Departamento das
Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Por que a Liturgia? O que significa Liturgia? (CIC
1066-1070)
A profissão de fé, abordada na primeira parte do Catecismo
da Igreja Católica, é seguida pela explicação da vida sacramental, por cujo
meio Cristo está presente e age, continuando a edificação da sua Igreja. Se na
liturgia, aliás, não se destacasse a figura de Cristo, que é o seu princípio e
está realmente presente para torná-la válida, nem sequer teríamos a liturgia
cristã, que depende do Senhor e é sustentada pela sua presença.
Existe, então, uma relação intrínseca entre fé e liturgia,
ambas intimamente unidas. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé
não teria eficácia, pois careceria da graça que alicerça o testemunho dos
cristãos. “Por outro lado, a ação litúrgica nunca pode ser considerada
genericamente, prescindindo-se do mistério da fé. A fonte da nossa fé e da
liturgia eucarística, de fato, é o mesmo acontecimento: o dom que Cristo fez de
si mesmo no mistério pascal” (Bento XVI, Sacramentum
Caritatis, 34).
Se abrirmos o catecismo na sua segunda parte, leremos que a
palavra “liturgia” significa, originariamente, “serviço de e em
favor do povo”. Na tradição cristã, significa que o povo de
Deus faz parte da “obra de Deus” (CIC, 1069).
Em que consiste essa obra de Deus da qual fazemos parte? A
resposta do catecismo é clara e nos permite descobrir a íntima conexão que
existe entre a fé e a liturgia: “No símbolo da fé, a Igreja confessa o mistério
da Santíssima Trindade e o seu desígnio
benevolente (Ef 1,9) para toda a criação: o Pai realiza o
"mistério da sua vontade" dando o seu Filho Amado e o Espírito Santo
para a salvação do mundo e para a glória do seu nome” (CIC, 1066).
“Cristo, o Senhor, realizou esta obra da redenção humana e
da perfeita glorificação, preparada pelas maravilhas que Deus fez no povo da
antiga aliança, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada
paixão, da ressurreição dentre os mortos e da sua gloriosa ascensão” (CIC,
1067). É este o mistério de Cristo, que a Igreja “anuncia e celebra na sua
liturgia a fim de que os fiéis vivam dele e deem testemunho dele no mundo”
(CIC, 1068).
Por meio da liturgia, “exerce-se a obra da nossa redenção”
(Concílio Vaticano II, Sacrosanctum
Concilium, 2). Assim como foi enviado pelo Pai, Cristo enviou os
apóstolos para anunciarem a redenção e “realizarem a obra de salvação que
proclamavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, em torno dos quais toda a
vida litúrgica gira” (ibidem, 6).
Vemos assim que o catecismo sintetiza a obra de Cristo
no mistério pascal, que é o seu
núcleo essencial. E o nexo com a liturgia se mostra óbvio, pois “por meio da
liturgia é que Cristo, nosso Redentor e Sumo Sacerdote, continua na sua Igreja,
com ela e por ela, a obra da nossa redenção” (CIC, 1069). Assim, esta “obra de
Jesus Cristo”, perfeita glorificação de Deus e santificação dos homens, é o
verdadeiro conteúdo da liturgia.
Este é um ponto importante porque, embora a expressão e o
conteúdo teológico-litúrgico do mistério pascal devam inspirar o estudo
teológico e a celebração litúrgica, isto nem sempre foi assim. “A maior parte
dos problemas ligados às aplicações concretas da reforma litúrgica têm a ver
com o fato de que não foi suficientemente considerado que o ponto de partida do
concílio é a páscoa [...]. E páscoa significa inseparabilidade da cruz e da
ressurreição [...]. A cruz está no centro da liturgia cristã, com toda a sua
seriedade: um otimismo banal, que nega o sofrimento e a injustiça do mundo e
reduz o ser cristãos a ser educados, não tem nada a ver com a liturgia da cruz.
A redenção custou a Deus o sofrimento do seu Filho e a sua morte. Daí que o
seu exercitium, que, segundo o
texto conciliar, é a liturgia, não pode acontecer sem a purificação e sem o
amadurecimento que provêm do seguimento da cruz” (Bento XVI, Teologia della Liturgia, LEV, Vaticano,
2010, p. 775-776).
Esta linguagem conflita com aquela mentalidade incapaz de
aceitar a possibilidade de uma intervenção divina real neste mundo em socorro
do homem. Por isso, “quem compartilha uma visão deísta considera como integrista
a confissão de uma intervenção redentora de Deus para mudar a situação de
alienação e de pecado, e este mesmo juízo é emitido a propósito de um sinal
sacramental que torne presente o sacrifício redentor. Mais aceitável, aos seus
olhos, seria a celebração de um sinal que correspondesse a um vago sentimento
de comunidade. Mas o culto não pode nascer da nossa fantasia; seria um grito na
escuridão ou uma simples auto-afirmação. A verdadeira liturgia pressupõe que
Deus responde e nos mostra como podemos adorá-lo. “A Igreja pode celebrar e
adorar o mistério de Cristo presente na eucaristia precisamente porque o
próprio Cristo se entregou antes a ela no sacrifício da cruz” (Sacramentum Caritatis, 14). A Igreja vive desta
presença e tem a difusão desta presença no mundo inteiro como a sua razão de
ser e de existir” (Bento XVI, Discurso
de 15 de abril de 2010).
Esta é a maravilha da liturgia, que, como o catecismo
recorda, é culto divino, anúncio do evangelho e caridade em ato (cf. CIC,
1070). É Deus mesmo quem age, e nós nos sentimos atraídos por esta sua ação, a
fim de sermos, deste modo, transformados nele.