"Nós temos costume de cantar solenemente o
Aleluia em determinado tempo, segundo a antiga tradição da Igreja, e não o
cantamos em certos dias sem sacramento. Se é certo que só cantamos o Aleluia em
certos dias, não é menos certo que pensamos nele todos os dias” (Santo
Agostinho, Comentário ao Salmo 106).
O Aleluia (do
hebraico Halleluya, “louvai a Yaweh”) é, desde o início da Igreja, a
expressão máxima de louvor a Deus. Portanto, desde o início do século V, como
indica o texto de Agostinho que citamos acima, era costume omitir esta
aclamação em determinados dias penitenciais, ou seja, durante a Quaresma.
A omissão do
Aleluia na Quaresma tem um duplo sentido. Primeiramente, para reforçar o
caráter penitencial deste tempo. E, além disso, para enfatizar a novidade do Aleluia
pascal, proclamado solenemente antes do Evangelho da Ressurreição, na Vigília
Pascal.
No final do
século VI, com a introdução das três semanas pré-quaresmais (Tempo da
Septuagésima), a omissão do Aleluia passa a iniciar-se no Domingo da
Septuagésima. Por intervenção de São Gregório Magno, a liturgia deste domingo
se tornou uma grande glorificação do Aleluia, inclusive com o duplo Aleluia na
despedida das Vésperas, gesto atualmente reservado às solenidades da Páscoa (com
sua oitava) e Pentecostes.
São Gregório Magno |
Durante o
pontificado de Gregório VII (1070-1085) os Aleluias do Domingo da Septuagésima
são suprimidos, e o Aleluia passa a ser omitido a partir da hora nona (15h) do
sábado que antecede a Septuagésima.
Surgem neste
período algumas curiosas cerimônias de “despedida” do Aleluia no sábado que
antecede a Septuagésima. Na diocese de Toul (França), por exemplo, havia o rito
da Depositio Alleluiae, literalmente
a “sepultura do Aleluia”.
Às 15h
reuniam-se os pueri chantores
(meninos membros do coro) na sacristia, de onde partiam em procissão através da
igreja com incenso, cruz processional, velas e uma caixa vazia, representando o
“caixão” do Aleluia. Este era depositado em um local adequado (um altar lateral,
por exemplo) e solenemente incensado.
"Caixão" do Aleluia |
As orações do domingo
da Septuagésima na Liturgia Hispano-Mozárabe, própria da Arquidiocese de Toledo
(Espanha), apresentavam o Aleluia como um personagem e desejavam-lhe uma “boa
viagem” durante sua ausência na Quaresma. Veja-se, por exemplo, um responsório
das Laudes deste domingo:
V. Te vas, Aleluya. Que tengas buen viaje,
Aleluya.
R. Y vuelvas contento a visitarnos, Aleluya.
V. Que los ángeles te lleven en sus brazos
para que tu pie no tropiece en piedra alguna. R. Y vuelvas contento a
visitarnos, Aleluya.
V. Gloria y honor al Padre y al Hijo y al
Espíritu Santo, por los siglos de los siglos. Amén.
R. Y vuelvas contento a visitarnos. Aleluya.
V. Você vai,
Aleluia. Que tenha uma boa viagem, Aleluia.
R. E voltes feliz
a visitar-nos, Aleluia.
V. Que os anjos
te levem em seus braços para que teu pé não tropece em alguma pedra.
R. E voltes feliz
a visitar-nos, Aleluia.
V. Glória e
louvor ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.
R. E voltes feliz
a visitar-nos, Aleluia.
A Liturgia Romana
não prescreve nada para a despedida do Aleluia, que passa a ser omitido a
partir da Quarta-feira de Cinzas, sendo entoado até a terça-feira de
Carnaval inclusive. Sugerimos aos fiéis neste dia, no âmbito da piedade popular, realizar
um jantar festivo em família ou entre amigos e entoar pela última vez o Aleluia
(como refrão de um salmo, por exemplo), antes de entoá-lo mais uma vez na
solene Vigília Pascal.
Até lá, ¡que
tengas buen viaje, Aleluya!
Referências:
AGOSTINHO. Comentário aos Salmos (Ennarationes in Psalmos) - in: CORDEIRO,
José de Leão (Org.). Antologia Litúrgica:
Textos Litúrgicos, Patrísticos e Canónicos do Primeiro Milénio. Secretariado
Nacional de Liturgia: Fatima, 2003, p. 771.
RIGHETTI, Mario.
Historia de la Liturgia. Biblioteca
de Autores Cristianos: Madrid, 1945, v. I, pp. 733-735.
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