segunda-feira, 3 de março de 2025

Catequeses do Papa Francisco: Vícios e virtudes 5

Concluindo a primeira parte das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes às portas da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, confira as meditações sobre os vícios da inveja, da vanglória e da soberba:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
Os vícios e as virtudes (9): A inveja e a vanglória

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje vamos analisar dois vícios capitais que encontramos nos grandes elencos que a tradição espiritual nos deixou: a inveja e a vanglória.

Comecemos pela inveja. Se lermos a Sagrada Escritura, ela se apresenta como um dos vícios mais antigos: o ódio de Caim em relação a Abel desencadeia-se quando ele se dá conta de que os sacrifícios do seu irmão são agradáveis a Deus (cf. Gn 4). Caim era o primogênito de Adão e Eva, tinha recebido a parte mais importante da herança do pai; no entanto, é suficiente que Abel, o irmão mais novo, alcance um pequeno sucesso para que Caim se indigne. O rosto do invejoso é sempre triste: o olhar é cabisbaixo, parece que perscruta continuamente o terreno, mas na realidade não vê nada, porque a mente está mergulhada em pensamentos cheios de maldade. A inveja, se não for controlada, leva ao ódio pelo outro. Abel será morto pelas mãos de Caim, que não era capaz de suportar a felicidade do irmão.

A escolha entre os vícios e as virtudes
(Frans Francken II)

A inveja é um mal investigado não apenas no âmbito cristão: chamou a atenção de filósofos e sábios de todas as culturas. Na sua base existe uma relação de ódio e de amor: quer-se o mal do outro, mas secretamente deseja-se ser como ele. O outro é a epifania daquilo que gostaríamos de ser e que, na realidade, não somos. A sua sorte parece-nos uma injustiça: certamente - pensamos - teríamos merecido muito mais os seus sucessos ou a sua boa sorte!

Na raiz deste vício há uma falsa ideia de Deus: não aceitamos que Deus tenha a sua “matemática”, diferente da nossa. Por exemplo, na parábola de Jesus sobre os trabalhadores chamados pelo patrão para ir à vinha em diferentes horas do dia, os da primeira hora julgam ter direito a um salário mais elevado do que aqueles que chegaram por último; mas o patrão dá a todos o mesmo salário, dizendo: «Não posso fazer das minhas coisas o que quero? Ou tendes inveja porque sou bom?» (Mt 20,15). Gostaríamos de impor a Deus a nossa lógica egoísta, mas a lógica de Deus é o amor. Os bens que Ele nos concede devem ser compartilhados. Por isso, São Paulo exorta os cristãos: «Amai-vos uns aos outros com afeto fraterno, concorrendo na estima recíproca» (Rm 12,10). Eis o remédio para a inveja!

E vejamos o segundo vício que hoje examinamos: a vanglória. Ela anda de mãos dadas com o demônio da inveja e, juntos, estes dois vícios são característicos de uma pessoa que aspira a ser o centro do mundo, livre de explorar tudo e todos, objeto de todo o louvor e amor. A vanglória é uma autoestima inflada e sem fundamento. O orgulhoso possui um “eu” desproporcional: não tem empatia e não se dá conta de que há outras pessoas no mundo além dele. As suas relações são sempre instrumentais, determinadas pelo predomínio sobre o outro. A sua pessoa, as suas conquistas, os seus sucessos devem ser exibidos a todos: é um perene mendigo de atenção. E se, às vezes, as suas qualidades não são reconhecidas, então zanga-se ferozmente. Os outros são injustos, não compreendem, não estão à altura. Nos seus escritos, Evágrio Pôntico descreve a amarga vicissitude de alguns monges acometidos pela vanglória. Acontece que, após os primeiros êxitos na vida espiritual, eles sentem que já estão realizados e então precipitam-se no mundo para receber os seus elogios. Mas não compreendem que estão apenas no início do caminho espiritual, e que a tentação está à espreita e não tardará a abatê-los.

Para curar o vaidoso, os mestres espirituais não sugerem muitos remédios. Porque, afinal de contas, o mal da vaidade tem o seu remédio em si mesmo: os elogios que o vaidoso esperava receber do mundo depressa se voltarão contra ele. E quantas pessoas, iludidas por uma falsa imagem de si mesmas, caíram depois em pecados de que rapidamente se envergonhariam!

A melhor instrução para vencer a vanglória encontra-se no testemunho de São Paulo. O Apóstolo sempre se confrontou com um defeito que nunca conseguiu superar. Por três vezes, pediu ao Senhor que o libertasse desse suplício, mas no fim Jesus respondeu-lhe: «Basta-te a minha graça, porque a força se manifesta plenamente na fraqueza». A partir daquele dia, Paulo foi libertado. E a sua conclusão deveria tornar-se também a nossa: «Por isso, é de bom grado que me orgulharei das minhas fraquezas, para que o poder de Cristo permaneça em mim» (2Cor 12,9).

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 06 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (10): A soberba

Estimados irmãos e irmãs, bom dia! 
No nosso percurso de Catequeses sobre os vícios e as virtudes chegamos hoje ao último dos vícios: a soberba. Os gregos antigos definiam-na com um vocábulo que poderia ser traduzido como “esplendor excessivo”. Com efeito, a soberba é autoexaltação, presunção, vaidade. O termo consta também naquela série de vícios que Jesus enumera para explicar que o mal deriva sempre do coração do homem (cf. Mc 7,22). O soberbo é quem se julga muito mais do que é na realidade; quem anseia por ser reconhecido como maior do que os outros, quer ver sempre reconhecidos os seus próprios méritos e despreza os outros, considerando-os inferiores.

A partir desta primeira descrição vemos que o vício da soberba está muito próximo da vanglória, que já foi apresentada na última Catequese. No entanto, se a vanglória é uma doença do ego humano, não deixa de ser uma enfermidade infantil quando a comparamos com a devastação da qual a soberba é capaz. Analisando as loucuras do homem, os monges da Antiguidade reconheciam certa ordem na sequência dos males: começa-se pelos pecados mais rudes, como a gula, para depois chegar aos monstros mais inquietantes. De todos os vícios, a soberba é a grande rainha. Não é por acaso que, na Divina Comédia, Dante a insere exatamente no primeiro quadro do Purgatório: quem cede a este vício está longe de Deus, e o remédio deste mal exige tempo e esforço, mais do que qualquer outra batalha à qual o cristão é chamado.

Na realidade, neste mal esconde-se o pecado radical, a pretensão absurda de ser como Deus. O pecado dos nossos antepassados, narrado no Livro do Gênesis, é, para todos os efeitos, um pecado de soberba. O tentador diz-lhes: «No dia em que dele comerdes [do fruto], vossos olhos se abrirão e sereis como Deus» (Gn 3,5). Os escritores de espiritualidade estão muito atentos a descrever as repercussões da soberba na vida de todos os dias, a explicar como ele arruína as relações humanas, a realçar como este mal envenena o sentimento de fraternidade que, pelo contrário, deveria unir os homens.

Eis, pois, a longa lista de sintomas que revelam como a pessoa cede ao vício da soberba. Trata-se de um mal com evidente aspecto físico: o soberbo é altivo, tem a “cerviz dura”, ou seja, um pescoço rígido, que não se dobra. É um homem que julga facilmente e com desdém: por nada emite sentenças irrevogáveis contra outros, que lhe parecem irremediavelmente inábeis e incapazes. Na sua arrogância, esquece-se que, nos Evangelhos, Jesus nos atribuiu poucos preceitos morais, mas em um deles mostrou-se intransigente: nunca julgar. Percebemos que lidamos com um orgulhoso quando, fazendo-lhe uma pequena crítica construtiva ou uma observação completamente inofensiva, ele reage de modo exagerado, como se alguém tivesse ofendido a sua majestade: fica furioso, grita, interrompe relações com os outros de maneira ressentida.

Há pouco a fazer com uma pessoa doente de soberba. É impossível falar com ela, e muito menos corrigi-la, porque afinal ela já não está presente em si. É preciso ter paciência com ela, porque um dia o seu edifício desabará. Um provérbio italiano diz: “A soberba vai a cavalo e volta a pé”. Nos Evangelhos, Jesus encontra muitas pessoas soberbas e, muitas vezes, foi desenterrar este vício até em pessoas que o escondiam muito bem. Pedro ostenta a sua fidelidade até ao fim: «Ainda que todos te abandonem, eu não o farei!» (cf. Mt 26,33). Mas em breve fará a experiência de ser como os outros, também ele assustado perante a morte, que não imaginava tão próxima. E assim o segundo Pedro, aquele que já não levanta o queixo, mas derrama lágrimas salgadas, será medicado por Jesus e estará finalmente em condições de suportar o peso da Igreja. Primeiro ostentava uma presunção que era melhor não manifestar; agora, pelo contrário, é um discípulo fiel a quem, como diz uma parábola, o senhor pode «confiar todos os seus bens» (Lc 12,44).

A salvação passa pela humildade, verdadeiro remédio para qualquer ato de soberba. No Magnificat, Maria entoa um cântico ao Deus que, com o seu poder, dispersa os soberbos nos pensamentos doentios do coração. É inútil roubar algo a Deus, como pretendem os soberbos, porque afinal Ele deseja dar-nos tudo. Por isso o Apóstolo Tiago, dirigindo-se à sua comunidade ferida por lutas internas derivadas do orgulho, escreve: «Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes concede a sua graça» (Tg 4,6).

Portanto, amados irmãos e irmãs, aproveitemos esta Quaresma para lutar contra a nossa soberba.

A inveja e a soberba
(Alexander Daniloff)

Fonte: Santa Sé (28 de fevereiro / 06 de março). 

Confira também nossa postagem sobre os sete salmos penitenciais, relacionados aos sete pecados capitais. 

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