“Alegremo-nos todos no Senhor, celebrando a festa de Todos os Santos!”.
A Solenidade de Todos os Santos, celebrada no Rito Romano no
dia 01 de novembro [1], tem suas raízes em uma festa de todos os mártires,
celebrada em Antioquia em meados do século IV no domingo depois de Pentecostes,
como atesta uma homilia de São João Crisóstomo. Esta data é conservada até hoje
na tradição bizantina.
Anjos e Santos adoram o Cordeiro (Retábulo da Catedral de Ghent, Bélgica - Jan van Eyck) |
No final do século IV a mesma festa era celebrada em Edessa
no dia 13 de maio, como testemunha um hino de Santo Efrém. No início do
século V, por sua vez, era celebrada na Síria Oriental na sexta-feira da oitava da Páscoa, como atesta um
calendário de 411.
Esta tríplice tradição influenciou posteriormente as igrejas
ocidentais. O Lecionário de Würzburg, do início do século VII, contém a
indicação Dominica in Natale Sanctorum (Domingo do Nascimento dos Santos) no domingo depois de Pentecostes [2].
Com o tempo, porém, esta data é abandonada no Ocidente,
sobretudo a partir do desenvolvimento das Têmporas de verão, celebradas na
oitava de Pentecostes. A festa passa a ser celebrada então no dia 13 de maio,
sobretudo a partir de 609, quando nesse dia o Papa Bonifácio IV dedicou a
igreja de Santa Maria ad Martyres no antigo Panteão Romano,
Para saber mais sobre a celebração das Quatro Têmporas, clique aqui.
O aniversário dessa dedicação era celebrado todos os anos com grande solenidade e presença de muitos peregrinos. Do alto da abertura central da igreja se fazia chover uma nuvem de pétalas de rosa vermelhas, uma alusão ao sangue dos mártires derramado por causa do Evangelho. Posteriormente este gesto foi transferido para o dia de Pentecostes, como alusão à efusão dos dons do Espírito, costume conservado até hoje.
Santa Maria ad Martyres (antigo Panteão romano) |
O Papa Gregório III deu um novo impulso tanto ao culto dos mártires quanto dos demais santos ao dedicar em 741 um oratório em honra de todos os santos na Basílica de São Pedro, onde diariamente eram
celebradas Missas e rezadas vigílias.
Um século depois, em 835, o Papa Gregório IV solicitou ao Rei dos Francos, Luís I, o Piedoso, que estabelecesse por decreto real a
celebração da Festa de Todos os Santos no dia 01 de novembro em todo o reino,
pedido que foi prontamente atendido. Rapidamente a festa se espalhou por toda a
Europa, como atesta o Sacramentário de Pádua, da primeira metade do século IX,
que contém já as orações para este dia.
Não se sabe ao certo porque o dia 01 de novembro foi o escolhido para a celebração de todos os santos. É provável que a escolha tenha sido por influência da Inglaterra e Irlanda, que já possuíam nesse dia uma festa em honra dos santos.
Esta celebração contava com uma vigília e uma oitava, esta última instituída pelo Papa Sisto IV no século XV. Ambas foram suprimidas pelo Papa Pio XII em 1955.
Rei Luís I, o Piedoso |
Os textos da Solenidade
de Todos os Santos
As orações da Missa dessa Solenidade foram tomadas das memórias de vários
santos, com as devidas adaptações: primeiramente o Introito (antífona de entrada) foi tomado da Festa
de Santa Ágata (ou Águeda), Virgem e Mártir (05 de fevereiro). Cumpre dizer que pequenas variações desse texto aparecem também
em outras festas, como na Assunção de Maria.
Gaudeamus omnes in Domino, diem festum celebrantes sub honore Sanctorum
omnium: de quorum solemnitate gaudent angeli, et collaudant Filium Dei.
Exsultate, justi, in Domino: rectos dacet collaudatio (Sl 32,1).
A coleta (oração do dia), conservada até hoje, foi adaptada de uma
celebração do Sacramentário Gelasiano em honra dos Doze Apóstolos na oitava da Solenidade de São Pedro e São Paulo. As outras orações e
o prefácio são composições mais recentes.
Desde o século VII, como atestado pelo Lecionário de Würzburg, lê-se Ap 7,2-12 (atualmente: Ap 7,2-4.9-14). A reforma litúrgica do Vaticano II acrescentou a
segunda leitura (1Jo 3,1-3), própria dos domingos e solenidades,
O salmo gradual, tomado da festa de São Ciríaco, Mártir (08 de agosto) era um
trecho do Sl 32 (33), o mesmo já referido no Introito, segundo a versão da Vulgata:
“Timete Dominum omnes sancti ejus...”,
atualmente substituído pelo Sl 23 (24).
O versículo do Aleluia é Mt 11,28, enquanto o Evangelho
recorda o texto das Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), ambos presentes até hoje na
Liturgia Romana. Do Evangelho também é tirada a antífona de Comunhão (Mt
5,8-10).
Vitral de Todos os Santos (Catedral de Detroit, EUA) |
Quanto à Liturgia das Horas, destaque para as antigas Matinas, enriquecidas com uma série de antífonas e responsórios em honra de todas as classes de santos: primeiro em honra da Trindade, fonte de toda a santidade, seguindo-se os textos em honra da Virgem Maria, dos anjos, dos profetas, dos apóstolos, dos mártires, dos confessores, das virgens e por fim de todos os santos.
Essa referência aos vários grupos de santos permanece em
diversas partes da Liturgia das Horas reformada pelo Concílio Vaticano II: hinos, antífonas, preces...
Destacamos aqui os três hinos próprios:
I e II Vésperas: Christe, redémptor ómnium, consérva tuos fámulos (Redentor de todos, Cristo);
Ofício das Leituras: Christe, caelórum habitátor alme (Dos santos todos fostes caminho);
Laudes: Iesu, salvátor saeculi (Jesus, que o mundo salvastes).
Textos similares estão presentes em outras tradições
litúrgicas, como este da Liturgia bizantina:
“Vinde, fiéis, exultemos de alegria, celebremos piedosamente neste dia
a solenidade de todos os santos e veneremos a sua gloriosa memória dizendo:
Salve, apóstolos, profetas e mártires, pontífices, justos, bem-aventurados e
santas mulheres; orai ao Cristo pelo mundo inteiro para que lhe conceda a paz e
às nossas almas a salvação”.
Para conhecer o simbolismo do ícone bizantino de Todos os Santos, clique aqui.
Visão do paraíso com Cristo, a Virgem Maria e os santos (Giusto de Menabuoi - Batistério de Pádua, Itália) |
Notas:
[1] No Brasil e em outros países esta Solenidade é transferida para o domingo
seguinte, exceto quando o dia 02 de novembro cai no domingo.
[2] Nascimento entendido aqui como nascimento para o céu,
isto é, a morte, particularmente no caso do martírio.
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano
Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
São Paulo: Paulinas, 1982, pp. 223-224.
DONADEO, Madre Maria. O
Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 111-114.
RIGHETTI, Mario. Historia
de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario.
Madrid: BAC, 1945, pp. 964-968.
SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano, v. IX: I Santi nel mistero dela Redenzione. Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 75-80.
SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano, v. IX: I Santi nel mistero dela Redenzione. Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 75-80.
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