Prosseguindo com a postagem das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes em vista da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, trazemos suas meditações sobre os vícios da “tristeza” e da acídia (preguiça):
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 07 de fevereiro de 2024
Os vícios e as virtudes (7): A tristeza
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No
nosso itinerário de Catequeses sobre os vícios e as virtudes hoje meditamos
sobre um vício bastante negativo, a tristeza, entendida como um
abatimento da alma, uma aflição constante que impede o homem de sentir alegria
pela sua existência.
Em
primeiro lugar é preciso observar que, no que diz respeito à tristeza, os
Padres elaboraram uma distinção importante. Com efeito, existe uma tristeza que
convém à vida cristã e que, com a graça de Deus, se transforma em alegria:
evidentemente, ela não deve ser rejeitada e faz parte do caminho de conversão.
Mas existe também uma segunda figura de tristeza, que se insinua na
alma, prostrando-a em um estado de desânimo: é este segundo tipo de
tristeza que deve ser combatido com determinação e com toda a força, porque
deriva do Maligno. Encontramos esta distinção também em São Paulo que,
escrevendo aos coríntios, diz: «A tristeza segundo Deus produz uma mudança de
vida e, assim, leva à salvação. Mas a tristeza segundo o mundo produz a morte»
(2Cor 7,10).
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Tentações de Santo Antônio (ou Santo Antão) (Hieronymus Bosch) |
Portanto,
existe uma tristeza amiga, que nos conduz à salvação. Pensemos no filho pródigo
da parábola: quando toca o fundo da sua degeneração, sente grande amargura, que
o leva a recuperar a razão e a decidir regressar para a casa do pai (cf. Lc 15,11-20).
É uma graça gemer sobre os próprios pecados, recordar o estado de graça do qual
caímos, chorar porque perdemos a pureza com que Deus nos sonhou.
Mas
há uma segunda tristeza que, ao contrário, é uma doença da alma.
Nasce no coração do homem quando se desvanece um desejo ou uma esperança. Aqui
podemos nos referir à narração dos discípulos de Emaús. Aqueles dois discípulos
partem de Jerusalém com o coração desiludido e, ao desconhecido que os
acompanha, a certa altura confidenciam: «Esperávamos que ele - isto é, Jesus - fosse
libertar Israel...» (Lc 24,21). A dinâmica da tristeza está ligada
à experiência da perda. No coração do homem nascem esperanças que,
às vezes, são frustradas. Pode ser o desejo de possuir algo que, ao contrário,
não se consegue obter; mas também algo importante, como a perda de um afeto.
Quando isto acontece, é como se o coração do homem caísse em um precipício, e
os sentimentos que experimenta são desânimo, fraqueza de espírito, depressão,
angústia. Todos passamos por provações que geram tristeza em nós, porque a vida
nos faz conceber sonhos que depois se desfazem. Alguns, nessa situação, depois
de um período de turbulência, confiam na esperança; mas outros mergulham na
melancolia, deixando que ela apodreça o coração. Sente-se prazer com isto?
Reparai: a tristeza é como o prazer do não-prazer; é como pegar um
doce amargo, sem açúcar, mau, e comer este doce. A tristeza é um prazer do
não-prazer.
O
monge Evágrio conta que todos os vícios visam um prazer, por mais efêmero que
possa ser, ao passo que a tristeza visa o oposto: embalar-se em uma dor
sem fim. Certos lutos prolongados, nos quais a pessoa continua a ampliar o
vazio de quem já não está presente, não são próprios da vida no Espírito.
Certas amarguras rancorosas, nas quais a pessoa tem sempre em mente uma
reivindicação que a faz assumir o papel de vítima, não produzem em nós uma vida
sadia, e muito menos cristã. Há algo no passado de todos que deve ser curado. A
tristeza, de uma emoção natural, pode transformar-se em um estado de espírito
maligno.
A
tristeza é um demônio perverso. Os Padres do deserto descrevem-no como um verme
do coração, que corrói e esvazia o hóspede. Esta imagem é bonita, faz-nos
compreender. Então, o que devo fazer quando estou triste? Parar e pensar: é uma
tristeza boa? Não é uma tristeza boa? E reagir de acordo com a natureza da
tristeza. Não vos esqueçais que a tristeza pode ser algo muito mau, que nos
leva ao pessimismo, que nos conduz a um egoísmo dificilmente curável.
Irmãos
e irmãs, devemos prestar atenção a esta tristeza e pensar que Jesus nos traz a
alegria da Ressurreição. Por mais que a vida possa ser cheia de contradições,
de desejos derrotados, de sonhos não realizados, de amizades perdidas, graças à
Ressurreição de Jesus podemos acreditar que tudo será salvo. Jesus
não ressuscitou só para si mesmo, mas também para nós, a fim de resgatar
toda a felicidade que na nossa vida ficou incompleta. A fé expulsa o
medo, e a Ressurreição de Cristo remove a tristeza como a pedra do sepulcro.
Cada dia do cristão é um exercício de ressurreição. No seu famoso romance Diário de
um pároco de aldeia, Georges Bernanos faz com que o pároco de Torcy diga o
seguinte: «A Igreja dispõe da alegria, de toda a alegria que está reservada a
este mundo triste. O que fizestes contra ela, fizestes contra a alegria». E
outro escritor francês, León Bloy, deixou-nos esta frase maravilhosa: «Só há
uma tristeza... a de não ser santo!». Que o Espírito de Jesus Ressuscitado nos
ajude a vencer a tristeza com a santidade.
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024
Os vícios e as virtudes (8): A acídia
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Entre
todos os vícios capitais há um que muitas vezes passa em silêncio, talvez por
causa do seu nome, que para muitos é pouco compreensível: refiro-me à acídia.
Por isso, no catálogo dos vícios, o termo acídia é muitas vezes substituído por
outro, de uso muito mais comum: a preguiça. Na realidade, a preguiça é mais um
efeito do que uma causa. Quando uma pessoa está inativa, indolente, apática,
dizemos que é preguiçosa. Mas, como ensina a sabedoria dos antigos Padres do
deserto, muitas vezes a raiz de tal preguiça é a acídia, que em grego significa
literalmente “falta de cuidado”.
Trata-se
de uma tentação muito perigosa, com a qual não se deve brincar. As suas vítimas
são como que esmagadas por um desejo de morte: sentem aversão por tudo; a sua
relação com Deus torna-se tediosa; e até os atos mais santos, que no passado
lhes aqueciam o coração, agora lhes parecem totalmente inúteis. A pessoa começa
a lamentar a passagem do tempo e a juventude que ficou irremediavelmente para
trás.
A acídia
é definida como o “demônio do meio-dia”: apanha-nos no meio do dia, quando o
cansaço está no seu auge e as horas que se seguem nos parecem monótonas,
impossíveis de viver. Em uma célebre descrição, o monge Evágrio representa esta
tentação do seguinte modo: «O olho do preguiçoso está continuamente fixo nas
janelas, e na sua mente imagina visitantes... Quando lê, o preguiçoso boceja
muitas vezes e é facilmente vencido pelo sono, esfrega os olhos e as mãos e,
afastando o olhar do livro, fixa a parede; depois, volta a olhar para o livro,
lê mais um pouco... por fim, inclinando a cabeça, põe o livro debaixo dela,
adormece em um sono leve, até que a fome o desperte e o obrigue a atender às
suas necessidades»; concluindo, «o preguiçoso não realiza a obra de Deus com
solicitude» [1].
Os
leitores contemporâneos vislumbram nessas descrições algo que lembra muito o
mal da depressão, tanto do ponto de vista psicológico como filosófico. Com
efeito, para quem é apanhado pela acídia, a vida perde o significado, rezar é
tedioso, cada batalha parece insensata. Se alimentamos paixões na nossa
juventude, agora elas parecem ilógicas, sonhos que não nos tornaram felizes.
Então deixamo-nos levar e a distração, o não-pensar, parecem ser a única saída:
gostaríamos de ficar atordoados, ter a mente completamente vazia... É um pouco
como morrer antecipadamente, e é horrível!
Perante
este vício, que nos damos conta que é muito perigoso, os mestres da
espiritualidade preveem vários remédios. Gostaria de salientar o que me parece
ser o mais importante, e que chamaria a paciência da fé. Se, sob o
açoite da acídia, o desejo do homem é estar “em outro lugar”, fugir da
realidade, é preciso ter a coragem de permanecer e de acolher a presença de
Deus no meu “aqui e agora”, na minha situação tal como ela é. Os monges dizem
que, para eles, a cela é a melhor mestra de vida, pois é o lugar que nos fala
concreta e quotidianamente da nossa história de amor com o Senhor. O demônio da
acídia quer destruir precisamente esta alegria simples do aqui e agora, o temor
grato da realidade; quer nos fazer acreditar que tudo é vão, que nada tem
sentido, que não vale a pena nos preocuparmos com nada e com ninguém. Na vida
encontramos pessoas “preguiçosas”, pessoas de quem dizemos: “Mas ele é
tedioso!” e não gostamos de estar com ele; pessoas que têm até mesmo uma
atitude de aborrecimento que contagia. A acídia é assim!
Quantas
pessoas, dominadas pela acídia, movidas por uma inquietação sem rosto,
abandonaram insensatamente o caminho do bem que tinham empreendido! A acídia é
uma batalha decisiva, que deve ser vencida custe o que custar. E é uma batalha
que não poupou nem sequer os santos, pois em muitos dos seus
diários há várias páginas que confidenciam momentos tremendos, de verdadeiras
noites da fé, onde tudo parecia obscuro. Estes santos e santas ensinam-nos a
atravessar a noite com paciência, aceitando a pobreza da fé. Recomendam
que, sob a opressão da acídia, nos empenhemos menos, fixemos objetivos mais alcançáveis,
mas, ao mesmo tempo, que suportemos e perseveremos, apoiando-nos em Jesus, que
nunca nos abandona na tentação.
A
fé, atormentada pela prova da acídia, não perde o seu valor. Pelo contrário, é
a verdadeira fé, a fé deveras humana, que apesar de tudo, não obstante as
trevas que a cegam, continua a acreditar humildemente. É esta fé que permanece
no coração, como as brasas sob as cinzas. Permanece sempre. E se algum de nós
cair neste vício ou na tentação da acídia, procure olhar para dentro de si e
conservar as brasas da fé: é assim que se vai em frente!
[1]
Evágrio Pôntico, Os oito espíritos da maldade, 14.
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A acídia (ou preguiça) (Alexander Daniloff) |
Fonte: Santa Sé (07 de fevereiro / 14 de fevereiro).
Confira também nossa postagem sobre os sete salmos penitenciais, relacionados aos sete pecados capitais.
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