A Festa de Pentecostes (cinquenta, em grego; conhecida em
hebraico como Shavuot, Festa das
Semanas), como o nome indica, é celebrada no 50º dia após a Páscoa.
Inicialmente uma festa de ação de graças pela colheita, na
tradição judaica celebra também a entrega dos Dez Mandamentos (cf. Ex
20). A partir do Novo Testamento, por sua vez, foi-lhe acrescentado um novo
significado: a entrega da nova lei do Espírito após a Ressurreição (At 2,1-11).
Celebrada no 50º dia após a Páscoa, a festa do Pentecostes
nos remete ao simbolismo do número “sete”: 7x7+1=50.
O número sete é particularmente simbólico em várias
tradições religiosas, sendo o intervalo médio de cada uma das fases do ciclo
lunar e o número de “planetas” conhecidos na Antiguidade (Mercúrio, Vênus,
Marte, Júpiter e Saturno, além do Sol e da Lua), que em algumas línguas nomeiam
os dias da semana (septimana, em
latim).
Portanto, julgamos que a Solenidade de Pentecostes é a
ocasião adequada para apresentarmos o ícone da Sabedoria do Senhor.
(Para conhecer o simbolismo do ícone da festa de Pentecostes, clique aqui).
O ícone da Sabedoria: Modelo de Kiev
Na tradição bizantina há diversos modelos de ícones da Sabedoria
(Sophia, em grego). Por exemplo,
retratando o episódio do encontro de Jesus com os doutores no templo aos doze
anos (cf. Lc 2,41-51); ou com o Cristo sentado no trono, geralmente ladeado
pela Virgem Maria e por João Batista, formação conhecida como deesis (oração ou súplica) e associada
ao juízo final, quando o Senhor virá para julgar com sabedoria.
O ícone da Sabedoria que queremos apresentar nesta postagem,
porém, é conhecido como o “modelo de Kiev”, uma vez que é venerado na Catedral
de Santa Sofia (Santa Sabedoria) em Kiev (Ucrânia), igreja construída no século
XI e que atualmente serve como um museu.
O ícone da Sabedoria venerado nessa igreja remonta à segunda
metade do século XVII, período em que a pintura bizantina recebeu algumas
influências da tradição ocidental. Não obstante, a temática recorrente no ícone
são os diversos simbolismos do número sete, como veremos a seguir.
Cristo, Sabedoria de
Deus
No Novo Testamento, Jesus é definido como “Sabedoria de
Deus” (cf. 1Cor 1,22-24), sendo associado à Sabedoria personificada presente
em alguns escritos do Antigo Testamento (cf.,
por exemplo, Pr 8–9).
Em nosso ícone Cristo é retratado exatamente no centro, como
uma criança envolvida em uma mandorla diante do seio da Virgem Maria. Ele é o Emmanuel, Deus-conosco (Is 7,14; Mt 1,23), a Sabedoria que “armou sua tenda” entre nós (Eclo 24; Jo 1,14).
A mandorla (amêndoa, em italiano), por sua vez, remete tanto
à Encarnação quanto à Ressurreição: sendo uma auréola oval, remete ao
simbolismo do ovo, com sua promessa de uma nova vida.
Maria, o trono da
Sabedoria
A Virgem Maria pode ser invocada como Trono ou Sede da
Sabedoria tanto em sentido relativo, sendo a Mãe de Jesus, a Sabedoria
encarnada; quanto em sentido próprio, pois é a mulher sábia que “escolheu a
melhor parte” (Lc 10,42); acolhendo a
Palavra de Deus em seu coração (Lc
2,19.51).
(Para acessar os textos da Missa de Maria, Sede da Sabedoria, clique aqui)
Em nosso ícone a Virgem serve como “moldura” para seu Filho,
o qual, como vimos, ocupa o centro da composição em uma mandorla diante do seu
ventre. É retratada segundo o modelo da “orante”: a mulher de braços abertos,
imagem da Igreja-Esposa.
A associação de Maria com a Igreja é reforçada em nosso
ícone pela presença dos atributos da “mulher do Apocalipse” (Ap 12): envolvida
por raios de sol (que podem dividir-se em doze, em alusão às tribos de Israel e
aos Apóstolos do novo Israel, a Igreja), tendo a lua sob os pés e, às vezes,
com uma coroa.
A casa da Sabedoria e
suas sete colunas
A Virgem Maria com o Cristo em seu ventre está em pé no
centro de uma casa ou templo de formato circular (imagem do eterno) sustentado
por sete colunas. Começa aqui o múltiplo simbolismo desse número em nosso
ícone.
As sete colunas remetem ao texto de Pr 9,1, que aparece citado em grego e/ou em eslavônio (eslavo
eclesiástico, língua litúrgica de algumas igrejas orientais) no dintel da
construção: “A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas”.
A imagem da Sabedoria que constrói sua casa, além de ser
interpretada à luz da Encarnação, é também associada à Eucaristia, uma vez que,
logo em seguida, essa oferece pão e vinho aos seus convidados (Pr 9,5-6).
As sete imagens do
Apocalipse
Nas colunas da casa ou templo da Sabedoria há medalhões com
imagens do Apocalipse associadas ao
número “sete” (da esquerda para direita):
1. O livro fechado por sete selos (Ap 5–6);
2. O castiçal de sete braços (Ap 1,12; 2,1);
3. Os sete olhos, um dos atributos do Cordeiro (Ap 5,6);
4. As sete trombetas (Ap
8–9);
5. Uma mão com sete estrelas (Ap 1,16; 3,1);
6. As sete taças de ouro (Ap 15–16);
7. Os sete trovões (Ap
10).
Os sete dons do
Espírito Santo
Sobre os medalhões com as imagens do Apocalipse nas colunas estão escritos (novamente em grego e/ou em
eslavônio) os sete dons do Espírito Santo, que a Igreja acolheu de Is 11,2-3:
1. Sabedoria;
2. Inteligência ou Entendimento;
3. Conselho;
4. Fortaleza;
5. Ciência ou Conhecimento;
6. Piedade;
7. Temor de Deus.
Logo acima do templo, por sua vez, abaixo da imagem de
Deus Pai, de quem procede, é retratado o próprio Espírito Santo, Doador dos
Sete Dons, na forma de uma pomba (cf.
Mt 3,16 e paralelos).
Os sete arcanjos
No topo do ícone, ao centro, temos a figura de Deus Pai,
representado como o “Ancião de muitos dias” (cf. Dn 7), às vezes com
um nimbo triangular em alusão ao mistério da Trindade.
(Para conhecer o simbolismo do ícone bizantino da Trindade, clique aqui)
Vale recordar que a figura do Pai é retratada mui raramente na
tradição bizantina. Vemos aqui, como afirmamos anteriormente, a influência da
tradição ocidental.
Em algumas cópias do ícone da Sabedoria “de Kiev” o Pai
segura um rolo de pergaminho com a inscrição: “Eu estabeleci suas colunas” (Sl
74/75,4), que atesta o seu papel como criador e complementa o texto de Pr 9,1, como vimos acima.
Ladeando o “Senhor dos Exércitos” encontram-se sete anjos.
Como vimos em nossa postagem sobre a história do culto aos arcanjos, a Igreja
católica atribui este título apenas aos três anjos mencionados nas Escrituras:
Miguel, Gabriel e Rafael, sendo proibido invocar nomes de outros anjos.
Em Tb 12,15, Rafael apresenta-se como “um dos sete anjos que
permanecem diante da glória do Senhor”, imagem retomada no Apocalipse (Ap 8,2). Porém, a expressão não precisa ser interpretada em sentido
estrito: como temos referido diversas vezes, o número “sete” quer indicar
“plenitude”.
Não obstante, os textos apócrifos
quiseram completar a “lista dos sete arcanjos”, tradição que foi acolhida pelas
igrejas orientais. Após Miguel, Gabriel e Rafael, um quarto arcanjo é
identificado como Uriel (chama de Deus,
luz de Deus). Este é associado, junto
com os três arcanjos “canônicos”, aos quatro pontos cardeais.
Os três arcanjos “restantes”, porém,
recebem diferentes nomes. A tradição bizantina convencionou chamá-los de Barachiel
ou Baraquiel (bênção de Deus, abençoado por Deus), Jehudiel ou
Jegudiel (louvor de Deus) e Selathiel
ou Selaphiel (Deus comunica, oração de Deus).
No ícone da Sabedoria “de Kiev” os
sete arcanjos aparecem com atributos e em uma ordem que podem variar nas
diferentes cópias do ícone. Os atributos mais comuns são:
1. Miguel com uma espada;
2. Gabriel com um lírio;
3. Rafael com um vaso de
medicamentos;
4. Uriel com uma chama ou raio;
5. Selaphiel com as mãos cruzadas
em oração;
6. Jegudiel com uma coroa;
7. Barachiel com flores em um pano
branco.
Os sete “profetas”
Se a parte superior do ícone retrata a esfera celeste, sua
parte inferior representa a esfera terrestre. Esta é composta por uma escadaria
de sete degraus, na qual estão postados sete personagens do Antigo Testamento.
Estes personagens representam a expectativa de Israel pela
vinda do Messias, com atributos que fazem referência às profecias da Encarnação
(muitos dos quais são retomados no ícone do Akathistos).
Na parte esquerda do ícone encontramos três personagens:
1. Moisés com as tábuas da Lei - o ventre de Maria, com
efeito, é a “tábua” na qual a Palavra de Deus será inscrita, fazendo-se carne;
2. Aarão com a vara florida (Nm 17,16-26) - prefiguração do Cristo como o rebento que brota da
raiz de Jessé (Is 11,1);
3. Davi com a arca da aliança - Maria é a arca da nova e
eterna aliança, que é o próprio Jesus.
Podemos associar estes três personagens também com o
tríplice múnus de Cristo: Profeta (Moisés), Sacerdote (Aarão) e Rei-Pastor
(Davi).
No lado direito do ícone, por sua vez, estão retratados os
“quatro profetas maiores”:
4. Isaías com o pergaminho de Is 7,14: “Eis que uma virgem conceberá...”;
5. Jeremias com um ramo de amendoeira (Jr 1,11), símbolo paralelo à vara de Aarão;
6. Ezequiel com a porta oriental do templo de Jerusalém, que
permaneceria fechada até a vinda do Senhor (Ez
44,2), “profecia” da concepção virginal de Maria;
7. Daniel com a pedra que, sem intervenção humana, se
desprende de uma montanha (Dn
2,31-45), outra “profecia” da concepção virginal.
Os sete degraus e as
sete virtudes
Por fim, temos os sete degraus que conduzem à casa ou templo
da Sabedoria, imagem da Igreja peregrina rumo à pátria celeste. O Livro de Ezequiel, com efeito, ao
descrever uma visão ideal do templo menciona seus sete degraus (Ez 40,22.26), símbolo da ascensão
espiritual.
Os degraus são retratados nas sete cores que compõem o
arco-íris, “ponte” entre o céu e a terra e imagem da aliança de Deus com a
criação e com a humanidade (Gn 9).
No centro de cada degrau encontramos inscrita uma virtude a
cultivar em nossa caminhada para o céu (geralmente escritas em eslavônio ou
eslavo eclesiástico):
1. Fé;
2. Esperança;
3. Caridade;
4. Pureza;
5. Humildade;
6. Bênção ou Graça;
7. Glória.
Os últimos degraus, mais do que virtudes a cultivar, apontam
já para a realização da promessa: a participação na bem-aventurança eterna
junto a Deus.
Fontes:
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