segunda-feira, 10 de março de 2025

Catequeses do Papa Francisco: Vícios e virtudes 6

Dando início à segunda parte das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes que estamos publicando no contexto da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, confira as meditações sobre o agir virtuoso e sobre a prudência, primeira das virtudes cardeais:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 13 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (11): O agir virtuoso

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois de ter concluído a panorâmica sobre os vícios, chegou o momento de dirigir o olhar para o quadro simétrico, que se opõe à experiência do mal. O coração do homem pode ceder às más paixões, pode dar ouvidos a tentações nocivas disfarçadas sob vestes convincentes, mas também pode opor-se a tudo isto. Por mais difícil que seja, o ser humano foi feito para o bem, que o realiza verdadeiramente, e pode também praticar esta arte, fazendo com que certas disposições se tornem permanentes nele. A reflexão sobre esta nossa maravilhosa possibilidade constitui um capítulo clássico da filosofia moral: o capítulo das virtudes.

Os filósofos romanos chamavam-lhe virtus, os gregos areté. O termo latino realça sobretudo que a pessoa virtuosa é forte, corajosa, capaz de disciplina e ascese; por isso, o exercício das virtudes é fruto de uma longa germinação, que exige esforço e até sofrimento. Por outro lado, a palavra grega areté indica algo que excede, que emerge, que suscita admiração. Portanto, a pessoa virtuosa é aquela que não se desvirtua, deformando-se, mas é fiel à sua vocação, realiza-se plenamente.

A inocência rodeada por outras virtudes
(Adriaen van de Velde)

Estaríamos no caminho errado se pensássemos que os santos são exceções da humanidade: uma espécie de círculo restrito de campeões que vivem além dos limites da nossa espécie. Nesta perspectiva que acabamos de introduzir sobre as virtudes, os santos são sobretudo aqueles que se tornam plenamente eles mesmos, que realizam a vocação própria de cada homem. Como o mundo seria feliz se a justiça, o respeito, a benevolência mútua, a abertura de espírito e a esperança fossem a normalidade compartilhada, e não uma rara anomalia! Por isso, o capítulo do agir virtuoso, nestes nossos tempos dramáticos em que muitas vezes nos confrontamos com o pior do humano, deveria ser redescoberto e praticado por todos. Em um mundo deformado, devemos recordar o modo como fomos moldados, a imagem de Deus que está impressa para sempre em nós.

Mas como podemos definir o conceito de virtude? O Catecismo da Igreja Católica oferece-nos uma definição exata e concisa: «A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem» (n. 1803). Portanto, não se trata de um bem improvisado e um pouco casual, que cai do céu de maneira episódica. A história diz-nos que até os criminosos, em um momento de lucidez, praticaram boas ações; certamente, estas ações estão inscritas no “livro de Deus”, mas a virtude é outra coisa. É um bem que nasce de um lento amadurecimento da pessoa, até se tornar uma caraterística interior sua. A virtude é um habitus da liberdade. Se somos livres em cada ação, e cada vez somos chamados a escolher entre o bem e o mal, a virtude é o que nos permite ter um hábito para a escolha certa.

Se a virtude é um dom tão bom, coloca-se imediatamente uma interrogação: como é possível adquiri-la? A resposta a esta pergunta não é simples, é complexa.

Para o cristão, a primeira ajuda é a graça de Deus. Com efeito, o Espírito Santo age em nós, batizados, trabalhando na nossa alma para conduzi-la a uma vida virtuosa. Quantos cristãos chegaram à santidade através das lágrimas, constatando que não conseguiam superar certas debilidades! Mas experimentaram que Deus completou esta boa obra que para eles era apenas um esboço. A graça precede sempre o nosso compromisso moral!

Além disso, nunca devemos esquecer a riquíssima lição que nos vem da sabedoria dos antigos, que nos diz que a virtude cresce e pode ser cultivada. E para que isto aconteça, o primeiro dom do Espírito a pedir é precisamente a sabedoria. O ser humano não é um território livre para a conquista de prazeres, emoções, instintos, paixões, sem poder fazer nada contra tais forças, às vezes caóticas, que o habitam. Um dom inestimável que possuímos é a abertura mental, é a sabedoria capaz de aprender com os erros para orientar bem a vida. Além disso, precisamos da boa vontade: a capacidade de escolher o bem, de nos moldarmos mediante o exercício ascético, evitando os excessos.

Amados irmãos e irmãs, comecemos assim o nosso caminho através das virtudes, neste universo sereno que se apresenta exigente, mas decisivo para a nossa felicidade.

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (12): A prudência

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Dedicamos a Catequese de hoje à virtude da prudência. Com a justiça, a fortaleza e a temperança ela forma as chamadas virtudes cardeais, que não são prerrogativa exclusiva dos cristãos, mas pertencem à herança da sabedoria antiga, em particular dos filósofos gregos. Por isso, um dos temas mais interessantes na obra de encontro e inculturação foi precisamente o das virtudes.

Nos escritos medievais a apresentação das virtudes não é uma simples enumeração das qualidades positivas da alma. Retomando os autores clássicos à luz da Revelação cristã, os teólogos imaginaram o setenário das virtudes - três teologais e quatro cardeais - como uma espécie de organismo vivo, onde cada virtude tem um espaço harmonioso a ocupar. Há virtudes essenciais e virtudes acessórias, como pilares, colunas e capitéis. Sim, talvez nada menos do que a arquitetura de uma catedral medieval possa restituir a ideia da harmonia que existe no homem e da sua contínua tensão para o bem.

Comecemos pela prudência. Ela não é a virtude da pessoa medrosa, sempre hesitante acerca da ação a empreender. Não, esta é uma interpretação errada. Também não se trata apenas de cautela. Conceder o primado à prudência significa que a ação do homem está nas mãos da sua inteligência e liberdade. A pessoa prudente é criativa: raciocina, avalia, procura compreender a complexidade da realidade, sem se deixar vencer pelas emoções, pela preguiça, pelas pressões das ilusões.

Em um mundo dominado pelas aparências, pelos pensamentos superficiais, pela banalidade, tanto do bem como do mal, a antiga lição da prudência merece ser recuperada.

Seguindo Aristóteles, Santo Tomás chamava-lhe “reta ratio agibilium” (reta razão do agir). Trata-se da capacidade de governar as ações a fim de orientá-las para o bem; por isso, é denominada “condutora [auriga] das virtudes”. Prudente é quem sabe escolher: enquanto permanece nos livros, a vida é sempre fácil, mas no meio dos ventos e das ondas do dia a dia a situação é diferente; muitas vezes nos sentimos inseguros e não sabemos para onde ir. Quem é prudente não escolhe por acaso: em primeiro lugar, sabe o que quer, depois reflete sobre as situações, deixa-se aconselhar e, com visão ampla e liberdade interior, escolhe o caminho a seguir. Não quer dizer que não possa cometer erros - afinal, somos sempre humanos -, mas pelo menos evitará grandes disparates. Infelizmente, em todos os ambientes há quem tenda a descartar os problemas com piadas superficiais ou a levantar sempre polêmicas. Ao contrário, a prudência é a qualidade de quem é chamado a governar: sabe que administrar é difícil, que há muitos pontos de vista e é preciso procurar harmonizá-los, que não se deve buscar o bem de alguns, mas de todos.

A prudência ensina também que, como se costuma dizer, “o ótimo é inimigo do bem”. Com efeito, o excesso de zelo em certas situações pode provocar desastres: pode arruinar uma construção que teria exigido gradualismo; pode gerar conflitos e mal-entendidos; pode até desencadear a violência.

A pessoa prudente sabe conservar a memória do passado, não porque tem medo do futuro, mas porque sabe que a tradição é uma herança de sabedoria. A vida é feita de constante sobreposição de realidades antigas e novas, e não é bom pensar sempre que o mundo começa a partir de nós, que devemos enfrentar os problemas a partir do zero.  E a pessoa prudente é também previdente. Uma vez decidida a meta a atingir, é preciso procurar todos os meios para alcançá-la.

São tantas as passagens do Evangelho que nos ajudam a educar a prudência. Por exemplo, é prudente quem constrói a casa sobre a rocha e imprudente quem a constrói sobre a areia (cf. Mt 7,24-27). São sábias as donzelas que levam consigo óleo para as suas lâmpadas e insensatas aquelas que não o fazem (cf. Mt 25,1-13). A vida cristã é uma combinação de simplicidade e astúcia. Preparando os seus discípulos para a missão, Jesus recomenda: «Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas» (Mt 10,16). Como se quisesse dizer que Deus não nos quer apenas santos, mas santos inteligentes, pois sem prudência é fácil errar o caminho!

Prudência
(Piero del Pollaiolo)

Fonte: Santa Sé (13 de março / 20 de março).
 
Confira também uma Catequese do Papa São João Paulo II sobre a virtude da prudência.

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