Após nossa postagem sobre a história da Festa dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, publicamos a homilia do Papa Bento XVI por ocasião desta Festa no ano de 2007, durante a Santa Missa na Basílica de São Pedro para a Ordenação de seis Bispos [1]:
Festa
dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael
Ordenação
Episcopal de seis novos Bispos
Homilia do Papa Bento XVI
Sábado, 29 de setembro de 2007
Queridos irmãos e
irmãs!
Celebramos esta Ordenação episcopal na festa dos três Arcanjos que na Escritura são mencionados pelo nome: Miguel, Gabriel e Rafael. Isto faz-nos
recordar que na antiga Igreja já no Apocalipse os Bispos eram classificados
como “anjos” da sua Igreja, expressando deste modo uma correspondência íntima
entre o ministério do Bispo e a missão do Anjo. A partir da tarefa do Anjo
pode-se compreender o serviço do Bispo. Mas o que é um Anjo? A Sagrada
Escritura e a tradição da Igreja deixam-nos entrever dois aspectos. Por um
lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada, com todo o seu ser
para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra “El”, que
significa “Deus”. Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua
verdadeira natureza é a existência em vista d'Ele e para Ele. Explica-se
precisamente assim também o segundo aspecto que caracteriza os Anjos: eles são
mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o céu e assim abrem a terra.
Exatamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do
homem. De fato, Deus é mais íntimo a cada um de nós de quanto o somos nós
próprios. Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que
na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles chamam-no a
reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres
humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros, anjos
que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus.
Se a Igreja antiga chama os Bispos “anjos” da sua Igreja, pretende dizer
precisamente o seguinte: “os próprios Bispos devem ser homens de Deus, devem
viver orientados para Deus”. “Multum
orat pro populo” - “Reza muito pelo povo”, diz o Breviário da Igreja a
propósito dos santos Bispos. O Bispo deve ser um orante, alguém que intercede
pelos homens junto de Deus. Quanto mais o fizer, tanto mais compreende também
as pessoas que lhe estão confiadas e pode tornar-se para elas um anjo um
mensageiro de Deus, que as ajuda a encontrar a sua verdadeira natureza, a si
mesmas, e a viver a ideia que Deus tem delas.
Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras
dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada
Escritura sobretudo no Livro de Daniel,
na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu
e no Apocalipse. Deste Arcanjo
tornam-se evidentes nestes textos duas funções. Ele defende a causa da
unicidade de Deus contra a soberba do dragão, da “serpente antiga”, como diz
João. É a perene tentativa da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve
desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo
para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos dele. Mas o dragão
não acusa só Deus. O Apocalipse
chama-o também “o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite
diante de Deus” (12,10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas
priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da
evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem
em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece
sobre cada indivíduo. É tarefa do Bispo, como homem de Deus, fazer espaço para
Deus no mundo contra as negações e defender assim a grandeza do homem. E o que
se poderia dizer e pensar de maior sobre o homem a não ser que o próprio Deus
se fez homem? A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protetor do
Povo de Deus (cf. Dn 10,21; 12,1). Queridos amigos, sede
verdadeiramente “anjos da guarda” das Igrejas que vos serão confiadas! Ajudai o
povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria na
fé e a aprender o discernimento dos espíritos: a acolher o bem e a recusar o
mal, a permanecer e tornar-se sempre mais, em virtude da esperança da fé,
pessoas que amam em comunhão com Deus-Amor.
Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo
na preciosa narração do anúncio a Maria da Encarnação de Deus, como nos refere
São Lucas (1,26-38). Gabriel é o mensageiro da Encarnação de Deus. Ele bate à
porta de Maria e, através dela, o próprio Deus pede a Maria o seu “sim” para a
proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo eterno
de Deus, ao Filho de Deus. Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração
humano. No Apocalipse diz ao “anjo”
da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos: “Eis que
estou à porta e bato: se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele” (3,20). O Senhor está à porta à porta do mundo e à
porta de cada um dos corações. Ele bate para que o deixemos entrar: a
encarnação de Deus, o seu fazer-se carne deve continuar até ao fim dos tempos.
Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo: dizem-nos isto os grandes
hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios
e na Carta aos Colossenses. Cristo
bate. Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe põem
à disposição a própria carne, que lhe doam a matéria do mundo e da sua vida,
servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do
universo. Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens,
em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também
assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens.
São Rafael é-nos apresentado
sobretudo no Livro de Tobias como o
Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus
discípulos em missão, com a tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a
de curar. O Bom Samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira
da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem
ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em
si é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor. Do Arcanjo
Rafael são referidas no Livro de Tobias
duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem
e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demônios que, sempre de novo, rasgam e
destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a
capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. Na narração de Tobias
esta cura é referida com imagens legendárias. No Novo Testamento, a ordem do
matrimônio, estabelecido na criação e ameaçado de muitas formas pelo pecado, é
curado pelo fato de que Cristo o acolhe no seu amor redentor. Ele faz do matrimônio
um sacramento: o seu amor, que por nós subiu à cruz, é a força restauradora
que, em todas as confusões, dá a capacidade da reconciliação, purifica a
atmosfera e cura as feridas. Ao sacerdote é confiada a tarefa de guiar os
homens sempre de novo ao encontro da força reconciliadora do amor de Cristo.
Deve ser o “anjo” curador que os ajuda a ancorar o seu amor no sacramento e a
vivê-lo com empenho sempre renovado a partir dele. Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos
cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus.
Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas
materiais e que somos capazes de fazer com elas, nos tornamos cegos para a luz
de Deus. Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor,
é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao
Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no Sacramento da
Reconciliação, no Sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da
palavra, é um sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de fato, o
motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão
em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser
curados, podemos ser remidos.
“Permanecei no meu amor”, diz-nos hoje o Senhor no
Evangelho (Jo 15,9). No momento da Ordenação Episcopal Ele di-lo de
modo particular a vós, queridos amigos. Permanecei no seu amor! Permanecei
naquela amizade com Ele cheia de amor que Ele neste momento vos doa de novo!
Então a vossa vida dará fruto um fruto que permanece (Jo 15,16). Para
que isto vos seja concedido, todos rezamos por vós neste momento, queridos
irmãos. Amém.
Arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel |
Fonte: Santa Sé
[1] Os Bispos ordenados foram: Mieczysław Mokrzycki, Francesco Brugnaro, Gianfranco Ravasi, Tommaso Caputo, Sergio Pagano e Vincenzo Di Mauro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário