“Definimos com todo o
rigor e cuidado que, à semelhança da figura da cruz preciosa e vivificante,
assim os venerandos e santos ícones, quer pintados, quer em mosaico ou em
qualquer outro material adequado, devem ser expostos nas santas igrejas de Deus”
[1].
Com esta definição, o II Concílio de Niceia (VII Concílio
Ecumênico, realizado em 787) definia a doutrina da veneração das imagens
sagradas ou ícones (do grego eikon,
imagem).
O fundamento da veneração dos ícones encontra-se no mistério
da Encarnação do Senhor: no Antigo Testamento era compreensível a proibição da
confecção de imagens, uma vez que Deus ainda não havia se revelado de maneira
visível. Em Jesus Cristo, porém, o invisível se fez visível e, portanto, pode
ser representado, como Ele mesmo atesta a Filipe: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo
14,9).
Ícone de Cristo venerado no Monte Sinai |
O ícone nada tem a ver com o ídolo (do grego eidolon), condenado reiteradas vezes
pela Escritura. O ídolo era considerado um deus pelos povos pagãos e a ele era
prestado culto de adoração (latria).
No cristianismo o culto de adoração é reservado unicamente a Deus, sendo
prestado aos ícones o culto de veneração (dulia).
As imagens sagradas prestaram ao longo da história da Igreja
e ainda prestam um valioso auxílio na evangelização. Se os hagiógrafos
escreveram a Palavra de Deus com tinta e papel, os iconógrafos a escreveram com
cores e formas, tornando-a assim acessível às pessoas que não sabem ler. As
imagens sagradas são, pois, “a Bíblia do simples” [3].
Como bem sintetiza o Papa São João Paulo II em sua célebre Carta aos artistas (n. 12): “Para
transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte.
De fato, deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do
espírito, do invisível, de Deus. Por isso, tem de transpor para fórmulas
significativas aquilo que, em si mesmo, é inefável. Ora, a arte possui uma
capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem,
traduzindo-os em cores, formas, sons que estimulam a intuição de quem os vê e
ouve. E isso sem privar a própria mensagem do seu valor transcendente e do seu
halo de mistério” [2].
Dentre as diversas expressões da arte sacra, ocupam um lugar
de destaque os ícones da tradição bizantina. Estes ícones apresentam uma extraordinária
riqueza de simbolismos, constituindo-se em sólida catequese sobre as verdades
fundamentais da fé.
Iconostase de uma igreja bizantina |
Ao longo do próximo ano iremos apresentar aqui neste blog
uma série de ícones das festas litúrgicas segundo a tradição bizantina [4].
Estes ícones geralmente ficam expostos nas igrejas desta tradição como parte da
iconostase, espécie de “parede” que separa o santuário (presbitério) da nave.
São verdadeiramente as “janelas do invisível”, as “janelas abertas para o
infinito”.
Utilizaremos para estas postagens principalmente a série de
livros de Gaetano Passarelli, publicados no Brasil entre 1996 e 1997 pela
Editora Ave Maria. Nesta coleção o autor explica cada um dos ícones das grandes
festas, complementando a reflexão com textos litúrgicos bizantinos.
Seguiremos nas postagens a ordem do Ano Litúrgico bizantino,
que começa justamente hoje, dia 01 de setembro. Esta escolha coloca a festa da
Natividade de Maria (08 de setembro) como a primeira das grandes festas e a sua
Dormição (15 de agosto) como a última. Longe de colocar Maria como centro, esta
organização a apresenta como a “moldura” que evidencia a verdadeira “obra de
arte”: seu Filho Jesus Cristo. Maria é sua precursora na vida, pois nasce antes
d’Ele segundo a carne, e o seguirá depois na morte e ressurreição.
Ícone de Maria venerado em Roma |
Tomaremos também algumas liberdades em relação às festas
litúrgicas, acrescentando ícones para festas próprias da tradição romana (como
as Solenidades da Santíssima Trindade e de Cristo Rei), indicando assim como as
diferentes tradições cristãs iluminam-se mutuamente.
Para acessar as postagens, publicadas de setembro de 2019 a novembro de 2020, clique nos links abaixo:
O ícone de Cristo Salvador - Jesus Cristo, Rei do Universo
O ícone da Sinaxe da Mãe de Deus (26 de dezembro)
“O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas
mãos tocaram da Palavra da Vida, (...) isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos” (1Jo 1,1.3)
Ícones das festas em volta do ícone da Páscoa |
Notas:
[1] II Concílio de Niceia. 7ª sessão: Definição a respeito dos sagrados ícones. in: DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007, n. 600, p. 218.
[2] JOÃO PAULO II (Papa). Carta aos artistas. in:
Coleção: A voz do Papa, 167. São
Paulo: Paulinas, 2010, p. 24.
[3] Há uma ampla bibliografia sobre os ícones e sua
fundamentação teológica. Utilizamos aqui sobretudo ALFEYEV, Hilarion. O mistério da fé: Introdução à teologia
dogmática ortodoxa. Petrópolis: Vozes, 2018, pp. 166-172.
[4] São doze as principais festas litúrgicas bizantinas,
além da Páscoa, mãe de todas as festas: Natividade de Maria, Exaltação da Santa
Cruz, Apresentação de Maria, Natal do Senhor, Teofania, Apresentação do Senhor,
Anunciação, Transfiguração e a Dormição de Maria, com datas fixas, além das festas
com datas móveis: Entrada de Jesus em Jerusalém, Ascensão do Senhor e
Pentecostes. cf. DONADEO, Madre
Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São
Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 31-33.
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