Ao longo desta semana estamos apresentando aqui no blog o Documento "A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental", promulgado pela Comissão Teológica Internacional em 2020. Por sua relevância e extensão (195 parágrafos), estamos publicando o Documento em seis partes.
As primeiras duas partes cobriram os capítulos I e II, dedicados à relação entre fé e sacramentos em geral (nn. 1-41 e nn. 42-79). Agora iniciamos o capítulo III, dedicado aos sacramentos da Iniciação Cristã, mais especificamente aqui ao Batismo e a Confirmação (nn. 80-101), uma vez que a Eucaristia será tratada na próxima postagem.
Comissão
Teológica Internacional
A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental
Sumário:
3. A reciprocidade
entre fé e sacramentos na Iniciação Cristã
3.1 Reciprocidade entre fé e Batismo
a) Fundamentação bíblica
b) Fé e Batismo de adultos
c) Proposta pastoral: Fé no
Batismo de adultos
d) Fé e Batismo de crianças
e) Proposta pastoral: Fé no
Batismo de crianças
3.2 Reciprocidade entre fé e Confirmação
a) Fundamentação bíblica e histórica
b) Fé e Confirmação
c) Problemática atual
d) Proposta pastoral: Fé para a
Confirmação
80. [Introdução] Tendo sido vista
a reciprocidade essencial entre a fé e os sacramentos em um duplo plano geral, o
da economia sacramental e o da fé e os sacramentos, passamos a considerar sua
incidência nos sacramentos da Iniciação Cristã. Trata-se, pois, de aplicar as
noções e pontos de vista adquiridos para fazê-los dar frutos em cada um dos
três sacramentos da Iniciação. Cada sacramento tem uma peculiaridade própria, que
deve ser respeitada. No entanto, para sistematizar a análise da questão
principal, procedemos de acordo com cinco etapas articuladas, com exceções
adaptadas a cada sacramento. Estes passos são:
(1) o fundamento bíblico principal;
(2) a correlação entre o sacramento
específico e a fé adequada para sua celebração;
(3) a problemática que se apresenta
hoje em dia em torno da referida correlação;
(4) a iluminação a partir de momentos
distintos e escolhidos da Tradição;
(5) e, à luz da reflexão precedente
sobre o lugar da fé na celebração do sacramento, uma proposta teológica de
ordem pastoral sobre a fé necessária para a celebração de cada sacramento.
Devido à problemática diferenciada do Batismo
de adultos e de crianças, esse esquema se adapta a cada caso. Começa-se com o Batismo
de adultos e se completa a abordagem com os elementos específicos do Batismo de
crianças. Damos como pressuposta uma teologia mais completa de cada sacramento.
Apenas coletamos alguns elementos essenciais para articular uma resposta
significativa à pergunta sobre a reciprocidade entre fé e sacramento em cada um
dos sacramentos da Iniciação.
3.1 Reciprocidade entre fé e Batismo
a) Fundamentação bíblica
81. Após a grande pregação querigmática no dia de Pentecostes, os ouvintes “sentiram o coração traspassado e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: ‘Irmãos, que devemos fazer?’ Respondeu-lhes Pedro: ‘Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados. Então recebereis o dom do Espírito Santo. (...) Aqueles, pois, que acolheram sua palavra, fizeram-se batizar” (At 2,37-38.41). A conversão, a resposta humana à proclamação do Evangelho, parece inseparável do rito sacramental do Batismo, que está vinculado a vários aspectos fundamentais da vida cristã. Pelo Batismo, o fiel participa do Mistério Pascal de Cristo (cf. Rm 6,1-11), antecipado por Cristo em seu próprio batismo e realizado em sua Paixão e Ressurreição (cf. Mc 10,38; Lc 12,50); o fiel se reveste de Cristo, se configura a Ele, passa a viver em Cristo e com Cristo. Assim, nos convertemos em filhos adotivos e criaturas novas. “E mais adiante o Apóstolo diz que o cristão foi confiado a uma ‘forma de ensino’ (typos didachés), a que obedece de coração (cf. Rm 6,17): no Batismo, o homem recebe também uma doutrina que deve professar e uma forma concreta de vida que requer o envolvimento de toda a sua pessoa, encaminhando-a para o bem; é transferido para um novo âmbito, confiado a um novo ambiente, a uma nova maneira comum de agir, na Igreja” [86].
Da mesma forma, ele é incorporado à
Igreja, Corpo de Cristo (cf. 1Cor 1,11-16;
12,13). Através do Batismo, se recebe o Espírito Santo prometido (At 1,5),
o perdão dos pecados (Cl 2,12-13), a justificação. Deste modo, o
recém-batizado, a nova criatura, por este novo nascimento (Jo 3,3.5)
pertence a Cristo e à Igreja, e está capacitado para viver a vida cristã,
testemunhando-a com uma vida nova.
b) Fé e Batismo de adultos
82. O Batismo é o sacramento da fé por excelência. Já Marcos vincula fé e Batismo: “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). Além disso, o mandato batismal com o qual o Evangelho de Mateus termina (Mt 28,19) contém uma fórmula batismal, pela qual a Igreja percebeu a síntese de sua fé trinitária. Por outro lado, o rito do Batismo reflete claramente a importância da fé. No atual rito de entrada no catecumenato, o catecúmeno pede à Igreja “a fé” que concede “a vida eterna” [87]. Na Igreja antiga, o rito da tríplice imersão era acompanhado por respostas às interrogações do Credo [88]. Hoje, as renúncias e a profissão de fé são parte integrante do rito. A própria celebração ritual, com seus escrutínios, destaca a natureza dialogal do acontecimento: a proclamação pública da fé do catecúmeno, previamente comprovada durante o catecumenato em suas diversas fases, e a recepção do Batismo feita por um ministro eclesial. Os próprios escrutínios cumprem a função de certificar-se da adesão à fé eclesial por parte dos batizados, além de demonstrações prévias do conhecimento da doutrina, conformidade com a moral e a prática da oração durante o catecumenato. Sendo um dom de Deus, ninguém administra um sacramento para si mesmo. Assim como a fé é recebida, através da pregação e da escuta da Palavra, assim também os sacramentos se inserem nesta lógica da recepção do dom de Deus.
83. O cristão, assim configurado com
Cristo, continua sua peregrinação na fé, recebendo em outras ocasiões o
Espírito Santo na celebração dos demais sacramentos e outros sacramentais. Duas
analogias iluminam essa realidade. A infusão do “sopro da vida” por parte de
Deus em Adão (Gn 2,7). Mais importante, todo o ministério público
de Jesus aparece marcado pela recepção do Espírito enviado pelo Pai com o qual
foi ungido no batismo (Mc 1,10 e paralelos), que o conduziu ao
deserto (Mc 1,12 e par), com o qual proclamou estar ungido na
sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-21), por meio da qual expulsava
demônios (Mt 12,28), que entregou na cruz (Mt 27,50; Lc 23,46).
No conjunto, toda a sua missão pode ser qualificada como um batismo, com
referência à Páscoa (cf. Lc 12,50).
Deste modo, a vida do cristão é entendida como um desenvolvimento progressivo
daquele dom inicial que o Espírito no Batismo põe em ação até a consumação da
própria vida, entregando-a ao Pai, como Jesus.
c) Proposta pastoral: A fé no Batismo de adultos
84. Com o Batismo, o sacramento da nova vida em Cristo [89] e novo nascimento, se empreende um caminho, se passa a tomar parte da Igreja e se ingressa na economia sacramental. Na Igreja antiga, essa mudança de vida era expressa de forma visível e corporal, fazendo com que os batizados se virassem do Ocidente, de onde se olhava durante as renúncias, para o Oriente, durante a profissão de fé. Sempre foi pedida uma preparação por meio do catecumenato ou de outros modos de instrução, mas também se estava bem consciente da natureza inicial da fé batismal. Por esse motivo, o processo catecumenal prévio há de ser seguido com seriedade e assiduidade, quando o catecúmeno proclama de forma responsável sua adesão à fé trinitária recebida e o desejo de seguir progredindo no conhecimento da mesma e na coerência da vida, graças ao dom da graça batismal. Como o Batismo é a porta de entrada, não se requer uma fé perfeita para o Batismo, mas inicial e desejosa de crescer.
85. Assim como o catecumenato é entendido como parte da Iniciação, do mesmo modo o Batismo não consiste em um rito fechado em si mesmo, mas exige, a partir de sua própria dinâmica interna, um crescimento da vida como batizado. Tampouco o entendimento da fé fica fechado, apesar da igualdade entre a fé que é celebrada no rito e a fé que se acredita [90]. A isso corresponde a catequese pós-batismal, como uma fase ulterior à instrução, especificamente dedicada ao sacramento. A práxis da Igreja antiga reflete a convicção de que a verdadeira compreensão dos mysteria ocorre após sua recepção [91]. De qualquer forma, não se supunha que o entendimento acontecesse por si só, mas que os neófitos eram introduzidos nos sacramentos por meio das catequeses mistagógicas.
86. [Luzes a partir da Tradição]. Cirilo de Jerusalém se refere insistentemente a conversão do coração e adverte: “se tua intenção permanece errada (...), então receberás a água, mas não o Espírito Santo” [92]. Não exige explicitamente a força da fé no sentido de uma força extraordinária, capaz de mover montanhas, mas a adesão fiel ao anúncio eclesial: “Necessitas a fé, que depende de ti, a fé em Deus, para que recebas a fé que Deus concede e que supera a capacidade humana” [93]. A fé pode e deve crescer; a disposição para isso pertence à mesma decisão de ser batizado [94].
87. Quando a partir da virada de Constantino, o catecumenato clássico, com sua seriedade e suas diversas etapas, desapareceu paulatinamente, a Igreja se adaptou a uma nova circunstância: a sociedade tornou-se majoritariamente cristã. Nessa situação, a socialização geral incluía certa socialização religiosa, pelo menos comparativamente maior do que na época anterior. No entanto, se continuou mantendo a necessidade de uma figura eclesial da fé (padrinhos) e de uma instrução mínima prévia, que permitisse uma adesão pessoal responsável e consciente. O caso das Índias é instrutivo. Apesar de que existissem tendências diferentes e de que a salvação estivesse intimamente ligada ao Batismo na teologia da época, se impôs a opinião que melhor salvaguardava a dignidade dos índios e a índole dialogal dos sacramentos [95]. Nesse sentido, o dominicano Francisco de Vitória, juntamente com outros teólogos, escreveu um relatório sobre a questão da preparação adequada dos cristãos do novo continente, em meio a uma enorme escassez de sacerdotes, sobre os quais recaia o peso da catequese: “Não devem ser batizados antes de terem sido suficientemente instruídos não apenas na fé, mas também nos costumes cristãos, pelo menos naquilo que é necessário para a salvação. Não se hão de batizar antes que seja verossímil que eles entendem o que recebem ou que respondam e creiam no Batismo e que desejem viver e perseverar na fé e na religião cristãs” [96].
88. [Proposta pastoral]. A
Igreja está sempre desejosa de celebrar o Batismo. Implica a alegria de que
novos fiéis recebam a justificação, se incorporem Cristo, reconheçam-no como
seu Salvador, configurem a sua vida a partir de Cristo, tornem-se parte da
Igreja, testemunhem a nova vida do Espírito, com a qual foram agraciados e
iluminados. No entanto, na absoluta ausência de fé pessoal, o rito sacramental
perde seu sentido. Embora a validade se baseie na realização do sacramento por
parte do ministro com a devida intenção (cf.
§§ 65-70), a reciprocidade essencial entre fé e sacramentos desaparece sem um
mínimo de fé por parte de quem é batizado. Sem fé no fato de que os sinais
visíveis (sacramentum tantum) transmitem a graça invisível (por exemplo,
imersão na água como uma passagem da morte para a nova vida), esses sinais não
transmitem a invisível realidade significada (res sacramenti): perdão
dos pecados, justificação, renascimento em Cristo mediante o Espírito e entrada
na vida filial. Nesse caso, o Batismo se torna uma mera convenção social ou se
impregna de elementos pagãos.
89. Esse requisito mínimo de fé parece indispensável para quem recebe o sacramento se aproximar da intenção de realizar o que a Igreja acredita. Alguns dos elementos pertencentes a esse mínimo de fé são deduzidos da mesma dinâmica da celebração sacramental [97]: a fé trinitária, com a invocação das três pessoas divinas sobre o neófito; a convicção de renascer em Cristo, simbolizada pela imersão na água, como água da vida [98]; o nascimento para uma vida nova, representada pelo revestimento com a roupa branca; a convicção de receber a luz de Cristo e o desejo de testemunhá-la, representada pela recepção da luz da vela pascal.
90. Portanto, se impõe a fidelidade à doutrina da Igreja, à caridade e à prudência pastoral, juntamente com a criatividade no acolhimento e na oferta de itinerários catecumenais. Não defender suficientemente o que o sacramento é e significa, por temor de exigências mínimas, supõe um dano maior à sacramentalidade da fé e da Igreja. É prejudicial à integridade e coerência da mesma fé que se pretende salvaguardar. Certamente a fé do receptor não é a causa da graça que opera no sacramento, mas constitui parte da disposição adequada necessária para sua frutuosidade, para que possa ser fecunda. Sem nenhum tipo de fé, parece difícil afirmar que seja mantido o mínimo indispensável no que diz respeito à disposição, o que inclui, em seu menor grau, não colocar nenhum impedimento [99]. Nesse sentido, sem um mínimo de fé, o dom de Deus que converte o batizado em “sacramento” vivo de Cristo, em “carta de Cristo” (2Cor 3,3) não consegue produzir o fruto que lhe é próprio. Por outro lado, quem confessa a Cristo como seu Senhor e Salvador não duvidará em querer se associar o mais intimamente possível, sacramentalmente, ao núcleo central do mistério salvífico de Cristo: a Páscoa.
d) Fé e Batismo de crianças
91. O Batismo de crianças é atestado desde os tempos antigos [100]. É justificado pelo desejo dos pais de que seus filhos participem da graça sacramental, se incorporem a Cristo e à Igreja, se tornem membros da comunidade dos filhos de Deus, assim como são membros da família; o Batismo, com efeito, é meio eficaz de salvação, ao perdoar os pecados, começando pelo pecado original, e transmitir a graça. O recém-nascido não assina de modo consciente sua pertença à sua família carnal nem se orgulha dela, como sucede com frequência em muitos ritos de iniciação, como a circuncisão na fé judaica. Se a socialização segue seu curso normal, o fará quando jovem e adulto, com agradecimento. Com o Batismo de crianças pequenas, destaca-se que a fé em que nós batizamos é a fé eclesial; que o nosso crescimento na fé acontece graças a inserção no “nós” comunitário [101]. A celebração é solenemente ratificada pela profissão de fé: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos gloriamos de professar” [102]. Nesta ocasião, os pais atuam como representantes da Igreja, que acolhe essas crianças em seu seio [103]. Por esse motivo, o Batismo das crianças se justifica a partir da responsabilidade de educar na fé, que os pais e padrinhos contraem, paralelamente, à responsabilidade de educá-las nos demais âmbitos da vida.
92. Muitas famílias vivem a fé e a
transmitem aos seus filhos, de modo tanto explícito quanto implícito,
educam-nos na fé, tendo-os batizado logo após o nascimento, seguindo um costume
cristão antigo. No entanto, surgem vários problemas. Em alguns lugares, o
número de Batismos diminui drasticamente. Não é incomum que, em países de
tradição cristã, no momento da preparação das crianças para a Primeira
Comunhão, se descobre que não estão batizadas. Com muita frequência alguns pais
solicitam o Batismo para seus filhos por convenção social ou pressão familiar,
sem participar da vida da Igreja e com sérias dúvidas sobre a intenção e a
capacidade de proporcionar uma futura educação na fé de seus filhos.
93. [Luzes a partir da Tradição]. Com grande continuidade, a Igreja defendeu a legitimidade do Batismo de crianças, apesar das críticas que essa prática recebeu desde os tempos antigos. Em tempos muito primitivos, encontramos narração de Batismos de famílias inteiras (cf. At 16,15.33). A tradição do Batismo de crianças é muito antiga. A Tradição Apostólica já a atesta [104]. O Sínodo de Cartago, do ano de 252, defende-a [105]. A conhecida controvérsia de Tertuliano sobre o Batismo das crianças só tem sentido se este fosse um costume consolidado [106]. Essa prática sempre foi acompanhada por uma figura eclesial significativa próxima às crianças (pais, padrinhos), que se comprometia a proporcionar a educação na fé juntamente com a educação comum das crianças. Além disso, na medida em que o Batismo de crianças recém-nascidas passou a ser a prática mais regular, mais se acentuou a necessidade de catequese pós-batismal, a fim de instruir os batizados na fé e, assim, ajudar a evitar, tanto quanto possível, seu desconhecimento ou distanciamento total de fé [107]. Sem essa figura representativa da fé eclesial, o Batismo, o sacramento da fé com acentuada natureza dialógica, careceria de um de seus elementos essenciais.
94. [Proposta pastoral]. No caso das crianças, deve haver uma esperança fundada na educação da fé, graças à fé dos adultos que são os responsáveis. Sem qualquer tipo de esperança em uma futura educação na fé não se dão as condições mínimas para uma recepção significativa do Batismo [108].
3.2 Reciprocidade entre fé e Confirmação
95. [Fundamentação bíblica] Como
o Batismo, o sacramento da Confirmação também encontra sua fundamentação na
Escritura. O Espírito, como dissemos, desempenha um papel crucial na vida e na
missão de Jesus (cf. § 83). Ele
também ocupa um lugar capital na vida cristã. Os discípulos deverão ser
revestidos com a “força do Alto” (Lc
24,46-49; At 1,4-5.8) antes de se tornarem testemunhas do
Ressuscitado. De acordo com os Atos dos Apóstolos, o Espírito
desceu sobre os discípulos (At 2,1-11) e muitos outros, incluindo
os gentios (At 10,45), que assim proclamaram e testemunharam a
Cristo e o Evangelho (At 2,43; 5,12; 6,8; 14,3; 15,12; cf. Rm 15,13). O Paráclito
prometido (Jo 14,16; 15,26; 16,7) ajuda os discípulos a progredir
em sua vida de fé e a testemunhá-la ao mundo. Em algumas passagens se
diferencia entre a recepção do Batismo e uma posterior efusão do Espírito,
ligada à intervenção dos Apóstolos por meio da imposição de mãos sobre os
cristãos que já vivem sua fé (cf. At 8,14-17;
19,5-6; Hb 6,2). Assim como podemos diferenciar o momento da
Páscoa do Pentecostes, assim também na vida do cristão, que se insere na
economia sacramental, acontecem dois momentos diferentes e interconectados: o Batismo,
que enfatiza a configuração pascal, e a confirmação, que remete mais diretamente
ao Pentecostes, com a recepção do Espírito, e à plena incorporação na missão
eclesial. Na Iniciação Cristã de adultos, ambos os aspectos se dão em uma única
celebração conjunta.
96. [Fundamentação histórica]. Desde os tempos antigos, uma série de ritos pós-batismais têm sido reconhecidos, nem sempre nitidamente distintos do próprio Batismo, como a imposição de mãos, a unção com o óleo do crisma e o sinal da cruz [109]. A Igreja sempre sustentou que esses ritos pós-batismais faziam parte da Iniciação Cristã completa. Com o passar da história e o aumento dos cristãos, o Oriente manteve a unidade consecutiva de Batismo, Crisma e primeira Eucaristia, administrados pelo presbítero, embora a bênção do óleo seja de responsabilidade do Bispo. No Ocidente, no entanto, a Confirmação com o óleo (crisma) foi reservada ao Bispo [110], que durante séculos, até uma intervenção de Pio X em 1910 [111], ocorria durante a visita do Bispo, antes da primeira Comunhão. Já no início do século IV, no Concílio de Elvira (302), se reconhece a diferença e a distância no tempo entre o Batismo e a Confirmação [112].
b) Fé e Confirmação
97. No rito da Confirmação, as renúncias são renovadas e a profissão de fé batismal é repetida. Assim se marca sua continuidade com o Batismo, bem como a necessidade de sua precedência. O próprio da Confirmação reside em um elemento duplo relacionado com a fé. Em primeiro lugar, uma adesão mais plena e uma “força especial” do Espírito Santo (Lumen Gentium, n. 11), tal como assinala o mesmo rito: “N., recebe por este sinal o dom do Espírito Santo” [113]. Em segundo lugar, a Confirmação implica uma vinculação “mais estreita à Igreja” (Lumen Gentium, n. 11). Assim, a eclesialidade da fé é reafirmada. Consequentemente, a fé batismal é consolidada em várias direções. É uma fé mais disposta ao testemunho público da fé eclesial; é uma fé com maior vigor e identificação eclesial; é uma fé mais ativa, na medida em que é mais moldada pelo dom do Espírito, subsequente à primeira recepção batismal do Espírito. Esses aspectos denotam um amadurecimento da fé em comparação com a fé inicial requerida para o Batismo. Sem essas disposições de fé, o sacramento corre o risco de se tornar um rito vazio.
98. A presença do Bispo, ministro “originário” da confirmação (Lumen Gentium, n. 26), expressa enfaticamente a natureza eclesial da Confirmação. À união com o Espírito Santo é adicionada a união com a Igreja. A participação na Confirmação é o sinal e o meio de comunhão eclesial. A Confirmação celebrada pelo Bispo local promove a unidade espiritual entre o Bispo e a Igreja local. O confirmado é incorporado à Igreja, contribuindo para a edificação do corpo de Cristo (cf. Ef 4,12; 1Cor 12). Além disso, fortalece sua vida cristã, já iniciada com o Batismo. Por meio do novo dom do Espírito, ele está em condição de ser uma testemunha viva da fé recebida, de forma semelhante ao que aconteceu em Pentecostes.
99. A posição atual do sacramento da
Confirmação no Ocidente deve-se mais a circunstâncias históricas e pastorais do
que a razões propriamente teológicas ou derivadas da especificidade do
sacramento. Na Iniciação Cristã dos adultos se mantém a cadência original e teologicamente
mais consistente: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Embora o sacramento da Confirmação
ofereça a possibilidade de continuar a instrução na fé, a inserção na Igreja e
a personalização da decisão que os pais e padrinhos tomaram um dia em favor da
criança, não se pode pretender que ela resolva as dificuldades da pastoral da
juventude nem a insatisfação dos jovens, que um dia foram batizados, para com a
instituição eclesial e a fé. Apesar dos esforços louváveis e de em que
algumas ocasiões supõem uma redescoberta mais madura da fé, com a passagem para
uma pertença ativa mais consciente e adulta, em não poucas ocasiões os jovens
vivem a celebração da Confirmação em chave de formatura na universidade: uma
vez obtido o diploma, não é necessário retornar para as aulas. Outros
simplesmente entendem a Confirmação como condição para passos ulteriores, como
o Matrimônio, sem compreender o específico desse sacramento, obscurecido nos
sentimentos de muitos fiéis.
d) Proposta pastoral: Fé para a Confirmação
100. A importância do Batismo tem se mantido firme com muita consistência, assim como seu perfil teológico. O adiamento da Confirmação, onde é adiada por muito tempo, ou, inclusive, não é administrado, dificulta o apreço de seu lugar na Iniciação Cristã, como sacramento do Espírito e da Igreja, elementos fundamentais na Iniciação Cristã. Uma igreja missionária é formada por cristãos confirmados, que, no poder do Espírito, assumem plenamente a responsabilidade por sua fé. Logicamente, um cristão quer ser sacramento de Cristo. Por isso, ele se incorpora plenamente à Igreja e solicita o dom do Espírito através do crisma e da imposição das mãos, se não foi recebido junto com o Batismo. Assim como Cristo recebeu a unção do Espírito ao sair das águas, assim o cristão que se configura com Cristo também realiza seu caminho de fé no Espírito, fortalecido pela Confirmação [114].
101. Na Iniciação Cristã de adultos, a
fé requerida para a Confirmação coincide com a necessária para o Batismo. No
caso de uma recepção distinta dos dois sacramentos, a fé batismal terá
amadurecido em várias direções. Terá havido progresso na apropriação pessoal da
fé eclesial e no sentido de pertença. Isso implica um melhor conhecimento, uma
maior capacidade para explicar a fé eclesial e uma conformação adequada da vida
com ela. Também se terá percorrido um caminho de relacionamento pessoal com o
Deus trinitário, principalmente através da oração. Mais decisivamente, a fé
terá configurado a vida, tendo realizado um caminho de seguimento de Cristo na
Igreja. A Confirmação implica o desejo e a decisão de continuar nesse caminho,
encontrando, através do discernimento possibilitado pelo Espírito, a maneira
correta de seguir Jesus e testemunhá-lo. Para tal, é chave um profundo
relacionamento pessoal com o Senhor, obtido através da oração, que impele ao
testemunho, a pertença eclesial e a prática sacramental assídua. Do mesmo modo
do que a economia sacramental não termina com a Páscoa, mas inclui Pentecostes,
a Iniciação Cristã não termina com o Batismo. Se houve uma fase de espera e
preparação para a recepção do dom do Espírito, presidida pela oração (cf. At 1,14), assim
também a catequese adequada para a recepção da confirmação, sem esquecer os
outros elementos - doutrina e moral -, oferece a oportunidade para a
intensificação e personalização do relacionamento com o Senhor através da
oração.
Notas:
[86] Francisco, Encíclica Lumen fidei, n. 41.
[87] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, § 75; cf. § 247.
[88] Tradição Apostólica, n. 21 (CS 11, 50-51).
[89] Agostinho, Sermo VIII em oitava Paschatis ad infantes, 1 (PL 46, 838).
[90] cf. Basílio, De Spiritu Sancto XI, 27 (SCh 17bis, 340-342).
[91] Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, I, 1 (PG 33, 1065; SCh 126, 84).
[92] idem, Procatech. Introd. n. 4 (PG 33, 340A).
[93] idem, Procatech. V, 11 (PG 33, 520B).
[94] idem, Procatech. I,6; I, 4 (dar frutos; PG 33, 377 e 373-376). Especialmente nas catequeses de João Crisóstomo para os neófitos: João Crisóstomo, Cat. 3/5, 2. 15. 21 (FC 6/2, 412-415, 424s., 428-431); Cat. 3/7, 16-25 (FC 6/2, 478-487), entre outras, encontram-se advertências contra a negligência e a tibieza.
[95] cf. Paulo III, Constituição Altitudo divini consilii (01 de junho de 1537).
[96] “Parecer dos teólogos da Universidade de Salamanca sobre o Batismo dos índios”, in: Colección de documentos inéditos, relativos al descubrimiento, conquista y colonización de las posesiones españolas en América y Oceanía, t. III, Madrid, 1865, 545; ver o relatório completo: 543-553.
[97] cf. Francisco, Encíclica Lumen fidei, n. 42.
[98] cf. Is 33,16, lido por Epistula Barnabae, 11,5 (SCh 172, 162). Citado por Francisco, Encíclica Lumen fidei, n. 42.
[99] Concílio de Trento, VII sessão. Decreto sobre os sacramentos, cânon 6 (DH 1606). Ver a nota 82.
[100] cf. Irineu, Adv. Haer. II, 22, 4 (SCh 294, 220); Orígenes, In Rom. V, 9 (PG 14, 1047); Cipriano, Epist. 64 (CSEL 3, 717-721); Agostinho, De Genesi ad lit. X, 23,39 (PL 34, 426); De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvulorum I, 26.39 (PL 44, 131). Também Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Pastoralis actio.
[101] cf. Francisco, Encíclica Lumen fidei, n. 43.
[102] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Ritual do Batismo de Crianças, § 127 e 152.
[103] “Sicut pueri in maternis uteris constitutio non per seipsos nutrimentum accipiunt, sed ex nutrimento matris sustentantur, etiam pueri non habentes usum rationis, quasi in utero matris Ecclesiae constituti, non per seipsos, sed per actum Ecclesiae salutem suscepiunt” (Tomás de Aquino, STh III, q.68 a.9 ad 1).
[104] Tradição Apostólica, n. 21 (CS 11, 49).
[105] cf. Cipriano, Epistula 64,2-6 (CSEL 3/2, 718-721).
[106] cf. Tertuliano, De Baptismo, 18,4-6 (CCSL 1, 293; SCh 35, 92-93).
[107] cf. Isidoro de Sevilha, De Ecclesiasticis Officiis, II, 21-27; Tomás de Aquino, STh II-II, q.10 a.12.
[108] cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Pastoralis actio, 15 e 28, n. 2.
[109] cf. Tradição Apostólica, 22 (SCh 11, 52-53).
[110] cf. Inocêncio I, Carta a Decentio, Bispo de Gubbio (ano 416; DH 215).
[111] cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Decreto Quam singulari (08 de agosto de 1910) (DH 3530s).
[112] Concílio de Elvira, cânon 77 (DH 121).
[113] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Ritual da Confirmação. cf. Catecismo da Igreja Católica, § 1294-1296.
[114] cf. Catecismo da Igreja Católica, § 1285 e 1294.
Fonte: Santa Sé, com pequenas correções feitas pelo autor deste blog.
As próximas partes do Documento a serem publicadas são:
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