Durante o Ano da Fé, à medida em que a Igreja celebra as festas dos Santos Apóstolos, baluartes da fé, publicaremos as catequeses do Papa Bento XVI, proferidas entre 2006 e 2007, nas quais o Santo Padre fala sobre cada um dos Apóstolos.
Iniciamos com o primeiro apóstolo a ser chamado por Cristo: Santo André, cuja Festa se celebra no dia 30 de novembro:
Iniciamos com o primeiro apóstolo a ser chamado por Cristo: Santo André, cuja Festa se celebra no dia 30 de novembro:
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de junho de 2006
André, o Protóklitos
Queridos irmãos e irmãs!
Nas últimas duas catequeses
falamos da figura de São Pedro. Agora queremos, na medida em que as fontes o
permitem, conhecer mais de perto também os outros onze Apóstolos. Portanto,
falamos hoje do irmão de Simão Pedro, Santo André, também ele um dos Doze. A
primeira característica que em André chama a atenção é o nome: não é hebraico,
como teríamos pensado, mas grego, sinal de que não deve ser minimizada uma
certa abertura cultural da sua família. Estamos na Galileia, onde a língua e a
cultura gregas estão bastante presentes. Nas listas dos Doze, André ocupa o
segundo lugar, como em Mateus (10,1-4) e em Lucas (6,13-16), ou o quarto
lugar como em Marcos (3,13-18) e nos Atos (1,13-14). Contudo, ele gozava
certamente de grande prestígio nas primeiras comunidades cristãs.
O laço de sangue entre Pedro e
André, assim como a comum chamada que Jesus lhes faz, sobressaem explicitamente
nos Evangelhos. Neles lê-se: "Caminhando ao longo do mar da Galileia,
Jesus viu os dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam
as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: 'Vinde comigo e Eu
farei de vós pescadores de homens'" (Mt 4,18-19; Mc 1,16-17). Do quarto Evangelho tiramos outro pormenor: num primeiro momento, André
era discípulo de João Batista; e isto mostra-nos que era um homem que
procurava, que partilhava a esperança de Israel, que queria conhecer mais de
perto a palavra do Senhor, a realidade do Senhor presente. Era verdadeiramente
um homem de fé e de esperança; e certa vez, de João Batista ouviu proclamar
Jesus como "o cordeiro de Deus" (Jo
1,36); então ele voltou-se e, juntamente com outro discípulo que não é
nomeado, seguiu Jesus, Aquele que era chamado por João o "Cordeiro de
Deus". O evangelista narra: eles "viram onde morava e ficaram com Ele
nesse dia" (Jo 1,37-39).
Portanto, André viveu momentos preciosos de familiaridade com Jesus.
A narração continua com uma anotação
significativa: "André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram
João e seguiram Jesus. Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: 'Encontramos o Messias' que quer dizer Cristo. E levou-o até
Jesus" (Jo 1,40-43),
demonstrando imediatamente um espírito apostólico não comum. Portanto, André
foi o primeiro dos Apóstolos a ser chamado para seguir Jesus. Precisamente
sobre esta base a liturgia da Igreja Bizantina o honra com o apelativo de Protóklitos, que significa exatamente
"primeiro chamado". E não há dúvida de que devido ao relacionamento
fraterno entre Pedro e André, a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla se
sentem irmãs entre si de modo especial. Para realçar este relacionamento, o meu
Predecessor, o Papa Paulo VI, em 1964, restituiu as insignes relíquias de Santo
André, até então conservadas na Basílica Vaticana, ao Bispo metropolita
Ortodoxo da cidade de Patrasso na Grécia, onde, segundo a tradição, o Apóstolo
foi crucificado.
As tradições evangélicas recordam
particularmente o nome de André noutras três ocasiões, que nos fazem conhecer
um pouco mais este homem. A primeira é a da multiplicação dos pães na Galileia.
Naquele momento foi André quem assinalou a Jesus a presença de um jovem que
tinha cinco pães de cevada e dois peixes: era muito pouco, observou ele, para
todas as pessoas reunidas naquele lugar (cf. Jo 6,8-9). Merece ser realçado, neste caso, o realismo de André:
ele viu o jovem, portanto já se tinha perguntado: "mas o que é isto para
tantas pessoas?" (ibid.), mas
apercebeu-se da insuficiência dos seus poucos recursos. Contudo, Jesus soube
fazê-los bastar para a multidão de pessoas que vieram ouvi-lo. A segunda
ocasião foi em Jerusalém. Saindo da cidade, um discípulo fez notar a Jesus o
espetáculo dos muros sólidos sobre os quais o Templo se apoiava. A resposta do
Mestre foi surpreendente: disse que não teria ficado em pé nem sequer uma pedra
daqueles muros. Então André, juntamente com Pedro, Tiago e João, interrogou-o:
"Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para
acabar" (Mc 13,1-4).
Para responder a esta pergunta
Jesus pronunciou um importante discurso sobre a destruição de Jerusalém e sobre
o fim do mundo, convidando os seus discípulos a ler com atenção os sinais do
tempo e a permanecer sempre vigilantes. Podemos deduzir deste episódio que não
devemos ter receio de fazer perguntas a Jesus, mas ao mesmo tempo devemos estar
prontos para receber os ensinamentos, até surpreendentes e difíceis, que Ele
nos oferece.
Por fim, nos Evangelhos está registrada
uma terceira iniciativa de André. O cenário ainda é Jerusalém, pouco antes da
Paixão. Para a festa da Páscoa, narra João, tinham vindo à cidade santa alguns gregos, provavelmente prosélitos ou tementes a Deus, que vinham para adorar o
Deus de Israel na festa da Páscoa. André e Filipe, os dois apóstolos com nomes
gregos, servem como intérpretes e mediadores deste pequeno grupo de gregos
junto de Jesus. A resposta do Senhor à sua pergunta parece, como muitas vezes no
Evangelho de João, enigmática, mas precisamente por isso revela-se rica de
significado. Jesus diz aos dois discípulos e, através deles, ao mundo grego:
"Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em
verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só;
mas, se morrer, dá muito fruto" (12,23-24).
O que significam estas palavras
neste contexto? Jesus quer dizer: sim, o encontro entre mim e os gregos terá
lugar, mas não como simples e breve diálogo entre mim e algumas pessoas,
estimuladas sobretudo pela curiosidade. Com a minha morte, comparável à queda
na terra de um grão de trigo, chagará a hora da minha glorificação. A minha
morte na cruz originará grande fecundidade: o "grão de trigo morto"
símbolo de mim crucificado tornar-se-á na ressurreição pão de vida para o
mundo; será luz para os povos e para as culturas. Sim, o encontro com a alma
grega, com o mundo grego, realizar-se-á naquela profundidade à qual faz alusão
a vicissitude do grão de trigo que atrai para si as forças da terra e do céu e
se torna pão. Por outras palavras, Jesus profetiza a Igreja dos gregos, a
Igreja dos pagãos, a Igreja do mundo como fruto da sua Páscoa.
Tradições muito antigas veem em
André, o qual transmitiu aos gregos esta palavra, não só o intérprete de alguns gregos no encontro com Jesus agora recordado, mas consideram-no como apóstolo
dos gregos nos anos que sucederam ao Pentecostes; fazem-nos saber que no
restante da sua vida ele foi anunciador e intérprete de Jesus para o mundo
grego. Pedro, seu irmão, de Jerusalém, passando por Antioquia, chegou a Roma
para aí exercer a sua missão universal; André, ao contrário, foi o apóstolo do
mundo grego: assim, eles são vistos, na vida e na morte, como verdadeiros
irmãos, uma irmandade que se exprime simbolicamente no relacionamento especial
das Sedes de Roma e de Constantinopla, Igrejas verdadeiramente irmãs.
Uma tradição sucessiva, como foi
mencionado, narra a morte de André em Patrasso, onde também ele sofreu o
suplício da crucifixão. Mas, naquele momento supremo, de modo análogo ao do
irmão Pedro, ele pediu para ser posto numa cruz diferente da de Jesus. No seu
caso tratou-se de uma cruz decussada, isto é, cruzada transversalmente
inclinada, que por isso foi chamada "cruz de Santo André". Eis o que
o Apóstolo dissera naquela ocasião, segundo uma antiga narração (início do
século VI) intitulada Paixão de André:
"Salve, ó Cruz, inaugurada por meio do corpo de Cristo e que se tornou
adorno dos seus membros, como se fossem pérolas preciosas. Antes que o Senhor
fosse elevado sobre ti, tu incutias um temor terreno.
Agora, ao contrário, dotada de um
amor celeste, és recebida como um dom. Os crentes sabem, a teu respeito, quanta
alegria possuis, quantos dons tens preparados. Portanto, certo e cheio de
alegria venho a ti, para que também tu me recebas exultante como discípulo
daquele que em ti foi suspenso... Ó Cruz bem-aventurada, que recebestes a
majestade e a beleza dos membros do Senhor!... Toma-me e leva-me para longe dos
homens e entrega-me ao meu Mestre, para que por teu intermédio me receba quem
por ti me redimiu. Salve, ó Cruz; sim, salve verdadeiramente!".
Como se vê, há aqui uma
profundíssima espiritualidade cristã, que vê na Cruz não tanto um instrumento
de tortura como, ao contrário, o meio incomparável de uma plena assimilação ao
Redentor, ao grão de trigo que caiu na terra. Nós devemos aprender disto uma
lição muito importante: as nossas cruzes adquirem valor se forem consideradas e
aceites como parte da cruz de Cristo, se forem alcançadas pelo reflexo da sua
luz. Só daquela Cruz também os nossos sofrimentos são nobilitados e adquirem o
seu verdadeiro sentido.
Portanto, o apóstolo André
ensina-nos a seguir Jesus com prontidão (cf. Mt 4,20; Mc 1,18), a
falar com entusiasmo d'Ele a quantos encontramos, e sobretudo a cultivar com
Ele um relacionamento de verdadeira familiaridade, bem conscientes de que só
n'Ele podemos encontrar o sentido último da nossa vida e da nossa morte.
Fonte: Santa Sé