A Missa do dia de Páscoa celebrada pelo Papa na Praça
de São Pedro possui uma particularidade litúrgica que remonta à Idade Média,
foi olvidada por alguns séculos e enfim retomada há vinte anos, na Páscoa do
ano 2000. Trata-se do rito do Ressurrexit, a veneração da imagem do
Ressuscitado pelo Sucessor de Pedro no início da Missa do Domingo da
Ressurreição.
O rito do Ressurrexit na Idade Média
No século XII, como testemunham os Ordines Romani XI e XII, na manhã de
Páscoa o Papa se dirigia à capela de São Lourenço no Latrão, junto da Catedral
de Roma, chamado também de Sancta
Sanctorum (“Santo dos santos”,
uma vez que a capela abrigava várias relíquias), para venerar a imagem acheropita do Salvador.
|
Sancta Sanctorum |
A palavra acheropita
significa “não feito pela mão humana”, uma vez que se atribuía uma origem
miraculosa ao ícone. Este tem sua origem no Oriente, remontando ao menos ao
século VIII. Representa a imagem completa de Cristo, sentado em um trono, em
tamanho quase natural. O Papa Inocêncio III (1199-1216) cobriu o ícone com um
revestimento de prata, à exceção do rosto e de uma porta à altura dos pés, onde
a imagem podia ser beijada.
Na capela de São Lourenço, na manhã de Páscoa, o Papa
revestia os paramentos para a Missa até a dalmática. Então se aproximava da
imagem, abria a pequena porta e beijava os pés do Salvador, dizendo três vezes:
Surrexit Dominus de
sepulchro (O Senhor ressuscitou do
sepulcro), ao que todos respondiam: Qui
pro nobis pependit in ligno. Alleluia
(Aquele que por nós pendeu do lenho. Aleluia).
Após isso o Papa sentava-se na sede. Os Cardeais
aproximavam-se da imagem, beijavam-lhe os pés e iam até o Papa para saudar-lhe.
O Papa dizia: Surrexit
Dominus vere (O Senhor
ressuscitou verdadeiramente), ao qual se respondia: Et
apparuit Simoni (E apareceu a
Simão). Enquanto isso, o coro entoava algumas antífonas adequadas.
|
Imagem acheropita do Salvador |
Após todos venerarem o ícone, o Papa revestia a
casula, o pálio e a mitra e ia a cavalo até a Basílica de Santa Maria Maior
para celebrar a Missa.
O rito do
Ressurrexit hoje
Este rito caiu em desuso com a mudança da sede do Papa
de Roma para Avignon no século XIV. O rito só foi retomado na Páscoa do Grande
Jubileu do ano 2000, no pontificado de João Paulo II, desta vez transladando o
ícone até a Praça de São Pedro.
De 2000 a 2006 foi usado o histórico ícone da Idade
Média. A partir de 2007, porém, passou a ser utilizado um novo ícone, na forma
de um tríptico, cujo simbolismo apresentamos no final desta postagem.
O rito foi também simplificado: durante a procissão de
entrada, sem beijar o altar, o Papa dirige-se à frente do altar, ao lado do
qual é colocado o ícone fechado. Um diácono entoa então um duplo Aleluia,
repetido pela assembleia, seguido da antífona: Surrexit Dominus de sepulcro, qui pro nobis pependit in ligno (O
Senhor ressuscitou do sepulcro, Aquele que por nós pendeu do lenho), ao qual a
assembleia responde com o Aleluia.
Em seguida, o diácono entoa a segunda antífona: Surrexit Dominus vere et apparuit Simoni
(O Senhor ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão), respondida novamente
com o Aleluia, enquanto outros dois diáconos abrem as duas portas do ícone,
mostrando-o ao Papa.
Este se dirige então ao altar, o qual venera e
incensa. Passando diante da imagem, o Papa a incensa igualmente. A partir
daqui, a Missa de Páscoa prossegue como de costume.
O anúncio da Ressurreição recorda aqui a figura de
Pedro como primeira testemunha do evento. Ele é o primeiro dos Apóstolos a
entrar no sepulcro (Lc 24,12; Jo 20,3-10) e é aclamado pelos Onze como
testemunha: “É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” (Lc
24,34). Como Sucessor de Pedro, o Papa é o primeiro chamado a testemunhar a
Ressurreição diante de toda a Igreja.
O novo ícone
de Cristo Ressuscitado
O novo ícone do Salvador utilizado para o rito do
Ressurrexit é um tríptico. No centro encontramos a imagem de Cristo sentado ao
trono, feita por um artista georgiano. A imagem recorda o tríplice múnus de
Cristo: sacerdote (na estola pendente do ombro), profeta (tendo o livro da
Escritura na mão) e rei (com o nimbo com três pedras preciosas).
Ainda na imagem central temos a inscrição em grego de
um texto petrino sobre a Ressurreição: “Em virtude da Ressurreição de Jesus
Cristo, o qual está à direita de Deus” (1Pd 3,21d-22a).
As duas portas laterais, com quatro quadros cada, obra
de um grupo de artistas romanos, representam as oito afirmações de um texto
paulino sobre a Ressurreição: “Cristo morreu... segundo as Escrituras (1), foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia (2), apareceu a Cefas (3), e depois aos
Doze (4), apareceu a mais de quinhentos irmãos (5), apareceu a Tiago (6) e
depois a todos os Apóstolos (7). Por último apareceu também a mim (8)” (1Cor
15,3-8).
|
O novo ícone do Salvador |
O querigma dos dois Apóstolos “romanos” é assim
oferecido à contemplação do Papa e de todos os fiéis, resplandecendo a beleza
do Mistério Pascal.
Fontes:
RIGHETTI, Mario. Historia
de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario.
Madrid: BAC, 1945, pp. 836-837.