quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

História da Festa da Conversão de São Paulo

Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram a única família de Cristo” [1].

Assim exprime-se o Prefácio próprio de São Pedro e São Paulo, os dois grandes Apóstolos do Rito Romano, que “recebem por toda a terra igual veneração” (ibid.).

Sua principal celebração é no dia 29 de junho: a Solenidade do seu martírio em Roma durante a perseguição do Imperador Nero (64 a 68): Pedro crucificado na colina do Vaticano e Paulo decapitado na via Ostiense.


Porém, como vimos em nossa postagem anterior, cada um dos dois possui ainda uma celebração “específica” no Rito Romano: a Festa da Cátedra de São Pedro, no dia 22 de fevereiro (em algumas tradições no dia 18 de janeiro), e a Festa da Conversão de São Paulo, no dia 25 de janeiro.

Conversão de São Paulo
(Michelangelo - Capela Paulina, Vaticano)

Após traçarmos um breve histórico da Festa da Cátedra ou Confissão de Pedro na postagem anterior, aqui gostaríamos de fazer o mesmo com a Festa da Conversão de Paulo, a qual conclui a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

A Festa da Conversão de São Paulo: 25 de janeiro

O Martirológio Romano sintetiza da seguinte forma a celebração do dia 25 de janeiro:

“Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo, ao qual, quando ia para Damasco, ainda respirando ameaças de morte contra os discípulos do Senhor, o próprio Jesus glorioso Se apresentou no caminho e o escolheu, para que, cheio do Espírito Santo, anunciasse o Evangelho da salvação aos gentios, padecendo muitas tribulações pelo nome de Cristo” [2].

Assim como a Festa da Cátedra de São Pedro no dia 18 de janeiro, que vimos na postagem anterior, a Festa da Conversão de São Paulo é mencionada pela primeira vez no Martirológio Jeronimiano do ano 600, como Translatio Sancti Pauli (Transladação de São Paulo).

Provavelmente, como indica o Bem-aventurado Cardeal Alfredo Ildefonso Shuster (†1954) em seu Liber Sacramentorum, não se trataria aqui de uma transladação das relíquias de São Paulo, mas sim uma celebração ligada às peregrinações ao seu “trophaeum” (túmulo) em Roma.

Os fiéis da região da Gália traziam dessas peregrinações véus com os quais haviam tocado os túmulos dos Apóstolos ou algodões embebidos no óleo das lamparinas que ardiam em suas Basílicas, os quais eram venerados como relíquias e provavelmente deram origem às duas festas em honra de Pedro e Paulo, celebradas dentro de um intervalo de oito dias (18 a 25 de janeiro).

Altar da Conversão de São Paulo
(Basílica de São Paulo fora-dos-muros, Roma)

A Festa só seria introduzida em Roma no século IX, após a fusão do Rito Franco-Galicano com o Rito Romano. Assim, como indica o Cardeal Schuster, da “transladação material de relíquias do Apóstolo”, passa-se a celebrar a “transladação psicológica e espiritual” pela qual Paulo passou no caminho de Damasco (cf. At 9,1-19), isto é, a sua “conversão”: Conversio Sancti Pauli.

Tradicionalmente o Papa não celebrava nesse dia na Basílica da via Ostiense. Com efeito, desde o tempo de Gregório II (†731) a Basílica de São Paulo fora-dos-muros está aos cuidados dos monges beneditinos. Portanto, a Missa de 25 de janeiro era sempre presidida pelo Abade.

Recentemente, porém, o Papa costuma presidir as Vésperas da Festa na Basílica, no contexto da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, como veremos a seguir.

Com efeito, a festa do “Apóstolo das Nações” no dia 25 de janeiro é celebrada também no Rito Ambrosiano, próprio da Arquidiocese de Milão (Itália) e por algumas denominações protestantes, como a Comunhão Anglicana ou os luteranos, o que favorece seu alcance ecumênico.

A Festa da Conversão do Apóstolo ganhou particular destaque durante o Ano Paulino (2008-2009), convocado pelo Papa Bento XVI para celebrar os dois mil anos do nascimento de Paulo. Nesse contexto, se permitiu celebrar extraordinariamente a Festa da Conversão de São Paulo no domingo, 25 de janeiro de 2009 [3].

Cabe destacar ainda que, como vimos em nossas postagens sobre o culto aos santos do Novo Testamento, no mesmo dia 25 de janeiro o Martirológio recorda a figura de Ananias, o qual batizou Paulo em Damasco (cf. At 9,10-19). No dia seguinte, por sua vez, celebra-se a Memória de dois discípulos e colaboradores de Paulo: São Timóteo e São Tito, Bispos.

Batismo de São Paulo por Ananias (Detalhe)
(Lorenzo Sabatini - Capela Paulina, Vaticano)

A atual celebração da Conversão de São Paulo no Rito Romano

No Rito Romano, a Festa da Conversão de São Paulo possui leituras e orações próprias [4]. Destacamos a coleta (oração do dia), que remonta ao antigo Rito Franco-Galicano:

“Ó Deus, que instruístes o mundo inteiro pela pregação do Apóstolo São Paulo, dai-nos, ao celebrar hoje sua conversão, caminhar para vós seguindo seus exemplos, e ser no mundo testemunhas do Evangelho. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém” [5].

Antes da reforma litúrgica, por sua vez, após a oração em honra de São Paulo, se recitava uma segunda coleta em comemoração a São Pedro, considerados “inseparáveis” no Rito Romano. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, porém, aboliu tal costume, prescrevendo que cada Celebração Eucarística tenha uma única coleta ou oração do dia [6].

Em relação à Liturgia das Horas da Festa, cabe destacar os três hinos próprios:
- Ofício das Leituras: Pressi malórum póndere (Ao peso do mal vergados);
- Laudes: Doctor egrégie, Paule (Ó Paulo, mestre dos povos);
- Vésperas: Excélsam Pauli glóriam (Concelebre a Igreja, cantando) [7].

A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: 18 a 25 de janeiro

As celebrações dos Apóstolos Pedro e Paulo nos dias 18 e 25 de janeiro, os quais “nos deram as primícias da fé” [8], foram escolhidas pelo Reverendo Paul Wattson (†1940) em 1908 para marcar o “Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos” (Octave of Prayer for Christian Unity)

Lewis Thomas Wattson era membro da Igreja Episcopal dos Estados Unidos da América. Em 1898 fundou junto com a religiosa Lurana Mary White (†1935) a Society of Atonement (Congregação da Expiação, também traduzida como “reconciliação”; cf. Rm 5,11), de carisma franciscano.

Ao fundar a Congregação, assumiu o nome religioso de Paul. Em 1909, após um período de discernimento, o Reverendo Paul Wattson e a Society of Atonement foram acolhidos na Igreja Católica.

Reverendo Paul Wattson (†1940)
Promotor da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos

A proposta da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi acolhida paulatinamente pelas várias Igrejas e comunidades eclesiais. A partir de 1968 o Conselho Mundial de Igrejas e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos escolhem em conjunto um tema para cada ano.

Desde 1975, por sua vez, a preparação do material para a Semana é confiado a um grupo de Igrejas locais. Por exemplo, neste ano de 2022, com o tema “Vimos sua estrela no Oriente e viemos prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2), o material foi preparado pelo Conselho de Igrejas do Oriente Médio, do qual fazem partem Igrejas Católicas e Ortodoxas e comunidades eclesiais protestantes.

Cabe recordar, por fim, que no hemisfério sul (incluindo o Brasil), no qual o mês de janeiro é um período de férias, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos costuma ser celebrada na semana que antecede a Solenidade de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa.

De toda forma, caminhamos à luz da profissão de fé de Pedro e da pregação de Paulo [9], “edificados sobre o fundamento dos Apóstolos” rumo à unidade em Cristo, “pedra angular” (cf. Ef 2,19-22).

“Ó Deus, que de modo admirável designastes o apóstolo São Paulo para pregar o Evangelho, fazei que o mundo inteiro acolha a mensagem por ele proclamada diante dos governantes e dos povos, e a vossa Igreja cresça sempre mais. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém” [10].

Conversão de São Paulo
(Caravaggio - Basílica de Santa Maria del Popolo, Roma)

Confira também:

Notas:

[1] MISSAL ROMANO, Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 609.


[3] Os domingos têm precedência sobre as Festas da Virgem Maria e dos Santos. Assim, quando o dia 25 de janeiro cai em um domingo, omite-se nesse ano a Festa da Conversão de São Paulo.

[4] At 22,3-16 ou At 9,1-22; Sl 116(117),1-2 (R: Mc 16,15); Mc 16,15-18. As mesmas leituras são indicadas para a Missa votiva de São Paulo, a qual, porém, possui orações próprias, distintas das orações do dia 25 de janeiro (cf. MISSAL ROMANO, pp. 957-958).

[5] Oração do dia da Festa da Conversão de São Paulo, 25 de janeiro (MISSAL ROMANO, p. 544).

[6] cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, n. 54. in: ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre o Missal Romano: Comentários. São Paulo: Paulinas, 2007, pp. 74-75.

[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, pp. 1206-1216.

[8] Oração do dia da Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos (MISSAL ROMANO, p. 608).

[9] cf. Bênção própria para as celebrações de São Pedro e São Paulo (ibid., p. 527).

[10] Oração do dia da Missa votiva a São Paulo, Apóstolo (ibid., p. 959).

Referências:

ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 178-179.

LODI, Enzo. Os Santos do Calendário Romano: Rezar com os Santos na Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, pp. 61-65.

SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; v. VI: La Chiesa Trionfante (Le Feste dei Santi durante il Ciclo Natalizio). Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 184-189.

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