terça-feira, 28 de setembro de 2021

Hinos da Festa dos Arcanjos: Laudes

Em nossa postagem anterior começamos a apresentar os três hinos próprios da Liturgia das Horas para a Festa dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, celebrada no Rito Romano no dia 29 de setembro:
Ofício das Leituras: Festíva vos, archángeli (Arcanjos, para vós);
Laudes: Tibi, Christe, splendor Patris (Ó Cristo, Luz de Deus Pai);
Vésperas: Angelum pacis Míchael (Lá do alto enviai-nos, ó Cristo).

Após o hino do Ofício das Leituras, trazemos aqui o hino das Laudes (oração da manhã): Tibi, Christe, splendor Patris (Ó Cristo, Luz de Deus Pai), composição anônima do século X.

Pala dos três Arcanjos
(Marco d'Oggiono - séc. XV-XVI)

Confira a seguir seu texto original em latim e sua tradução oficial para o português do Brasil, além de alguns comentários sobre a sua teologia.

Laudes: Tibi, Christe, splendor Patris

Tibi, Christe, splendor Patris, vita, virtus córdium,
in conspéctu angelórum votis, voce psállimus;
alternántes concrepándo melos damus vócibus.

Collaudámus venerántes ínclitos archángelos,
sed praecípue primátem caeléstis exércitus,
Michaélem in virtúte conteréntem Sátanam.

Quo custóde procul pelle, rex Christe piíssime,
omne nefas inimíci; mundos corde et córpore
paradíso redde tuo nos sola cleméntia.

Glóriam Patri melódis personémus vócibus,
glóriam Christo canámus, glóriam Paráclito,
qui Deus trinus et unus exstat ante saecula. Amen [1].

Ícone bizantino da Sinaxe dos "sete Arcanjos"
Sob o Cristo-Emmanuel encontram-se os querubins e serafins

Laudes: Ó Cristo, Luz de Deus Pai

Ó Cristo, Luz de Deus Pai,
vida e vigor que buscamos
dos vossos anjos, adiante,
de coração vos louvamos.
Doce cantar alternando,
nosso louvor elevamos.

À celestial legião
também cantamos louvor,
e destacamos seu Chefe
com sua força e vigor:
Miguel, invicto pisando
o vil dragão tentador.

Ó Cristo, Rei compassivo,
de nós lançai todo mal.
Em corpo e alma guardados
por Guardião sem igual,
em vosso amor concedei-nos
o Reino celestial.

Glória cantamos ao Pai,
ao Filho glória também.
Ao que procede dos dois
a mesma glória convém,
pois são os três um só Deus
por todo o sempre. Amém [2].

Comentário:

Enquanto o hino do Ofício, como vimos na postagem anterior, possui seis estrofes de quatro versos, o hino das Laudes, em contrapartida, é composto por quatro estrofes de seis versos cada (ou quatro estrofes de três versos, conforme a versão).

Diferentemente do anterior, que era dirigido aos Arcanjos, esta composição é dirigida a Cristo, mencionando apenas Miguel na 2ª estrofe (como vimos em nossa postagem sobre a história do culto aos Arcanjos, Miguel foi sempre o mais venerado dos três no Rito Romano).

Cristo em majestade entre os Arcanjos Miguel e Gabriel
(Jan Henryk de Rosen - séc. XX)

a) 1ª estrofe

A 1ª estrofe compõe a introdução do hino, dirigindo o louvor a Cristo: “Tibi, Christe, splendor Patris, vita, virtus córdium” - “A ti, ó Cristo, esplendor do Pai, vida e força dos corações”.

O título de “esplendor da glória” do Pai é atribuído a Cristo em Hb 1,3. A temática da luz, com efeito, é frequentemente associada a Cristo nas Laudes, a oração do louvor ao "Sol nascente que nos veio visitar" (cf. Lc 1,78). A expressão “vida e força (ou vigor) dos corações”, por sua vez, pode remeter à exortação de Jesus em Mt 11,28-30.

Na sequência, o hino expressa o propósito de elevar-Lhe um louvor “na presença dos anjos” (“in conspéctu angelórum votis, voce psállimus”). Cristo, com efeito, “habita entre os louvores” (cf. Sl 21,4): diante d’Ele os anjos cantam sem cessar: “Santo, Santo, Santo...” (cf. Is 6,2-3).

O hino exprime nosso desejo de unirmo-nos aos anjos nesse “louvor eterno”: “Voce psállimus; alternántes concrepándo melos damus vócibus”, que poderia ser traduzido como: “Salmodiamos com a voz; cantamos em coros alternados em alta voz”.

b) 2ª estrofe

Na 2ª estrofe esse louvor é estendido aos arcanjos: “Collaudámus venerántes ínclitos archángelos” - “Também louvamos com veneração os ínclitos Arcanjos”. A palavra “ínclito” é sinônimo de “ilustre”, “insigne”, “digno de admiração”.

Vale recordar que, louvando os anjos, na verdade glorificamos o próprio Deus, como indica o Prefácio dos Anjos: “Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso: é a vós que glorificamos, ao louvarmos os anjos que criastes e que foram dignos do vosso amor. A admiração que eles merecem nos mostra como sois grande e como deveis ser amado acima de todas as criaturas” (Missal Romano, 2ª edição, p. 447).

São Miguel subjugando Satanás
(Guido Reni - séc. XVI-XVII)

Dentre os anjos, por sua vez, o hino destaca seu “príncipe”, Miguel: “sed praecípue primátem caeléstis exércitus, Michaélem in virtúte conteréntem Sátanam” - “mas principalmente o príncipe do exército celeste, Miguel, que com sua força destrói Satanás” (cf. Ap 12,7-9).

O forte verbo usado aqui para exprimir a derrota do Tentador, “conterere”, significa “esmagar”, “fazer em pedaços”, “reduzir a pó”.

c) 3ª estrofe

O hino prossegue, em sua 3ªestrofe, elevando uma súplica a Cristo, Rei clementíssimo (rex piíssime): que sob a proteção de tal guardião (custóde), isto é, sob a proteção do Arcanjo Miguel, “afaste para longe toda a maldade do inimigo” (“procul pelle... omne nefas inimíci”).

A súplica prossegue: “mundos corde et córpore paradíso redde tuo nos sola cleméntia” - “Purificados no coração e no corpo, por tua clemência (misericórdia) somente, devolve-nos ao paraíso”.

d) 4ª estrofe

Por fim, como de costume nos hinos da Liturgia das Horas, a conclusão é composta por uma doxologia (breve fórmula de louvor) à Santíssima Trindade:

Glóriam Patri melódis personémus vócibus, glóriam Christo canámus, glóriam Paráclito, qui Deus trinus et unus exstat ante saecula. Amen”.

“Cantemos glórias ao Pai com vozes melodiosas, cantemos glória a Cristo, glória ao Paráclito (isto é, ao Espírito Santo Consolador), que, Deus trino e uno, existe antes dos séculos. Amém”.

São Miguel subjugando Satanás
(Eugène Delacroix - séc. XIX)
Confira também:




Ícone da Sabedoria do Senhor: Modelo de Kiev (Neste ícone são retratados os "sete Arcanjos" da tradição bizantina)

Notas:


[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, p. 1320.

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