sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Catequese do Papa: Santo André

Durante o Ano da Fé, à medida em que a Igreja celebra as festas dos Santos Apóstolos, baluartes da fé, publicaremos as catequeses do Papa Bento XVI, proferidas entre 2006 e 2007, nas quais o Santo Padre fala sobre cada um dos Apóstolos.

Iniciamos com o primeiro apóstolo a ser chamado por Cristo: Santo André, cuja Festa se celebra no dia 30 de novembro:

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de junho de 2006
André, o Protóklitos

Queridos irmãos e irmãs!
Nas últimas duas catequeses falamos da figura de São Pedro. Agora queremos, na medida em que as fontes o permitem, conhecer mais de perto também os outros onze Apóstolos. Portanto, falamos hoje do irmão de Simão Pedro, Santo André, também ele um dos Doze. A primeira característica que em André chama a atenção é o nome: não é hebraico, como teríamos pensado, mas grego, sinal de que não deve ser minimizada uma certa abertura cultural da sua família. Estamos na Galileia, onde a língua e a cultura gregas estão bastante presentes. Nas listas dos Doze, André ocupa o segundo lugar, como em Mateus (10,1-4) e em Lucas (6,13-16), ou o quarto lugar como em Marcos (3,13-18) e nos Atos (1,13-14). Contudo, ele gozava certamente de grande prestígio nas primeiras comunidades cristãs.
O laço de sangue entre Pedro e André, assim como a comum chamada que Jesus lhes faz, sobressaem explicitamente nos Evangelhos. Neles lê-se: "Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu os dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: 'Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens'" (Mt 4,18-19; Mc 1,16-17). Do quarto Evangelho tiramos outro pormenor: num primeiro momento, André era discípulo de João Batista; e isto mostra-nos que era um homem que procurava, que partilhava a esperança de Israel, que queria conhecer mais de perto a palavra do Senhor, a realidade do Senhor presente. Era verdadeiramente um homem de fé e de esperança; e certa vez, de João Batista ouviu proclamar Jesus como "o cordeiro de Deus" (Jo 1,36); então ele voltou-se e, juntamente com outro discípulo que não é nomeado, seguiu Jesus, Aquele que era chamado por João o "Cordeiro de Deus". O evangelista narra: eles "viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia" (Jo 1,37-39). Portanto, André viveu momentos preciosos de familiaridade com Jesus.
A narração continua com uma anotação significativa: "André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus. Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: 'Encontramos o Messias' que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus" (Jo 1,40-43), demonstrando imediatamente um espírito apostólico não comum. Portanto, André foi o primeiro dos Apóstolos a ser chamado para seguir Jesus. Precisamente sobre esta base a liturgia da Igreja Bizantina o honra com o apelativo de Protóklitos, que significa exatamente "primeiro chamado". E não há dúvida de que devido ao relacionamento fraterno entre Pedro e André, a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla se sentem irmãs entre si de modo especial. Para realçar este relacionamento, o meu Predecessor, o Papa Paulo VI, em 1964, restituiu as insignes relíquias de Santo André, até então conservadas na Basílica Vaticana, ao Bispo metropolita Ortodoxo da cidade de Patrasso na Grécia, onde, segundo a tradição, o Apóstolo foi crucificado.
As tradições evangélicas recordam particularmente o nome de André noutras três ocasiões, que nos fazem conhecer um pouco mais este homem. A primeira é a da multiplicação dos pães na Galileia. Naquele momento foi André quem assinalou a Jesus a presença de um jovem que tinha cinco pães de cevada e dois peixes: era muito pouco, observou ele, para todas as pessoas reunidas naquele lugar (cf. Jo 6,8-9). Merece ser realçado, neste caso, o realismo de André: ele viu o jovem, portanto já se tinha perguntado: "mas o que é isto para tantas pessoas?" (ibid.), mas apercebeu-se da insuficiência dos seus poucos recursos. Contudo, Jesus soube fazê-los bastar para a multidão de pessoas que vieram ouvi-lo. A segunda ocasião foi em Jerusalém. Saindo da cidade, um discípulo fez notar a Jesus o espetáculo dos muros sólidos sobre os quais o Templo se apoiava. A resposta do Mestre foi surpreendente: disse que não teria ficado em pé nem sequer uma pedra daqueles muros. Então André, juntamente com Pedro, Tiago e João, interrogou-o: "Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para acabar" (Mc 13,1-4).
Para responder a esta pergunta Jesus pronunciou um importante discurso sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim do mundo, convidando os seus discípulos a ler com atenção os sinais do tempo e a permanecer sempre vigilantes. Podemos deduzir deste episódio que não devemos ter receio de fazer perguntas a Jesus, mas ao mesmo tempo devemos estar prontos para receber os ensinamentos, até surpreendentes e difíceis, que Ele nos oferece.
Por fim, nos Evangelhos está registrada uma terceira iniciativa de André. O cenário ainda é Jerusalém, pouco antes da Paixão. Para a festa da Páscoa, narra João, tinham vindo à cidade santa alguns gregos, provavelmente prosélitos ou tementes a Deus, que vinham para adorar o Deus de Israel na festa da Páscoa. André e Filipe, os dois apóstolos com nomes gregos, servem como intérpretes e mediadores deste pequeno grupo de gregos junto de Jesus. A resposta do Senhor à sua pergunta parece, como muitas vezes no Evangelho de João, enigmática, mas precisamente por isso revela-se rica de significado. Jesus diz aos dois discípulos e, através deles, ao mundo grego: "Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto" (12,23-24).
O que significam estas palavras neste contexto? Jesus quer dizer: sim, o encontro entre mim e os gregos terá lugar, mas não como simples e breve diálogo entre mim e algumas pessoas, estimuladas sobretudo pela curiosidade. Com a minha morte, comparável à queda na terra de um grão de trigo, chagará a hora da minha glorificação. A minha morte na cruz originará grande fecundidade: o "grão de trigo morto" símbolo de mim crucificado tornar-se-á na ressurreição pão de vida para o mundo; será luz para os povos e para as culturas. Sim, o encontro com a alma grega, com o mundo grego, realizar-se-á naquela profundidade à qual faz alusão a vicissitude do grão de trigo que atrai para si as forças da terra e do céu e se torna pão. Por outras palavras, Jesus profetiza a Igreja dos gregos, a Igreja dos pagãos, a Igreja do mundo como fruto da sua Páscoa.
Tradições muito antigas veem em André, o qual transmitiu aos gregos esta palavra, não só o intérprete de alguns gregos no encontro com Jesus agora recordado, mas consideram-no como apóstolo dos gregos nos anos que sucederam ao Pentecostes; fazem-nos saber que no restante da sua vida ele foi anunciador e intérprete de Jesus para o mundo grego. Pedro, seu irmão, de Jerusalém, passando por Antioquia, chegou a Roma para aí exercer a sua missão universal; André, ao contrário, foi o apóstolo do mundo grego: assim, eles são vistos, na vida e na morte, como verdadeiros irmãos, uma irmandade que se exprime simbolicamente no relacionamento especial das Sedes de Roma e de Constantinopla, Igrejas verdadeiramente irmãs.
Uma tradição sucessiva, como foi mencionado, narra a morte de André em Patrasso, onde também ele sofreu o suplício da crucifixão. Mas, naquele momento supremo, de modo análogo ao do irmão Pedro, ele pediu para ser posto numa cruz diferente da de Jesus. No seu caso tratou-se de uma cruz decussada, isto é, cruzada transversalmente inclinada, que por isso foi chamada "cruz de Santo André". Eis o que o Apóstolo dissera naquela ocasião, segundo uma antiga narração (início do século VI) intitulada Paixão de André: "Salve, ó Cruz, inaugurada por meio do corpo de Cristo e que se tornou adorno dos seus membros, como se fossem pérolas preciosas. Antes que o Senhor fosse elevado sobre ti, tu incutias um temor terreno.
Agora, ao contrário, dotada de um amor celeste, és recebida como um dom. Os crentes sabem, a teu respeito, quanta alegria possuis, quantos dons tens preparados. Portanto, certo e cheio de alegria venho a ti, para que também tu me recebas exultante como discípulo daquele que em ti foi suspenso... Ó Cruz bem-aventurada, que recebestes a majestade e a beleza dos membros do Senhor!... Toma-me e leva-me para longe dos homens e entrega-me ao meu Mestre, para que por teu intermédio me receba quem por ti me redimiu. Salve, ó Cruz; sim, salve verdadeiramente!".
Como se vê, há aqui uma profundíssima espiritualidade cristã, que vê na Cruz não tanto um instrumento de tortura como, ao contrário, o meio incomparável de uma plena assimilação ao Redentor, ao grão de trigo que caiu na terra. Nós devemos aprender disto uma lição muito importante: as nossas cruzes adquirem valor se forem consideradas e aceites como parte da cruz de Cristo, se forem alcançadas pelo reflexo da sua luz. Só daquela Cruz também os nossos sofrimentos são nobilitados e adquirem o seu verdadeiro sentido.
Portanto, o apóstolo André ensina-nos a seguir Jesus com prontidão (cf. Mt 4,20; Mc 1,18), a falar com entusiasmo d'Ele a quantos encontramos, e sobretudo a cultivar com Ele um relacionamento de verdadeira familiaridade, bem conscientes de que só n'Ele podemos encontrar o sentido último da nossa vida e da nossa morte.


Fonte: Santa Sé

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Títulos e Diaconias dos novos Cardeais

Eis os títulos e diaconias dos novos Cardeais:

Cardeal James Michael Harvey
Arcipreste da Basílica de São Paulo Extra-Muros
Diaconia de São Pio V Villa Carpegna
(Esta diaconia pertencia ao Cardeal Sánchez, falecido em 09/03/2012)



Cardeal Béchara Boutros Raï:
Patriarca de Antioquia dos Maronitas
Cardeal Bispo de Antioquia dos Maronitas


Cardeal Baselios Cleemis Thottunkal:
Arcebispo-Maior de Trivandrum dos Sírio-Malankares
Título de São Gregório VII
(Este título pertencia ao Cardeal Eugênio Sales, falecido em 09/07/2012)



Cardeal John Olorunfemi Onaiyekan:
Arcebispo deAbuja (Nigéria)
Título de São Saturnino
(Este título pertencia ao Cardeal Toruño, falecido em 04/06/2012)



Cardeal Rubén Salazar Gómez:
Arcebispo de Bogotá (Colômbia)
Título de São Geraldo Majela
(Este título pertencia ao Cardeal Swiátek, falecido em 01/07/2011)



Cardeal Luis Antonio G. Tagle
Arcebispo de Manila (Filipinas)
Título de São Félix de Cantalice a Centocelle
(Este título pertencia ao Cardeal Sou-hwan  , falecido em 16/02/2009)


Fonte: Santa Sé

Solenidade de Cristo Rei em Frederico Westphalen

Ritos iniciais
Durante as leituras

Imposição do incenso
Bênção para o Evangelho

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Fotos da Missa com os novos Cardeais

Procissão de entrada

Santo Padre Bento XVI
Saudação ao Santo Padre
Oração do dia

Homilia do Papa na Missa com os novos Cardeais

Consistório Ordinário Público para a Criação de Novos Cardeais
Santa Missa com os novos Cardeais
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo
Domingo, 25 de novembro de 2012

Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Amados irmãos e irmãs!
A solenidade de Jesus Cristo Rei do universo, que hoje coroa o Ano Litúrgico, vê-se enriquecida com a recepção no Colégio Cardinalício de seis novos membros, que convidei, como é tradição, para concelebrar comigo a Eucaristia nesta manhã. A cada um deles dirijo a minha saudação mais cordial, agradecendo ao Cardeal James Michael Harvey as amáveis palavras que em nome de todos me dirigiu. Saúdo os outros Purpurados e todos os Prelados presentes, bem como as ilustres Autoridades, os Senhores Embaixadores, os sacerdotes, os religiosos e todos os fiéis, especialmente quantos vieram das dioceses que estão confiadas ao cuidado pastoral dos novos Cardeais.
Neste último domingo do Ano Litúrgico, a Igreja convida-nos a celebrar Jesus Cristo como Rei do universo; chama-nos a dirigir o olhar em direção ao futuro, ou melhor em profundidade, para a meta última da história, que será o reino definitivo e eterno de Cristo. Estava com o Pai no início, quando o mundo foi criado, e manifestará plenamente o seu domínio no fim dos tempos, quando julgar todos os homens. As três leituras de hoje falam-nos desse reino. No texto evangélico que ouvimos, tirado do Evangelho de São João, Jesus encontra-Se numa situação humilhante – a de acusado – diante do poder romano. Foi preso, insultado, escarnecido, e agora os seus inimigos esperam obter a sua condenação ao suplício da cruz. Apresentaram-No a Pilatos como alguém que aspira ao poder político, como o pretenso rei dos judeus. O procurador romano faz a própria investigação e interroga Jesus: «Tu és rei dos judeus?» (Jo 18,33). Na resposta a esta pergunta, Jesus esclarece a natureza do seu reino e da própria messianidade, que não é poder terreno, mas amor que serve; afirma que o seu reino de modo algum se confunde com qualquer reino político: «A minha realeza não é deste mundo (...) o meu reino não é de cá» (v. 36).
É claro que Jesus não tem nenhuma ambição política. Depois da multiplicação dos pães, o povo, entusiasmado com o milagre, queria pegar n’Ele e fazê-Lo rei, para derrubar o poder romano e assim estabelecer um novo reino político, que seria considerado como o reino de Deus tão esperado. Mas Jesus sabe que o reino de Deus é de género totalmente diverso; não se baseia sobre as armas e a violência. E é justamente a multiplicação dos pães que se torna, por um lado, sinal da sua messianidade, mas, por outro, assinala uma viragem decisiva na sua atividade: a partir daquele momento aparece cada vez mais claro o caminho para a Cruz; nesta, no supremo ato de amor, resplandecerá o reino prometido, o reino de Deus. Mas a multidão não entende, fica decepcionada, e Jesus retira-Se para o monte sozinho para rezar, para falar com o Pai (cf. Jo 6,1-15). Na narração da Paixão, vemos como os próprios discípulos, apesar de terem partilhado a vida com Jesus e ouvido as suas palavras, pensavam num reino político, instaurado mesmo com o uso da força. No Getsêmani, Pedro desembainhara a sua espada e começou a combater, mas Jesus deteve-o (cf. Jo 18,10-11); não quer ser defendido com as armas, mas deseja cumprir a vontade do Pai até ao fim e estabelecer o seu reino, não com as armas e a violência, mas com a aparente fragilidade do amor que dá a vida. O reino de Deus é um reino completamente diferente dos reinos terrenos.
Por isso, diante de um homem indefeso, frágil, humilhado como se apresenta Jesus, um homem de poder como Pilatos fica surpreendido – surpreendido, porque ouve falar de um reino, de servidores – e faz uma pergunta, a seu ver paradoxal: «Logo, Tu és rei!». Que tipo de rei pode ser um homem naquelas condições!? Mas Jesus responde afirmativamente: «É como dizes: Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz» (18,37). Jesus fala de rei, de reino, referindo-Se não ao domínio mas à verdade. Pilatos não entende: poderá haver um poder que não se obtenha com meios humanos? Um poder que não corresponda à lógica do domínio e da força? Jesus veio para revelar e trazer uma nova realeza: a realeza de Deus. Veio para dar testemunho da verdade de um Deus que é amor (cf. 1Jo 4,8.16) e que deseja estabelecer um reino de justiça, de amor e de paz (cf. Prefácio). Quem está aberto ao amor, escuta este testemunho e acolhe-o com fé, para entrar no reino de Deus.
Encontramos esta perspectiva na primeira leitura que ouvimos. O profeta Daniel prediz o poder de um personagem misterioso colocado entre o céu e a terra: «Vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído» (7,13-14). São palavras que preveem um rei que domina de mar a mar até aos confins da terra, com um poder absoluto, que nunca será destruído. Esta visão do profeta, uma visão messiânica, é esclarecida e realiza-se em Cristo: o poder do verdadeiro Messias – poder que não mais desaparece e nunca será destruído – não é o poder dos reinos da terra que surgem e caem, mas o poder da verdade e do amor. Assim entendemos como a realeza, anunciada por Jesus nas parábolas e revelada aberta e explicitamente diante do Procurador romano, é a realeza da verdade, a única que dá a todas as coisas a sua luz e grandeza.
Na segunda leitura, o autor do Apocalipse afirma que também nós participamos na realeza de Cristo. Na aclamação dirigida «Àquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue», declara que Ele «fez de nós um reino, sacerdotes para Deus e seu Pai» (1,5-6). Aqui está claro também que se trata de um reino fundado na relação com Deus, com a verdade, e não de um reino político. Com o seu sacrifício, Jesus abriu-nos a estrada para uma relação profunda com Deus: n’Ele tornamo-nos verdadeiros filhos adoptivos, participando assim da sua realeza sobre o mundo. Portanto, ser discípulos de Jesus significa não se deixar fascinar pela lógica mundana do poder, mas levar ao mundo a luz da verdade e do amor de Deus. Depois o autor do Apocalipse estende o olhar até à segunda vinda de Jesus – quando Ele voltar para julgar os homens e estabelecer para sempre o reino divino – e recorda-nos que a conversão, como resposta à graça divina, é a condição para a instauração desse reino (cf. 1,7). É um vigoroso convite dirigido a todos e cada um: converter-se sem cessar ao reino de Deus, ao domínio de Deus, da Verdade, na nossa vida. Pedimo-lo diariamente na oração do «Pai nosso» com as palavras «Venha a nós o vosso reino», que equivale a dizer a Jesus: Senhor, fazei que sejamos vossos, vivei em nós, reuni a humanidade dispersa e atribulada, para que em Vós tudo se submeta ao Pai da misericórdia e do amor.
A vós, amados e venerados irmãos Cardeais – penso de modo particular àqueles que foram criados ontem –, se confia esta responsabilidade impelente: dar testemunho do reino de Deus, da verdade. Isso significa fazer sobressair sempre a prioridade de Deus e da sua vontade face aos interesses do mundo e dos seus poderes. Fazei-vos imitadores de Jesus, que diante de Pilatos, na situação humilhante descrita pelo Evangelho, manifestou a sua glória: a glória de amar até ao fim, dando a própria vida pelas pessoas amadas. Esta é a revelação do reino de Jesus. E por isso, com um só coração e uma só alma, rezemos: «Adveniat regnum tuum». Amém.


Fonte: Santa Sé

Fotos do Consistório para Criação de Cardeais

Entrada dos novos cardeais
Procissão de entrada
Oração diante do altar
Evangelho
Homilia

Palavras do Papa no Consistório para Criação de Cardeais

Consistório Ordinário Público para a Criação de novos Cardeais
Alocução do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Sábado, 24 de novembro de 2012

«Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica»
Amados irmãos e irmãs!
Estas palavras que os novos Cardeais vão pronunciar solenemente daqui a pouco, ao recitarem a profissão de fé, fazem parte do Símbolo niceno-constantinopolitano, a síntese da fé da Igreja que cada um recebe no momento do Batismo. Só professando e guardando intacta esta norma da verdade é que somos discípulos autênticos do Senhor. Neste Consistório, quero deter-me em particular sobre o significado do termo «católica», que indica um traço essencial da Igreja e da sua missão. O assunto é vasto e poderia ser apresentado sob diferentes pontos de vista; hoje limito-me a algumas considerações.
As notas características da Igreja correspondem a um desígnio divino, como afirma o Catecismo da Igreja Católica: «É Cristo que, pelo Espírito Santo, concede à sua Igreja que seja una, santa, católica e apostólica, e é ainda Ele que a chama a realizar cada uma destas qualidades» (n. 811). No nosso caso específico, a Igreja é católica, porque Cristo, na sua missão de salvação, abraça toda a humanidade. Embora a missão de Jesus na sua vida terrena se tivesse limitado ao povo judeu, «às ovelhas perdidas da casa de Israel» (Mt 15,24) todavia desde o início estava orientada para levar a todos os povos a luz do Evangelho e fazer entrar todas as nações no Reino de Deus. Em Cafarnaum, à vista da fé do Centurião, Jesus exclama: «Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacó, no Reino do Céu» (Mt 8,11). Esta perspectiva universalista resulta, para além do mais, da apresentação que Jesus fez de Si mesmo, acrescentando ao título de «Filho de Davi» a designação de «Filho do Homem» (Mc 10,33), como acabámos de ouvir no texto evangélico proclamado. O título de «Filho do Homem», presente na linguagem da literatura apocalíptica judaica que se inspira na visão da história do Livro do profeta Daniel (cf. 7,13-14), recorda o personagem que vem «com as nuvens do céu» (v. 13) e é uma imagem que preanuncia um reino totalmente novo, um reino sustentado não por poderes humanos, mas pelo verdadeiro poder que vem de Deus. Jesus serve-Se desta expressão rica e complexa, aplicando-a a Si mesmo, para manifestar o verdadeiro carácter do seu messianismo, como missão destinada a todos e cada um dos homens, superando todo o particularismo étnico, nacional e religioso. E é precisamente no seguimento de Jesus, no deixar-se atrair para dentro da sua humanidade e, portanto, na comunhão com Deus que se entra neste novo reino, que a Igreja anuncia e antecipa e que vence toda a fragmentação e dispersão.
Depois Jesus envia a sua Igreja, não a um grupo, mas à totalidade do género humano para, na fé, o reunir num único povo a fim de o salvar, como justamente se exprime o Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen gentium: «Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus» (n. 13). Por conseguinte a universalidade da Igreja deriva da universalidade do único desígnio divino de salvação do mundo. Este carácter universal aparece claramente no dia do Pentecostes, quando o Espírito cumula da sua presença a primeira comunidade cristã, para que o Evangelho se estenda a todas as nações e faça crescer em todos os povos o único Povo de Deus. Assim, desde o seu início, a Igreja está orientada kat'holon, abraça todo o universo. Os Apóstolos dão testemunho de Cristo, dirigindo-se a homens originários de toda a terra, e cada um compreende-os como se falassem na sua língua nativa (cf. At 2,7-8). A partir daquele dia, a Igreja com a «força do Espírito Santo», como Jesus prometera, anuncia o Senhor morto e ressuscitado «em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra» (At 1,8). Portanto a missão universal da Igreja não parte de baixo, mas desce do alto, do Espírito Santo e, desde o primeiro instante, está orientada para se exprimir em todas as culturas e assim formar o único Povo de Deus. Não se trata tanto de uma comunidade local que cresce e se alarga lentamente, como sobretudo de um fermento que abre para o universal, para o todo, trazendo em si mesmo a universalidade.
«Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura» (Mc 16,15); «fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28,19), diz o Senhor. Com estas palavras, Jesus envia os apóstolos a todas as criaturas, para que chegue a todo o lado a acção salvadora de Deus. Entretanto, se observarmos os discípulos no momento da ascensão de Jesus ao Céu, narrada no livro dos Atos dos Apóstolos, vemo-los ainda na sua visão fechada e pensam na restauração de um novo reino davídico, perguntando ao Senhor: «É agora que vais restaurar o Reino de Israel?» (At 1,6). E como responde Jesus? Responde, abrindo os seus horizontes e confiando-lhes a promessa e uma tarefa: promete que serão cumulados da força do Espírito Santo e confere-lhes o encargo de O testemunharem em todo o mundo, superando as fronteiras culturais e religiosas em que estavam habituados a pensar e viver para se abrirem ao Reino universal de Deus. E, no início do caminho da Igreja, os Apóstolos e os discípulos partem sem nenhuma segurança humana, mas unicamente com a força do Espírito Santo, do Evangelho e da fé. É o fermento que se espalha pelo mundo, entra nas diferentes vicissitudes e nos mais variados contextos culturais e sociais, mas permanece uma única Igreja. Ao redor dos Apóstolos, florescem as comunidades cristãs, mas elas são «a» Igreja que, em Jerusalém, em Antioquia ou em Roma, é sempre a mesma, una e universal. E quando os Apóstolos falam de Igreja, não falam de uma comunidade própria, falam da Igreja de Cristo e insistem sobre esta identidade única, universal e total da Catholica, que se realiza em cada Igreja local. A Igreja é una, santa, católica e apostólica, refletindo em si mesma a fonte da sua vida e do seu caminho: a unidade e a comunhão da Trindade.
No sulco e na perspectiva da unidade e universalidade da Igreja, situa-se também o Colégio Cardinalício: este apresenta uma variedade de rostos, dado que exprime o rosto da Igreja universal. Desejo, com este Consistório, pôr em evidência de modo particular que a Igreja é Igreja de todos os povos, e por conseguinte exprime-se nas várias culturas dos diversos Continentes. É a Igreja de Pentecostes, que, na polifonia das vozes, ergue um canto único e harmonioso ao Deus vivo.
Saúdo cordialmente as delegações oficiais dos vários países, os bispos, os sacerdotes, as pessoas consagradas, os fiéis-leigos das diversas comunidades diocesanas e todos aqueles que tomam parte na alegria dos novos membros do Colégio Cardinalício, a quem estão ligados pelo vínculo do parentesco, da amizade, da colaboração. Os novos Cardeais, que representam várias dioceses do mundo, ficam a partir de hoje agregados, a título muito especial, à Igreja de Roma e reforçam assim os laços espirituais que unem a Igreja inteira, vivificada por Cristo e cerrada em torno do Sucessor de Pedro. Ao mesmo tempo, o rito de hoje exprime o valor supremo da fidelidade. De facto, no juramento que daqui a pouco ides fazer, venerados Irmãos, estão escritas palavras carregadas de profundo significado espiritual e eclesial: «Prometo e juro permanecer, a partir de agora e para sempre enquanto tiver vida, fiel a Cristo e ao seu Evangelho, constantemente obediente à Santa Apostólica Igreja Romana». E, ao receber o barrete vermelho, ouvireis recordar-vos que o mesmo indica que «deveis estar prontos a comportar-vos com fortaleza, até à efusão do sangue, pelo incremento da fé cristã, pela paz e a tranquilidade do povo de Deus». Por sua vez, a entrega do anel será acompanhada pela advertência: «Sabe que, com o amor do Príncipe dos Apóstolos, se reforça o teu amor para com a Igreja».
Assim, nestes gestos e nas expressões que os acompanham, está indicada a fisionomia que assumis hoje na Igreja. Daqui para diante estareis unidos de forma ainda mais estreita e intima com a Sé de Pedro: os títulos ou as diaconias das igrejas da Urbe recordar-vos-ão o vínculo que vos une, como membros a título muito especial, a esta Igreja de Roma, que preside à caridade universal. Especialmente através da vossa colaboração com os Dicastérios da Cúria Romana, sereis meus preciosos cooperadores antes de tudo no ministério apostólico a favor da catolicidade inteira, como Pastor de todo o rebanho de Cristo e primeiro garante da doutrina, da disciplina e da moral.
Queridos amigos, louvemos ao Senhor, que «não cessa de enriquecer, com largueza de dons, a sua Igreja dispersa pelo mundo» (Oração), revigorando-a na perene juventude que lhe deu. A Ele confiamos o novo serviço eclesial destes prezados e venerados Irmãos, para que possam prestar corajoso testemunho de Cristo, com o dinamismo edificante da fé e o sinal de um incessante amor oblativo. Amém.


Fonte: Santa Sé

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O hino Dies irae

“E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos” (Símbolo Niceno-Constantinopolitano).

Na última semana do Ano Litúrgico, entre a Solenidade de Cristo Rei e o 1º Domingo do Advento, a Igreja nos propõe como hino facultativo para a Liturgia das Horas o célebre Dies irae (Dia de ira), grande composição poética sobre o juízo final.

Juízo final, detalhe (Michelangelo - Capela Sistina)

Breve história do Dies irae

O Dies irae costuma ser atribuído ao franciscano italiano Tomás de Celano (†1265), famoso biógrafo de São Francisco de Assis (†1226). Porém, o grande historiador da Liturgia Mario Righetti (†1975), indica a existência de testemunhos do hino já no século XII.

Assim, Tomás de Celano seria não o autor, mas o propagador do hino. Com efeito, a composição popularizou-se através dos Missais franciscanos do século XIII, até ser acolhida oficialmente na Liturgia romana no século XVI.

O Dies irae está inspirado em uma composição do século XI, o responsório Libera me do Ofício dos Defuntos. Seu incipit, isto é, sua primeira frase, remete à profecia de Sofonias: “Esse será o dia da ira, dia de tribulação e angústia...” (Sf 1,15).


A ira de Deus, paradoxalmente, “é uma expressão do seu amor, uma forma de recordar aos homens que suas ações têm consequências. Faz parte da pedagogia de Deus corrigir o homem, enquanto se encontra neste mundo, a fim de que se salve” [1].

Os historiadores da Liturgia, tanto o já citado Mário Righetti como o Beato Cardeal Alfredo Ildefonso Schuster (†1954), indicam que o Dies irae era entoado inicialmente no 1º Domingo do Advento, quando se proclamava a profecia do juízo final no Evangelho (Lc 21,25-33) [2].

Originalmente o poema era composto por 17 estrofes de três versos cada, com a mesma métrica e com rimas ternárias (A-A-A). Posteriormente foi acrescentada a 18ª estrofe (Lacrimósa...), com quatro versos e rimas binárias (A-A, B-B).

Somou-se por fim a 19ª estrofe (Pie Iesu Dómine, dona eis réquiem), uma antífona de dois versos que reforça a associação do poema com as celebrações pelos fiéis defuntos.

Com efeito, associado originalmente ao Advento, o hino canta o juízo universal, a parusia, a última vinda de Cristo “para julgar os vivos e os mortos”. O “eu lírico”, pois, pede ser julgado com misericórdia antes desse “dia de ira”, aproximando a composição dos salmos de súplica individual.

Com o tempo, porém, o caráter “individual” da composição foi sendo cada vez mais acentuado e, após a inserção da 19ª estrofe, passou a ser considerado como uma súplica pelos defuntos, associado ao “juízo particular”.

Tal associação foi ratificada pela reforma litúrgica do Concílio de Trento (1545-1563). No Missale Romanum promulgado por São Pio V (†1572) em 1570, o Dies irae tornou-se a sequência das Missas dos defuntos, também conhecidas como “Missas de Réquiem” à luz da sua antífona de entrada:

Réquiem aetérnam dona eis, Dómine: et lux perpétua lúceat eis”;
“Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno, e a luz perpétua os ilumine” (cf. 4Esd 2,34-35).

As sequências, por sua vez, são composições poéticas entoadas antes da aclamação do Evangelho na Missa, que se tornaram muito populares no Rito Romano a partir dos séculos IX e X.

O Concílio de Trento, porém, as reduziu a apenas quatro [3], prescrevendo o Dies irae como Sequentia pro defunctis: na Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos (02 de novembro), na Missa exequial (popularmente dita “Missa de corpo presente”), e, facultativamente, nas Missas no aniversário de falecimento.

Juízo final (Michelangelo - Capela Sistina)

A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, atenta à orientação da Constituição Sacrosanctum Concilium de destacar “o sentido pascal da morte cristã” (n. 81), suprimiu o Dies irae como sequência das Missas dos defuntos [4], transferindo-o como hino à escolha da Liturgia das Horas da última semana do Tempo Comum.

Catequese do Papa: Bom senso da fé

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 21 de Novembro de 2012
Ano da Fé (6): O bom senso da fé em Deus

Estimados irmãos e irmãs
Caminhemos em frente neste Ano da fé, levando no nosso coração a esperança de redescobrir quanta alegria existe em crer e em reencontrar o entusiasmo de comunicar a todos as verdades da fé. Estas verdades não constituem uma simples mensagem acerca de Deus, uma informação particular sobre Ele. Ao contrário, exprimem o acontecimento do encontro de Deus com os homens, encontro salvífico e libertador, que realiza as aspirações mais profundas do homem, os seus anseios de paz, de fraternidade e de amor. A fé leva a descobrir que o encontro com Deus valoriza, aperfeiçoa e eleva aquilo que existe de verdadeiro, de bom e de belo no homem. Assim acontece que, enquanto Deus se revela e se deixa conhecer, o homem descobre quem é Deus e, conhecendo-o, descobre-se a si mesmo, a própria origem, o seu destino, a grandeza e a dignidade da vida humana.
A fé permite um saber autêntico sobre Deus, que abrange toda a pessoa humana: é um “saber”, ou seja de um conhecer que confere sabor à vida, um novo gosto de existir, um modo jubiloso de estar no mundo. A fé manifesta-se no dom de si pelos outros, na fraternidade que torna o homem solidário, capaz de amar, vencendo a solidão que o torna triste. Por isso, este conhecimento de Deus através da fé não é unicamente intelectual, mas vital. É o conhecimento de Deus-Amor, graças ao seu próprio amor. Além disso, o amor de Deus faz ver, abre os olhos, permite conhecer toda a realidade, para além das perspectivas limitadas do individualismo e do subjetivismo que desorientam as consciências. Por isso, o conhecimento de Deus é experiência de fé e implica, ao mesmo tempo, um caminho intelectual e moral: tocados profundamente pela presença do Espírito de Jesus em nós, ultrapassamos os horizontes dos nossos egoísmos e abrimo-nos aos verdadeiros valores da existência.
Hoje, nesta catequese, gostaria de meditar sobre o bom senso da fé em Deus. Desde os primórdios, a tradição católica rejeitou o chamado fideísmo, que é a vontade de crer contra a razão. Credo quia absurdum (creio, porque é absurdo) não é uma fórmula que interpreta a fé católica. Com efeito, Deus não é absurdo, eventualmente é mistério. O mistério por sua vez não é irracional, mas superabundância de sentido, de significado, de verdade. Se, olhando para o mistério, a razão vê obscuridade, não é porque no mistério não haja luz, mas sobretudo porque há demasiada. Assim como quando o olhar do homem se volta diretamente para o sol, só vê trevas; mas quem diria que o sol não é luminoso, aliás, a fonte da luz? A fé permite olhar para o «sol», Deus, porque é acolhimento da sua revelação na história e, por assim dizer, recebe verdadeiramente toda a luminosidade do mistério de Deus, reconhecendo o grande milagre: Deus aproximou-se do homem, ofereceu-se ao seu conhecimento, condescendendo com o limite criatural da sua razão (cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 13). Ao mesmo tempo Deus, com a sua graça, ilumina a razão, abre-lhe horizontes novos, incomensuráveis e infinitos. Por isso, a fé constitui um estímulo a procurar sempre, a nunca parar nem se contentar com a descoberta inesgotável da verdade e da realidade. É falso o preconceito de certos pensadores modernos, segundo os quais a razão humana seria como que bloqueada pelos dogmas da fé. É verdade precisamente o contrário, como os grandes mestres da tradição católica demonstraram. Antes da sua conversão, santo Agostinho procura a verdade com grande inquietação, através de todas as filosofias disponíveis, julgando-as todas insatisfatórias. A cansativa busca racional é para ele uma pedagogia significativa para o encontro com a Verdade de Cristo. Quando diz: «compreende para crer, e crê para compreender» (Discurso 43, 9: PL 38, 258), é como se narrasse a própria experiência de vida. Diante da Revelação divina, intelecto e fé não são alheios nem antagonistas, mas ambos são condições para compreender o sentido da mesma, para acolher a sua mensagem autêntica, aproximando-se do limiar do mistério. Juntamente com muitos outros autores cristãos, santo Agostinho é testemunha de uma fé que se exerce com a razão, que pensa e convida a pensar. Neste sulco, santo Anselmo dirá no seu Proslogion que a fé católica éfides quaerens intellectum, onde o procurar a inteligência é um ato interior do crer. Será principalmente são Tomás de Aquino - fortalecido por esta tradição - que se confrontará com a razão dos filósofos, mostrando quanta vitalidade racional nova e fecunda deriva para o pensamento humano da inserção dos princípios e das verdades da fé cristã.
Portanto, a fé católica é razoável e nutre confiança também na razão humana. Na Constituição Dogmática Dei Filius, o Concílio Vaticano I afirmou que a razão é capaz de conhecer com certeza a existência de Deus através do caminho da criação, enquanto à fé pertence só a possibilidade de conhecer «facilmente, com certeza absoluta e sem erro» (DS 3005) as verdades que dizem respeito a Deus, à luz da graça. Além disso, o conhecimento da fé não é contrário à recta razão. Com efeito, na Encíclica Fides et ratio, o Beato Papa João Paulo II resume assim: «A razão do homem não é anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos conteúdos de fé; é que estes são alcançados por decisão livre e consciente» (n. 43). No desejo irresistível de verdade, somente uma relação harmoniosa entre fé e razão é o caminho reto que conduz a Deus e ao pleno cumprimento de si mesmo.
Esta doutrina é facilmente reconhecível em todo o Novo Testamento. Como ouvimos, escrevendo aos cristãos de Corinto, são Paulo afirma: «Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos» (1Cor 1,22-23). Com efeito, Deus salvou o mundo não com um gesto de poder, mas mediante a humilhação do seu Filho unigénito: segundo os parâmetros humanos, a modalidade insólita atuada por Deus não condiz com as exigências da sabedoria grega. E no entanto, a Cruz de Cristo tem uma sua razão, que são Paulo chama: ho lógos tou staurou, “a palavra da cruz” (1Cor 1, 18). Aqui, o termo lógos indica tanto a palavra como a razão e, se alude à palavra, é porque expressa verbalmente o que a razão elabora. Portanto, Paulo vê na Cruz não um acontecimento irracional, mas um acontecimento salvífico que possui um seu bom senso reconhecível à luz da fé. Ao mesmo tempo, ele tem tanta confiança na razão humana, a ponto de se admirar pelo facto de que muitos, mesmo vendo as obras realizadas por Deus, se obstinam a não acreditar n’Ele. Na Carta aos Romanos diz: «Com efeito, as... perfeições invisíveis [de Deus], o seu poder e divindade sempiternos, tornam-se visíveis à inteligência, através das suas obras» (1,20). Assim, também São Pedro exorta os cristãos da diáspora a adorar «Cristo Senhor nos vossos corações. Estai sempre prontos a responder, para a vossa defesa, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (1Pd 3,15). Num clima de perseguição e de forte exigência de testemunhar a fé, aos fiéis pede-se que justifiquem com motivações fundadas a sua adesão à palavra do Evangelho, que expliquemos a razão da nossa esperança.
É nestas premissas acerca do nexo fecundo entre compreender e crer que se funda inclusive a relação virtuosa entre ciência e fé. Como vemos, a pesquisa científica leva ao conhecimento de verdades sempre novas sobre o homem e o cosmos. O verdadeiro bem da humanidade, acessível na fé, abre o horizonte no qual se deve mover o seu caminho de descoberta. Portanto devem ser encorajadas, por exemplo, as investigações postas ao serviço da vida, que visam debelar as enfermidades. São importantes também as pesquisas destinadas a descobrir os segredos do nosso planeta e do universo, na consciência de que o homem está no ápice da criação não para a explorar insensatamente, mas para a preservar e tornar habitável. Assim a fé, vivida realmente, não entra em conflito com a ciência, aliás, coopera com ela, oferecendo critérios basilares a fim de que promova o bem de todos, pedindo-lhe que renuncie apenas àquelas tentativas que - opondo-se ao desígnio originário de Deus - podem produzir efeitos que se voltam contra o próprio homem. Também por isso é razoável acreditar: se a ciência é uma aliada preciosa da fé para a compreensão do desígnio de Deus no universo, a fé permite que o progresso científico se realize sempre para o bem e para a verdade do homem, permanecendo fiel a este mesmo desígnio.
Eis por que motivo é decisivo para o homem abrir-se à fé e conhecer Deus e o seu desígnio de salvação em Jesus Cristo. No Evangelho é inaugurado um novo humanismo, uma autêntica «gramática» do homem e de toda a realidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma: «A verdade de Deus é a sua sabedoria, que comanda toda a ordem da criação e governo do mundo. Só Deus que, sozinho, “criou o céu e a terra” (Sl 115,15), pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas criadas na sua relação com Ele» (n. 216).
Então, confiamos que o nosso compromisso na evangelização ajuda a dar uma renovada centralidade ao Evangelho na vida de muitos homens e mulheres do nosso tempo. E oremos a fim de que todos voltem a encontrar em Cristo o sentido da existência e o fundamento da verdadeira liberdade: com efeito, sem Deus o homem perde-se a si próprio. Os testemunhos de quantos nos precederam e dedicaram a sua vida ao Evangelho confirmam-no para sempre. Crer é razoável, está em jogo a nossa existência. Vale a pena despender-se por Cristo, o único que sacia os desejos de verdade e de bem arraigados na alma de cada homem: agora, no tempo que passa, e no dia sem ocaso da Eternidade bem-aventurada.


Fonte: Santa Sé

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O rito do Consistório

No próximo sábado, 24 de novembro, haverá em Roma um Consistório Ordinário Público para a criação de seis novos cardeais, convocado pelo Papa Bento XVI na Audiência Geral do dia 24 de Outubro. É o segundo Consistório celebrado este ano e o quinto do Pontificado de Bento XVI. A fim de destacar a importância deste evento a nível eclesial, postamos novamente algumas informações publicadas por ocasião do último consistório:


Um Consistório é uma reunião solene dos Cardeais, convocados e sob a presidência do Papa. Pode ser Ordinário (para a celebração de algum ato solene ou para a consulta aos cardeais sobre algum assunto de interesse da Igreja) ou Extraordinário (para a consulta aos cardeais em casos graves e de necessidades especiais da Igreja). Apenas o Consistório Ordinário pode ser público.

Os Cardeais, por sua vez, são bispos que constituem o Colégio Cardinalício, que deve eleger o Papa e ajudá-lo em questões de maior importância, seja na Cúria Romana seja à frente de grandes dioceses e arquidioceses. A palavra “cardeal” vem do latim cardo: gonzo da porta, ou seja, uma realidade em torno da qual giram outras realidades.

No início da Igreja eram chamados de cardeais os presbíteros que constituíam o conselho do bispo em uma diocese. A partir do século XI este título ficou restrito à diocese de Roma, mais especificamente aos presbíteros das principais igrejas da cidade, as tituli. Com o tempo, o título foi igualmente concedido aos sete diáconos que regiam as regiões em que se dividia a cidade para o serviço da caridade, as diaconias. Por fim, acrescentaram-se os bispos das dioceses próximas a Roma, as dioceses suburbicárias. Desta tradição provém a atual divisão dos Cardeais em três ordens: Episcopal, Presbiteral e Diaconal.

Feita esta introdução, vamos conhecer o rito do consistório do próximo sábado, que sofreu algumas alterações do Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice em fevereiro, as quais mantém-se nesta celebração.

A celebração inicia-se com a procissão de entrada, ao canto do Tu est Petrus, tradicional antífona de entrada quando o Sumo Pontífice preside um ato litúrgico. Chegando diante do altar, o Santo Padre se ajoelhará por um momento em silenciosa oração.


Chegando à sede, o Papa inicia a celebração com o sinal da cruz e a saudação, como na Missa, e recita a coleta ou oração do dia. Em seguida, se fará a proclamação do Evangelho (Mc 10, 32-45), a homilia do Santo Padre e um momento de silêncio.

Passa-se então ao rito da criação dos cardeais, iniciado pela alocução do Santo Padre:

Fratres carissimi, munus gratum idemque grave sumus expleturi, quod cum ad Romanam Ecclesiam imprimis pertineat totius quoque Ecclesia corpus afficit: in Patrum Cardinalium Collegium nonnullos Fratres cooptabimus, qui artiore vinculo cum Petri Sede devinciantur, Romani Cleri membra fiant et in apostolico servitio Nobiscum strictius cooperentur. Ipsi sacra purpura exornati, in Urbe Roma et in dissitis regionibus intrepidi erunt Christi testes eiusque Evangelii. Itaque auctoritate omnipotentis Dei, sanctorum Apostolorum Petri et Pauli ac Nostra hos Venerabiles Fratres creamus et sollemniter enuntiamus Sancta Romana Ecclesia Cardinales...

Irmãos caríssimos, nos dispomos a cumprir um ato gratificante e solene de nosso sacro ministério. Ele refere-se antes de tudo à Igreja de Roma, mas interessa também a toda comunidade eclesial: chamaremos a fazer parte do Colégio dos Cardeais alguns irmãos nossos, para que sejam unidos à Sé de Pedro com mais estreito vínculo, se tornem membros do Clero de Roma e cooperem mais intensamente com nosso serviço apostólico. Eles, investidos da sagrada púrpura, deverão ser intrépidas testemunhas de Cristo e de seu Evangelho na cidade de Roma e nas regiões mais distantes. Portanto, com a autoridade de Deus Onipotente, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e a nossa, criamos e proclamamos solenemente Cardeais da Santa Igreja Romana estes nossos irmãos...


O Papa anuncia os nomes dos novos cardeais e a ordem a que pertencerão (Episcopal, Presbiteral ou Diaconal). Os novos cardeais então levantam-se e fazem a profissão de fé (Símbolo Niceno-Constantinopolitano) e o juramento de fidelidade ao Sumo Pontífice. Em seguida, na ordem em que foram anteriormente anunciados, os cardeais aproximam-se do Santo Padre para receberem as insígnias cardinalícias.

Entrega do Barrete Cardinalício
O barrete é a principal insígnia cardinalícia, só podendo ser usado juntamente com a veste coral. A cor vermelha do barrete indica o sangue que o cardeal se propõe a derramar, se necessário, pela Igreja. O Santo Padre reza a seguinte oração:

Ad laudem omnipotentis Dei et Apostolica Sedis ornamentum, accipite biretum rubrum, Cardinalatus dignitatis insigne, per quod significatur usque ad sanguinis effusionem pro incremento christiana fidei, pace et quiete populi Dei, libertate et diffusione Sancta Romana Ecclesia vos ipsos intrepidos exhibere debere.

Para o louvor de Deus Onipotente e decoro da Sé Apostólica, recebe o barrete vermelho, sinal da dignidade do Cardinalato, significando que deveis estar pronto a comprometer-se com força, até a efusão do sangue, pelo desenvolvimento da fé cristã, pela paz e tranquilidade do povo de Deus e pela liberdade e difusão da Santa Igreja Romana.


Entrega do Anel
O Cardeal, como bispo, deve sempre portar o anel, símbolo de sua íntima união com a Igreja. Para o Consistório de fevereiro foi forjado um novo modelo de anel, o qual será igualmente entregue aos cardeais nesse Consistório. Em forma de cruz, possui as imagens dos Apóstolos Pedro e Paulo e uma estrela de oito pontas, símbolo da Virgem Maria. Dentro do anel, em baixo relevo, há o brasão do Santo Padre. À entrega do anel o Papa reza:

Accipe anulum de manu Petri et noveris dilectione Principis Apostolorum dilectionem tuam erga Ecclesiam roborari.

Recebe o anel das mãos de Pedro e sabei que com o amor do Príncipe dos Apóstolos se reforça o teu amor para com a Igreja.


Entrega do Título ou Diaconia
Como dito anteriormente, os cardeais dividem-se em três ordens e recebem um Título (nas ordens Episcopal e Presbiteral) ou Diaconia (na ordem Diaconal) de uma igreja de Roma. O Santo Padre entrega a cada cardeal a bula de nomeação e reza:

Ad honorem Dei omnipotentis et sanctorum Apostolorum Petri et Pauli, tibi committimus Titulum (vel Diaconiam) N. In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti.

Para a honra de Deus Onipotente e dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo te entregamos o Título (ou Diaconia) N. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.


Segue-se o abraço de paz do novo cardeal com o Santo Padre, que o saúda dizendo: Pax Domini sit semper tecum (A paz do Senhor esteja sempre contigo), ao que responde: Amém. Os novos cardeais são então acolhidos pelos demais membros do Colégio Cardinalício com o abraço da paz.

A celebração prossegue com a Oração do Senhor (Pai Nosso) e uma oração conclusiva, encerrando-se com a bênção do Santo Padre e o canto da antífona mariana Salve Regina (Salve Rainha).


No domingo, 25 de novembro, Solenidade de Cristo Rei, haverá a Concelebração Eucarística dos novos cardeais com o Santo Padre. No início desta celebração, o primeiro dentre os novos cardeais dirige um agradecimento ao Santo Padre.

Nota: As traduções das orações do rito do Consistório foram realizadas livremente pelo autor deste blog, utilizando-se do texto italiano disponível no livreto da celebração. Não são traduções oficiais, mas apenas aproximações ao sentido do texto, e portanto podem estar sujeitas a erros.

REFERÊNCIAS: Código de Direito Canônico e Livreto de Celebração do Consistório.

Crédito das imagens: L'Osservatore Romano

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Divina Liturgia no Mosteiro de Dobromil

No último dia 18 de Novembro, Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo Maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, celebrou a Divina Liturgia de São João Crisóstomo no Mosteiro de Dobromil (Ucrânia), por ocasião dos 130 anos da reforma da Ordem de São Basílio Magno (Ordem Basiliana).

Seguem algumas fotos, publicadas em UGCC.TV:

Litania da Paz
Orações iniciais
Liturgia da Palavra
Evangelho
Homilia
Saudação da paz
Bênção