quinta-feira, 30 de abril de 2020

Deus Pai na Liturgia: Encontro de Pastoral Litúrgica 1999

Continuando nossa série de postagens retrospectivas dos Encontros Nacionais de Pastoral Litúrgica (ENPL), promovidos anualmente pelo Secretariado Nacional de Liturgia de Portugal, apresentamos neste mês o 25º ENPL, que aconteceu de 26 a 30 de julho de 1999, com o tema “Deus Pai na Liturgia”.
                                          
A escolha do tema estava em sintonia com o triênio preparatório ao Grande Jubileu do ano 2000. O Papa João Paulo II convocou um ano dedicado a cada uma das Pessoas da Trindade como preparação próxima ao Jubileu: o ano de Jesus Cristo (1997), o ano do Espírito Santo (1998) e o ano de Deus Pai (1999).

Infelizmente foram divulgados os áudios de apenas três conferências deste encontro:

Pe. Dr. José de Leão Cordeiro
Sobretudo à luz da Palavra de Deus e da história, nesta primeira conferência o palestrante reflete sobre o amor e a misericórdia do Pai manifestados no sacramento da Reconciliação.
                 
Pe. Dr. Carlos Fernando M. Correia
Percorrendo os seus diversos tempos (Advento-Natal, Quaresma, Páscoa, Tempo Comum), o palestrante reflete sobre a presença do Pai no Ano Litúrgico, particularmente nas orações a Ele dirigidas.

Pe. Dr. Manuel Joaquim F. da Costa
Por fim, nesta última conferência, como o título já indica, o palestra reflete sobre a Liturgia das Horas como oração de louvor da Igreja dirigida ao Pai.


IX Catequese do Papa sobre as Bem-aventuranças

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 29 de abril de 2020
Bem-aventuranças (9)

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Com a audiência de hoje, concluímos o percurso sobre as Bem-aventuranças evangélicas. Como ouvimos, na última, proclama-se a alegria escatológica dos perseguidos pela justiça.
Essa felicidade anuncia a mesma felicidade que a primeira: o reino dos céus é dos perseguidos e dos pobres de espírito; entendemos que chegamos ao final de um percurso unitário desvendado nos anúncios precedentes.
A pobreza de espírito, o pranto, a mansidão, a sede de santidade, a misericórdia, a purificação do coração e as obras de paz podem levar à perseguição por causa de Cristo, mas essa perseguição é, no final, motivo de alegria e grande recompensa nos céus. O caminho das bem-aventuranças é uma jornada de Páscoa que leva de uma vida segundo o mundo para aquela segundo Deus, de uma existência guiada pela carne, ou seja, pelo egoísmo até a guiada pelo Espírito.
O mundo, com seus ídolos, compromissos e prioridades, não pode aprovar esse tipo de existência. As “estruturas do pecado”1, frequentemente produzidas pela mentalidade humana, são estranhas ao Espírito da verdade que o mundo não pode receber (cf. Jo 14,17), não podem senão recusar a pobreza, a mansidão ou a pureza e declarar a vida segundo o Evangelho como um erro e um problema, portanto como algo a ser marginalizado. Assim pensa o mundo: “Estes são idealistas ou fanáticos...”. Assim pensam eles.
Se o mundo vive com base no dinheiro, qualquer um que demonstre que a vida pode ser cumprida no dom e na renúncia se torna um incômodo para o sistema de ganância. Essa palavra “incômodo” é fundamental, porque o testemunho cristão, que faz muito bem a muitas pessoas que seguem, incomoda aqueles que têm uma mentalidade mundana. Eles vivem isso como uma repreensão. Quando a santidade aparece e a vida dos filhos de Deus emerge, nessa beleza há algo desconfortável que exige uma posição: ou deixar-se questionar e se abrir ao bem ou recusar essa luz e endurecer o coração, até o ponto da oposição e fúria (cf. Sb 2,14-15). É curioso, chama à atenção para ver como, nas perseguições dos mártires, a hostilidade aumenta a ponto de fúria. Basta ver as perseguições do século passado, das ditaduras europeias: como chegamos à fúria contra os cristãos, contra o testemunho cristão e contra o heroísmo dos cristãos.
Isso mostra que o drama da perseguição também é o lugar da libertação da sujeição ao sucesso, vanglória e compromissos do mundo. O que alegra aqueles que são rejeitados pelo mundo por causa de Cristo? Ele se alegra por ter encontrado algo que vale mais do que o mundo inteiro. De fato “que vantagem tem um homem que ganha o mundo inteiro e perde a vida?” (Mc 8,36). Que vantagem existe?
É doloroso lembrar que, neste momento, existem muitos cristãos que sofrem perseguições em várias áreas do mundo, e devemos esperar e rezar para que sua tribulação seja interrompida o mais rápido possível. Existem muitos: os mártires de hoje são mais do que os mártires dos primeiros séculos. Expressamos nossa proximidade com esses irmãos e irmãs: somos um corpo, e esses cristãos são os membros que sangram o corpo de Cristo, que é a Igreja.
Devemos também ter cuidado para não lermos essa bem-aventurança de uma maneira vitimista e com pena de si mesmo. De fato, o desprezo pelos homens nem sempre é sinônimo de perseguição: logo após, Jesus diz que os cristãos são o “sal da terra” e alerta contra o perigo de “perder o sabor”, caso contrário, o sal “para nada serve a não ser jogado fora e pisoteado pelas pessoas” (Mt 5,13). Portanto, há também um desprezo que é nossa culpa, quando perdemos o sabor de Cristo e do Evangelho.
Devemos ser fiéis ao humilde caminho das Bem-aventuranças, porque é o que leva a ser de Cristo e não do mundo. Vale lembrar o caminho percorrido por São Paulo: quando ele pensava que era justo, era, de fato, um perseguidor, mas quando descobriu que era perseguidor, tornou-se um homem de amor, que enfrentou alegremente o sofrimento da perseguição que sofria (cf. Cl 1,24).
A exclusão e a perseguição, se Deus nos concede graça, fazem-nos assemelhar a Cristo crucificado e, associando-nos à Sua Paixão, são a manifestação de uma nova vida. Essa vida é a mesma de Cristo, que para nós homens e para a nossa salvação foi “desprezado e rejeitado pelos homens” (cf. Is 53,3; At 8,30-35). Acolher Seu Espírito pode nos levar a ter tanto amor em nossos corações, que oferecemos vida ao mundo sem nos comprometer com seus enganos e aceitarmos ser recusados. Os compromissos com o mundo são o perigo: o cristão é sempre tentado a fazer compromissos com o mundo, com o espírito do mundo.
Essa – rejeitar compromissos e seguir o caminho de Jesus Cristo – é a vida do Reino dos céus, a grande alegria, a verdadeira alegria. Então, nas perseguições, há sempre a presença de Jesus que nos acompanha, a presença de Jesus que nos conforta e a força do Espírito que nos ajuda a seguir em frente. Não desanimemos quando uma vida coerente com o Evangelho atrai perseguição das pessoas: há o Espírito que nos apoia neste caminho.

[1] cf. Discurso aos participantes do workshop “Novas formas de solidariedade, inclusão, integração e inovação”, 05 de fevereiro de 2020: “A idolatria do dinheiro, ganância e corrupção são todas” estruturas do pecado - como João Paulo II os definiu - produzido pela ‘globalização da indiferença’”.


Fonte: Canção Nova

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Regina Coeli do Papa: III Domingo da Páscoa - Ano A

Papa Francisco
Regina Coeli
Domingo, 26 de abril de 2020

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho de hoje, ambientado no dia de Páscoa, narra o episódio dos dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). É uma história que começa e acaba a caminho. Na verdade, há a viagem de ida dos discípulos que, tristes devido ao epílogo da vicissitude de Jesus, deixam Jerusalém e voltam para casa, para Emaús, percorrendo cerca de onze quilômetros. É uma viagem feita de dia, com grande parte do percurso em declive. E há a viagem de regresso: mais onze quilômetros, mas percorrida ao cair da noite, com parte do caminho em subida, após o cansaço da viagem de ida e o dia inteiro. Duas viagens: uma fácil, de dia, e outra cansativa, de noite. E no entanto, a primeira tem lugar na tristeza; a segunda, na alegria. Na primeira, há o Senhor que caminha ao lado deles, mas não o reconhecem; na segunda, já não o veem, mas sentem-no próximo. Na primeira estão desanimados e sem esperança; na segunda, correm a levar aos outros a boa notícia do encontro com Jesus Ressuscitado.
Os dois caminhos diferentes daqueles primeiros discípulos dizem-nos, a  nós discípulos de Jesus hoje, que na vida temos à nossa frente dois rumos opostos: há o caminho de quem, como aqueles dois na ida, se deixa paralisar pelas desilusões da vida e vá em frente com tristeza; e há o caminho de quem não se coloca em primeiro lugar a si próprio e os seus problemas, mas Jesus que nos visita, e os irmãos que esperam a sua visita, ou seja, os irmãos que nos esperam para que cuidemos deles. Eis o momento decisivo: deixar de orbitar em torno de si próprio, das desilusões do passado, dos ideais não realizados, das muitas coisas negativas que aconteceram na vida. Muitas vezes somos levados a orbitar, orbitar... Deixemos isto e vamos em frente, olhando para a maior e mais verdadeira realidade da vida: Jesus está vivo, Jesus ama-me. Esta é a maior realidade. E eu posso fazer algo pelos outros. É uma realidade boa, positiva, solar, bela! Eis a inversão de marcha: passar dos pensamentos sobre o meu eu para a realidade do meu Deus; passar - com outro jogo de palavras - do “se” para o “sim”. Do “se” para o “sim”. O que significa? “Se Ele nos tivesse libertado, se Deus me tivesse ouvido, se a vida tivesse corrido como eu queria, se eu tivesse isto e aquilo...”, em tom de queixa. Este “se” não ajuda, não é fecundo, não ajuda nem a nós nem aos outros. Eis os nossos “se”, semelhantes aos dos dois discípulos. Mas eles passam para o sim: “Sim, o Senhor está vivo, Ele caminha conosco. Sim, agora, não amanhã, voltamos a percorrer o caminho para anunciá-lo”. “Sim, posso fazer isto para que as pessoas sejam mais felizes, para que as pessoas sejam melhores, para ajudar muitas pessoas. Sim, sim, eu posso”. Do “se” para o “sim”, da lamentação para a alegria e a paz, pois quando nos queixamos, não estamos na alegria; estamos na melancolia, na consternação, no ar cinzento da tristeza. E isto não ajuda, e nem sequer nos faz crescer bem. Do “se” para o “sim”, da lamentação para a  alegria do serviço.
Como se verificou nos discípulos esta mudança de passo, do eu para Deus, do “se” para o “sim”? Encontrando Jesus: os dois de Emaús primeiro abrem-lhe o coração; em seguida, ouvem-no explicar-lhes as Escrituras; depois, convidam-no para sua casa. São três passos que também nós podemos dar na nossa casa: primeiro, abrir o coração a Jesus, confiando-lhe os pesos, os cansaços, as desilusões da vida, confiando-lhe os “se”; e depois, segundo passo, ouvir Jesus, pegar no Evangelho, ler hoje este trecho, no capítulo vinte e quatro do Evangelho de Lucas; terceiro, rezar a Jesus, com as mesmas palavras daqueles discípulos: «Senhor, fica conosco» (v. 29). Senhor, fica comigo. Senhor, fica com todos nós, pois precisamos de ti para encontrar o caminho. E sem ti, há noite!
Prezados irmãos e irmãs, na vida estamos sempre a caminho. E tornamo-nos aquilo rumo ao que caminhamos. Escolhamos a vereda de Deus, não a do eu; o caminho do “sim”, não o do “se”. Descobriremos que não há imprevisto, não há subida, não há noite que não se possa enfrentar com Jesus. Que Nossa Senhora, Mãe do Caminho que, acolhendo a Palavra, fez de toda a sua vida um “sim” a Deus, nos indique a senda.


Fonte: Santa Sé

sábado, 25 de abril de 2020

Homilia: III Domingo de Páscoa - Ano A

São Clemente de Alexandria
O Pedagogo
 Em seguir a Cristo está a nossa salvação

Batizados, somos iluminados; iluminados, recebemos a adoção filial; adotados, conduzidos à perfeição; aperfeiçoados, recebemos o dom da imortalidade. Diz a Escritura: Eu declaro: Sois deuses e todos filhos do Altíssimo. Esta operação (o Batismo) recebe nomes diversos: graça, iluminação, perfeição, banho.
Banho, porque nele nos purificamos de nossos pecados; graça, porque nos são perdoadas as penas devidas pelos pecados; iluminação, a qual nos facilita a visão daquela santa e salvífica luz, isto é, que nos possibilita a contemplação de Deus; e chamamos perfeito ao que não carece de nada. Seria realmente absurdo chamar “graça de Deus” a uma graça que não seja perfeita e completa em todos os sentidos: Aquele que é perfeito distribuirá normalmente dons perfeitos.
Se no plano da palavra bastou ordenar e tudo veio à existência, no plano da graça bastará que Ele queira concedê-la para que essa graça seja plena. O que há de acontecer no futuro é antecipado graças ao poder de sua vontade. Acrescente-se a isto que a libertação dos males já é o começo da salvação. Nem pisamos direito os limiares da vida e já somos perfeitos: e começamos a viver no mesmo instante em que somos subtraídos ao império da morte. Portanto, em seguir a Cristo está a nossa salvação. O que nele se fez, é vida. Eu vos asseguro, disse, quem escuta minha palavra e crê naquele que me enviou possui a vida eterna e não será condenado, porque passou da morte para a vida. Portanto, somente o fato de crer e de ser regenerado é a perfeição na vida, pois Deus jamais é deficiente.
Do mesmo modo que seu querer já é uma realidade, e uma realidade que chamamos mundo, da mesma forma seu projeto é a salvação dos homens, uma salvação que se chama Igreja. Ele conhece, pois, aos que chamou e salvou: porque os chamou e salvou ao mesmo tempo. Vós mesmos, diz o Apóstolo, fostes instruídos por Deus. Na verdade, seria blasfemo considerar imperfeito o ensinamento do próprio Deus. E o que dele aprendemos é a eterna salvação do Salvador eterno: a Ele a graça pelos séculos dos séculos. Amém. Alguém apenas está regenerado quando – como seu mesmo nome o indica – fica iluminado, quando é imediatamente libertado das trevas e é gratificado automaticamente com a luz.
Somos totalmente lavados de nossos pecados e, no mesmo instante, deixamos de ser maus. Esta é a graça singular da iluminação: nossa conduta não é a mesma que antes de descer às águas batismais. Mas como o conhecimento se origina ao mesmo tempo em que a iluminação, ilustrando a inteligência, e nós que éramos rudes e ignorantes, imediatamente fomos chamados discípulos, isto é devido a que a iniciação sobredita nos foi concedida previamente? Impossível precisar o momento.
O certo é que a catequese conduz à fé, e que a fé, no momento do santo Batismo, é formada pelo Espírito Santo. Contudo, que a fé é o único e universal caminho de salvação da natureza humana, e que é um dom do Deus justo e filantropo para com todos igualmente, o expôs muito claramente Paulo, dizendo: Antes que chegasse a fé, estávamos prisioneiros, custodiados pela lei, à espera da fé que devia ser revelada. Assim, a lei foi nosso pedagogo, que nos conduziu a Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Uma vez que a fé chegou, já não estamos submetidos ao pedagogo. Não acabais de ouvir que já não estamos sob a lei do temor, mas sim sob o Logos, que é o pedagogo do livre-arbítrio? Na continuação Paulo acrescenta uma expressão livre de qualquer tipo de parcialidade: Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Vós que fostes incorporados a Cristo pelo Batismo, vos revestistes de Cristo. Já não há distinção entre judeus e gentios, escravos e livres, homens e mulheres, porque todos sois um só em Cristo Jesus.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 97-98. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Agostinho para este domingo clicando aqui.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O rito do Ressurrexit na Missa de Páscoa no Vaticano

A Missa do dia de Páscoa celebrada pelo Papa na Praça de São Pedro possui uma particularidade litúrgica que remonta à Idade Média, foi olvidada por alguns séculos e enfim retomada há vinte anos, na Páscoa do ano 2000. Trata-se do rito do Ressurrexit, a veneração da imagem do Ressuscitado pelo Sucessor de Pedro no início da Missa do Domingo da Ressurreição.

O rito do Ressurrexit na Idade Média

No século XII, como testemunham os Ordines Romani XI e XII, na manhã de Páscoa o Papa se dirigia à capela de São Lourenço no Latrão, junto da Catedral de Roma, chamado também de Sancta Sanctorum (“Santo dos santos”, uma vez que a capela abrigava várias relíquias), para venerar a imagem acheropita do Salvador.

Sancta Sanctorum

A palavra acheropita significa “não feito pela mão humana”, uma vez que se atribuía uma origem miraculosa ao ícone. Este tem sua origem no Oriente, remontando ao menos ao século VIII. Representa a imagem completa de Cristo, sentado em um trono, em tamanho quase natural. O Papa Inocêncio III (1199-1216) cobriu o ícone com um revestimento de prata, à exceção do rosto e de uma porta à altura dos pés, onde a imagem podia ser beijada.

Na capela de São Lourenço, na manhã de Páscoa, o Papa revestia os paramentos para a Missa até a dalmática. Então se aproximava da imagem, abria a pequena porta e beijava os pés do Salvador, dizendo três vezes: Surrexit Dominus de sepulchro (O Senhor ressuscitou do sepulcro), ao que todos respondiam: Qui pro nobis pependit in ligno. Alleluia (Aquele que por nós pendeu do lenho. Aleluia).

Após isso o Papa sentava-se na sede. Os Cardeais aproximavam-se da imagem, beijavam-lhe os pés e iam até o Papa para saudar-lhe. O Papa dizia: Surrexit Dominus vere (O Senhor ressuscitou verdadeiramente), ao qual se respondia: Et apparuit Simoni (E apareceu a Simão). Enquanto isso, o coro entoava algumas antífonas adequadas.

Imagem acheropita do Salvador

Após todos venerarem o ícone, o Papa revestia a casula, o pálio e a mitra e ia a cavalo até a Basílica de Santa Maria Maior para celebrar a Missa.

O rito do Ressurrexit hoje

Este rito caiu em desuso com a mudança da sede do Papa de Roma para Avignon no século XIV. O rito só foi retomado na Páscoa do Grande Jubileu do ano 2000, no pontificado de João Paulo II, desta vez transladando o ícone até a Praça de São Pedro.

De 2000 a 2006 foi usado o histórico ícone da Idade Média. A partir de 2007, porém, passou a ser utilizado um novo ícone, na forma de um tríptico, cujo simbolismo apresentamos no final desta postagem.

O rito foi também simplificado: durante a procissão de entrada, sem beijar o altar, o Papa dirige-se à frente do altar, ao lado do qual é colocado o ícone fechado. Um diácono entoa então um duplo Aleluia, repetido pela assembleia, seguido da antífona: Surrexit Dominus de sepulcro, qui pro nobis pependit in ligno (O Senhor ressuscitou do sepulcro, Aquele que por nós pendeu do lenho), ao qual a assembleia responde com o Aleluia.


Em seguida, o diácono entoa a segunda antífona: Surrexit Dominus vere et apparuit Simoni (O Senhor ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão), respondida novamente com o Aleluia, enquanto outros dois diáconos abrem as duas portas do ícone, mostrando-o ao Papa.

Este se dirige então ao altar, o qual venera e incensa. Passando diante da imagem, o Papa a incensa igualmente. A partir daqui, a Missa de Páscoa prossegue como de costume.


O anúncio da Ressurreição recorda aqui a figura de Pedro como primeira testemunha do evento. Ele é o primeiro dos Apóstolos a entrar no sepulcro (Lc 24,12; Jo 20,3-10) e é aclamado pelos Onze como testemunha: “É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” (Lc 24,34). Como Sucessor de Pedro, o Papa é o primeiro chamado a testemunhar a Ressurreição diante de toda a Igreja.

O novo ícone de Cristo Ressuscitado

O novo ícone do Salvador utilizado para o rito do Ressurrexit é um tríptico. No centro encontramos a imagem de Cristo sentado ao trono, feita por um artista georgiano. A imagem recorda o tríplice múnus de Cristo: sacerdote (na estola pendente do ombro), profeta (tendo o livro da Escritura na mão) e rei (com o nimbo com três pedras preciosas).

Ainda na imagem central temos a inscrição em grego de um texto petrino sobre a Ressurreição: “Em virtude da Ressurreição de Jesus Cristo, o qual está à direita de Deus” (1Pd 3,21d-22a).

As duas portas laterais, com quatro quadros cada, obra de um grupo de artistas romanos, representam as oito afirmações de um texto paulino sobre a Ressurreição: “Cristo morreu... segundo as Escrituras (1), foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia (2), apareceu a Cefas (3), e depois aos Doze (4), apareceu a mais de quinhentos irmãos (5), apareceu a Tiago (6) e depois a todos os Apóstolos (7). Por último apareceu também a mim (8)” (1Cor 15,3-8).

O novo ícone do Salvador

O querigma dos dois Apóstolos “romanos” é assim oferecido à contemplação do Papa e de todos os fiéis, resplandecendo a beleza do Mistério Pascal.

Fontes:

RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1945, pp. 836-837.

UFFICIO DELLE CELEBRAZIONI LITURGICHE DEL SOMMO PONTEFICE. Domenica di Pasqua: Messa del Giorno celebrata dal Santo Padre Benedetto XVI (Libretto della celebrazione). 12.04.2009.

UFFICIO DELLE CELEBRAZIONI LITURGICHE DEL SOMMO PONTEFICE. Surrexit Dominus vere et apparuit Simoni: Il rito del Resurrexit nella domenica di Pasqua.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Domingo de Páscoa em Moscou

À meia-noite do último dia 19 de abril o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa celebrou na Catedral Patriarcal do Cristo Salvador em Moscou a Divina Liturgia do Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor segundo o calendário juliano.

As demais celebrações da Semana Santa foram celebradas pelo Patriarca de maneira privada em um mosteiro, devido à pandemia de coronavírus.


Reposição do "Santo Sudário"
Procissão no interior da Catedral
Rito de abertura das portas
Procissão de entrada

Semana Santa Ortodoxa em Jerusalém

As celebrações da Semana Santa no Patriarcado Ortodoxo de Jerusalém tiveram de ser adaptadas este ano por causa da pandemia de coronavírus.

O Patriarca Teophilos III presidiu algumas celebrações na Basílica do Santo Sepulcro (sem a presença do povo) e outras de maneira privada em sua residência. Publicamos aqui as fotos das celebrações que ocorreram no Santo Sepulcro:

16 de abril: Rito do Lava-Pés no pátio da Basílica

Entrada do Patriarca
Lava Pés

 

Semana Santa em Constantinopla

O Patriarca Bartolomeu de Constantinopla presidiu entre os dias 16 e 19 de abril as celebrações da Semana Santa segundo o calendário juliano na Catedral de São Jorge em Istambul:

16 de abril: Matinas da Paixão com a leitura dos 12 Evangelhos

Evangelhos
Exposição da Cruz
 
Veneração da cruz

17 de abril: Vésperas da Exposição do Santo Sudário



terça-feira, 21 de abril de 2020

Via Sacra do ano 2000: Meditações do Papa João Paulo II

Por ocasião do Grande Jubileu do ano 2000, as meditações para a tradicional Via Sacra no Coliseu foram escritas pelo próprio Papa João Paulo II.

Confira a seguir as meditações do Santo Padre, ilustradas com a eloquente Via Sacra realizada pelo artista polonês Jerzy Duda-Gracz para o Santuário de Nossa Senhora de Częstochowa:

Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Via Sacra no Coliseu
Meditações e orações do Papa João Paulo II
Sexta-feira Santa, 21 de abril de 2000

Oração inicial
Santo Padre: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
R. Amém.

Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16,24).
Noite de Sexta-feira Santa.
Há vinte séculos que a Igreja se reúne nesta noite para recordar e reviver os acontecimentos da última etapa do caminho terreno do Filho de Deus. Hoje, como nos demais anos, a Igreja que está em Roma concentra-se no Coliseu, para seguir os passos de Jesus que, “carregando às costas a cruz, saiu para o lugar chamado Crânio, que em hebraico se diz Gólgota” (Jo 19,17).
Encontramo-nos aqui animados pela convicção de que a Via Sacra do Filho de Deus não foi um simples caminhar para o lugar do suplício. Acreditamos que cada passo do Condenado, cada gesto e palavra d’Ele, e tudo o mais que foi vivido e realizado por quantos tomaram parte neste drama, continua incessantemente a falar-nos. Cristo, mesmo no seu sofrimento e na sua morte, desvenda-nos a verdade acerca de Deus e do homem.


Neste Ano Jubilar, queremos refletir mais intensamente no conteúdo daquele acontecimento, para que fique gravado, com uma força nova, nas nossas mentes e nos nossos corações e daí brote a graça de uma autêntica participação.
Participar significa ter uma parte.
E que significa ter uma parte na cruz de Cristo?
Significa experimentar, no Espírito Santo, o amor que a cruz de Cristo encerra.
Significa reconhecer, à luz desse amor, a própria cruz.
Significa retomá-la aos próprios ombros e, por força sempre daquele amor, caminhar...
Caminhar pela vida fora, imitando Aquele que “suportou a cruz, desprezando a ignomínia, e está agora sentado à direita do trono de Deus” (Hb 12,2).

Oremos:
Senhor Jesus Cristo, enchei os nossos corações com a luz do vosso Espírito, para que, acompanhando-Vos no vosso último caminho, conheçamos o preço da nossa redenção e nos tornemos dignos de participar nos frutos da vossa Paixão, Morte e Ressurreição. Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. R. Amém.

I Estação: Jesus é condenado à morte

V. Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


“Tu és o rei dos judeus?” (Jo 18,33).
“A minha realeza não é deste mundo; se a minha realeza fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas a minha realeza não é daqui” (Jo 18,36).
Pilatos acrescentou: “Logo Tu és rei?”. Jesus respondeu: “Tu o dizes! Eu sou rei! Para isso nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. Pilatos replicou: “Que é a verdade?”. Dito isto, o Procurador romano considerou encerrado o interrogatório. Foi ter com os judeus e comunicou-lhes: “Não acho n’Ele culpa alguma” (cf. Jo 18,37-38).

Semana Santa em Kiev

O Arcebispo Maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, Dom Sviatoslav Shevchuk, presidiu entre os dias 12 e 19 de abril as celebrações da Semana Santa segundo o calendário juliano na Catedral Patriarcal da Ressurreição em Kiev.

Tivemos acesso às imagens de apenas duas celebrações, porém no final desta postagem é possível conferir os vídeos completos de todas as celebrações.

17 de abril: Vésperas da Exposição do Santo Sudário

Evangelho

Procissão com o "Santo Sudário"
 

II Domingo da Páscoa em Cracóvia

O Arcebispo de Cracóvia, Dom Marek Jędraszewski, celebrou no último dia 19de abril a Santa Missa do II Domingo da Páscoa no Santuário da Divina Misericórdia no distrito de Łagiewniki em Cracóvia.

Procissão de entrada

Incensação
Ritos iniciais
Evangelho

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Fotos da Missa do Papa no II Domingo da Páscoa

No último dia 19 de abril o Papa Francisco celebrou a Missa do II Domingo da Páscoa na igreja do Santo Espírito em Sassia, templo dedicado em promover a devoção à Divina Misericórdia em Roma.

Ósculo do altar
Ritos iniciais
Leituras
Evangelho
Homilia

Homilia do Papa: II Domingo da Páscoa - Ano A

Santa Missa da Divina Misericórdia
Homilia do Papa Francisco
Igreja do Santo Espírito em Sassia
II Domingo de Páscoa, 19 de abril de 2020

No domingo passado, celebramos a ressurreição do Mestre, hoje assistimos à ressurreição do discípulo. Passou uma semana; semana esta, que os discípulos, apesar de ter visto o Ressuscitado, transcorreram cheios de medo, mantendo «as portas fechadas» (Jo 20,26), sem conseguir sequer convencer da ressurreição o único ausente, Tomé. Que faz Jesus perante esta incredulidade medrosa? Regressa, coloca-Se na mesma posição, «no meio» dos discípulos, e repete a mesma saudação: «A paz esteja convosco!» (Jo 20,19.26). Começa de novo. A ressurreição do discípulo começa daqui, desta misericórdia fiel e paciente, da descoberta que Deus não Se cansa de estender-nos a mão para nos levantar das nossas quedas. Quer que O vejamos assim: não como um patrão com quem devemos ajustar contas, mas como o nosso Papá, que sempre nos levanta. Na vida, caminhamos tateando, como uma criança que começa a andar, mas cai; dá alguns passos e cai novamente; cai e volta a cair, mas sempre o pai a levanta. A mão que nos levanta sempre é a misericórdia: Deus sabe que, sem misericórdia, ficamos caídos no chão; ora, para caminhar, precisamos de ser postos de pé.
Podes objetar: «Mas, eu não paro mais de cair»! O Senhor sabe disso, e está sempre pronto a levantar-te de novo. Não quer ver-nos a pensar continuamente nas nossas quedas, mas que olhemos para Ele, que, nas quedas, vê filhos a levantar; nas misérias, vê filhos a amar com misericórdia. Hoje, nesta igreja que se tornou santuário da misericórdia em Roma, no domingo que São João Paulo II dedicou à Misericórdia Divina há vinte anos, acolhamos confiadamente esta mensagem. A Santa Faustina, disse Jesus: «Eu sou o amor e a misericórdia em pessoa; não há miséria que possa superar a minha misericórdia» (Diário, 14/IX/1937). Outra vez, quando a Santa confidenciava feliz a Jesus que Lhe oferecera toda a sua vida, tudo o que tinha, ouviu d’Ele uma resposta que a surpreendeu: «Não me ofereceste aquilo que é verdadeiramente teu». Que teria então guardado para si a santa freira? Diz-lhe amavelmente Jesus: «Filha, dá-me a tua miséria» (Diário, 10/X/1937). Podemos, também nós, interrogar-nos: «Dei a minha miséria ao Senhor? Mostrei-Lhe as minhas quedas, para que me levante?» Ou há algo que conservo ainda dentro de mim? Um pecado, um remorso do passado, uma ferida que trago dentro, rancor contra alguém, mágoa contra uma pessoa em particular... O Senhor espera que Lhe levemos as nossas misérias, para nos fazer descobrir a sua misericórdia.
Voltemos aos discípulos… Durante a Paixão, tinham abandonado o Senhor e sentiam-se em culpa. Mas Jesus, ao encontrá-los, não lhes prega um longo sermão. A eles, que estavam feridos dentro, mostra as suas chagas. Tomé pode tocá-las, e descobre o amor: descobre quanto Jesus sofrera por ele, que O tinha abandonado. Naquelas feridas, toca com mão a terna proximidade de Deus. Tomé, que chegara atrasado, quando abraça a misericórdia, ultrapassa os outros discípulos: não acredita só na ressurreição, mas também no amor sem limites de Deus. E faz a profissão de fé mais simples e mais bela: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20,28). Eis a ressurreição do discípulo: realiza-se quando a sua humanidade, frágil e ferida, entra na de Jesus. Aqui dissolvem-se as dúvidas; aqui Deus torna-Se o meu Deus; aqui recomeça a aceitar-se a si mesmo e a amar a própria vida.
Queridos irmãos e irmãs, na provação que estamos a atravessar, também nós, com os nossos medos e as nossas dúvidas como Tomé, nos reconhecemos frágeis. Precisamos do Senhor, que, mais além das nossas fragilidades, vê em nós uma beleza indelével. Com Ele, descobrimo-nos preciosos nas nossas fragilidades. Descobrimos que somos como belíssimos cristais, simultaneamente frágeis e preciosos. E se formos transparentes diante d’Ele como o cristal, a sua luz – a luz da misericórdia – brilhará em nós e, por nosso intermédio, no mundo. Eis aqui o motivo para exultarmos «de alegria – como diz a primeira Carta de Pedro –, se bem que, por algum tempo, [tenhamos] de andar aflitos por diversas provações» (1,6).
Nesta festa da Divina Misericórdia, o anúncio mais encantador chega através do discípulo mais atrasado. Só faltava ele, Tomé. Mas o Senhor esperou por ele. A misericórdia não abandona quem fica para trás. Agora, enquanto pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pandemia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás. O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir da ideia que a vida melhora se vai melhor para mim, que tudo correrá bem se correr bem para mim. Começando daqui, chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os pobres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frágeis, todos iguais, todos preciosos. Oxalá mexa connosco dentro o que está a acontecer: é tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira! Aprendamos com a comunidade cristã primitiva, que recebera misericórdia e vivia usando de misericórdia, como descreve o livro dos Atos dos Apóstolos: os crentes «possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2,44-45). Isto não é ideologia; é cristianismo.
Naquela comunidade, depois da ressurreição de Jesus, apenas um ficara para trás e os outros esperaram por ele. Hoje parece dar-se o contrário: uma pequena parte da humanidade avançou, enquanto a maioria ficou para trás. E alguém poderia dizer: «São problemas complexos, não cabe a mim cuidar dos necessitados; outros devem pensar neles». Depois de encontrar Jesus, Santa Faustina escreveu: «Numa alma sofredora, devemos ver Jesus Crucificado e não um parasita nem um fardo... [Senhor], dais-nos a possibilidade de nos exercitarmos nas obras de misericórdia, e nós exercitamo-nos nas murmurações» (Diário, 06/IX/1937). Mas, um dia, ela própria se lamentou com Jesus dizendo que, para ser misericordiosa, passava por ingênua: «Senhor, muitas vezes abusam da minha bondade». E Jesus retorquiu: «Não importa, minha filha! Não te preocupes! Tu sê sempre misericordiosa para com todos» (Diário, 24/XII/1937). Para com todos: não pensemos só nos nossos interesses, nos interesses parciais. Aproveitemos esta prova como uma oportunidade para preparar o amanhã de todos, sem descartar ninguém. De todos. Porque, sem uma visão de conjunto, não haverá futuro para ninguém.
Hoje, o amor desarmado e convincente de Jesus ressuscita o coração do discípulo. Também nós, como o apóstolo Tomé, acolhamos a misericórdia, que é a salvação do mundo. E usemos de misericórdia para com os mais frágeis: só assim reconstruiremos um mundo novo.


Fonte: Santa Sé

VIII Catequese do Papa sobre as Bem-aventuranças

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 15 de abril de 2020
Bem-aventuranças (8)

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
A catequese de hoje é dedicada à sétima bem-aventurança, a dos “pacificadores”, que serão proclamados filhos de Deus. Alegro-me que isso aconteça imediatamente após a Páscoa, porque a paz de Cristo é fruto de sua morte e ressurreição, como ouvimos na leitura de São Paulo. Para entender essa bem-aventurança, é preciso explicar o sentido da palavra “paz”, que pode ser mal compreendida ou, às vezes, banalizada.
Devemos nos orientar entre duas ideias de paz: a primeira é a bíblica, em que aparece a bela palavra shalòm, que expressa abundância, prosperidade e bem-estar. Quando em hebraico desejamos shalòm, desejamos uma vida bela, plena e próspera, mas também de acordo com a verdade e a justiça, que serão cumpridas no Messias, príncipe da paz (cf. Is 9,6; Mq 5,4-5).
Há também outro sentido, mais difundido, pelo qual a palavra “paz” é entendida como uma espécie de tranquilidade interior: estou tranquilo, estou em paz. Essa é uma ideia moderna, psicológica e mais subjetiva. Acredita-se que a paz seja silenciosa, harmonia, um equilíbrio interno. Esse significado da palavra “paz” é incompleto e não pode ser absoluto, porque a inquietação na vida pode ser um importante momento de crescimento.
Muitas vezes, é o próprio Senhor quem semeia em nós a inquietude para irmos ao encontro d’Ele, descobri-Lo. Nesse sentido, é um importante momento de crescimento; enquanto que uma tranquilidade interior corresponda a uma consciência domesticada e não a uma verdadeira redenção espiritual. Muitas vezes, o Senhor deve ser um “sinal de contradição” (cf. Lc 2,34-35), abalando nossa falsa segurança, para levar à salvação. E nesse momento, parece não ter paz, mas é o Senhor que nos coloca nesse caminho para alcançar a paz que Ele mesmo nos oferece. Nesse ponto, devemos lembrar que o Senhor entende sua paz como diferente da humana, a do mundo, quando diz: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não como o mundo a dá, eu dou a vós “(Jo 14,27). A de Jesus é outra paz, diferente da mundana.
Perguntemo-nos: como o mundo dá a paz? Se pensarmos em conflitos de guerra, as guerras normalmente terminam de duas maneiras: com a derrota de uma das duas partes ou com os tratados de paz. Só podemos esperar e orar para que esse segundo caminho possa sempre ser seguido; no entanto, devemos considerar que a história é uma série infinita de tratados de paz desfeitos por guerras sucessivas ou pela metamorfose dessas mesmas guerras de outras maneiras ou em outros lugares. Mesmo em nosso tempo, uma guerra “em pedaços” é travada em vários cenários e de modos diferentes [1]. Devemos, pelo menos, suspeitar que, no contexto de uma globalização feita, acima de tudo, por interesses econômicos ou financeiros, a “paz” de alguns corresponde à “guerra” de outros. E essa não é a paz de Cristo!
Em vez disso, como “dá” sua paz o Senhor Jesus? Ouvimos São Paulo dizer que a paz de Cristo é “fazer de dois, um” (cf. Ef 2,14), para cancelar a inimizade e reconciliar-se. E o caminho para realizar esse trabalho de paz é o seu corpo. De fato, ele reconcilia todas as coisas e traz paz com o sangue de sua cruz, como o próprio Apóstolo diz em outra passagem (cf. Cl 1,20).
E aqui me pergunto, e todos podemos nos perguntar: quem são os “pacificadores”? A sétima bem-aventurança é a mais ativa, explicitamente operativa; a expressão verbal é análoga à usada no primeiro versículo da Bíblia para criação e indica iniciativa e laboriosidade. O amor, por sua natureza, é criativo – o amor é sempre criativo – e busca a reconciliação a qualquer custo. São chamados filhos de Deus aqueles que aprenderam e exercitam a arte da paz e a exercitam, sabem que não há reconciliação sem o dom da própria vida, e que a paz deve sempre ser buscada. Sempre e de qualquer maneira: não esqueça disso! Deve ser procurada assim. Esta não é uma obra autônoma que é fruto das próprias capacidades, é uma manifestação da graça recebida de Cristo, que é a nossa paz, que nos tornou filhos de Deus.
A verdadeira shalòm e o verdadeiro equilíbrio interior brotam da paz de Cristo, que vem de sua cruz e gera uma nova humanidade, encarnada em uma infinita fileira de Santos e Santas, inventivos, criativos, que criaram sempre novas maneiras de amar. Os santos, as santas que constroem a paz. Esta vida como filhos de Deus, que pelo sangue de Cristo buscam e encontram os seus próprios irmãos, é a verdadeira felicidade. Bem-aventurados os que seguem este caminho.
E novamente, boa Páscoa a todos, na paz de Cristo!

[1] cf. Homilia no Sacrário militar de Redipuglia, 13 de setembro de 2014; Homilia em Sarajevo, 6 de junho de 2015; Discurso ao Pontifício Conselho para Textos Legislativos, 21 de fevereiro de 2020.


Fonte: Canção Nova