Dando início à segunda parte das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes que estamos publicando no contexto da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, confira as meditações sobre o agir virtuoso e sobre a prudência, primeira das virtudes cardeais:
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 13 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (11): O agir virtuoso
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois
de ter concluído a panorâmica sobre os vícios, chegou o momento de dirigir o
olhar para o quadro simétrico, que se opõe à experiência do mal. O coração do
homem pode ceder às más paixões, pode dar ouvidos a tentações nocivas
disfarçadas sob vestes convincentes, mas também pode opor-se a tudo isto. Por
mais difícil que seja, o ser humano foi feito para o bem, que o realiza
verdadeiramente, e pode também praticar esta arte, fazendo com que certas
disposições se tornem permanentes nele. A reflexão sobre esta nossa maravilhosa
possibilidade constitui um capítulo clássico da filosofia moral: o capítulo
das virtudes.
Os
filósofos romanos chamavam-lhe virtus, os gregos areté.
O termo latino realça sobretudo que a pessoa virtuosa é forte, corajosa, capaz
de disciplina e ascese; por isso, o exercício das virtudes é fruto de uma longa
germinação, que exige esforço e até sofrimento. Por outro lado, a palavra
grega areté indica algo que excede, que emerge, que suscita
admiração. Portanto, a pessoa virtuosa é aquela que não se desvirtua,
deformando-se, mas é fiel à sua vocação, realiza-se plenamente.
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A inocência rodeada por outras virtudes (Adriaen van de Velde) |
Estaríamos
no caminho errado se pensássemos que os santos são exceções da humanidade: uma
espécie de círculo restrito de campeões que vivem além dos limites da nossa
espécie. Nesta perspectiva que acabamos de introduzir sobre as virtudes, os
santos são sobretudo aqueles que se tornam plenamente eles mesmos, que realizam
a vocação própria de cada homem. Como o mundo seria feliz se a justiça, o
respeito, a benevolência mútua, a abertura de espírito e a esperança fossem a
normalidade compartilhada, e não uma rara anomalia! Por isso, o capítulo do
agir virtuoso, nestes nossos tempos dramáticos em que muitas vezes nos
confrontamos com o pior do humano, deveria ser redescoberto e praticado por
todos. Em um mundo deformado, devemos recordar o modo como fomos moldados, a
imagem de Deus que está impressa para sempre em nós.
Mas
como podemos definir o conceito de virtude? O Catecismo
da Igreja Católica oferece-nos uma definição exata e concisa: «A virtude é
uma disposição habitual e firme para fazer o bem» (n. 1803). Portanto, não se
trata de um bem improvisado e um pouco casual, que cai do céu de maneira
episódica. A história diz-nos que até os criminosos, em um momento de lucidez,
praticaram boas ações; certamente, estas ações estão inscritas no “livro de
Deus”, mas a virtude é outra coisa. É um bem que nasce de um lento amadurecimento
da pessoa, até se tornar uma caraterística interior sua. A virtude é um habitus da
liberdade. Se somos livres em cada ação, e cada vez somos chamados a escolher
entre o bem e o mal, a virtude é o que nos permite ter um hábito para a escolha
certa.
Se
a virtude é um dom tão bom, coloca-se imediatamente uma interrogação: como
é possível adquiri-la? A resposta a esta pergunta não é simples, é
complexa.
Para
o cristão, a primeira ajuda é a graça de Deus. Com efeito, o
Espírito Santo age em nós, batizados, trabalhando na nossa alma para conduzi-la
a uma vida virtuosa. Quantos cristãos chegaram à santidade através das
lágrimas, constatando que não conseguiam superar certas debilidades! Mas
experimentaram que Deus completou esta boa obra que para eles era apenas um
esboço. A graça precede sempre o nosso compromisso moral!
Além
disso, nunca devemos esquecer a riquíssima lição que nos vem da sabedoria dos
antigos, que nos diz que a virtude cresce e pode ser cultivada. E
para que isto aconteça, o primeiro dom do Espírito a pedir é precisamente a
sabedoria. O ser humano não é um território livre para a conquista de prazeres,
emoções, instintos, paixões, sem poder fazer nada contra tais forças, às vezes
caóticas, que o habitam. Um dom inestimável que possuímos é a abertura mental,
é a sabedoria capaz de aprender com os erros para orientar bem a vida. Além
disso, precisamos da boa vontade: a capacidade de escolher o bem, de nos
moldarmos mediante o exercício ascético, evitando os excessos.
Amados
irmãos e irmãs, comecemos assim o nosso caminho através das virtudes, neste
universo sereno que se apresenta exigente, mas decisivo para a nossa
felicidade.
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (12): A prudência
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Dedicamos
a Catequese de hoje à virtude da prudência. Com a justiça, a
fortaleza e a temperança ela forma as chamadas virtudes cardeais, que não são
prerrogativa exclusiva dos cristãos, mas pertencem à herança da sabedoria
antiga, em particular dos filósofos gregos. Por isso, um dos temas mais
interessantes na obra de encontro e inculturação foi precisamente o das
virtudes.
Nos
escritos medievais a apresentação das virtudes não é uma simples enumeração das
qualidades positivas da alma. Retomando os autores clássicos à luz da Revelação
cristã, os teólogos imaginaram o setenário das virtudes - três teologais e
quatro cardeais - como uma espécie de organismo vivo, onde cada virtude tem um
espaço harmonioso a ocupar. Há virtudes essenciais e virtudes acessórias, como
pilares, colunas e capitéis. Sim, talvez nada menos do que a arquitetura de uma
catedral medieval possa restituir a ideia da harmonia que existe no homem e da
sua contínua tensão para o bem.
Comecemos
pela prudência. Ela não é a virtude da pessoa medrosa, sempre hesitante acerca
da ação a empreender. Não, esta é uma interpretação errada. Também não se trata
apenas de cautela. Conceder o primado à prudência significa que a ação do homem
está nas mãos da sua inteligência e liberdade. A pessoa prudente é
criativa: raciocina, avalia, procura compreender a complexidade da realidade,
sem se deixar vencer pelas emoções, pela preguiça, pelas pressões das
ilusões.
Em um
mundo dominado pelas aparências, pelos pensamentos superficiais, pela
banalidade, tanto do bem como do mal, a antiga lição da prudência merece ser
recuperada.
Seguindo Aristóteles, Santo Tomás chamava-lhe “reta ratio agibilium” (reta
razão do agir). Trata-se da capacidade de governar as ações a fim de orientá-las
para o bem; por isso, é denominada “condutora [auriga] das virtudes”. Prudente é quem
sabe escolher: enquanto permanece nos livros, a vida é sempre fácil, mas no
meio dos ventos e das ondas do dia a dia a situação é diferente; muitas vezes nos
sentimos inseguros e não sabemos para onde ir. Quem é prudente não escolhe por
acaso: em primeiro lugar, sabe o que quer, depois reflete sobre as situações,
deixa-se aconselhar e, com visão ampla e liberdade interior, escolhe o caminho
a seguir. Não quer dizer que não possa cometer erros - afinal, somos sempre
humanos -, mas pelo menos evitará grandes disparates. Infelizmente, em todos os
ambientes há quem tenda a descartar os problemas com piadas superficiais ou a
levantar sempre polêmicas. Ao contrário, a prudência é a qualidade de quem é
chamado a governar: sabe que administrar é difícil, que há muitos pontos de
vista e é preciso procurar harmonizá-los, que não se deve buscar o bem de
alguns, mas de todos.
A
prudência ensina também que, como se costuma dizer, “o ótimo é inimigo do bem”.
Com efeito, o excesso de zelo em certas situações pode provocar desastres: pode
arruinar uma construção que teria exigido gradualismo; pode gerar conflitos e
mal-entendidos; pode até desencadear a violência.
A
pessoa prudente sabe conservar a memória do passado, não porque tem
medo do futuro, mas porque sabe que a tradição é uma herança de sabedoria. A
vida é feita de constante sobreposição de realidades antigas e novas, e não é
bom pensar sempre que o mundo começa a partir de nós, que devemos enfrentar os
problemas a partir do zero. E a pessoa prudente é também previdente.
Uma vez decidida a meta a atingir, é preciso procurar todos os meios para
alcançá-la.
São
tantas as passagens do Evangelho que nos ajudam a educar a prudência. Por
exemplo, é prudente quem constrói a casa sobre a rocha e imprudente quem a
constrói sobre a areia (cf. Mt 7,24-27). São sábias as
donzelas que levam consigo óleo para as suas lâmpadas e insensatas aquelas que
não o fazem (cf. Mt 25,1-13). A vida cristã é uma
combinação de simplicidade e astúcia. Preparando os seus discípulos para a
missão, Jesus recomenda: «Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos.
Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas» (Mt 10,16).
Como se quisesse dizer que Deus não nos quer apenas santos, mas santos
inteligentes, pois sem prudência é fácil errar o caminho!
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Prudência (Piero del Pollaiolo) |
Fonte: Santa Sé (13 de março / 20 de março).
Confira também uma Catequese do Papa São João Paulo II sobre a virtude da prudência.
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