segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Catequeses do Papa Francisco: Vícios e virtudes 1

À medida que nos aproximamos da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, tempo no qual somos particularmente chamados à conversão, gostaríamos de repropor as Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes, proferidas do final de 2023 a meados de 2024.

Confira nesta postagem as duas reflexões “introdutórias”:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 27 de dezembro de 2023
Os vícios e as virtudes (1): Guardar o coração

Hoje gostaria de introduzir um ciclo de Catequeses sobre o tema dos vícios e das virtudes. E podemos começar precisamente do início da Bíblia, onde o Livro do Gênesis, com a narrativa dos primeiros pais, apresenta a dinâmica do mal e da tentação. Pensemos no Paraíso terrestre. No quadro idílico representado pelo Jardim do Éden, aparece um personagem que se torna o símbolo da tentação: a serpente. A serpente é um animal insidioso: ela se move lentamente, rastejando pelo chão, e às vezes não se percebe nem mesmo a sua presença, pois consegue se mimetizar bem com o ambiente. Sobretudo por isso é perigosa.

Alegoria do Antigo e do Novo Testamento:
Do pecado dos primeiros pais à redenção em Cristo

Ao começar a dialogar com Adão e Eva demonstra também ser uma dialética refinada. Começa como se faz nas fofocas maldosas, com uma pergunta maliciosa: «É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?» (Gn 3,1). A frase é falsa: Deus, na realidade, ofereceu ao homem e à mulher todos os frutos do jardim, exceto os de uma árvore específica: a árvore do conhecimento do bem e do mal. Esta proibição não pretende proibir ao homem o uso da razão, como às vezes é mal interpretada, mas é uma medida de sabedoria. Como se dissesse: reconheça o limite, não se sinta dono de tudo, porque o orgulho é o início de todos os males. A narração diz que Deus coloca os primeiros pais como senhores e guardiões da criação, mas quer preservá-los da presunção da onipotência, de se tornarem senhores do bem e do mal. Esta é uma tentação feia, também hoje, é a armadilha mais perigosa para o coração humano, contra a qual devemos nos proteger todos os dias!

Como sabemos, Adão e Eva não conseguiram resistir à tentação da serpente. A ideia de um Deus não tão bom, que queria mantê-los submissos, insinuou-se em suas mentes: daí o colapso de tudo. Logo os primeiros pais ​​perceberão que, assim como o amor é prêmio para si mesmo, também o mal é castigo para si mesmo. Não haverá necessidade dos castigos de Deus para compreenderem que erraram: serão seus próprios atos a destruir o mundo de harmonia em que viviam até então. Eles pensaram que se tornariam como deuses, mas em vez disso percebem estar nus e que também têm muito medo: porque, quando o orgulho penetra no coração, então ninguém mais pode se proteger da única criatura terrena capaz de conceber o mal, isso é, o homem.

Com estas narrativas, a Bíblia explica-nos que o mal não começa no homem de uma forma clamorosa, quando um ato já é concreto, mas muito antes, quando se começa a entreter-se com ele, a acalentá-lo na imaginação e nos pensamentos, terminando por ser enredado por suas lisonjas. O assassinato de Abel não começou com uma pedra atirada, mas com o rancor que Caim infelizmente guardava, fazendo com que ele se tornasse um monstro dentro de si. Também neste caso, as recomendações de Deus são inúteis: «O pecado estará à tua porta, esprei­tando-te; mas tu deverás dominá-lo» (Gn 4,7).

Caros irmãos e irmãs, com o diabo nunca se dialoga. Nunca! Não se deve discutir, nunca. Jesus nunca dialogou com o diabo, Ele o expulsou. Quando foi tentado no deserto, Ele não respondeu com o diálogo; simplesmente respondeu com as palavras da Sagrada Escritura, com a Palavra de Deus. Estejam atentos, o diabo é um sedutor. Nunca dialogar com ele, porque ele é mais esperto do que nós e nos fará pagar. Quando a tentação vier, nunca dialogue! Feche a porta, feche a janela, feche o coração. Assim nos defendemos dessa sedução, porque o diabo é astuto, ele é inteligente. Ele procurou tentar Jesus com citações bíblicas! Ele se mostrava como um grande teólogo. Com o diabo não se dialoga. Vocês entenderam bem isso? Estejam atentos. Com o diabo não se dialoga e com a tentação não devemos nos entreter. Não se dialoga. A tentação vem: fechamos a porta. Protejamos o coração. Ele é capaz de disfarçar o mal sob uma máscara invisível de bem. É por isso que devemos estar sempre alertas, fechando imediatamente a menor fresta quando tenta penetrar em nós. Há pessoas que caíram em dependências que não conseguiram mais superar (drogas, alcoolismo, jogos de azar) simplesmente porque subestimaram um risco. Pensaram que eram fortes em uma pequena batalha, mas acabaram sendo vítimas de um inimigo muito poderoso. Quando o mal se enraíza em nós, então toma o nome de vício e é uma erva daninha difícil de erradicar. Isto só pode ser alcançado à custa de duras penas.

Devemos ser guardiões do próprio coração. É a recomendação que encontramos em vários Padres do deserto: homens que deixaram o mundo para viver na oração e na caridade fraterna. O deserto - diziam - é um lugar que nos poupa algumas batalhas: a dos olhos, a da língua e a dos ouvidos; só nos resta uma última luta, a mais difícil de todas: a do coração. Diante de cada pensamento e de cada desejo que surge na mente e no coração, o cristão comporta-se como um sábio guardião, e questiona para saber de onde veio: se de Deus ou do seu Adversário. Se vem de Deus, então deve ser acolhido, porque é o começo da felicidade. Mas se vier do Adversário, é apenas cizânia, é apenas poluição, e mesmo que sua semente nos pareça pequena, uma vez criada a raiz, descobriremos dentro de nós as longas ramificações do vício e da infelicidade. O bom êxito de toda batalha espiritual depende muito do seu início: no vigiar sempre o nosso coração.

Devemos pedir a graça de aprender a guardar o coração. É uma sabedoria, esta, saber como guardar o coração. Que o Senhor nos ajude nesse trabalho. Aquele que guarda seu coração guarda um tesouro. Irmãos e irmãs, aprendamos a guardar o coração.

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 03 de janeiro de 2024
Os vícios e as virtudes (2): O combate espiritual

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Na semana passada introduzimos o tema dos vícios e das virtudes. Esse tema remete à luta espiritual do cristão. Com efeito, a vida espiritual do cristão não é pacífica, linear, sem desafios; pelo contrário, a vida cristã exige um combate constante: o combate cristão para conservar a fé, para enriquecer os dons da fé em nós. Não é por acaso que a primeira unção que cada cristão recebe no sacramento do Batismo - a unção catecumenal - é sem perfume e anuncia simbolicamente que a vida é uma luta. Sim, na Antiguidade os lutadores eram completamente ungidos antes da competição, quer para tonificar os músculos, quer para tornar o corpo esquivo às garras do adversário. A unção dos catecúmenos torna imediatamente claro que o cristão não é poupado da luta, que o cristão deve lutar: também a sua existência, como a de todos, deverá descer à arena, pois a vida é uma sucessão de provações e tentações.

Uma célebre frase atribuída ao Abade Antônio [ou Antão], o primeiro grande Padre do monaquismo, reza assim: «Tira as tentações e ninguém se salvará». Os santos não são homens aos quais foi poupada a tentação, mas pessoas bem conscientes de que as seduções do mal aparecem repetidamente na vida, para ser desmascaradas e rejeitadas. Todos nós experimentamos isto, todos nós: ter um mau pensamento, o desejo de fazer isto ou de falar mal do outro... Todos, todos nós somos tentados, e devemos lutar para não cair nessas tentações. Se algum de vós não tem tentações, que o diga, pois isto seria algo extraordinário! Todos nós temos tentações, e todos devemos aprender a nos comportar em tais situações.

Há muitas pessoas que são egocêntricas, que pensam que estão “bem” - “Não, eu sou bom, sou boa, não tenho estes problemas”. Mas nenhum de nós está bem; se alguém se sente bem, sonha; cada um de nós tem muitas coisas a corrigir, e também devemos estar vigilantes. E às vezes acontece que vamos ao Sacramento da Reconciliação e dizemos, com sinceridade: “Padre, não me lembro, não sei se cometi pecados...”. Mas isto é falta de conhecimento do que acontece no coração. Somos pecadores, todos nós! E um pequeno exame de consciência, um pequeno olhar interior nos fará bem. Caso contrário correremos o risco de viver nas trevas, porque nos habituamos às trevas e já não conseguimos distinguir o bem do mal. Isaac de Nínive dizia que, na Igreja, quem conhece os seus pecados e chora por eles é maior do que aquele que ressuscita um morto. Todos nós devemos pedir a Deus a graça de nos reconhecermos pobres pecadores, necessitados de conversão, guardando no coração a confiança de que nenhum pecado é demasiado grande para a misericórdia infinita de Deus Pai. Esta é a lição inaugural que Jesus nos dá!

Vemos isso nas primeiras páginas dos Evangelhos, em primeiro lugar quando nos falam do batismo do Messias nas águas do rio Jordão. O episódio tem em si algo de desconcertante: por que se submete Jesus a este rito de purificação? Ele é Deus, é perfeito! De que pecado Jesus deve se arrepender? De nenhum! Até o Batista fica escandalizado, a ponto de o texto dizer: João queria impedi-lo, dizendo: «Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti. E Tu vens a mim?» (Mt 3,15). Mas Jesus é um Messias muito diferente de como João teria apresentado e de como as pessoas imaginavam: não encarna o Deus irado e não convoca para o julgamento, mas, ao contrário, põe-se na fila com os pecadores. Como? Sim, Jesus caminha conosco, com todos nós, pecadores. Não é um pecador, mas está entre nós. E isto é bom! “Padre, cometi tantos pecados!” - “Mas Jesus está contigo: fala deles, Ele te ajuda a abandoná-los”. Jesus nunca nos deixa sozinhos, nunca! Pensai bem nisto. “Ó, Padre, cometi coisas graves!” - “Mas Jesus te compreende e te acompanha: entende o teu pecado e o perdoa”. Nunca esqueçamos isto! Nos piores momentos, nos momentos em que escorregamos nos pecados, Jesus está ao nosso lado para nos ajudar a levantar. Isto nos dá consolação. Não podemos perder esta certeza: Jesus está ao nosso lado para nos ajudar, para nos proteger, até para nos levantar depois do pecado. “Mas Padre, é verdade que Jesus perdoa tudo?” - “Tudo. Ele veio para perdoar, para salvar. Mas Jesus quer o teu coração aberto”. Nunca se esquece de perdoar: somos nós, muitas vezes, que perdemos a capacidade de pedir perdão. Recuperemos a capacidade de pedir perdão. Cada um de nós tem muitas coisas das quais pedir perdão: cada um de nós pense nisso dentro de si, e hoje fale com Jesus sobre isto. Fale com Jesus sobre isto: “Senhor, não sei se é verdade ou não, mas tenho a certeza de que Tu não te afastas de mim. Tenho a certeza de que me perdoas. Senhor, sou pecador, pecadora, mas por favor não te afastes”. Esta seria uma bonita oração a Jesus hoje: “Senhor, não te afastes de mim”.

E logo após o episódio do batismo, os Evangelhos narram que Jesus se retira para o deserto, onde é tentado por Satanás. Também aqui se põe a questão: por que o Filho de Deus deve conhecer a tentação? Também neste caso Jesus se mostra solidário com a nossa frágil natureza humana e torna-se o nosso grande exemplum: as tentações que atravessa e vence no meio das pedras áridas do deserto são a primeira instrução que dá à nossa vida de discípulos. Ele experimentou o que também nós devemos sempre preparar-nos para enfrentar: a vida é feita de desafios, provações, encruzilhadas, visões opostas, seduções ocultas, vozes contraditórias. Algumas vozes são até persuasivas, a ponto que Satanás tenta Jesus recorrendo às palavras da Escritura. Devemos preservar a lucidez interior para escolher o caminho que nos conduz verdadeiramente à felicidade e depois esforçar-nos para não parar ao longo do caminho.

Lembremo-nos de que estamos sempre divididos entre extremos opostos: a soberba desafia a humildade; o ódio opõe-se à caridade; a tristeza impede a verdadeira alegria do Espírito; o endurecimento do coração rejeita a misericórdia. Os cristãos caminham constantemente sobre estes cumes. Por isso é importante refletir sobre os vícios e as virtudes: ajuda-nos a superar a cultura niilista na qual os contornos entre o bem e o mal permanecem difusos e, ao mesmo tempo, recorda-nos que o ser humano, ao contrário de qualquer outra criatura, pode sempre transcender-se, abrindo-se a Deus e caminhando rumo à santidade.

Portanto, o combate espiritual leva-nos a olhar mais de perto os vícios que nos aprisionam e a caminhar, com a graça de Deus, para as virtudes que podem florescer em nós, trazendo a primavera do Espírito à nossa vida.

Jesus é tentado pelo Diabo (Duccio)


Confira também as demais Catequeses (iremos atualizando à medida que forem postadas):

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