“Ao Senhor glorificado
na assembleia de seus santos, vinde todos, adoremos!”.
No contexto da Solenidade de Todos os Santos, celebrada no
Rito Romano no dia 01 de novembro (ou, no Brasil, transferida para o domingo
seguinte), em nossa postagem anterior começamos a apresentar seus três hinos
próprios para a Liturgia das Horas:
I e II Vésperas: Christe, redémptor ómnium, consérva tuos fámulos (Redentor de todos, Cristo);
Ofício das Leituras: Christe,
caelórum habitátor alme (Dos santos todos fostes caminho);
Laudes: Iesu, salvátor saeculi (Jesus, que o mundo salvastes).
Confira também nossa postagem sobre a história dessa Solenidade, clicando aqui.
Pala de Todos os Santos (Atribuída a Antonio Boselli - Basílica de Santa Maria, Bérgamo - séc. XVI) |
Após o hino das Vésperas, trazemos
aqui o hino do Ofício das Leituras, Christe,
caelórum habitátor alme (Dos santos todos fostes caminho), composição
anônima do século X.
Confira a seguir seu texto
original em latim e sua tradução oficial para o português do Brasil, além de
alguns comentários sobre a sua teologia.
Ofício das Leituras: Christe, caelórum habitátor alme
Christe, caelórum habitátor alme,
vita sanctórum, via, spes salúsque,
hóstiam clemens, tibi quam litámus,
súscipe laudis.
Omnium semper chorus angelórum
in polo temet benedícit alto,
atque te sancti simul univérsi
láudibus ornant.
Vírginis sanctae méritis Maríae
atque cunctórum páriter piórum,
cóntine poenam, pie, quam merémur
daque medélam.
Hic tuam praesta celebráre laudem,
ut tibi fidi valeámus illam
prósequi in caelis Tríadi canéntes
iúgiter hymnos. Amen [1].
Ofício das Leituras: Dos santos todos fostes caminho
Dos santos todos fostes caminho,
vida, esperança, Mestre e Senhor:
ouvi agora nossos louvores,
ó Redentor.
No céu, aos coros dos anjos todos
juntam os santos a sua voz:
todos unidos, a bendizer-vos,
pedem por nós.
Ouvindo as preces da Virgem Santa,
dos santos todos a intercessão,
afaste as penas, que merecemos,
vosso perdão.
Com o Pai e o Espírito, aqui na terra,
dai-nos louvar-vos, único Deus,
e auxiliados por tantos santos
subir aos céus [2].
Jesus: Caminho, Verdade e Vida |
Comentário:
Diferentemente do hino das Vésperas, que já estava presente
no Breviarium Romanum anterior à reforma litúrgica (embora em uma versão
ligeiramente distinta), o hino do Ofício das Leituras da Solenidade de Todos os
Santos é mais um dos tesouros do patrimônio histórico e litúrgico da Igreja
redescobertos após o Concílio Vaticano II.
Com efeito, o grupo encarregado da revisão dos hinos, coordenado pelo Padre Anselmo Lentini, O.S.B. [3], resgatou essa composição
poética anônima do século X. Como testemunha Félix Arocena, o hino foi composto
originalmente para a dedicação de igreja, sendo agora adaptado para a
celebração do dia 01 de novembro [4].
a) 1ª estrofe:
A primeira das quatro estrofes do hino está inteiramente
dirigida àquele que é a “coroa de todos os santos”: Cristo, referido como
“habitante benigno do céu” (caelórum
habitátor alme).
O adjetivo almus,
usado aqui, pode ser traduzido como “benigno” ou como “santo”. A
tradução espanhola opta por “glorioso”, enquanto a tradução para o inglês usa
“amoroso”: “O Christ, loving dweller in
the heavens” [5].
O segundo verso dessa 1ª estrofe, por sua vez, é aquele que
foi adaptado, uma vez que originalmente fazia referência à igreja a ser
dedicada: “hec domus fulget sub honore”
- “esta casa refulge em tua honra”.
Como testemunha Arocena, o verso foi substituído pelo início
de outro hino da Liturgia das Horas: “Vita
sanctórum, via, spes salúsque” (Vida dos santos, caminho, esperança e
salvação), hino do Ofício das Leituras das semanas II e IV do Saltério [6].
Os anjos e santos em adoração ao Cordeiro (Hubert e Jan van Eyck - Retábulo da Catedral de Ghent, Bélgica - séc. XV) |
Os dois últimos versos da estrofe, por fim, compõem uma
espécie de oferecimento do hino a Cristo: “hóstiam
clemens, tibi quam litámus, súscipe laudis” - “acolhe, clemente, este
sacrifício de louvor que Te oferecemos”. Com efeito, o louvor (laus) é aqui literalmente uma “vítima”, hóstia, a ser oferecida em sacrifício (litámen).
b) 2ª estrofe:
A 2ª estrofe remete-nos à conclusão do Prefácio da Oração Eucarística, que precede imediatamente o canto do “Sanctus”, uma vez que recorda o louvor oferecido a Deus pelos Anjos e Santos.
Os primeiros dois versos são dedicados aos Anjos: “Omnium semper chorus angelórum in polo temet benedícit alto” - “Todo o coro dos anjos Te bendiz para sempre no alto do céu”.
Seguem-nos, nos versos seguintes, os Santos: “atque te sancti simul univérsi láudibus ornant” - “junto com todos os santos, que Te adornam com louvores”.
c) 3ª estrofe:
Após as duas primeiras estrofes centradas no “sacrifício de louvor” a ser oferecido a Deus, na 3ª estrofe Lhe apresentamos uma súplica, na qual invocamos a intercessão dos Santos, particularmente daquela que é “rainha de todos os Santos”: a Virgem Maria.
Com efeito, a estrofe começa invocando “os méritos da santa Virgem Maria” (Vírginis sanctae méritis Maríae), unidos aos méritos de “todos os devotos” (atque cunctórum páriter piórum), isto é, de todos os Santos.
Cristo, no colo de Maria, venerado por anjos e santos (Duccio di Buoninsegna - "Maestà" da Catedral de Siena - séc. XIV) |
Unidos às “almas piedosas”, invocamos aquele que é o Piedoso
por excelência: Deus Misericordioso e Clemente (cf. Ex 34,6-7), o “Santo” na tradução inglesa (O holy one). A Ele, pois, suplicamos que “reduza a pena que
merecemos” e “conceda-nos o perdão” (ou a cura, medéla): “cóntine poenam, Pie,
quam merémur daque medélam”.
d) 4ª estrofe:
Por fim, a conclusão do poema, como na grande maioria dos
hinos da Liturgia das Horas, é uma doxologia (breve fórmula de louvor) em honra
da Santíssima Trindade.
“Hic tuam praesta
celebráre laudem, ut tibi fidi valeámus illam prósequi in caelis Tríadi
canéntes iúgiter hymnos” - “Faz com que aqui [na terra] celebremos Teu louvor,
para que, fiéis a Ti, possamos prosseguir [esse louvor] no céu, cantando continuamente
hinos à Trindade”.
O termo usado aqui para “continuamente”, iúgiter, remete à água corrente, ao
fluxo perene de um rio (jugis).
Recordemos, neste sentido, o rio de água viva que brota do trono do Cordeiro no capítulo 22 do Livro do Apocalipse.
Na tradução brasileira, por sua vez, a doxologia é dirigida
diretamente ao Filho que, com efeito, é o destinatário de todo o hino, como
fica claro na 1ª estrofe. A nossa tradução também recorda novamente os santos
nessa doxologia:
“Com o Pai e o Espírito, aqui na terra, dai-nos louvar-vos,
único Deus, e auxiliados por tantos santos subir aos céus. Amém”.
Para saber mais sobre o ícone bizantino de Todos os Santos, clique aqui.
Notas:
[1] CATTOLICI ROMANI: Thesaurus Liturgiae: Inni della
«Liturgia Horarum» - 2. Proprium de Sanctis & Communia.
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, p. 1416.
[3] cf. BUGNINI,
Annibale. A reforma litúrgica: 1948-1975.
São Paulo: Paulinas; Paulus; Loyola, 2018, pp. 461-463.
[4] AROCENA, Félix. Los
himnos de la Liturgia de las Horas. Madrid: Ediciones Palabra, 1992, p.
313.
[5] Domini res gestas narrare laudare est: Hymns of the Liturgia Horarum: All Saints.
[6] AROCENA, op. cit.,
p. 313. Para o hino Vita sanctórum,
composto no século IX pelo monge beneditino Valafrido Estrabão (Walafridus Strabo), cf. pp. 75-76.
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