domingo, 1 de setembro de 2019

Os ícones das festas litúrgicas

Definimos com todo o rigor e cuidado que, à semelhança da figura da cruz preciosa e vivificante, assim os venerandos e santos ícones, quer pintados, quer em mosaico ou em qualquer outro material adequado, devem ser expostos nas santas igrejas de Deus” [1].

Com esta definição, o II Concílio de Niceia (VII Concílio Ecumênico, realizado em 787) definia a doutrina da veneração das imagens sagradas ou ícones (do grego eikon, imagem).

O fundamento da veneração dos ícones encontra-se no mistério da Encarnação do Senhor: no Antigo Testamento era compreensível a proibição da confecção de imagens, uma vez que Deus ainda não havia se revelado de maneira visível. Em Jesus Cristo, porém, o invisível se fez visível e, portanto, pode ser representado, como Ele mesmo atesta a Filipe: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).

Ícone de Cristo venerado no Monte Sinai

O ícone nada tem a ver com o ídolo (do grego eidolon), condenado reiteradas vezes pela Escritura. O ídolo era considerado um deus pelos povos pagãos e a ele era prestado culto de adoração (latria). No cristianismo o culto de adoração é reservado unicamente a Deus, sendo prestado aos ícones o culto de veneração (dulia).

As imagens sagradas prestaram ao longo da história da Igreja e ainda prestam um valioso auxílio na evangelização. Se os hagiógrafos escreveram a Palavra de Deus com tinta e papel, os iconógrafos a escreveram com cores e formas, tornando-a assim acessível às pessoas que não sabem ler. As imagens sagradas são, pois, “a Bíblia do simples” [3].

Como bem sintetiza o Papa São João Paulo II em sua célebre Carta aos artistas (n. 12): “Para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte. De fato, deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus. Por isso, tem de transpor para fórmulas significativas aquilo que, em si mesmo, é inefável. Ora, a arte possui uma capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas, sons que estimulam a intuição de quem os vê e ouve. E isso sem privar a própria mensagem do seu valor transcendente e do seu halo de mistério” [2].

Dentre as diversas expressões da arte sacra, ocupam um lugar de destaque os ícones da tradição bizantina. Estes ícones apresentam uma extraordinária riqueza de simbolismos, constituindo-se em sólida catequese sobre as verdades fundamentais da fé.

Iconostase de uma igreja bizantina

Ao longo do próximo ano iremos apresentar aqui neste blog uma série de ícones das festas litúrgicas segundo a tradição bizantina [4]. Estes ícones geralmente ficam expostos nas igrejas desta tradição como parte da iconostase, espécie de “parede” que separa o santuário (presbitério) da nave. São verdadeiramente as “janelas do invisível”, as “janelas abertas para o infinito”.

Utilizaremos para estas postagens principalmente a série de livros de Gaetano Passarelli, publicados no Brasil entre 1996 e 1997 pela Editora Ave Maria. Nesta coleção o autor explica cada um dos ícones das grandes festas, complementando a reflexão com textos litúrgicos bizantinos.

Seguiremos nas postagens a ordem do Ano Litúrgico bizantino, que começa justamente hoje, dia 01 de setembro. Esta escolha coloca a festa da Natividade de Maria (08 de setembro) como a primeira das grandes festas e a sua Dormição (15 de agosto) como a última. Longe de colocar Maria como centro, esta organização a apresenta como a “moldura” que evidencia a verdadeira “obra de arte”: seu Filho Jesus Cristo. Maria é sua precursora na vida, pois nasce antes d’Ele segundo a carne, e o seguirá depois na morte e ressurreição.

Ícone de Maria venerado em Roma

Tomaremos também algumas liberdades em relação às festas litúrgicas, acrescentando ícones para festas próprias da tradição romana (como as Solenidades da Santíssima Trindade e de Cristo Rei), indicando assim como as diferentes tradições cristãs iluminam-se mutuamente.

Para acessar as postagens, publicadas de setembro de 2019 a novembro de 2020, clique nos links abaixo:

O ícone do Natal do Senhor (25 de dezembro)

Os ícones da Mãe de Deus - Santa Maria, Mãe de Deus (01 de janeiro)

O ícone da Teofania - Epifania / Batismo do Senhor (06 de janeiro)

O ícone da Ressurreição de Lázaro - V Domingo da Quaresma (ano A)

O ícone da Última Ceia - Quinta-feira Santa

O ícone da Ascensão do Senhor - 40 dias após a Páscoa

O ícone de Pentecostes - 50 dias após a Páscoa

O ícone da Santíssima Trindade - Domingo após o Pentecostes

O ícone da Dormição da Mãe de Deus - Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto)

O ícone de Cristo Salvador - Jesus Cristo, Rei do Universo





“O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos tocaram da Palavra da Vida, (...) isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos” (1Jo 1,1.3)

Ícones das festas em volta do ícone da Páscoa

Notas:

[1] II Concílio de Niceia. 7ª sessão: Definição a respeito dos sagrados ícones. in: DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007, n. 600, p. 218.

[2] JOÃO PAULO II (Papa). Carta aos artistas. in: Coleção: A voz do Papa, 167. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 24.

[3] Há uma ampla bibliografia sobre os ícones e sua fundamentação teológica. Utilizamos aqui sobretudo ALFEYEV, Hilarion. O mistério da fé: Introdução à teologia dogmática ortodoxa. Petrópolis: Vozes, 2018, pp. 166-172.

[4] São doze as principais festas litúrgicas bizantinas, além da Páscoa, mãe de todas as festas: Natividade de Maria, Exaltação da Santa Cruz, Apresentação de Maria, Natal do Senhor, Teofania, Apresentação do Senhor, Anunciação, Transfiguração e a Dormição de Maria, com datas fixas, além das festas com datas móveis: Entrada de Jesus em Jerusalém, Ascensão do Senhor e Pentecostes. cf. DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 31-33.

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