I Dia Mundial dos Avós e dos Idosos
Santa Missa do XVII Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Homilia do Papa Francisco
Basílica São Pedro
Domingo, 25 de julho de 2021
Recuperando-se de uma cirurgia, o Papa não pode presidir a celebração, sendo substituído por Dom Rino Fisichella, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, que leu a homilia preparada pelo Santo Padre:
Estava Jesus sentado a ensinar quando,
«erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, disse
a Filipe: “Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?”» (Jo 6,5).
Jesus não Se limita a ensinar, mas deixa-Se interpelar também pela fome que se
faz sentir na vida das pessoas. E assim alimenta a multidão, distribuindo os
cinco pães de cevada e os dois peixes recebidos de um jovem. Ao fim, sobram
ainda numerosos pedaços de pão, dizendo aos seus discípulos que os recolham,
«para que nada se perca» (v. 12).
Neste Dia dedicado aos avós e aos
idosos, gostaria de deter-me precisamente nestes três momentos: Jesus vê a fome
da multidão; Jesus partilha o pão; Jesus recomenda a recolha dos pedaços que
sobraram. Três momentos que podem resumir-se em três verbos: ver, partilhar, guardar.
O primeiro verbo: ver. Ao início da narração, o
evangelista João sublinha este detalhe: Jesus levanta os olhos e vê a multidão
faminta depois de tanto ter caminhado para encontrá-Lo. O milagre começa assim,
com o olhar de Jesus; um olhar não indiferente nem apressado mas que sente as
aguilhoadas da fome que atribulam a humanidade cansada. Preocupa-Se conosco,
cuida de nós, quer saciar a nossa fome de vida, de amor, de felicidade. Nos olhos
de Jesus, vemos o olhar de Deus: é um olhar atento, que se dá conta de nós,
perscruta os anseios que trazemos no coração, entrevê a fadiga, o cansaço e a
esperança com que avançamos. Um olhar que sabe captar as necessidades de cada
um: aos olhos de Deus, não existe a multidão anônima, mas cada pessoa com a sua
fome. Jesus tem um olhar contemplativo, isto é, capaz de parar em frente da
vida do outro e ler dentro dela.
Este é também o olhar que os avós e os
idosos tiveram sobre a nossa vida. Foi o modo como cuidaram de nós, desde a
nossa infância. Depois duma vida feita de sacrifícios, não se mostraram
indiferentes a nosso respeito nem apressados sem nos ligar; mas tiveram olhos
atentos, cheios de ternura. No nosso crescimento quando nos sentíamos incompreendidos
ou com medo dos desafios da vida, eles deram-se conta de nós, do que estava a
mudar no nosso coração, das nossas lágrimas escondidas e dos sonhos que
trazíamos dentro de nós. Todos nos sentamos nos joelhos dos avós, que nos
tiveram ao colo. E foi também graças a este amor que nos tornamos adultos.
E nós! Que olhar temos para com os avós
e os idosos? Quando foi a última vez que fizemos companhia ou telefonamos a um
idoso para certificá-lo da nossa proximidade e deixar-nos abençoar pelas suas
palavras? Sofro quando vejo uma sociedade que corre, apressada, indiferente,
ocupada com tantas coisas e incapaz de parar para dar um olhar, uma saudação,
uma carícia. Tenho medo de uma sociedade onde todos formamos uma multidão anônima
e já não somos capazes de erguer os olhos e reconhecer-nos. Os avós, que
alimentaram a nossa vida, hoje têm fome de nós: da nossa atenção, da nossa
ternura; de nos sentir ao pé deles. Ergamos o olhar para eles, como Jesus faz
conosco.
O segundo verbo: partilhar.
Depois de ter visto a fome daquelas pessoas, Jesus quer alimentá-las. Mas isto
acontece graças à dádiva de um jovem, que oferece os seus cinco pães e os dois
peixes. É belo encontrar, no centro deste prodígio que beneficiou tantos
adultos - cerca de cinco mil pessoas -, um rapaz, um jovem, que partilha o que
tem.
Hoje há necessidade de uma nova aliança
entre jovens e idosos, há necessidade de partilhar o tesouro comum da vida,
sonhar juntos, superar os conflitos entre as gerações para preparar o futuro de
todos. Sem esta aliança de vida, de sonhos, de futuro, corremos o risco de
morrer de fome, porque aumentam os laços desfeitos, as solidões, os egoísmos e
as forças desagregadoras. Frequentemente, na nossa sociedade, deixamos a vida
guiar-se por esta ideia: «cada um pensa por si». Mas isto mata! O Evangelho
exorta-nos a partilhar o que somos e temos: só assim poderemos ser saciados. A
propósito, já muitas vezes recordei o que diz o profeta Joel (cf. Jl 3,1): jovens e idosos juntos. Os
jovens, profetas do futuro que não esquecem a história donde provêm; os idosos,
sonhadores sempre incansáveis que transmitem experiência aos jovens, sem lhes
bloquear o caminho. Jovens e idosos, o tesouro da tradição e o frescor do
Espírito. Jovens e idosos juntos. Na sociedade e na Igreja: juntos.
O terceiro verbo: guardar.
Depois de terem comido, o Evangelho observa que sobraram muitos pedaços de pão.
E Jesus recomenda: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca» (Jo 6,12).
Assim é o coração de Deus: não apenas nos dá mais do que precisamos, mas
preocupa-se também que nada se perca, nem um pedaço sequer. Um pedaço de pão
pode parecer insignificante, mas aos olhos de Deus nada deve ser descartado; e,
com mais forte razão, ninguém deve ser descartado. É um convite profético que,
hoje, somos chamados a fazer ressoar em nós e no mundo: recolhei,
conservai cuidadosamente, guardai. Os avós e os idosos não são sobras de
vida, desperdícios para deitar fora. Mas são aqueles preciosos pedaços de pão
deixados na mesa da nossa vida, que ainda nos podem nutrir com uma fragrância
que perdemos, «a fragrância da misericórdia e da memória». Não percamos a
memória de que os idosos são portadores, porque somos filhos daquela história
e, sem raízes, murcharemos. Guardaram-nos no caminho do nosso crescimento, agora
cabe a nós guardar a vida deles, aliviar as suas dificuldades, atender às suas
necessidades, criar as condições que lhes permitam ver facilitadas as suas
tarefas diárias e não se sintam sozinhos. Perguntemo-nos: «Visitei os avós? Os
idosos da minha família ou do meu bairro? Prestei-lhes atenção? Dediquei-lhes
algum tempo?» Guardemo-los, para que nada se perca: nada da sua vida e dos seus
sonhos. Cabe a nós, hoje, prevenir o lamento de amanhã por não termos dedicado
suficiente atenção a quem nos amou e nos deu a vida.
Irmãos e irmãs, os avós e os idosos são
pão que nutre a nossa vida. Sejamos agradecidos pelos seus olhos atentos, que
se aperceberam de nós, pelos seus joelhos que nos deram colo, pelas suas mãos
que nos acompanharam e levantaram, pelos jogos que fizeram conosco e pelas
carícias com que nos consolaram. Por favor, não nos esqueçamos deles.
Aliemo-nos com eles. Aprendamos a parar, a reconhecê-los, a ouvi-los. Nunca os
descartemos. Guardemo-los amorosamente. E aprendamos a partilhar tempo com eles.
Sairemos melhores. E juntos, jovens e idosos, saciar-nos-emos à mesa da
partilha, abençoada por Deus.