“Eis o servo fiel e
prudente, a quem o Senhor confiou a sua casa” (Lc 12,42)
Em nossa postagem anterior começamos a estudar a história do
culto litúrgico a São José, o último e maior dos Patriarcas. Nesta postagem
analisaremos suas celebrações específicas: a Solenidade de 19 de março, a
Memória de 01 de maio e sua Missa votiva.
3. As celebrações de
São José
a) Solenidade de São José, Esposo de Maria (19 de março)
O primeiro registro de uma celebração em honra a São José
aparece em alguns calendários coptas dos séculos VIII-IX. Tratava-se de uma
celebração do Transitus, isto é, da
morte de José, no dia 26 de Epip (que corresponde a 20 de julho no calendário
juliano e 02 de agosto no calendário gregoriano), data indicada no apócrifo História de José, o Carpinteiro [1].
Ícone copta de São José |
No Menologion de
Basílio II (século X), importante documento do Rito Bizantino, a comemoração de
São José era no próprio dia do Natal do Senhor. Posteriormente, em atenção ao
costume de celebrar os personagens de uma festa no dia seguinte, José era
comemorado junto com sua esposa, a Virgem Maria, no dia 26 de dezembro. Atualmente,
como vimos na postagem anterior, José é celebrado pelos bizantinos no domingo
seguinte ao Natal (conservando-se o dia 26 como a Sinaxe da Mãe de Deus).
No Ocidente, o primeiro registro de uma celebração de São
José encontra-se no Martirológio de Fulda (séc. X), na Alemanha: In Bethlehem, Sancti Joseph, no dia 19 de março. Porém, esta era
uma celebração estritamente local.
A data, segundo o Cardeal Schuster, deve-se a uma confusão:
inicialmente celebrava-se nesse dia a memória de um mártir de mesmo nome que,
nas sucessivas cópias dos Martirológios, acabou sendo confundido com José, o
esposo de Maria.
Coincidentemente, no mesmo dia celebravam-se em Roma
festivais em honra da deusa Minerva (Atena para os gregos), patrona dos
artesãos. Porém, entre o fim destas festas e a primeira menção à celebração de
São José há séculos de distância.
Durante as Cruzadas foi edificada em Nazaré uma igreja em honra a São
José, o que ajudou a propagar a sua devoção. No século XII há uma
igreja dedicada em honra do Patriarca em Bolonha (Itália), e no século seguinte
em Joinville (França), onde estaria a suposta relíquia do cinto de São José,
trazida da Terra Santa pelos cruzados.
Igreja de São José em Nazaré |
Como vimos na postagem anterior, o culto a José foi
promovido no século XV pelos franciscanos - com o apoio do confrade Papa Sisto
IV (1471-1484) - e pelos carmelitas.
Foi o Papa Pio IV (1559-1565) a estender a festa de São José
no dia 19 de março para toda a Igreja. Inicialmente uma festa simples, foi
recebendo classificações crescentes por Gregório XV (1621-1623) e Clemente X
(1670-1676). O ofício da festa foi aprovado em 1714 por Clemente XI (1700-1721),
uma vez no início tomavam-se os textos do Comum dos Confessores (santos
não-mártires).
Para a Liturgia das Horas foram escolhidos três hinos
utilizados até hoje: Te, Ioseph,
célebrent (Vésperas), Iste, quem
laeti (Ofício das Leituras) e Caelitum,
Ioseph (Laudes) [2]. Há uma grande divergência sobre quem seria seu autor:
o carmelita espanhol Juan Escollar, o Cardeal Girolamo Casanate, entre outros.
Com a definição de São José como patrono da Igreja em 1870 pelo
Beato Pio IX (1846-1878), a celebração de 19 de março foi elevada ao mais alto
grau (Dupla de I classe). Em 1919 seria
enriquecida por um prefácio próprio, aprovado pelo Papa Bento XV (1914-1922).
Na época José era o único santo, além da Virgem Maria, a possuir um prefácio
próprio (atualmente há também os prefácios de São João Batista, São Pedro e São
Paulo e Santa Maria Madalena):
“Na verdade é justo e necessário, é nosso dever e salvação
dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e
todo-poderoso, e na solenidade (comemoração) de São José, servo fiel e
prudente, celebrar os vossos louvores.
Sendo ele um homem justo, vós o destes
por esposo à Virgem Maria, Mãe de Deus, e o fizestes chefe da vossa família,
para que guardasse, como pai, o vosso Filho único, concebido do Espírito Santo,
Jesus Cristo, Senhor nosso”
(Missal Romano, p. 448).
Este prefácio, intitulado “A missão de São José”, é o único
texto do Missale Romanum de 1962
conservado após a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Os demais textos
da atual Solenidade de São José, Esposo de Maria, tanto as orações quanto as
opções de leituras, são de nova composição.
b) Memória de São José Operário (01 de maio)
A Memória de São José Operário - atualmente facultativa - foi
instituída pelo Papa Pio XII (1939-1958) em 1955, para dar um sentido cristão às
comemorações do dia do trabalho a 01 de maio.
Estas têm sua origem em uma greve de operários ocorrida em
Chicago (EUA) em 01 de maio de 1886, duramente reprimida. Em 1919 a França
adotou a data como dia do trabalho, seguida no ano seguinte pela União Soviética
(URSS). Posteriormente a grande maioria dos países do mundo adotaria a data
(acolhida no Brasil pelo Presidente Artur Bernardes em 1925).
Apesar de ser uma Memória facultativa, a celebração de 01 de
maio possui vários textos próprios. A reforma do Concílio Vaticano II conservou
a coleta da edição de 1962 (“Rerum
cónditor, Deus...”), a leitura e o Evangelho, sendo acrescida uma segunda
opção de leitura, um novo salmo e orações sobre as oferendas e após a Comunhão,
além de alguns textos na Liturgia das Horas: hinos, leituras, preces [3].
c) Missa votiva de São José
Além das duas celebrações acima, o Missal prevê ainda uma
Missa votiva a São José. Esta possui um formulário completo de orações: a
coleta tomada do Missale de 1962 (“Deus, qui ineffábili providéntia...”) e
as outras duas orações de nova composição [4].
A origem desta Missa encontra-se na Festa do “Patrocínio” de
São José, instituída pelo Papa Pio IX em 1847, em vista de sua proclamação como
patrono da Igreja.
O Papa fixou a celebração para nada menos que o III Domingo
depois da Páscoa (o atual IV Domingo da Páscoa). Posteriormente, o Papa São Pio X (1903-1914), a fim de preservar a
centralidade do domingo, suprimiu as celebrações de santos no domingo,
transferindo a festa do “Patrocínio” para a quarta-feira anterior (quarta-feira da III semana da Páscoa).
Na edição de 1962 do Missale
Romanum a festa foi suprimida, conservando-se porém a possibilidade de
celebrar a Missa votiva a São José nas quartas-feiras, que tornaram-se assim
dia em honra do mais insigne dos Patriarcas [5].
Notas:
[1] História de José,
o Carpinteiro, 23, 9. in:
PROENÇA, Eduardo de [Org.] Apócrifos e
pseudo-epígrafos da Bíblia, v. I. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 444.
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica.
São Paulo: Paulus, 1999, v. II, pp. 1479-1491.
[3] ibid., pp.
1557-1564.
[4] Podem tomar-se também as orações da Solenidade de 19 de
março ou da Memória de 01 de maio. O mesmo vale para as leituras.
[5] O Missale Romanum
propunha para a quarta-feira também as Missas votivas de São Pedro e São Paulo e
dos Santos Apóstolos, ambas presentes na atual edição do Missal.
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano
Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
São Paulo: Loyola, 2019, pp. 169-171.
RIGHETTI, Mario. Historia
de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario.
Madrid: BAC, 1955, pp. 950-953.
SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber sacramentorum, v. VII: Le Feste dei Santi dalla Quaresima
all'ottava dei Principi degli Apostoli. Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 62-66
(Solenidade de 19 de março); pp. 137-139 (festa do “Patrocínio”).
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