Em nossa postagem anterior começamos a apresentar os três
hinos próprios da Liturgia das Horas para a Festa dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, celebrada no Rito Romano no dia 29 de setembro:
Ofício das Leituras: Festíva vos, archángeli (Arcanjos, para vós);
Laudes: Tibi, Christe, splendor Patris (Ó Cristo, Luz de Deus Pai);
Vésperas: Angelum pacis Míchael (Lá do alto enviai-nos, ó Cristo).
Após o hino do Ofício das Leituras, trazemos aqui o hino das Laudes (oração da manhã): Tibi, Christe, splendor Patris (Ó
Cristo, Luz de Deus Pai), composição anônima do século X.
Pala dos três Arcanjos (Marco d'Oggiono - séc. XV-XVI) |
Confira a seguir seu texto
original em latim e sua tradução oficial para o português do Brasil, além de
alguns comentários sobre a sua teologia.
Laudes: Tibi, Christe, splendor Patris
Tibi, Christe, splendor Patris, vita, virtus córdium,
in conspéctu angelórum votis, voce psállimus;
alternántes concrepándo melos damus vócibus.
Collaudámus venerántes ínclitos archángelos,
sed praecípue primátem caeléstis exércitus,
Michaélem in virtúte conteréntem Sátanam.
Quo custóde procul pelle, rex Christe piíssime,
omne nefas inimíci; mundos corde et córpore
paradíso redde tuo nos sola cleméntia.
Glóriam Patri melódis personémus vócibus,
glóriam Christo canámus, glóriam Paráclito,
qui Deus trinus et unus exstat ante saecula. Amen [1].
Ícone bizantino da Sinaxe dos "sete Arcanjos" Sob o Cristo-Emmanuel encontram-se os querubins e serafins |
Laudes: Ó Cristo, Luz de Deus Pai
Ó Cristo, Luz de Deus Pai,
vida e vigor que buscamos
dos vossos anjos, adiante,
de coração vos louvamos.
Doce cantar alternando,
nosso louvor elevamos.
À celestial legião
também cantamos louvor,
e destacamos seu Chefe
com sua força e vigor:
Miguel, invicto pisando
o vil dragão tentador.
Ó Cristo, Rei compassivo,
de nós lançai todo mal.
Em corpo e alma guardados
por Guardião sem igual,
em vosso amor concedei-nos
o Reino celestial.
Glória cantamos ao Pai,
ao Filho glória também.
Ao que procede dos dois
a mesma glória convém,
pois são os três um só Deus
por todo o sempre. Amém [2].
Comentário:
Enquanto o hino do Ofício, como vimos na postagem anterior,
possui seis estrofes de quatro versos, o hino das Laudes, em contrapartida, é
composto por quatro estrofes de seis versos cada (ou quatro estrofes de três versos, conforme a versão).
Diferentemente do anterior, que era dirigido aos Arcanjos,
esta composição é dirigida a Cristo, mencionando apenas Miguel na 2ª estrofe
(como vimos em nossa postagem sobre a história do culto aos Arcanjos, Miguel
foi sempre o mais venerado dos três no Rito Romano).
Cristo em majestade entre os Arcanjos Miguel e Gabriel (Jan Henryk de Rosen - séc. XX) |
a) 1ª estrofe
A 1ª estrofe compõe a introdução do hino, dirigindo o louvor a Cristo: “Tibi, Christe, splendor Patris, vita, virtus córdium” - “A ti, ó Cristo, esplendor do Pai, vida e força dos corações”.
O título de “esplendor da glória” do Pai é atribuído a Cristo em Hb 1,3. A temática da luz, com efeito, é frequentemente associada a Cristo nas Laudes, a oração do louvor ao "Sol nascente que nos veio visitar" (cf. Lc 1,78). A expressão “vida e força (ou vigor) dos corações”, por sua vez, pode remeter à exortação de Jesus em Mt 11,28-30.
Na sequência, o hino expressa o propósito de elevar-Lhe um
louvor “na presença dos anjos” (“in
conspéctu angelórum votis, voce psállimus”). Cristo, com efeito, “habita
entre os louvores” (cf. Sl 21,4):
diante d’Ele os anjos cantam sem cessar: “Santo, Santo, Santo...” (cf. Is 6,2-3).
O hino exprime nosso desejo de unirmo-nos aos anjos nesse “louvor
eterno”: “Voce psállimus; alternántes
concrepándo melos damus vócibus”, que poderia ser traduzido como: “Salmodiamos
com a voz; cantamos em coros alternados em alta voz”.
b) 2ª estrofe
Na 2ª estrofe esse louvor é estendido aos arcanjos: “Collaudámus venerántes ínclitos archángelos”
- “Também louvamos com veneração os ínclitos Arcanjos”. A palavra “ínclito” é
sinônimo de “ilustre”, “insigne”, “digno de admiração”.
Vale recordar que, louvando os anjos, na verdade glorificamos
o próprio Deus, como indica o Prefácio
dos Anjos: “Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso: é a vós que
glorificamos, ao louvarmos os anjos que criastes e que foram dignos do vosso
amor. A admiração que eles merecem nos mostra como sois grande e como deveis
ser amado acima de todas as criaturas” (Missal
Romano, 2ª edição, p. 447).
Dentre os anjos, por sua vez, o hino destaca seu “príncipe”, Miguel: “sed praecípue primátem caeléstis exércitus, Michaélem in virtúte conteréntem Sátanam” - “mas principalmente o príncipe do exército celeste, Miguel, que com sua força destrói Satanás” (cf. Ap 12,7-9).
O forte verbo usado aqui para exprimir a derrota do Tentador, “conterere”, significa “esmagar”, “fazer em pedaços”, “reduzir a pó”.
c) 3ª estrofe
O hino prossegue, em sua 3ªestrofe, elevando uma súplica a
Cristo, Rei clementíssimo (rex piíssime):
que sob a proteção de tal guardião (custóde),
isto é, sob a proteção do Arcanjo Miguel, “afaste para longe toda a maldade do
inimigo” (“procul pelle... omne nefas
inimíci”).
A súplica prossegue: “mundos
corde et córpore paradíso redde tuo nos sola cleméntia” - “Purificados no
coração e no corpo, por tua clemência (misericórdia) somente, devolve-nos ao
paraíso”.
d) 4ª estrofe
Por fim, como de costume nos hinos da Liturgia das Horas, a
conclusão é composta por uma doxologia (breve fórmula de louvor) à Santíssima
Trindade:
“Glóriam Patri melódis
personémus vócibus, glóriam Christo canámus, glóriam Paráclito, qui Deus trinus
et unus exstat ante saecula. Amen”.
“Cantemos glórias ao Pai com vozes melodiosas, cantemos
glória a Cristo, glória ao Paráclito (isto é, ao Espírito Santo Consolador),
que, Deus trino e uno, existe antes dos séculos. Amém”.
São Miguel subjugando Satanás (Eugène Delacroix - séc. XIX) |
Confira também:
Homilia do Papa Bento XVI para a Festa dos Arcanjos (29 de setembro de 2007)
Ícone da Sabedoria do Senhor: Modelo de Kiev (Neste ícone são retratados os "sete Arcanjos" da tradição bizantina)
Notas:
[1] CATTOLICI ROMANI: Thesaurus Liturgiae: Inni della
«Liturgia Horarum» - 2. Proprium de Sanctis & Communia.
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, p. 1320.
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