Juntamente com São Pedro, celebramos no dia 29 de junho a Solenidade de São Paulo. Publicamos igualmente as catequeses do Papa Bento XVI sobre este Apóstolo:
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Audiência Geral
Quarta-feira,
25 de Outubro de 2006
Paulo,
perfil do homem e do apóstolo
Queridos irmãos e irmãs!
Concluímos as
nossas reflexões sobre os doze Apóstolos chamados diretamente por Jesus
durante a sua vida terrena. Iniciamos hoje a aproximar as figuras de outras
personagens importantes da Igreja primitiva. Também elas dedicaram a sua vida
ao Senhor, ao Evangelho e à Igreja. Trata-se de homens, e também de mulheres
que, como escreve Lucas no Livro dos
Atos, "expuseram as suas vidas pelo nome de Nosso Senhor Jesus
Cristo" (15,26).
O primeiro
deles, chamado pelo próprio Senhor, pelo Ressuscitado, para ser também ele um
verdadeiro Apóstolo, é sem dúvida Paulo
de Tarso. Ele brilha como estrela de primeira grandeza na história da
Igreja, e não só da primitiva. São João Crisóstomo exalta-o como personagem
superior até a muitos anjos e arcanjos (cf. Panegirico,
7,3). Dante Alighieri na Divina Comédia,
inspirando-se na narração de Lucas feita nos Atos (cf. 9,15), define-o simplesmente "vaso de eleição"
(Inf. 2,28), que significa: instrumento pré-escolhido por Deus. Outros chamaram-no o "décimo terceiro
Apóstolo" e realmente ele insiste muito para ser um verdadeiro Apóstolo,
tendo sido chamado pelo Ressuscitado ou até "o primeiro depois do Único".
Sem dúvida, depois de Jesus, ele é o personagem das origens sobre a qual
estamos mais informados. De fato, possuímos não só a narração que dele faz
Lucas nos Atos dos Apóstolos, mas
também um grupo de Cartas que provêm
diretamente da sua mão e sem intermediários nos revelam a sua personalidade e
o seu pensamento. Lucas informa-nos que o seu nome originário era Saulo (cf. At 7,58; 8,1, etc.), aliás em
hebraico Saul (cf. At 9,14.17; 22,7.13; 26,14), como o rei Saul (cf. At
13,21), e era um judeu da diáspora, estando a cidade de Tarso situada entre a
Anatólia e a Síria. Tinha ido muito cedo a Jerusalém para estudar profundamente
a Lei mosaica aos pés do grande Rabi Gamaliel (cf. At 22,3). Tinha aprendido também uma profissão manual e áspera, era
fabricante de tendas (cf. At 18,3),
que sucessivamente lhe permitiu sustentar-se pessoalmente sem pesar sobre as
Igrejas (cf. At 20,34; 1Cor 4,12; 2Cor 12,13-14).
Para ele foi
decisivo conhecer a comunidade dos que se professavam discípulos de Jesus. Por
eles tinha sabido a notícia de uma nova fé um novo "caminho", como se
dizia que colocava no seu centro não tanto a Lei de Deus, quanto a pessoa de
Jesus, crucificado e ressuscitado, com o qual estava relacionada a remissão dos
pecados. Como judeu zeloso, ele considerava esta mensagem inaceitável, aliás
escandalosa, e por isso sentiu o dever de perseguir os seguidores de Cristo
também fora de Jerusalém. Foi precisamente no caminho para Damasco, no início
dos anos 30, que Saulo, segundo as suas palavras, foi "alcançado por
Cristo" (Fl 3,12). Enquanto
Lucas narra os fatos com riqueza de pormenores de como a luz do Ressuscitado o
alcançou e mudou fundamentalmente toda a sua vida ele nas suas Cartas vai
diretamente ao essencial e fala não só da visão (cf. 1Cor 9,1), mas de iluminação (cf. 2Cor 4,6) e sobretudo de revelação e de vocação no encontro com o
Ressuscitado (cf. Gl 1,15-16). De
fato, definir-se-á explicitamente "apóstolo por vocação" (cf. Rm 1,1; 1Cor 1,1) ou "apóstolo por vontade de Deus" (2Cor 1,1; Ef 1,1; Cl 1,1), para
realçar que a sua conversão não era o resultado de um desenvolvimento de
pensamentos, de reflexões, mas o fruto de uma intervenção divina, de uma
imprevisível graça divina. A partir daquele momento, tudo o que antes
constituía para ele um valor tornou-se paradoxalmente, segundo as suas
palavras, perda e lixo (cf. Fl 3,7-10). A partir daquele momento todas as suas energias foram postas ao serviço
exclusivo de Jesus Cristo e do seu Evangelho.
Agora a sua
existência será a de um Apóstolo desejoso de "se fazer tudo em todos"
(1Cor 9,22) sem reservas.
Isto constitui
para nós uma lição muito importante: o mais importante é colocar no
centro da própria vida Jesus Cristo, de modo que a nossa identidade se distinga
essencialmente pelo encontro, pela comunhão com Cristo e com a sua Palavra. À
sua luz todos os outros valores são recuperados e ao mesmo tempo purificados de
eventuais impurezas. Outra lição fundamental oferecida por Paulo é o alcance
universal que caracteriza o seu apostolado. Vendo a agudeza do problema do
acesso dos Gentios, isto é dos pagãos, a Deus, que em Jesus Cristo crucificado
e ressuscitado oferece a salvação a todos os homens sem exceções, dedicou-se
totalmente a dar a conhecer este Evangelho, literalmente "boa
notícia", isto é, anúncio de graça destinado a reconciliar o homem com
Deus, consigo mesmo e com os outros. Desde o primeiro momento ele tinha
compreendido que esta era uma realidade que não dizia respeito só aos judeus ou
a um certo grupo de homens, mas que tinha um valor universal e se referia a
todos, porque Deus é o Deus de todos.
O ponto de
partida para as suas viagens foi a Igreja de Antioquia da Síria, onde pela
primeira vez o Evangelho foi anunciado aos gregos e onde também foi cunhado o
nome de "cristãos" (cf. At
11,20.26), isto é, de crentes em Cristo. Dali ele dirigiu-se primeiro para
Chipre e depois várias vezes para as regiões da Ásia Menor (Pisídia, Licaônia,
Galácia), depois para as da Europa (Macedônia, Grécia). Mais relevantes foram
as cidades de Éfeso, Filipos, Tessalônica, Corinto, sem contudo esquecer
Beréia, Atenas e Mileto.
No apostolado de
Paulo não faltaram dificuldades, que ele enfrentou com coragem por amor de
Cristo. Ele mesmo recorda ter agido "pelos trabalhos... pelas prisões...
pelos açoites, pelos frequentes perigos de morte... três vezes fui açoitado com
varas, uma vez apedrejado; três vezes naufraguei... viagens sem conta, exposto
a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus concidadãos,
perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre os falsos
irmãos; trabalhos e fadigas, repetidas vigílias com fome e sede, frequentes
jejuns, frio e nudez! E além de tudo isto, a minha obsessão de cada dia:
cuidado de todas as Igrejas" (2Cor
11,23-28). De um trecho da Carta aos Romanos (cf. 15,24.28) transparece o seu
propósito de chegar até à Espanha, às extremidades do Ocidente, para anunciar o
Evangelho em toda a parte, até aos confins da terra então conhecida. Como não
admirar um homem como este? Como não agradecer ao Senhor por nos ter dado um
Apóstolo desta estatura? É claro que não lhe teria sido possível enfrentar
situações tão difíceis e por vezes desesperadas, se não tivesse havido uma
razão de valor absoluto, perante a qual nenhum limite se podia considerar
insuperável. Para Paulo, esta razão, sabemo-lo, é Jesus Cristo, do qual ele
escreve: "O amor de Cristo nos impulsiona... para que, os que vivem,
não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou"
(2Cor 5,14-15), por nós, por todos.
De fato, o
Apóstolo dará o testemunho supremo do sangue sob o imperador Nero aqui em Roma,
onde conservamos e veneramos os seus despojos mortais. Assim escreveu acerca
dele Clemente Romano, meu predecessor nesta Sede Apostólica nos últimos anos do
século I: "Por causa dos ciúmes e da discórdia Paulo foi obrigado a
mostrar-nos como se obtém o prêmio da paciência... Depois de ter pregado a
justiça a todo o mundo, e depois de ter chegado até aos extremos confins do
Ocidente, sofreu o martírio diante dos governantes; assim partiu deste mundo e
chegou ao lugar sagrado, que com isso se tornou o maior modelo de
perseverança" (Aos Coríntios,
5). O Senhor nos ajude a pôr em prática a exortação que nos foi deixada pelo
Apóstolo nas suas Cartas: "Sede meus imitadores, como eu o sou de
Cristo" (1Cor 11,1).
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Audiência Geral
Quarta-feira,
8 de Novembro de 2006
Paulo,
a centralidade de Jesus Cristo
Queridos irmãos e irmãs!
Na catequese
precedente, há quinze dias, procurei traçar os aspectos essenciais da biografia
do apóstolo Paulo. Vimos como o encontro com Cristo pelo caminho de Damasco
revolucionou literalmente a sua vida. Cristo tornou-se a sua razão de ser e o
motivo profundo de todo o seu trabalho apostólico. Nas suas cartas, depois do
nome de Deus, que aparece mais de 500 vezes, o nome que é mencionado com mais
frequência é o de Cristo (380 vezes). Por conseguinte, é importante que nos
apercebamos de quanto Jesus Cristo possa incidir na vida de um homem e portanto
também na nossa própria vida. Na realidade, Jesus Cristo é o ápice da história
salvífica e, desta forma, o verdadeiro ponto discriminante também no diálogo
com as outras religiões.
Olhando para
Paulo, poderíamos formular assim a pergunta fundamental: como acontece o
encontro de um ser humano com Cristo? E em que consiste a relação que dele
deriva? A resposta de Paulo pode ser compreendida em dois momentos. Em primeiro
lugar, Paulo ajuda-nos a compreender o valor absolutamente fundante e insubstituível
da fé. Eis quanto escreve na Carta aos
Romanos: "Pois estamos convencidos de que é pela fé que o homem é
justificado, independentemente das obras da lei" (3,28). E também na Carta aos Gálatas: "O homem não é
justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo; por
isso, também nós acreditamos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé
em Cristo e não pelas obras da Lei; porque pelas obras da Lei nenhuma criatura
será justificada" (2,16). "Ser justificados" significa ser
tornados justos, isto é, ser acolhidos pela justiça misericordiosa de Deus, e
entrar em comunhão com Ele, e por conseguinte poder estabelecer uma relação
muito mais autêntica com todos os nossos irmãos: e isto com base num perdão
total dos nossos pecados. Pois bem, Paulo diz com muita clareza que esta
condição de vida não depende das nossas eventuais boas obras, mas de uma mera
graça de Deus: "Sem o merecerem, são justificados pela sua graça, em
virtude da redenção realizada em Cristo Jesus" (Rm 3,24).
Com estas
palavras São Paulo expressa o conteúdo fundamental da sua conversão, o novo
rumo da sua vida que resultou do seu encontro com Cristo ressuscitado. Paulo,
antes da conversão, não tinha sido um homem afastado de Deus e da sua Lei. Ao
contrário, era um observante, com uma observância fiel até ao fanatismo. Mas à
luz do encontro com Cristo compreendeu que com isso tinha procurado edificar-se
a si mesmo, à sua própria justiça, e que com toda essa justiça tinha vivido
para si mesmo. Compreendeu que era absolutamente necessária uma nova orientação
da sua vida. E encontramos expressa nas suas palavras esta nova orientação:
"E a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me
amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gl
2,20).
Por conseguinte,
Paulo já não vive para si, para a sua própria justiça. Vive de Cristo e com
Cristo: entregando-se a si mesmo, não mais procurando e construindo-se a si
mesmo. Esta é a nova justiça, a nova orientação que o Senhor nos deu, que a fé
nos deu. Diante da cruz de Cristo, expressão extrema da sua auto-doação, não há
ninguém que possa vangloriar-se a si, à própria justiça feita por si e para si!
Noutra carta Paulo, fazendo eco a Jeremias, expressa este pensamento
escrevendo: "Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor" (1Cor 1,31 = Jr 9,22s); ou: "Quanto a mim, porém, de nada me quero
gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está
crucificado para mim e eu para o mundo" (Gl 6,14).
Refletindo
sobre o significado de justificação não pelas obras mas pela fé, chegamos ao
segundo aspecto que define a identidade cristã descrita por São Paulo na
própria vida. Identidade cristã que se compõe precisamente por dois elementos:
este não procurar-se por si, mas receber-se de Cristo e doar-se com Cristo, e
desta forma participar pessoalmente na vicissitude do próprio Cristo, até se
imergir n'Ele e partilhar quer a sua morte quer a sua vida. É quanto escreve
Paulo na Carta aos Romanos: "fomos batizados na sua morte... fomos sepultados com Ele na morte...
estamos integrados n'Ele... Assim vós também: considerai-vos mortos para o
pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus" (Rm 6,3.4.5.11). Precisamente esta última expressão é sintomática:
para Paulo, de fato, não é suficiente dizer que os cristãos são batizados ou
crentes; para ele é de igual modo importante dizer que eles são "em Cristo
Jesus" (cf. também Rm 8,1.2.39;
12,5; 16,3.7.10; 1Cor 1,2.3,
etc.). Outras vezes ele inverte as palavras e escreve que "Cristo está em
nós/vós" (Rm 8,10; 2Cor 13,5) ou "em mim" (Gl 2,20). Esta mútua compenetração
entre Cristo e o cristão, característica do ensinamento de Paulo, completa o
seu discurso sobre a fé. A fé, de fato, mesmo unindo-nos intimamente a Cristo,
realça a distinção entre nós e Ele. Mas, segundo Paulo, a vida do cristão tem
também um componente que poderíamos dizer "místico", porque obriga a
uma nossa identificação com Cristo e de Cristo connosco. Neste sentido, o
Apóstolo chega até a qualificar os nossos sofrimentos como os "sofrimentos
de Cristo em nós" (2Cor 1,5),
de modo que "trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que
também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo" (2Cor 4,10).
Devemos inserir
tudo isto na nossa vida quotidiana seguindo o exemplo de Paulo que viveu sempre
com este grande alcance espiritual. Por um lado, a fé deve manter-nos numa
atitude constante de humildade perante Deus, aliás, de adoração e de louvor em
relação a ele. De fato, o que nós somos como cristãos devemo-lo unicamente a
Ele e à sua graça. Dado que nada nem ninguém pode ocupar o seu lugar, é preciso
portanto que não tributemos a nada nem a ninguém a homenagem que a Ele
prestamos. Ídolo algum deve contaminar o nosso universo espiritual, porque
neste caso, em vez de gozar da liberdade adquirida cairíamos de novo numa
espécie de escravidão humilhante. Por outro lado, a nossa pertença radical a
Cristo e o fato que "existimos n'Ele" deve infundir-nos uma atitude
de total confiança e de imensa alegria. Para concluir, de fato, devemos exclamar
com São Paulo: "Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?" (Rm 8,31). E a resposta é que ninguém
"poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor
nosso" (Rm 8,39). Por
conseguinte, a nossa vida cristã baseia-se na rocha mais estável e segura que
se possa imaginar. E dela tiramos toda a nossa energia, como escreve
precisamente o Apóstolo: "De tudo sou capaz naquele que me dá força" (Fl 4,13).
Enfrentemos
portanto a nossa existência, com as suas alegrias e com os seus sofrimentos,
amparados por estes grandes sentimentos que Paulo nos oferece. Fazendo deles
experiência poderemos compreender como é verdadeiro o que o próprio Apóstolo
escreve: "sei em quem acredito e estou persuadido de que Ele tem poder
para guardar, até aquele dia, o bem que me foi confiado" (2Tm 1,12) do nosso encontro com
Cristo Juiz, Salvador do mundo e nosso.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Audiência Geral
Quarta-feira,
15 de Novembro de 2006
Paulo,
o Espírito nos nossos corações
Queridos irmãos e irmãs!
Também hoje,
como nas duas catequeses precedentes, voltamos a São Paulo e ao seu pensamento.
Estamos diante de um gigante não só a nível do apóstolo concreto, mas também da
doutrina teológica, extraordinariamente profunda e estimulante. Depois de ter
meditado na semana passada sobre o que Paulo escreveu acerca do lugar central
que Jesus Cristo ocupa na nossa vida de fé, vemos hoje o que ele diz sobre o
Espírito Santo e sobre a sua presença em nós, porque também aqui o Apóstolo tem
algo muito importante para nos ensinar.
Conhecemos o que
São Lucas nos diz do Espírito Santo nos Atos
dos Apóstolos, descrevendo o evento do Pentecostes. O Espírito pentecostal
traz consigo um vigoroso estímulo a assumir um compromisso da missão para
testemunhar o Evangelho pelos caminhos do mundo. De fato, o Livro dos Atos narra uma série de
missões realizadas pelos Apóstolos, primeiro na Samaria, depois ao longo da
Palestina, e depois, em direção à Síria. São narradas sobretudo as três
grandes viagens missionárias realizadas por Paulo, como já recordei num
precedente encontro de quarta-feira. Mas São Paulo, nas suas Cartas fala-nos do
Espírito também sob outra perspectiva.
Ele não se detém
a ilustrar apenas a dimensão dinâmica e operativa da terceira Pessoa da
Santíssima Trindade, mas analisa também a presença na vida do cristão, cuja
identidade é marcada por ele. Em outras palavras, Paulo reflete sobre o
Espírito expondo a sua influência não só no agir
do cristão, mas também no seu ser. De
fato, ele diz que o Espírito de Deus habita em nós (cf. Rm 8,9; 1Cor 3,16) e
que "Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho" (Gl 4,6).
Portanto, para
Paulo o Espírito conota-nos até às nossas profundezas pessoais mais íntimas. Em
relação a isto, eis algumas das suas palavras de importante significado:
"A lei do Espírito que dá a vida libertou-te, em Cristo Jesus, da lei do
pecado e da morte... Vós não recebestes um Espírito que vos escravize e volte a
encher-vos de medo; mas recebestes um Espírito que faz de vós filhos adotivos.
É por Ele que clamamos: Abbá, ó
Pai!" (Rm 8,2.15), porque somos
filhos, podemos chamar "Pai" a Deus. Portanto, vemos bem que o
cristão, ainda antes de agir, já possui uma interioridade rica e fecunda, que
lhe é concedida nos sacramentos do Batismo e da Confirmação, uma interioridade
que o estabelece num relacionamento objetivo e original de filiação em relação
a Deus.
Eis a nossa
grande dignidade: a de não ser apenas imagem, mas filhos de Deus. Trata-se de
um convite a viver esta nossa filiação, a estarmos cada vez mais conscientes de
que somos filhos adotivos na grande família de Deus. É um convite a
transformar este dom objetivo numa realidade subjetiva, determinante para o
nosso pensar, para o nosso agir, para o nosso ser. Deus considera-nos seus
filhos, tendo-nos elevado a uma tal dignidade, mesmo se não é igual, à do
próprio Jesus, o único Filho em sentido pleno. Nele é-nos dada, ou restituída,
a condição filial e a liberdade confiante em relação ao Pai.
Assim
descobrimos que para o cristão o Espírito já não é apenas o "Espírito de
Deus", como se diz normalmente no Antigo Testamento e se continua a
repetir na linguagem cristã (cf. Gn
41,38; Ex 31,3; 1Cor 2,11.12; Fl 3,3; etc.). E também não é apenas um "Espírito Santo"
entendido em sentido genérico, segundo o modo de expressar-se do Antigo
Testamento (cf. Is 63,10.11; Sl 51,13), e do próprio Judaísmo nos
seu escritos (Qunram, rabinismo).
De fato,
pertence à especificidade da fé cristã a confissão de uma original partilha
deste Espírito por parte do Senhor ressuscitado, o qual se tornou Ele mesmo
"Espírito que dá vida" (1Cor
15,45). Precisamente por isso São Paulo fala diretamente do "Espírito de
Cristo" (Rm 8,9), do
"Espírito do Filho" (Gl 4,6) ou do "Espírito de Jesus Cristo" (Fl 1,19). É como se quisesse dizer que não só Deus Pai é visível
no Filho (cf. Jo 14,9), mas que
também o Espírito de Deus se expressa na vida e nas ações do Senhor
crucificado e ressuscitado!
Paulo ensina-nos
também outra coisa importante: ele diz que não existe verdadeira oração sem a
presença do Espírito em nós. De fato, escreve: "O Espírito vem em auxílio
da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir como é verdade que
não sabemos como falar com Deus!; mas o próprio Espírito intercede por nós com
gemidos inefáveis. E aquele que examina os corações conhece as intenções do
Espírito, porque é de acordo com Deus que o Espírito intercede pelos
santos" (Rm 8,26-27). É como
dizer que o Espírito Santo, isto é, o Espírito do Pai e do Filho, é como a alma
da nossa alma, a parte mais secreta do nosso ser, de onde se eleva
incessantemente a Deus um dístico de oração, da qual nem sequer podemos
esclarecer as palavras.
De fato, o
Espírito sempre ativo em nós, supre às nossas carências e oferece ao Pai a
nossa adoração, juntamente com as nossas aspirações mais profundas.
Naturalmente isto exige um nível de maior comunhão vital com o Espírito. É um
convite a ser cada vez mais sensíveis, mais atentos a esta presença do Espírito
em nós, a transformá-la em oração, a ouvir esta presença e a aprender assim a
rezar, a falar com o Pai como filhos no Espírito Santo.
Há também outro
aspecto típico do Espírito que nos foi ensinado por São Paulo: é a sua ligação
com o amor. De fato, São Paulo escreve: "A esperança não engana, porque o
amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado" (Rm 5,5). Na minha Carta
encíclica "Deus caritas est"
citei uma frase muito eloquente de Santo Agostinho: "Se vês a caridade,
vês a Trindade" (n. 19), e prossegui explicando: "O Espírito é aquela
força que harmoniza seus corações [dos crentes] com o coração de Cristo e
leva-os a amar os irmãos como Ele os amou" (ibid.). O Espírito insere-nos no próprio ritmo da vida divina, que
é vida de amor, fazendo-nos pessoalmente partícipes dos relacionamentos
existentes entre o Pai e o Filho. Não é sem significado que Paulo, quando
elenca as várias componentes da frutificação do Espírito, coloque em primeiro
lugar o amor: "O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, etc." (cf. Gl 5,22).
E dado que por
definição o amor une, isto significa antes de tudo que o Espírito é criador de
comunhão no âmbito da comunidade cristã, como dizemos no início da Santa Missa
com uma expressão paulina: "... a comunhão do Espírito Santo [ou seja, a
que é realizada por ele] esteja com todos vós!" (2Cor 13,13). Mas, por outro lado, é também verdade que o
Espírito nos estimula a estabelecer relacionamentos de caridade com todos os
homens. Dado que, quando amamos damos espaço ao Espírito, permitimos que se expresse
em plenitude. Compreende-se assim por que Paulo coloca na mesma página da Carta
aos Romanos as duas exortações: "deixai-vos inflamar pelo Espírito" e
"não pagueis a ninguém o mal com o mal" (Rm 12, 11.17).
Por fim, o
Espírito segundo São Paulo é um penhor generoso que nos é dado pelo próprio
Deus como antecipação e ao mesmo tempo como garantia da nossa herança futura
(cf. 2Cor 1,22; 5,5; Ef 1,13-14). Aprendemos assim de Paulo
que a ação do Espírito orienta a nossa vida para os grandes valores do amor,
da alegria, da comunhão e da esperança. Compete a nós fazer deles experiência
quotidiana acompanhadas pelas sugestões interiores do Espírito, ajudados no
discernimento pela orientação iluminadora do Apóstolo.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
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Quarta-feira,
22 de Novembro de 2006
Paulo,
a vida na Igreja
Queridos irmãos e irmãs!
Completamos hoje
os nossos encontros com o apóstolo Paulo, dedicando-lhe uma última reflexão. De
fato, não podemos despedir-nos dele, sem considerar uma das componentes
decisivas da sua atividade e um dos temas mais importantes do seu pensamento:
a realidade da Igreja. Devemos antes de tudo constatar que o seu primeiro
contato com a pessoa de Jesus se realiza através do testemunho da comunidade
cristã de Jerusalém. Foi um contato conturbado. Tendo conhecido o novo grupo
de crentes, ele tornou-se imediatamente um seu orgulhoso perseguidor. Ele mesmo
o reconhece nas suas três Cartas: "Persegui
a Igreja de Deus", escreve (1Cor
15,9; Gl 1,13; Fl 3,6), quase como a apresentar este seu comportamento como o
pior dos crimes.
A história
mostra-nos que se alcança normalmente Jesus através da Igreja! Num certo
sentido, isto verificou-se, dizíamos, também para Paulo, o qual encontrou a
Igreja antes de encontrar Jesus.
Mas este
contato, no seu caso, foi contraproducente, não causou a adesão, mas uma
violenta repulsa. Para Paulo, a adesão à Igreja foi propiciada por uma
intervenção direta de Cristo, o qual, tendo-se-lhe revelado no caminho de
Damasco, se identificou com a Igreja e lhe fez compreender que perseguir a
Igreja era perseguir o Senhor. De fato, o Ressuscitado disse a Paulo, o
perseguidor da Igreja: "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (At 9,4). Perseguindo a Igreja,
perseguia Cristo. Então Paulo converteu-se, ao mesmo tempo, a Cristo e à
Igreja. Disto compreende-se depois porque a Igreja tenha estado tão presente
nos pensamentos, no coração e na atividade de Paulo. Em primeiro lugar, porque
ele fundou literalmente muitas Igrejas nas várias cidades onde foi para
evangelizar. Quando fala da sua "solicitude por todas as Igrejas" (2Cor 11,28), ele pensa nas várias
comunidades cristãs suscitadas de cada vez na Galácia, na Jônia, na Macedônia e
na Acaia. Algumas daquelas Igrejas também lhe deram preocupações e desgostos,
como aconteceu por exemplo nas Igrejas da Galácia, que ele viu seguir
"outro Evangelho" (Gl 1,6), ao que se opôs com firme determinação. Contudo ele sentia-se ligado às
comunidades por ele fundadas de maneira não fria nem burocrática, mas intensa e
apaixonada. Assim, por exemplo, define os filipenses "meus caríssimos e
saudosos irmãos, minha coroa e alegria" (4,1). Outras vezes compara as
várias comunidades com uma carta de apresentação única no seu gênero: "A
nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações, conhecida e lida
por todos os homens" (2Cor 3,2). Outras vezes ainda mostra em relação a eles um verdadeiro sentimento não só
de paternidade mas até de maternidade, como quando se dirige aos seus
destinatários interpelando-os como "Meus filhos, por quem sinto outra vez
as dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!" (Gl 4,19; cf. também 1Cor 4,14-15; 1Ts 2,7-8).
Nas suas Cartas Paulo ilustra-nos a sua doutrina
sobre a Igreja como tal. Portanto, é muito conhecida a sua original definição
da Igreja como "corpo de Cristo", que não encontramos noutros autores
cristãos do I século (cf. 1Cor 12,27: Ef 4,12; 5,30; Cl 1,24). A raiz mais profunda desta
surpreendente designação da Igreja encontramo-la no Sacramento do corpo de
Cristo. Diz São Paulo: "Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos,
somos um só corpo" (1Cor 10,17). Na mesma Eucaristia Cristo dá-nos o seu Corpo e faz-nos seu Corpo. Neste
sentido São Paulo diz aos Gálatas: "todos sois um em Cristo" (Gl 3,28). Com tudo isto Paulo faz-nos
compreender que existe não só uma pertença da Igreja a Cristo, mas também uma
certa forma de equiparação e de identificação da Igreja com o próprio Cristo.
Portanto, é daqui que deriva a grandeza e a nobreza da Igreja, ou seja, de
todos nós que a ela pertencemos por sermos membros de Cristo, quase uma
extensão da sua presença pessoal no mundo. E daqui se origina, naturalmente, o
nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também
as exortações de Paulo a propósito dos vários carismas que animam e estruturam
a comunidade cristã. Todos eles reconduzem a uma única fonte, que é o Espírito
do Pai e do Filho, sabendo bem que na Igreja ninguém está desprovido dele,
porque, como escreve o Apóstolo, "a cada um é dada a manifestação do
Espírito, para proveito comum" (1Cor 12,7). Mas é importante que todos os carismas cooperem juntos na
edificação da comunidade e não se tornem ao contrário motivo de dilaceração. A
este propósito, Paulo pergunta retoricamente: "Estará Cristo dividido?"
(1Cor 1,13). Ele sabe bem e
ensina-nos que é necessário "manter a unidade do Espírito, mediante o
vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos
chamou a uma só esperança" (Ef
4,3-4).
Sem dúvida,
realçar a exigência da unidade não significa afirmar que se deva uniformizar ou
nivelar a vida eclesial segundo um único modo de agir. Noutro texto Paulo
ensina a "não apagar o Espírito" (1Ts 5,19), isto é, a dar generosamente espaço ao dinamismo imprevisível das
manifestações carismáticas do Espírito, o qual é fonte de energia e de
vitalidade sempre nova. Mas se há um critério do qual Paulo não prescinde é a
mútua edificação: "que tudo se faça de modo a edificar" (1Cor 14,26). Tudo deve concorrer para
construir ordenadamente o tecido eclesial, não só sem estagnação, mas também
sem fugas ou exceções. Depois, há outra Carta paulina que chega a apresentar a
Igreja como esposa de Cristo (cf. Ef
5,21-33). Com isto retoma-se uma antiga metáfora profética, que fazia do povo
de Israel a esposa do Deus da aliança (cf. Os
2,4.21; Is 54,5-8): com isto
pretende-se dizer quanto sejam íntimas as relações entre Cristo e a sua Igreja,
quer no sentido de que ela é objeto do amor mais terno da parte do seu Senhor,
quer também no sentido de que o amor deve ser recíproco e que, por conseguinte
também nós, como membros da Igreja, devemos demonstrar fidelidade apaixonada em
relação a Ele.
Definitivamente,
está em jogo a relação de comunhão: a vertical
entre Jesus Cristo e todos nós, e também a horizontal
entre todos os que se distinguem no mundo pelo fato de "invocar o nome de
Nosso Senhor Jesus Cristo" (1Cor
1,2). Esta é a nossa definição: nós pertencemos àqueles que invocam o nome do
Senhor Jesus Cristo. Portanto compreende-se bem quanto seja desejável que se
realize o que o próprio Paulo deseja ao escrever aos coríntios: "Mas se
todos começarem a profetizar e entrar ali um descrente qualquer ou simples
ouvinte, há de sentir-se tocado por todos, julgado por todos; os segredos do seu
coração serão desvendados e, prostrando-se com o rosto por terra, adorará a
Deus, proclamando que Deus está realmente no meio de vós" (1Cor 24-25). Assim deveriam ser os
nossos encontros litúrgicos. Um não cristão que entra numa assembleia nossa, no
final deveria poder dizer: "Verdadeiramente Deus está convosco".
Peçamos ao Senhor que sejamos assim, em comunhão com Cristo e em comunhão entre
nós.
Fonte: Santa Sé. Em 2008, durante o Ano Paulino, o Papa Bento XVI dedicou outras 16 catequeses ao "Apóstolo das nações", que podem ser igualmente encontradas no site da Santa Sé.