“Manifestou-se a bondade de Deus, nosso
Salvador, e o seu amor pelos homens” (Tt 3,4-5).
A palavra “epifania”
(do grego ἐπιϕάνεια) significa manifestação (no sentido de dar a conhecer,
tornar visível). O grande historiador das religiões Mircea Eliade (†1986)
afirma que toda experiência religiosa nasce de uma “hierofania”
(manifestação do sagrado), isto é, de uma “irrupção” do sagrado no tempo e no
espaço [1].
Adoração dos Magos (Henry Siddons Mowbray - séc. XX) |
A Epifania do Senhor, conhecida pelos orientais como Teofania (manifestação de Deus), chamada também de Apparitio Domini (Aparição do Senhor), é a segunda grande Solenidade cristológica do Tempo do Natal, celebrada no dia 06 de janeiro (em alguns países, como no Brasil, transferida para o domingo entre os dias 02 e 08 de janeiro).
Nesta Solenidade
o Oriente e o Ocidente, ainda que enfatizando diferentes aspectos do mesmo
mistério, celebram as várias manifestações do Senhor, como veremos ao longo
desta postagem. Em Jesus Cristo, com efeito, o “mistério escondido por séculos
e gerações” foi revelado (Cl 1,26; cf. Ef 1,9; Constituição Dogmática Dei Verbum, n. 2).
1. As origens da celebração da Epifania
Como vimos em
nossa postagem sobre a história da Solenidade do Natal do Senhor, até o início
do século IV a única celebração cristã era a Páscoa: a Páscoa semanal (o
domingo) e a Páscoa anual (o Tríduo do Senhor Crucificado, Sepultado e Ressuscitado).
A partir do
século IV, pois, começa a desenvolver-se a celebração da Encarnação: no
Ocidente no dia 25 de dezembro, como comemoração específica do nascimento de
Jesus em Belém; e no Oriente no dia 06 de janeiro como celebração mais ampla
tanto do nascimento quanto da manifestação de Jesus aos magos do Oriente e do seu Batismo no rio Jordão, quando o Pai e o Espírito dão testemunho d’Ele.
Confira nossa postagem sobre o ícone bizantino do Natal do Senhor, onde são representados os magos, clicando aqui.
“Hoje a estrela guia os magos ao presépio” (Adoração dos Magos - Giotto - séc. XIV) |
A origem mais
remota dessa celebração, porém, encontra-se no século III, como uma celebração própria de uma seita gnóstica de Alexandria do
Egito, os basilidianos (seguidores de certo Basílides).
Conforme atestam
São Clemente de Alexandria (†215) e Santo Epifânio de Salamina (†403), os
basilidianos incorriam na heresia do adocionismo, segundo a qual Jesus nasce de Maria apenas como homem, sendo posteriormente “adotado” como Filho de Deus no momento do seu Batismo
no Jordão.
Tal heresia
fundamentava-se em uma leitura errônea das palavras do Pai no Batismo - “Este é
o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado” (Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22) -, particularmente em alguns
manuscritos do Evangelho de Lucas, que citam aqui o Sl 2,7: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”.
Assim, para
esses hereges, o verdadeiro “nascimento” de Cristo teria ocorrido no seu
Batismo, que era celebrado por eles no início de janeiro. Cabe recordar que o
adocionismo foi condenado sobretudo pelos dois grandes Concílios Ecumênicos do século
V, Éfeso (431) e Calcedônia (451), que confirmaram a fé em Jesus Cristo verdadeiro
Deus e verdadeiro homem.
Com o tempo, os fiéis do Egito (Rito Copta) passaram a celebrar no dia 06 de janeiro a festa da Epifania, em honra tanto do nascimento de Cristo quanto do seu Batismo, afirmando, porém, a distinção entre esses dois mistérios.
“Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos” (Batismo de Cristo - Giotto - séc. XIV) |
A escolha da
data, assim como no caso do Natal, deve-se a dois fatores:
- Hipótese
apologética: Alguns “cultos mistéricos” pagãos presentes em Alexandria
e em outras regiões sob influência helênica celebravam no início de
janeiro um festival em honra de Aión (Αἰών), o tempo personificado. Tal celebração estava relacionada ao início do ano no calendário juliano, a 01 de
janeiro [2].
Em Alexandria,
nessa festividade de Aión os fiéis recolhiam água do rio Nilo (que então
começava a diminuir), a ser conservada nas casas. Com efeito, uma tradição
popular atribuía “poderes mágicos” às fontes de água na noite entre 05 e 06 de
janeiro. Assim, contrapondo tal crença, os cristãos passaram a recordar na
Epifania, além do nascimento e do Batismo do Senhor, também o milagre das Bodas
de Caná, com a transformação da água em vinho (Jo 2,1-11).
- Hipótese
do cômputo: Como vimos em nossa postagem sobre a história da celebração do Natal, segundo uma antiga tradição, Jesus teria vivido um número exato de
anos, sendo concebido e sofrendo a Paixão no mesmo dia: 25 de março, data
associada ao início da primavera no hemisfério norte e à criação do mundo.
Os orientais acolheram essa tradição, acrescentando-lhe um dado: considerando o dia 25 de março como a data da criação do mundo, este deveria ser também o início dos meses que, segundo o calendário judaico, sempre começam com a lua nova.
Uma vez que Jesus sofreu a Paixão na véspera da Páscoa, a qual sempre é celebrada na lua cheia, sua Morte e, por conseguinte, sua Concepção, teriam acontecido não a 25 de março, mas sim cerca de duas semanas depois, a 06 de abril. Somando nove meses, chega-se à data da Epifania no dia 06 de janeiro [3].
“Hoje a água se faz vinho para as bodas” (Bodas de Caná - Giotto - Séc. XIV) |
2. A celebração da Epifania no Ocidente
Assim como o
Natal é a celebração do “admirável intercâmbio de dons entre o céu e a terra”,
assim também entre o final do século IV e o início do século V há um
“intercâmbio de tradições” entre Oriente e Ocidente: enquanto as igrejas
orientais acolhem a celebração do nascimento de Jesus a 25 de dezembro, as
igrejas ocidentais acolhem a celebração da sua manifestação no dia 06 de janeiro [4].
Três “epifanias” ou manifestações do Senhor são celebradas nessa festa, como indicam, por exemplo, São Paulino de Nola (†431) e São Máximo de Turim
(†465), e como sintetiza a antífona do cântico evangélico das II Vésperas (oração da tarde):
“Recordamos
neste dia três mistérios:
Hoje a estrela guia os magos ao presépio.
Hoje a água
se faz vinho para as bodas.
Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos.
Aleluia, aleluia” [5].
Matias Augé
sugere que esses múltiplos significados da Epifania poderiam derivar-se da
própria leitura contínua dos Evangelhos, que começava no início do ano civil: em
Jerusalém, à luz do Evangelho de Mateus,
se enfatizaria a visita dos magos; em Alexandria a preferência por Marcos destacaria o Batismo
do Senhor; e, nas igrejas da Ásia Menor, a leitura do Evangelho de João teria acrescentado a referência às bodas de Caná,
“início dos sinais de Jesus”.
Dessa “tríplice
epifania”, enquanto no Oriente a principal sempre foi o Batismo do
Senhor, no Ocidente a ênfase recaiu sobre a manifestação do Senhor aos magos (Mt 2,1-12), nos quais os diversos povos se
sentiam representados.
Adoração dos Magos - Catacumbas de Priscila (séc. III) |
O Evangelho de Mateus menciona
simplesmente a presença de “magos do Oriente” (μάγοι ἀπὸ ἀνατολῶν). O relato
refere-se provavelmente a sábios persas, astrônomos-astrólogos seguidores do
Zoroastrismo, como fica evidenciado em alguns Evangelhos apócrifos. Segundo a
lenda, com efeito, quando o rei persa Cosroes II (†628) atacou a Terra Santa em 614, a Basílica da Natividade em Belém foi poupada, uma vez que nela estavam representados os
magos em trajes persas.
A partir dos
três presentes - ouro, incenso e mirra (χρυσὸν καὶ λίβανον καὶ σμύρναν) - a
tradição fixou o número dos magos em três, como atestam, por exemplo, as homilias de
Orígenes (†253). Em sua representação mais antiga, nas Catacumbas
de Priscila em Roma (séc. III), os magos são três. Não obstante, em algumas
tradições seu número variava, chegando a ser doze.
A partir do
século VI, com São Cesário de Arles (†543), os
magos foram “promovidos” a reis, devido a uma interpretação de Is 60,1-6 e do Sl 71 (72), que citam reis que oferecem presentes ao Messias.
Também no século
VI encontramos pela primeira vez os nomes de Baltasar, Melchior e Gaspar
associados aos magos (mosaico da Basílica de Santo Apolinário Novo em Ravenna).
Embora esses nomes tenham se consagrado no Ocidente, em algumas tradições orientais
se propõem outros.
Com o tempo
também aos magos foi atribuído o simbolismo das três idades do homem (infância,
maturidade e velhice), como destaca São Beda, o Venerável (†735), e dos três
continentes então conhecidos (África, Ásia e Europa).
Aos três
presentes também logo foi dado um significado teológico, associados a Cristo
como rei (ouro), verdadeiro Deus (incenso) e verdadeiro homem (mirra); ou ao
tríplice múnus de Cristo: rei (ouro), sacerdote (incenso) e profeta (mirra).
Os magos com trajes persas (Basílica de Santo Apolinário Novo, Ravenna - séc. VI) |
As supostas relíquias dos magos, inicialmente transladadas de Constantinopla a Milão por Santo Eustórgio (†349) no século IV, foram transladadas pelo Imperador Frederico Barbarossa (†1190) do Sacro Império Romano-Germânico para a Catedral de Colônia (Alemanha) em 1164, onde são veneradas desde então. Sua transladação a Colônia é inclusive comemorada pelo Martirológio Romano a 24 de julho.
Ainda em relação aos magos, confira nossa postagem sobre o presépio clicando aqui.
Assim como o
Natal, a celebração da Epifania é destacada no Ocidente por Santo Agostinho (†430),
que possui seis Sermões para essa
festa, e pelo Papa São Leão Magno (†461), com oito Sermões para a Epifania.
Desde o século
IV, na Epifania se proclama o Anúncio das Solenidades Móveis do ano civil recém-iniciado.
Com efeito, o Concílio de Niceia (325) havia determinado que o Patriarca de
Alexandria do Egito, onde eram bem desenvolvidos os estudos astronômicos, calculasse
a data da Páscoa a cada ano (domingo após a primeira lua
cheia da primavera no hemisfério norte).
O Patriarca
alexandrino enviava então uma carta a todas as igrejas com as datas da Páscoa e
das festas móveis a ela relacionadas, conhecidas como “cartas festivas” (ἐπιστολαὶ
ἐορταστικαὶ). Essas eram então lidas aos fiéis por um diácono ou sacerdote após o Evangelho da Missa da Epifania.
Em Roma, o Papa
celebrava sempre a Missa dessa Festa na Basílica de São Pedro no Vaticano, precedida de uma “vigília” ou “ofício noturno”. Nesta vigília destacava-se
a recitação do Sl 94,
intercalado por uma antífona ou refrão, tal como consta atualmente na Liturgia das Horas (Invitatório).
Adoração dos Magos (Basílica de Santa Maria Maior) |
No século VIII,
além da vigília, a Solenidade da Epifania foi enriquecida por uma oitava: isto
é, sua celebração se prolongava por oito dias, culminando no dia 13 de janeiro,
quando se celebrava a comemoração do Batismo do Senhor.
Alguns estudiosos sugerem que, antes ainda da oitava, se celebrava em Roma uma espécie de “tríduo” após a Epifania, em honra do Batismo no Jordão, das Bodas de Caná e, sobretudo em ambiente franco-galicano, da multiplicação dos pães.
Esta última, além de ser um “sinal” atestado nos quatro Evangelhos, é uma epifania “eucarística”: se nas Bodas de Caná está presente o vinho, ao alimentar a multidão Jesus recorre ao pão.
Entre os séculos
X e XI, quando se popularizaram as sequências, encontramos ao menos duas
associadas à Epifania e sua oitava:
- Festa Christi omnis, presente no Liber
Sequentiarum de Notker Balbulus (†912), que canta tanto a
visita dos magos quanto o batismo no Jordão;
- Quem
non praevalent, composição anônima do século XI, centrada no episódio dos magos.
Mais recentemente, o Missale Parisiense de
1738 trará a sequência Ad Jesum accurite, também centrada na epifania aos magos.
No século XIX,
por fim, através da iniciativa de São Vicente Palotti (†1850), durante a oitava
da Epifania os sacerdotes das Igrejas Católicas Orientais eram convidados a
celebrar na Basílica de Santo Andrea
della Valle em Roma segundo os diversos ritos orientais (bizantino, siríaco
ocidental ou antioqueno, siríaco oriental ou caldeu, copta, armênio), expressando a unidade e a catolicidade da Igreja.
Adoração dos Magos - Leonaert Bramer (séc. XVII) |
3. A celebração da Epifania hoje
O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia recorda em seu n. 106 que, no Tempo do Natal, além do “humilde nascimento em Belém, anunciado aos pastores, primícias de Israel que acolhe o Salvador”, a Igreja celebra a tríplice manifestação do Senhor:
“A epifania aos magos ‘que chegaram do Oriente’ (Mt 2,1), primícias dos gentios, que reconhecem e adoram no recém-nascido Jesus, o Cristo Messias;
A teofania junto ao rio Jordão, na qual Jesus é proclamado pelo Pai ‘filho amado’ (Mt 3,17) e inaugura publicamente o seu ministério messiânico;
O sinal realizado em Caná, através do qual Jesus ‘manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram n’Ele’ (Jo 2,11)” [6].
Não obstante essa “tríplice manifestação do Senhor”, a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, fiel à tradição romana, conservou praticamente intocados os textos da Solenidade da Epifania do Senhor, centrados na “epifania aos magos”.
As orações remontam aos Sacramentários do século VII (Gelasiano e Gregoriano) e, assim como a Solenidade do Natal do Senhor, destacam o simbolismo da luz, como indica o título do Prefácio da Epifania: “De Christo lumine gentium” - “Cristo, luz dos povos” [7].
Quanto à Liturgia da Palavra, a reforma litúrgica acrescentou a 2ª leitura da Missa (Ef 3,2-3a.5-6), enquanto as demais são aquelas clássicas associadas à visita dos magos: Is 60,1-6; Sl 71; Mt 2,1-12.
Após o Evangelho, recomenda-se proferir o Anúncio das Solenidades Móveis, o qual “ajuda os fiéis a descobrirem a ligação entre a Epifania e a Páscoa e a orientação de todas as festas rumo à máxima solenidade cristã” (Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, n. 118) [8]. O texto desse Anúncio é divulgado anualmente, para o Brasil, no Diretório da Liturgia publicado pela CNBB.
Adoração dos Magos, detalhe) (Gentile da Fabriano, séc. XV) |
Enquanto a Missa da Solenidade está centrada na “epifania aos magos”, na Liturgia das Horas, por sua vez, se recorda a tríplice manifestação do Senhor, lida à luz do mistério das “núpcias” de Cristo com a Igreja, como exprime a antífona do cântico evangélico das Laudes (oração da manhã):
“Hoje a Igreja se uniu a seu celeste Esposo,
porque Cristo lavou no Jordão o pecado;
para as núpcias reais correm Magos com presentes;
e os convivas se alegram com a água feita vinho. Aleluia” [9].
Além das antífonas, cabe destacar os três hinos próprios para a Solenidade da Epifania e para os dias que a seguem, dos poetas romanos Sedúlio e Prudêncio (séc. IV-V):
Vésperas: Hostis Heródes ímpie (Por que, Herodes, temes);
Ofício das Leituras: Magi vidéntes párvulum (Vendo os Magos a Criança);
Laudes: Quicúmque Christum quaeritis (Elevai o olhar aos céus).
Vale recordar ainda que nos dias que seguem à Solenidade a “tríplice epifania” se faz presente nas leituras patrísticas do Ofício das Leituras, enquanto na Missa leem-se “as principais manifestações do Senhor, retiradas dos quatro Evangelhos” (Elenco das Leituras da Missa, n. 96) [10].
A oitava da Epifania, porém, já havia sido suprimida pelo Papa São João XXIII (†1963) em 1960, decisão mantida pelo Concílio, que conservou apenas as oitavas da Páscoa e do Natal.
Assim, o Batismo do Senhor, até então comemorado na oitava da Epifania (13 de janeiro), passou a contar com uma Festa própria no domingo após a Epifania. As bodas de Caná, por sua vez, são recordadas no II Domingo do Tempo Comum do ano C.
Adoração dos Magos (Domingos Sequeira, séc. XIX) |
Juntamente com a oitava, foi suprimida a Missa da Vigília da Epifania. Esta, porém, foi resgatada na 3ª edição típica do Missal Romano (2002), ainda sem tradução para o Brasil. Assim, as cinco grandes solenidades do Senhor, elencadas nos números 1-2 da Tabela de precedência dos dias litúrgicos, contam com uma Vigília própria: Páscoa, Natal, Epifania, Ascensão e Pentecostes [11].
Cabe recordar, por fim, as diversas manifestações de piedade popular ligadas à Epifania do Senhor:
Primeiramente,
a tradicional bênção das casas após a Epifania. Com
efeito, os fiéis ocidentais logo acolheram do Oriente o costume da bênção da
água na Epifania, a qual, assim como a água abençoada na Vigília Pascal, era
conservada nas casas tamquam thesaurus nobilissimus (como tesouro
nobilíssimo).
Por
conseguinte, surgiu em vários lugares a tradição da bênção anual das famílias
em suas casas após a Epifania, mesclada com costumes populares do inverno no
hemisfério norte [12].
O Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, com efeito, recorda em seu n. 118
que nessa bênção das casas na Epifania há o costume de escrever com giz sobre a
porta os algarismos do ano recém-iniciado e as iniciais GMB ou CMB, interpretadas
tanto em referência aos tradicionais nomes dos magos quanto como uma súplica a
Cristo: Christus Mansionem Benedicat
- Cristo abençoe esta casa [13].
Inscrição para o ano de 2021 |
Ainda em relação à piedade popular ligada à Epifania, vale recordar também as celebrações
populares da procura dos magos pelo Menino Jesus, como os “cantores da
estrela” em alguns países da Europa e a “folia de Reis” no Brasil.
Embora legítimas, tais devoções populares devem sempre ser “evangelizadas”, de modo que os elementos folclóricos não obscureçam o centro da celebração, que não são os “reis magos” ou “santos reis”, mas sim a manifestação de Jesus Cristo, a quem eles adoraram como Deus e Rei-Messias.
Como recorda Adolf Adam, a Epifania “não se trata de uma festa de santos, mas de uma festa do Senhor”. Mais ainda, como indica o mesmo Adam, a Epifania “é a verdadeira festa de Cristo Rei”.
Note-se, com efeito, que as orações litúrgicas não fazem nenhuma referência aos aspectos lendários relacionados aos magos do Oriente: não são mencionados seus nomes, não são invocados como reis... De fato, o único Rei celebrado na Epifania é o próprio Cristo Senhor, como cantamos na antífona de entrada da Missa: “Eis que veio o Senhor dos senhores, em suas mãos o poder e a realeza” (cf. Ml 3,1; 1Cr 19,12).
Representação dos magos na “Folia de Reis” |
Confira também:
Notas:
[1] cf. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. 3ª edição. São
Paulo: Martins Fontes, 2010.
[2] O antigo
calendário egípcio (atualmente usado pela Igreja Copta, tanto Católica quanto
Ortodoxa) seguia as cheias do rio Nilo, iniciando no dia 01 de Thout (11 de
setembro no calendário gregoriano). No ano 46 a. C., porém, Júlio César impôs o
calendário juliano, que inicia a 01 de janeiro (06 de Tobi no calendário
egípcio).
[3] Cabe
recordar, porém, que a maioria das Igrejas Orientais, tanto Católicas quanto
Ortodoxas, segue utilizando o calendário juliano, com uma diferença de 13 dias
em relação ao gregoriano. Assim, o dia 06 de janeiro no calendário juliano
corresponde ao dia 19 de janeiro no calendário gregoriano.
[4] Uma exceção
é a Igreja Armênia, que continua celebrando tanto o Natal quanto a Teofania no
dia 06 de janeiro (Dznoont). Segundo essa tradição, Jesus teria recebido
o Batismo no mesmo dia do seu nascimento, exatos trinta anos depois (cf. Lc
3,23).
[5] OFÍCIO
DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito
Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus,
1999, vol. 1: Tempo do Advento e Tempo do
Natal, p. 519.
[6] Constitutiones Apostolorum, VIII, 33. in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos Litúrgicos,
Patrísticos e Canónicos do Primeiro Milénio. Fátima: Secretariado Nacional
de Liturgia, 2003, p. 442.
[7] MISSAL
ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo:
Paulus, 1991, p. 413. As demais orações encontram na p. 164 e a bênção própria,
também destacando o simbolismo da luz, na p. 521.
[8] Como vimos
em nossa postagem sobre a história da Solenidade do Natal do Senhor, são vários
os paralelos entre o mistério da manifestação do Senhor e o Mistério Pascal da
sua Morte-Ressurreição. Por exemplo, os magos que trazem presentes ao Menino recordam
as mulheres que levam perfumes ao túmulo na manhã da Ressurreição (cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: O Ano Litúrgico.
São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 215-216: “O
Natal na perspectiva da Páscoa”).
[9] OFÍCIO
DIVINO, vol. 1, p. 511.
[10] ALDAZÁBAL, José.
A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário.
São Paulo: Paulinas, 2007, p. 96.
[11] Possuem
ainda uma Missa da Vigília uma solenidade mariana (Assunção de Nossa Senhora) e
duas solenidades dos santos (Natividade de São João Batista e São Pedro e São Paulo).
Por sua vez, as outras cinco solenidades do Senhor que não possuem uma Vigília própria são: Anunciação, Santíssima Trindade, Corpus Christi, Sagrado Coração de Jesus e Cristo Rei.
[12] Atualmente
recomenda-se priorizar o Tempo Pascal para essa bênção anual de famílias em suas
casas (RITUAL DE BÊNÇÃOS. Tradução
portuguesa da edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1990, pp. 31-38).
[13] cf.
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, op. cit.,
p. 108.
Rupert Berger,
em seu Dicionário de Liturgia Pastoral, recorda que as noites próximas
ao solstício de inverno no hemisfério norte - as mais longas do ano - eram
conhecidas como “noites agrestes” (Rauhnächte). Nessas noites, segundo a
lenda, os mortos saíam para caçar (“caça selvagem”, Wilde Jagd) e
deveriam ser espantados com barulho (donde os fogos de artifício do ano novo),
com a queima do incenso e/ou com sinais protetores escritos com giz, rituais de
caráter apotropaico, isto é, para afastar o mal (cf. BERGER, Rupert. Epifania.
in: Dicionário de Liturgia Pastoral: Obra de consulta sobre todas as
questões referentes à Liturgia. São Paulo: Loyola, 2010, pp. 149-150).
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 105-108.
AUGÉ, Matias. Ano Litúrgico: É o próprio Cristo presente
na sua Igreja. São Paulo: Paulinas, 2019, pp. 224-227.
BERGAMINI,
Augusto. Cristo, festa da Igreja: O Ano
Litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 224-231.
MARTINDALE,
Cyril Charles. Epiphany. in: The Catholic
Encyclopedia, vol. 5, 1909. Disponível em: New Advent.
RIGHETTI, Mario.
Historia de la Liturgia, v. I:
Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955,
pp. 715-723.
SCHUSTER,
Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber
sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano, v. II:
L’inaugurazione del Regno Messianico (La Sacra Liturgia dall’Avvento alla
Settuagesima). Torino-Roma: Marietti, 1933, pp. 193-197.
Postagem
publicada em 04 de janeiro de 2013. Revista e ampliada em 22 de novembro de 2021.
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