I Vésperas da Festa da Apresentação do Senhor
29º Dia Mundial da Vida Consagrada
Homilia do Papa Francisco
Basílica Vaticana
Sábado, 01 de fevereiro de 2025
«Eis
que venho... ó Deus, para fazer a tua vontade» (Hb 10,7). Com estas
palavras o autor da Carta aos Hebreus manifesta a total adesão de Jesus
ao projeto do Pai. Hoje as lemos na Festa da Apresentação do Senhor, Dia
Mundial da Vida Consagrada, durante o Jubileu da Esperança, em um
contexto litúrgico caracterizado pelo simbolismo da luz. E todos vós, irmãs e
irmãos, que escolhestes o caminho dos conselhos evangélicos, vos consagrastes,
como «Esposa na presença do Esposo... envolvida pela sua luz» (São João Paulo
II, Exortação Apostólica Vita consecrata, n. 15), àquele mesmo
desígnio luminoso do Pai que remonta às origens do mundo. Ele terá a sua plena
realização no fim dos tempos, mas já agora se torna visível através das
«maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas chamadas» (ibid.,
n. 20). Meditemos, pois, sobre o modo como, através dos votos de pobreza, castidade e obediência que
professastes, também vós podeis ser portadores de luz para as mulheres e homens
do nosso tempo.
Primeiro
aspecto: a luz da pobreza. Ela está radicada na própria vida de
Deus, eterno e total dom recíproco do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. ibid.,
n. 21). Exercendo a pobreza, a pessoa consagrada, pelo uso livre e generoso de
todas as coisas, com elas se faz portadora de bênção: manifesta a sua bondade
na ordem do amor, rejeita tudo o que pode ofuscar a sua beleza - o egoísmo, a
avareza, a dependência, o uso violento e para fins de morte - e abraça, em vez
disso, tudo o que pode exaltá-la: a sobriedade, a generosidade, a partilha, a
solidariedade. Paulo diz: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de
Deus» (1Cor 3,22-23).
O
segundo elemento é a luz da castidade. Também essa tem a sua origem
na Trindade e manifesta um «reflexo do amor infinito que une as três Pessoas
divinas» (Vita consecrata, n. 21). Na renúncia ao amor conjugal e no
caminho da continência, a sua profissão reafirma o primado absoluto do amor de
Deus para o ser humano, acolhido com um coração indiviso e esponsal (cf. 1Cor 7,32-36),
e aponta-o como fonte e modelo de qualquer outro amor. Sabemos que estamos vivendo
em um mundo frequentemente marcado por formas distorcidas de afetividade, no qual
o princípio “o que me agrada acima de tudo” leva a procurar no outro mais a
satisfação das próprias necessidades do que a alegria de um encontro fecundo. É
verdade! Isto gera nas relações atitudes de superficialidade e precariedade,
egocentrismo, hedonismo, imaturidade e irresponsabilidade moral, nas quais o
esposo e a esposa de uma vida inteira são trocados pelo parceiro do momento, e
os filhos recebidos como dom são substituídos pelos filhos exigidos como
“direito” ou eliminados como “incômodo”.
Irmãos,
irmãs, em um contexto assim, perante a «necessidade crescente de transparência
interior nas relações humanas» (Vita consecrata, n. 88) e de humanização
dos laços entre as pessoas e as comunidades, a castidade consagrada mostra-nos -
ao homem e à mulher do século XXI - um caminho para curar o mal do isolamento,
no exercício de um modo de amar livre e libertador, que acolhe e respeita todos
e não obriga nem rejeita ninguém. Que remédio para a alma é encontrar religiosos
e religiosas capazes deste tipo de relacionamento maduro e alegre! Eles são um
reflexo do amor divino (cf. Lc 2,30-32). Para isso,
porém, é importante cuidar do crescimento espiritual e afetivo das pessoas nas
nossas comunidades, já desde a formação inicial, mas também na permanente, para
que a castidade mostre verdadeiramente a beleza do amor que se doa, e não
surjam fenômenos deletérios como o endurecimento do coração ou a ambiguidade
das escolhas, fonte de tristeza e insatisfação e causa, por vezes, em sujeitos
mais frágeis, do desenvolvimento de verdadeiras “vidas duplas”. A luta contra a
tentação da “vida dupla” é quotidiana.
E
chegamos ao terceiro aspecto: a luz da obediência. O texto que
escutamos fala-nos também disso, apresentando-nos, na relação entre Jesus e o
Pai, a «graça libertadora de uma dependência filial e não servil, rica de
sentido de responsabilidade e animada pela confiança recíproca» (Vita
consecrata, n. 21). É precisamente a luz da Palavra que se torna dom e
resposta de amor, sinal para a nossa sociedade, na qual se tende a falar muito
e a escutar pouco: na família, no trabalho e sobretudo nas redes sociais, onde
podemos trocar uma quantidade infinita de palavras e imagens sem nos
encontrarmos realmente, porque não nos comprometemos verdadeiramente uns com os
outros. E isto é algo interessante. Tantas vezes, no diálogo quotidiano, antes
que alguém acabe de falar, já sai a resposta. Não se escuta. Devemos
escutar-nos antes de responder; acolher a palavra do outro como uma mensagem,
um tesouro, uma ajuda para mim. A obediência consagrada é um antídoto contra
esse individualismo solitário, promovendo como alternativa um modelo de relação
marcado pela escuta ativa, onde ao “dizer” e ao “ouvir” se segue a concretude
do “agir”, e isto também à custa de renunciar aos meus próprios gostos, planos
e preferências. Só assim, com efeito, a pessoa pode experimentar profundamente
a alegria do dom, superando a solidão e encontrando o sentido da sua existência
no grande projeto de Deus.
Gostaria
de concluir recordando outro ponto: o “retorno às origens”, de que tanto
se fala hoje na vida consagrada. Mas não um regresso às origens como um voltar
a um museu. Não! Que seja precisamente um regresso à origem da nossa vida. A
este respeito, a Palavra de Deus que escutamos recorda-nos que o primeiro e
mais importante “retorno às origens” de cada consagração é, para todos nós,
aquele retorno a Cristo e ao seu “sim” ao Pai. Lembra-nos que a renovação,
antes dos encontros e das “mesas redondas” - que se devem fazer e são úteis -,
se faz diante do sacrário, na adoração. Irmãs, irmãos, perdemos um pouco o
sentido da adoração! Somos demasiado práticos, desejamos fazer as coisas,
mas... Adorar! Adorar! A capacidade de adorar em silêncio. Assim se redescobrem
os próprios fundadores e fundadoras sobretudo como homens e mulheres de fé,
repetindo com eles, na oração e na oferta: «Eis que venho... ó Deus, para fazer
a tua vontade» (Hb 10,7).
Muito
obrigado pelo vosso testemunho. É fermento na Igreja. Obrigado!
Fonte: Santa Sé.
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