homens, como São
Francisco de Assis - simplesmente não vive na história, mas criou uma história,
e vive agora na história que criou, como um som na onde que provocou. O esforço
obstinado dos historiadores racionalistas parece aquele de separá-lo da
história que criou, para restituí-lo àquela comum e universal, como se assim
fosse possível perceber melhor o som na sua originalidade, separando-o da onda
que o transporta. A história que Jesus iniciou, ou a onda que emitiu, é a fé da
Igreja animada pelo Espírito Santo e é somente por meio dela que se remete à
sua fonte.
Não está excluída com isto a
legitimidade também da normal busca histórica sobre ele, mas esta deveria ser
mais consciente de seu limite e reconhecer que não exaure tudo o que se pode
saber de Cristo. Como o ato mais nobre da razão é reconhecer que existe algo
que a supera, assim o ato mais honesto do historiador é reconhecer que existe
algo que não se pode alcançar somente com a história.