Nesta postagem da série de Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes publicadas aqui no blog durante a Quaresma do Ano Jubilar de 2025 trazemos as meditações sobre as duas últimas virtudes cardeais: a fortaleza e a temperança.
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 10 de abril de 2024
Os vícios e as virtudes (14): A fortaleza
Caríssimos irmãos e irmãs, bom dia!
A Catequese
de hoje é dedicada à terceira das virtudes cardeais, ou seja, à fortaleza.
Comecemos pela descrição dada pelo Catecismo da Igreja Católica: «A
fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a firmeza e
a constância na busca do bem. Torna firme a decisão de resistir às tentações e
de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá capacidade
para vencer o medo, até da morte, e enfrentar a provação e as perseguições» (n.
1808). Isto diz o Catecismo da Igreja Católica sobre a virtude da
fortaleza.
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A sabedoria expulsa os vícios do jardim das virtudes (Andrea Mantegna) |
Eis,
pois, a mais “combativa” das virtudes. Enquanto a primeira das virtudes
cardeais, isto é, a prudência, estava principalmente associada à razão do homem,
e a justiça encontrava a sua morada na vontade, esta terceira virtude, a
fortaleza, é frequentemente ligada pelos autores escolásticos àquilo que os
antigos chamavam o “apetite irascível”. O pensamento antigo não imaginava um
homem desprovido de paixões: seria uma pedra. E as paixões não são
necessariamente o resíduo de um pecado; mas devem ser educadas, devem ser
orientadas, devem ser purificadas com a água do Batismo, ou melhor, com o fogo
do Espírito Santo. O cristão sem coragem, que não inclina as próprias forças
para o bem, que não incomoda ninguém, é um cristão inútil. Pensemos nisto!
Jesus não é um Deus diáfano e asséptico, que desconhece as emoções humanas.
Pelo contrário. Perante a morte do amigo Lázaro, desata em lágrimas; e em
algumas das suas expressões transparece o seu espírito apaixonado, como quando
diz: «Vim lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já se tivesse aceso!»
(Lc 12,49); e diante do comércio no templo, reage vigorosamente (cf.
Mt 21,12-13). Jesus tinha paixão!
Mas
vejamos agora uma descrição existencial desta virtude tão importante que nos
ajuda a dar frutos na vida. Os antigos - tanto os filósofos gregos como os
teólogos cristãos - reconheciam na virtude da fortaleza um duplo
desenvolvimento: um passivo e outro ativo.
O
primeiro ocorre dentro de nós mesmos. Há inimigos internos que
devemos derrotar, e o seu nome é ansiedade, angústia, medo, culpa: todas estas
forças que se agitam no nosso íntimo e que, em certas situações, nos paralisam.
Quantos combatentes sucumbem antes mesmo de começar o desafio! Porque
desconhecem estes inimigos interiores. A fortaleza é, antes de tudo, uma
vitória contra nós mesmos. A maior parte dos medos que surgem dentro de nós são
irrealistas e não se concretizam de forma alguma. É melhor então invocar o
Espírito Santo e enfrentar tudo com fortaleza paciente: um problema de cada
vez, como formos capazes, mas não sozinhos! O Senhor está ao nosso lado, se
confiamos n’Ele e procuramos sinceramente o bem. Então, em todas as situações,
podemos contar com a Providência de Deus para nos amparar e blindar.
E
depois o segundo movimento da virtude da fortaleza, desta vez de natureza mais
ativa. Além das provações internas, existem os inimigos externos,
que são as provações da vida, as perseguições, as dificuldades que
não esperávamos e que nos surpreendem. Com efeito, podemos procurar prever o
que vai acontecer conosco, mas a realidade é, em grande medida, feita de
acontecimentos imponderáveis e neste mar, às vezes, o nosso barco é arrastado
pelas ondas. Assim, a fortaleza faz de nós marinheiros resistentes, que não se
amedrontam nem desanimam.
A
fortaleza é uma virtude fundamental porque leva a sério o desafio do
mal no mundo. Alguns fingem que ele não existe, que tudo está bem, que a
vontade humana não é por vezes cega, que as forças obscuras que trazem a morte
não se debatem na história. Mas é suficiente folhear um livro de história, ou
infelizmente até os jornais, para descobrir os atos nefastos de que somos em
parte vítimas e em parte protagonistas: guerras, violências, escravidão,
opressão dos pobres, feridas que nunca cicatrizaram e continuam a sangrar. A
virtude da fortaleza faz-nos reagir e gritar “não”, um “não” categórico a tudo
isto. No nosso Ocidente confortável, que diluiu um pouco tudo, transformando o
caminho da perfeição em um simples desenvolvimento orgânico, que não tem
necessidade de lutar porque tudo lhe parece igual, às vezes sentimos uma
saudável nostalgia dos profetas. Mas as pessoas inoportunas e visionárias são
deveras raras. É preciso que alguém nos faça sair do lugar macio onde nos
estabelecemos e nos obrigue a repetir resolutamente o nosso “não” ao mal e a
tudo aquilo que conduz à indiferença. “Não” ao mal, “não” à indiferença; “sim”
ao caminho, ao caminho que nos leva a progredir, e pelo qual devemos lutar.
Então,
voltemos a descobrir no Evangelho a fortaleza de Jesus, aprendendo-a com o
testemunho dos santos e santas.
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 17 de abril de 2024
Os vícios e as virtudes (15): A temperança
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje
falarei sobre a quarta e última virtude cardeal: a temperança. Com
as outras três, esta virtude partilha uma história muito antiga e não pertence
unicamente aos cristãos. Para os gregos, a prática das virtudes tinha como
objetivo a felicidade. O filósofo Aristóteles escreve o seu mais importante
tratado de ética, dirigindo-o ao filho Nicômaco, para instrui-lo na arte de
viver. Por que todos nós procuramos a felicidade e tão poucos a alcançam? Eis a
pergunta. Para respondê-la, Aristóteles aborda o tema das virtudes, entre as
quais ocupa um espaço de relevo a enkrateia, ou seja, a temperança.
O termo grego significa literalmente “poder sobre si mesmo”. A temperança é o
poder sobre si mesmo. Portanto, esta virtude é a capacidade de autodomínio, a
arte de não se deixar arrebatar por paixões rebeldes, de pôr ordem naquilo a
que Alessandro Manzoni chama a “desordem do coração humano”.
O Catecismo
da Igreja Católica diz-nos que «a temperança é a virtude moral que
modera a atração dos prazeres e proporciona o equilíbrio no uso dos bens
criados». «Assegura - acrescenta o Catecismo - o domínio da vontade
sobre os instintos e mantém os desejos nos limites da honestidade. A pessoa
temperante orienta para o bem os apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e
não se deixa arrastar pelas paixões do coração» (n. 1809).
A
temperança, portanto, como diz a própria palavra, é a virtude da medida certa.
Em todas as situações comporta-se com sabedoria, porque as pessoas que agem
sempre movidas pelo ímpeto ou pela exuberância acabam por não ser confiáveis.
As pessoas sem temperança não são confiáveis. Em um mundo onde tanta gente se vangloria
de dizer o que pensa, a pessoa temperante prefere, ao contrário, pensar no que
diz. Compreendeis a diferença? Não dizer o que me vem à mente, assim... Não,
pensar no que devo dizer. Não fazer promessas superficiais, mas assumir
compromissos na medida em que pudermos cumpri-los.
Inclusive
em relação aos prazeres, a pessoa temperante age com juízo. O livre fluir dos
impulsos e a total licença concedida aos prazeres acabam por se virar contra
nós mesmos, fazendo-nos cair em um estado de tédio. Quantas pessoas que
quiseram experimentar tudo vorazmente acabaram por perder o gosto por tudo! Por
isso é melhor procurar a medida certa: por exemplo, para apreciar um bom vinho,
é melhor saboreá-lo em pequenos goles do que engoli-lo de uma só vez. Todos nós
sabemos isto.
A
pessoa temperante sabe pesar e dosar bem as palavras. Pensa no que diz. Não
permite que um momento de raiva arruíne relacionamentos e amizades que depois
só podem ser reconstruídos com dificuldade. Especialmente na vida familiar,
onde as inibições diminuem, todos corremos o risco de não controlar tensões,
irritações, raivas. Há um tempo para falar e um tempo para calar, mas ambos
requerem a medida certa. E isto é válido para muitas coisas, por exemplo, para estar
com os outros e estar sozinho.
Se
a pessoa temperante sabe controlar a sua irascibilidade, não significa
necessariamente que a veremos sempre com um rosto pacífico e sorridente. Com
efeito, às vezes é necessário indignar-se, mas sempre na medida certa. Eis as
palavras: a medida certa, a maneira certa. Uma palavra de
repreensão é por vezes mais saudável do que um silêncio azedo e rancoroso. O
temperante sabe que nada é mais inconveniente do que corrigir o outro, mas sabe
também que é necessário: caso contrário se dariam rédeas soltas ao mal. Em
certos casos o temperante consegue conciliar os extremos: afirma princípios
absolutos, reivindica valores inegociáveis, mas sabe também compreender as
pessoas e demonstra empatia por elas. Demonstra empatia.
Portanto,
o dom do temperante é o equilíbrio, uma qualidade tão preciosa como rara. Com
efeito, tudo, no nosso mundo, impele ao excesso. A temperança, ao contrário, combina
bem com atitudes evangélicas como a pequenez, a discrição, o escondimento, a
mansidão. Quem é temperante aprecia a estima dos outros, mas não faz dela o
único critério de cada ação e de cada palavra. É sensível, sabe chorar e não se
envergonha de fazê-lo, mas não chora sobre si mesmo. Derrotado, levanta-se de
novo; vitorioso, é capaz de regressar à sua vida escondida de sempre. Não
procura aplausos, mas sabe que precisa dos outros.
Irmãos
e irmãs, não é verdade que a temperança torna a pessoa cinzenta e desprovida de
alegria. Pelo contrário, faz saborear melhor os bens da vida: o estar juntos à
mesa, a ternura de certas amizades, a confidência com pessoas sábias, a
admiração pelas belezas da criação. A felicidade com temperança é alegria que
floresce no coração de quem reconhece e valoriza o que mais conta na vida.
Oremos ao Senhor para que nos conceda esta dádiva: o dom da maturidade, da
maturidade da idade, da maturidade afetiva, da maturidade social. O dom da
temperança!
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Fortaleza e temperança (Sandro Botticelli e Piero del Pollaiolo) |
Fonte: Santa Sé (10 de abril / 17 de abril).
Confira também as Catequeses do Papa São João Paulo II sobre a virtude da fortaleza e sobre a virtude da temperança.
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