“Pedro, o primeiro a
proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo,
mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da salvação. Por
diferentes meios, os dois congregaram a única família de Cristo” [1].
Assim exprime-se o Prefácio
próprio de São Pedro e São Paulo, os dois grandes Apóstolos do Rito Romano, que
“recebem por toda a terra igual veneração” (ibid.).
Sua principal celebração é no dia 29 de junho: a Solenidade
do seu martírio em Roma durante a perseguição do Imperador Nero (64 a 68): Pedro
crucificado na colina do Vaticano e Paulo decapitado na via Ostiense.
Além disso, a Dedicação das suas Basílicas em Roma também é uma celebração conjunta dos dois Apóstolos, no dia 18 de novembro.
Porém, como vimos em nossa postagem anterior, cada um dos
dois possui ainda uma celebração “específica” no Rito Romano: a Festa da
Cátedra de São Pedro, no dia 22 de fevereiro (em algumas tradições no dia 18 de
janeiro), e a Festa da Conversão de São Paulo, no dia 25 de janeiro.
Conversão de São Paulo (Michelangelo - Capela Paulina, Vaticano) |
Após traçarmos um breve histórico da Festa da Cátedra ou Confissão de Pedro na postagem anterior, aqui gostaríamos de fazer o mesmo com
a Festa da Conversão de Paulo, a qual conclui a Semana de Oração pela Unidade dos
Cristãos.
A Festa da Conversão
de São Paulo: 25 de janeiro
O Martirológio Romano
sintetiza da seguinte forma a celebração do dia 25 de janeiro:
“Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo, ao qual, quando
ia para Damasco, ainda respirando ameaças de morte contra os discípulos do
Senhor, o próprio Jesus glorioso Se apresentou no caminho e o escolheu, para
que, cheio do Espírito Santo, anunciasse o Evangelho da salvação aos gentios,
padecendo muitas tribulações pelo nome de Cristo” [2].
Assim como a Festa da Cátedra de São Pedro no dia 18 de
janeiro, que vimos na postagem anterior, a Festa da Conversão de São Paulo é
mencionada pela primeira vez no Martirológio Jeronimiano do ano 600, como Translatio Sancti Pauli (Transladação de
São Paulo).
Provavelmente, como indica o Bem-aventurado Cardeal Alfredo
Ildefonso Shuster (†1954) em seu Liber
Sacramentorum, não se trataria aqui de uma transladação das relíquias de
São Paulo, mas sim uma celebração ligada às peregrinações ao seu “trophaeum” (túmulo) em Roma.
Os fiéis da região da Gália traziam dessas peregrinações
véus com os quais haviam tocado os túmulos dos Apóstolos ou algodões embebidos
no óleo das lamparinas que ardiam em suas Basílicas, os quais eram venerados
como relíquias e provavelmente deram origem às duas festas em honra de Pedro e
Paulo, celebradas dentro de um intervalo de oito dias (18 a 25 de janeiro).
Altar da Conversão de São Paulo (Basílica de São Paulo fora-dos-muros, Roma) |
A Festa só seria introduzida em Roma no século IX, após a
fusão do Rito Franco-Galicano com o Rito Romano. Assim, como indica o Cardeal
Schuster, da “transladação material de relíquias do Apóstolo”, passa-se a
celebrar a “transladação psicológica e espiritual” pela qual Paulo passou no
caminho de Damasco (cf. At 9,1-19),
isto é, a sua “conversão”: Conversio
Sancti Pauli.
Tradicionalmente o Papa não celebrava nesse dia na Basílica
da via Ostiense. Com efeito, desde o tempo de Gregório II (†731) a Basílica de
São Paulo fora-dos-muros está aos cuidados dos monges beneditinos. Portanto, a
Missa de 25 de janeiro era sempre presidida pelo Abade.
Recentemente, porém, o Papa costuma presidir as Vésperas da
Festa na Basílica, no contexto da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos,
como veremos a seguir.
Com efeito, a festa do “Apóstolo das Nações” no dia 25 de
janeiro é celebrada também no Rito Ambrosiano, próprio da Arquidiocese de Milão
(Itália) e por algumas denominações protestantes, como a Comunhão Anglicana ou
os luteranos, o que favorece seu alcance ecumênico.
A Festa da Conversão do Apóstolo ganhou particular destaque
durante o Ano Paulino (2008-2009), convocado pelo Papa Bento XVI para celebrar
os dois mil anos do nascimento de Paulo. Nesse contexto, se permitiu celebrar
extraordinariamente a Festa da Conversão de São Paulo no domingo, 25 de janeiro
de 2009 [3].
Cabe destacar ainda que, como vimos em nossas postagens sobre o culto aos santos do Novo Testamento, no mesmo dia 25 de janeiro o Martirológio recorda a figura de
Ananias, o qual batizou Paulo em Damasco (cf.
At 9,10-19). No dia seguinte, por sua vez, celebra-se a Memória de dois discípulos
e colaboradores de Paulo: São Timóteo e São Tito, Bispos.
A atual celebração da
Conversão de São Paulo no Rito Romano
No Rito Romano, a Festa da Conversão de São Paulo possui
leituras e orações próprias [4]. Destacamos a coleta (oração do dia), que
remonta ao antigo Rito Franco-Galicano:
“Ó Deus, que instruístes o mundo inteiro pela pregação do
Apóstolo São Paulo, dai-nos, ao celebrar hoje sua conversão, caminhar para vós
seguindo seus exemplos, e ser no mundo testemunhas do Evangelho. Por nosso Senhor
Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém” [5].
Antes da reforma litúrgica, por sua vez, após a oração em
honra de São Paulo, se recitava uma segunda coleta em comemoração a São Pedro,
considerados “inseparáveis” no Rito Romano. A reforma litúrgica do Concílio
Vaticano II, porém, aboliu tal costume, prescrevendo que cada Celebração
Eucarística tenha uma única coleta ou oração do dia [6].
Em relação à Liturgia das Horas da Festa, cabe destacar os
três hinos próprios:
- Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados);
- Laudes: Doctor egrégie, Paule (Ó Paulo, mestre dos povos);
- Vésperas: Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando) [7].
A Semana de Oração
pela Unidade dos Cristãos: 18 a 25 de janeiro
As celebrações dos Apóstolos Pedro e Paulo nos dias 18 e 25
de janeiro, os quais “nos deram as primícias da fé” [8], foram escolhidas pelo Reverendo
Paul Wattson (†1940) em 1908 para marcar o “Oitavário de Oração pela Unidade
dos Cristãos” (Octave of Prayer for
Christian Unity)
Lewis Thomas Wattson era membro da Igreja Episcopal dos
Estados Unidos da América. Em 1898 fundou junto com a religiosa Lurana Mary
White (†1935) a Society of Atonement
(Congregação da Expiação, também traduzida como “reconciliação”; cf. Rm 5,11), de carisma franciscano.
Ao fundar a Congregação, assumiu o nome religioso de Paul. Em
1909, após um período de discernimento, o Reverendo Paul Wattson e a Society of Atonement foram acolhidos na
Igreja Católica.
Reverendo Paul Wattson (†1940) Promotor da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos |
A proposta da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi
acolhida paulatinamente pelas várias Igrejas e comunidades eclesiais. A partir
de 1968 o Conselho Mundial de Igrejas e o Pontifício Conselho para a Promoção
da Unidade dos Cristãos escolhem em conjunto um tema para cada ano.
Desde 1975, por sua vez, a preparação do material para a
Semana é confiado a um grupo de Igrejas locais. Por exemplo, neste ano de 2022,
com o tema “Vimos sua estrela no Oriente e viemos prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2), o material foi preparado pelo
Conselho de Igrejas do Oriente Médio, do qual fazem partem Igrejas Católicas e
Ortodoxas e comunidades eclesiais protestantes.
Cabe recordar, por fim, que no hemisfério sul (incluindo o
Brasil), no qual o mês de janeiro é um período de férias, a Semana de Oração
pela Unidade dos Cristãos costuma ser celebrada na semana que antecede a
Solenidade de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa.
De toda forma, caminhamos à luz da profissão de fé de Pedro
e da pregação de Paulo [9], “edificados sobre o fundamento dos Apóstolos” rumo
à unidade em Cristo, “pedra angular” (cf.
Ef 2,19-22).
“Ó Deus, que de modo admirável designastes o apóstolo São
Paulo para pregar o Evangelho, fazei que o mundo inteiro acolha a mensagem por
ele proclamada diante dos governantes e dos povos, e a vossa Igreja cresça
sempre mais. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo. Amém” [10].
Confira também:
Notas:
[1] MISSAL ROMANO, Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 609.
[2] Fonte: Secretariado Nacional de Liturgia - Portugal.
[3] Os domingos têm precedência sobre as Festas da Virgem
Maria e dos Santos. Assim, quando o dia 25 de janeiro cai em um domingo,
omite-se nesse ano a Festa da Conversão de São Paulo.
[4] At 22,3-16 ou At
9,1-22; Sl 116(117),1-2 (R: Mc
16,15); Mc 16,15-18. As mesmas leituras são indicadas para a Missa votiva de
São Paulo, a qual, porém, possui orações próprias, distintas das orações do dia
25 de janeiro (cf. MISSAL ROMANO, pp.
957-958).
[5] Oração do dia da Festa da Conversão de São Paulo, 25 de
janeiro (MISSAL ROMANO, p. 544).
[6] cf. Instrução
Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, n. 54. in: ALDAZÁBAL, José. Instrução
Geral sobre o Missal Romano: Comentários. São Paulo: Paulinas, 2007, pp. 74-75.
[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano.
Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999,
v. III, pp. 1206-1216.
[8] Oração do dia da Solenidade de São Pedro e São Paulo,
Apóstolos (MISSAL ROMANO, p. 608).
[9] cf. Bênção
própria para as celebrações de São Pedro e São Paulo (ibid., p. 527).
[10] Oração do dia da Missa votiva a São Paulo, Apóstolo (ibid., p. 959).
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano
Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
São Paulo: Loyola, 2019, pp. 178-179.
LODI, Enzo. Os Santos
do Calendário Romano: Rezar com os Santos na Liturgia. São Paulo: Paulus,
1992, pp. 61-65.
SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; v.
VI: La Chiesa Trionfante (Le Feste dei Santi durante il Ciclo Natalizio).
Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 184-189.
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