quarta-feira, 1 de maio de 2024

Leitura litúrgica do Livro de Zacarias 9–14

“Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que teu rei vem ao teu encontro” (Zc 9,9).

Em uma postagem anterior da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura vimos que o Livro de Zacarias (Zc) é na verdade formado por duas obras de épocas diferentes: os capítulos 1–8, cuja presença na Liturgia analisamos na referida postagem, e os capítulos 9–14, que serão o conteúdo deste breve estudo.

1. Breve introdução ao Livro de Zacarias 9–14

Como vimos, os capítulos 1–8 são a obra do “Proto-Zacarias” (Primeiro Zacarias), contemporâneo do profeta Ageu, cuja preocupação central é a reconstrução do Templo de Jerusalém (520-518 a. C.).

Os capítulos 9–14, por sua vez, integram a obra do “Dêutero-Zacarias” (Segundo Zacarias), um profeta anônimo, cuja datação é incerta. A maioria dos estudiosos o situa no final do século IV a. C., no contexto das conquistas de Alexandre Magno da Macedônia. Isto faria do Dêutero-Zacarias o último dos profetas do Antigo Testamento.

Profeta Zacarias
(Michelangelo - Capela Sistina)

Embora alguns temas do Proto-Zacarias sejam retomados, como a aliança ou as promessas de abundância, desaparece aqui a preocupação central com o Templo e nenhum personagem é nomeado (como Zorobabel ou Josué, referidos diversas vezes nos capítulos 1–8).

No capítulos do Dêutero-Zacarias predominam os oráculos sobre a vinda do Messias, com frequentes referências a outros textos do Antigo Testamento (AT), sobretudo aos “profetas maiores” (Isaías, Jeremias e Ezequiel) e aos Salmos.

Podemos dividir esses capítulos em duas partes bem definidas (a ponto de alguns estudiosos defenderem que a segunda parte seria obra de um “terceiro-Zacarias”):

1ª parte: Zc 9–11:
a) Zc 9,1–10,2: o Messias humilde e pacífico contrapõe-se às nações estrangeiras em guerra;
b) Zc 10,3–11,3: espécie de “novo êxodo”, com um desfile jubiloso diante do qual caem as nações inimigas, representadas pelo Egito e pela Assíria;
c) Zc 11,4-17: acusação contra os maus pastores (Deus “quebra” sua aliança com eles).

2ª parte: Zc 12–14:
a) Zc 12–13: Deus promete proteger Jerusalém dos seus inimigos e o povo se purifica de seus pecados;
b) Zc 14: combate escatológico e vitória definitiva do Senhor.

Na primeira parte predomina a poesia e há várias referências geográficas, enquanto a segunda parte é em prosa e localizada em Jerusalém.

O tema da escatologia é bastante presente na obra, sobretudo na segunda parte, onde se repete 17 vezes a fórmula escatológica: “Naquele dia acontecerá...”. Utilizam-se também muitas imagens simbólicas, próprias da literatura apocalíptica.

Se no Proto-Zacarias tínhamos o Templo como centro, o Dêutero-Zacarias gira em torno da cidade de Jerusalém: sua purificação em Zc 13,1-2 pode ser considerada o centro da obra. A partir dela o Reino de Deus se estende por toda a terra.

As referências ao Messias, apresentado como rei, pastor e servo, tornaram este escrito um dos mais citados no Novo Testamento.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem.

2. Leitura litúrgica de Zacarias 9–14: Composição harmônica

Não obstante sua presença relativamente “modesta” nas celebrações litúrgicas, analisaremos a leitura de Zacarias 9–14 seguindo os dois critérios de seleção dos textos indicados no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM): a composição harmônica e a leitura semicontínua [1].

Começamos por suas leituras em composição harmônica, isto é, quando a escolha do texto se dá em sintonia com o tempo ou festa litúrgica.

Entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (cf. Zc 9,9-10)
(Hippolyte Flandrin)

a) Celebração Eucarística

Seguindo o ciclo do Ano Litúrgico, antes ainda de considerarmos as leituras propriamente ditas, cabe destacar duas antífonas tomadas do nosso livro e entoadas no Ciclo do Natal, ambas anunciando a vinda do Senhor:

terça-feira, 30 de abril de 2024

Fotos da Missa do Papa em Veneza

No dia 28 de abril de 2024 o Papa Francisco presidiu sem celebrar a Missa do V Domingo da Páscoa (Ano B) na Praça de São Marcos em Veneza durante sua visita à cidade.

A Liturgia Eucarística, por sua vez, foi celebrada pelo Patriarca de Veneza, Dom Francesco Moraglia.

O Santo Padre foi assistido por Dom Diego Giovanni Ravelli e pelo Monsenhor L'ubomir Welnitz.

Após a Missa o Papa se dirigiu à Basílica de São Marcos para venerar as relíquias do Evangelista.


O Papa aguarda o início da celebração
Incensação do altar
Sinal da cruz
Liturgia da Palavra

Homilia do Papa: Missa em Veneza

Visita a Veneza
Homilia do Papa Francisco  
Praça São Marcos, Veneza
V Domingo da Páscoa (Ano B), 28 de abril de 2024

Jesus é a videira, nós somos os ramos. E Deus, o Pai misericordioso e bom, como um agricultor paciente, nos trabalha com cuidado para que a nossa vida seja repleta de frutos. Por isso Jesus nos recomenda conservar o dom inestimável que é o vínculo com Ele, do qual dependem nossa vida e fecundidade. Ele repete com insistência: «Permanecei em mim e Eu permanecerei em vós... Aquele que permanece em mim, e Eu nele, esse produz muito fruto» (Jo 15,4-5). Só quem permanece unido a Jesus produz fruto. Detenhamo-nos sobre isso.

Jesus está para concluir a sua missão terrena. Na Última Ceia com aqueles que serão os seus Apóstolos, Ele lhes confia, junto com a Eucaristia, algumas palavras-chave. Uma delas é precisamente esta: «Permanecei», conservai vivo o vínculo comigo, permanecei unidos a mim como os ramos à videira. Usando essa imagem, Jesus retoma uma metáfora bíblica que o povo conhecia bem e que encontrava também na oração, como no Salmo que diz: «Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a!» (Sl 79,15). Israel é a vinha que o Senhor plantou e da qual cuidou. E quando o povo não produz os frutos de amor que o Senhor espera, o profeta Isaías formula um ato de acusação utilizando precisamente a parábola de um agricultor que cercou a sua vinha, a limpou das pedras, plantou videiras escolhidas, esperando que produzisse vinho bom, mas ela, ao contrário, só produziu uvas amargas. E o profeta conclui: «Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá, sua dileta plantação; Eu esperava deles frutos de justiça - e eis a injustiça; esperava obras de bondade - e eis a iniquidade» (Is 5,7). O próprio Jesus, retomando Isaías, conta a dramática parábola dos vinhateiros homicidas, destacando o contraste entre o trabalho paciente de Deus e a rejeição do seu povo (cf. Mt 21,33-44).


Assim, a metáfora da videira, enquanto expressa o cuidado amoroso de Deus por nós, por outro lado nos adverte, porque, se rompermos esse vínculo com o Senhor, não poderemos gerar frutos de boa vida e nós mesmos corremos o risco de nos tornarmos ramos secos. É grave isso, tornar-se ramos secos, aqueles ramos que serão jogados fora.

Irmãos e irmãs, sob o pano de fundo da imagem usada por Jesus, penso também na longa história que liga Veneza ao trabalho das videiras e à produção de vinho, no cuidado de tantos viticultores e nos numerosos vinhedos que surgiram nas ilhas da Laguna e nos jardins entre as ruas da cidade, e naqueles que empenhavam os monges na produção de vinho para as suas comunidades. A partir dessa memória, não é difícil colher a mensagem da parábola da videira e dos ramos: a fé em Jesus, o vínculo com Ele, não aprisiona a nossa liberdade, mas, ao contrário, abre-nos para receber a seiva do amor de Deus, que multiplica a nossa alegria, cuida de nós com o cuidado de um bom vinhateiro e faz nascer brotos mesmo quando o solo de nossa vida se torna árido. E tantas vezes o nosso coração se torna árido.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Missa nos 10 anos da Canonização de São João Paulo II

No dia 27 de abril de 2024 completaram-se 10 anos da Canonização do Papa São João Paulo II (†2005), “elevado aos altares” junto com o Papa São João XXIII (†1963) no dia 27 de abril de 2014.

No Santuário de São João Paulo II em Cracóvia (Polônia) a data foi celebrada com a Santa Missa do sábado da IV semana da Páscoa presidida pelo Arcebispo, Dom Marek Jędraszewski:

Procissão de entrada

Incensação do altar
Incensação da relíquia de São João Paulo II
Evangelho

Peregrinação da Igreja Húngara a Roma

De 23 a 25 de abril de 2024 um expressivo grupo de fiéis católicos da Hungria, acompanhados por seus Bispos e sacerdotes, realizou uma peregrinação a Roma um ano após a visita do Papa Francisco ao país.

Francisco, com efeito, visitou a Hungria de 28 a 30 de abril de 2023, quase dois anos após presidir a Missa de encerramento do 52º Congresso Eucarístico Internacional em Budapeste no dia 12 de setembro de 2021.

Durante a peregrinação, os Bispos húngaros celebraram a Missa na Basílica do Latrão, a Catedral de Roma, e nas Basílicas de São Pedro e de São Paulo, “faltando” apenas a Missa na Basílica de Santa Maria Maior para completar o grupo das quatro Basílicas Maiores.

23 de abril: Terça-feira da IV semana da Páscoa

Missa presidida por Dom András Veres, Bispo de Győr e Presidente da Conferência dos Bispos Católicos Húngaros

Procissão de entrada
Evangelho
Homilia

Oração Eucarística: Epiclese

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 41

Concluindo a seção sobre a “libertação do homem” dentro das suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II refletiu sobre o Filho como modelo de “transformação salvífica do homem” e de “vida filialmente unida ao Pai”.

Confira a postagem que serve de Introdução e índice das Catequeses clicando aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

62. Jesus, modelo da transformação salvífica do homem
João Paulo II - 17 de agosto de 1988

1. No desenvolvimento gradual das Catequeses sobre a missão de Jesus Cristo, vimos que Ele é quem realiza a libertação do homem através da verdade do seu Evangelho, cuja palavra última e definitiva é a Cruz e a Ressurreição. Cristo liberta o homem da escravidão do pecado e lhe dá uma nova vida mediante seu sacrifício pascal. A redenção se torna assim uma nova criação. No sacrifício redentor e na Ressurreição do Redentor tem início uma “nova humanidade”. Acolhendo o sacrifício de Cristo, Deus “cria” o homem novo “na justiça e na santidade da verdade” (Ef 4,24): o homem se torna adorador de Deus “em espírito e verdade” (Jo 4,23).

Na sua figura histórica, Jesus Cristo tem para este “homem novo” o valor de um modelo perfeito, isto é, de ideal. Aquele que em sua humanidade era a perfeita “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15) torna-se, através da sua vida terrena - através de tudo o que “fez e ensinou” (At 1,1) -, sobretudo através do sacrifício, modelo visível para os homens. O modelo mais perfeito.

Lava pés (Yongsung Kim)
“Dei-vos o exemplo...” (Jo 13,15)

2. Entramos aqui no âmbito da “imitação de Cristo”, que se encontra claramente presente nos textos evangélicos e em outros escritos apostólicos, ainda que a palavra “imitação” não apareça nos Evangelhos. Jesus exorta seus discípulos a “segui-lo” - em grego, akoloutheo (ἀκολουθέω): “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24; cf. Jo 12,26).

A palavra “imitação” a encontramos só em Paulo, quando o Apóstolo escreve: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1) - em grego, mimetai (μιμηταί). E em outro lugar: “Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra em meio a muita tribulação com a alegria do Espírito Santo” (1Ts 1,6).

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Leitura litúrgica do Livro de Malaquias

“Desde o nascer do sol até ao poente, em todo o lugar se oferece um sacrifício e uma oblação pura ao meu Nome” (Ml 1,11).

Na postagem anterior da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, começamos a analisar os escritos dos “profetas menores” após o exílio da Babilônia com o Livro de Ageu e os capítulos 1–8 do Livro de Zacarias.

Com esta postagem damos continuidade à proposta com o Livro de Malaquias (Ml), que figura na Bíblia cristã como o último dos escritos proféticos do Antigo Testamento (AT).

Profeta Malaquias (James Tissot)

1. Breve introdução ao Livro de Malaquias

A tradição judaica coloca Malaquias e o Dêutero-Zacarias (Zc 9–14) como os últimos profetas, aos quais podemos acrescentar Joel. Embora figure por último na Bíblia cristã, por razões teológicas, o Livro de Malaquias é o mais antigo dos três citados, podendo remontar ao contexto das reformas de Esdras e Neemias (século V a. C.).

As reformas desses dois personagens fundamentaram o Judaísmo em três pilares: um Templo, uma Lei, um povo. Na narrativa de Malaquias o Templo parece já estar concluído, pois o problema agora são os pecados dos sacerdotes. A idolatria, interpretada como um casamento com uma mulher estrangeira, nos coloca no contexto da proibição desses casamentos.

Malaquias é provavelmente um nome simbólico, que significa “mensageiro”. Sua mensagem, composta por três capítulos, é formada por seis unidades, “emolduradas” por um breve prólogo e um epílogo.
a) Ml 1,1: Prólogo, com o título da obra;
b) Ml 1,2-5: Acusação contra Edom e declaração do amor de Deus por Israel;
c): Ml 1,6–2,9: Acusação contra os sacerdotes, que oferecem animais indignos ao Senhor (provavelmente guardando os melhores animais para si);
d) Ml 2,10-16: Acusação contra a idolatria e o divórcio;
e) Ml 2,17–3,5: Acusação contra uma série de injustiças, anunciando a vinda do “mensageiro” que antecede o “dia de Iahweh”;
f) Ml 3,6-12: Acusação contra fraudes nos dízimos - se o povo for fiel, Deus promete abundância;
g) Ml 3,13-21: O profeta opõe o justo e o ímpio, prometendo que o homem justo receberá a bênção do Senhor;
h) Ml 3,22-24: Epílogo (talvez como acréscimo posterior), evocando Moisés, como luz para o passado, e Elias, como esperança para o futuro.

Cada unidade possui três elementos que se repetem: crítica do profeta, réplica dos destinatários e nova exortação do profeta. As primeiras três controvérsias são mais fechadas no castigo do pecado, enquanto as três últimas abrem-se à esperança escatológica no “dia de Iahweh”, quando reinará a justiça.

As referências ao “mensageiro” que prepara o caminho diante do Senhor (Ml 3,1) e ao profeta Elias (Ml 3,23-24) foram aplicadas no Novo Testamento a João Batista (Mc 1,2; 9,11-12; Mt 17,10-13; Lc 1,17.76; 7,27; Jo 3,28), razão pela qual Malaquias foi disposto como último livro do AT na Bíblia cristã, antecedendo a pregação de João.

Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da postagem.

João Batista com as asas do "anjo" (mensageiro) entre Elias e Enoc
(Daniel Codrescu - Bucareste, Romênia)

2. Leitura litúrgica de Malaquias: Composição harmônica

Como temos feito com todos os livros da Sagrada Escritura estudados nesta série, analisaremos a presença do Livro de Malaquias nas celebrações litúrgicas seguindo os dois critérios de seleção dos textos indicados no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM): a composição harmônica e a leitura semicontínua [1].

Começamos pela composição harmônica: a escolha do texto em sintonia com o tempo ou festa litúrgica.

a) Celebração Eucarística

Iniciando nosso percurso pelos ciclo do Ano Litúrgico, identificamos leituras do nosso livro em três ocasiões, uma no Advento e duas no Tempo Comum: