“Em virtude do Batismo
e da Confirmação, os cristãos são incorporados a Cristo e participam de seu
múnus sacerdotal, profético e régio” (Diretório para a Catequese, n. 110).
Esta é a quinta postagem da nossa série analisando sob a
perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular o Diretório
para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da
Nova Evangelização em 2020 [1].
As quatro postagens anteriores foram dedicadas a dois
capítulos: na primeira analisamos o capítulo I (além da Apresentação e da
Introdução), enquanto nas três partes seguintes tratamos do capítulo II, um dos mais
longos e com mais referências à Liturgia.
Esta postagem, por sua vez, abarcará o capítulo III - “O catequista” (nn. 110-129) - e o
capítulo IV - “A formação dos catequistas”
(nn. 130-156) -, que concluem a Primeira Parte do Diretório, “A catequese na
missão evangelizadora da Igreja”.
Capítulo III: O
catequista
3.1 A identidade e a vocação do catequista (nn. 110-113)
Todo o capítulo III se baseia em uma afirmação fundamental:
“Em virtude do Batismo e da Confirmação, os cristãos são incorporados a
Cristo e participam de seu múnus
sacerdotal, profético e régio” (n. 110).
O Batismo, fonte de todas as vocações |
Esta afirmação nos remete às bases da eclesiologia do
Concílio Vaticano II. Com efeito, o Diretório nos indica aqui dois dos seus
documentos: a Constituição Lumen Gentium
sobre a Igreja (n. 31) e o Decreto Apostolicam
Actuositatem sobre o apostolado dos leigos (n. 02).
O título “Cristo” significa literalmente “ungido”. No
Batismo e na Confirmação, com efeito, todos os cristãos são “ungidos”, isto é,
participam da missão de Jesus Cristo: anunciar o Evangelho (múnus profético),
santificar (múnus sacerdócio) e servir os irmãos (múnus régio), consciente de
que todos somos “filhos no Filho”.
À luz dessa vocação batismal, “toda a comunidade cristã é
responsável pelo ministério da catequese, mas cada um conforme a sua condição
particular na Igreja: ministros ordenados, pessoas consagradas, fiéis leigos”
(n. 111).
De fato, sobretudo dentre os fiéis leigos, alguns são
chamados a exercer de maneira específica o ministério de catequistas. Este pode
ser um “ministério confiado” (exercido durante um determinado período de tempo)
ou, desde a publicação do Motu Proprio Antiquum Ministerium pelo Papa Francisco, um “ministério instituído”
(exercido de maneira permanente).
Retomando o fundamento da “unção batismal”, unida à fé e à
ação do Espírito Santo, o n. 113 do Diretório
elenca três “características” do catequista: é “testemunha da fé e guardião da
memória de Deus; mestre e mistagogo; acompanhador e educador”.
Destacamos aqui a dimensão do catequista como “mistagogo”, isto é, aquele que conduz ao mistério, a qual se relaciona diretamente à Liturgia:
“O catequista é (...) mestre e mistagogo, que introduz no mistério de Deus, revelado na Páscoa de Cristo; enquanto ícone de Jesus Mestre, o catequista tem a dupla missão de transmitir o conteúdo da fé e de conduzir ao mistério da mesma fé. O catequista é chamado a se abrir à verdade sobre a pessoa humana e sobre a sua vocação última, comunicando o conhecimento de Cristo e, ao mesmo tempo, introduzindo às várias dimensões da vida cristã, revelando os mistérios da salvação contidos no depósito da fé e atualizados na Liturgia da Igreja” (n. 113b).
Cristo, "mestre e mistagogo" com os discípulos de Emaús |
Deste parágrafo é importante destacar dois pontos:
primeiramente a afirmação de que o mistério de Deus é “revelado na Páscoa de
Cristo”, isto é, no Mistério Pascal da sua Morte-Ressurreição. Como vimos nas postagens
anteriores, esse é o querigma, o núcleo fundamental da mensagem cristã e,
portanto, o núcleo tanto da Liturgia quanto da Catequese.
O segundo ponto a destacar é a afirmação de que os mistérios
da salvação são “atualizados na Liturgia da Igreja”. A celebração litúrgica,
com efeito, não é mera lembrança de um evento que ficou no passado, nem a
repetição desse mesmo evento (mimese).
A Liturgia é “anamnese” (memorial), que “presentifica” o evento celebrado,
isto é, o torna presente aqui e agora.
Por exemplo, ao celebrarmos nosso aniversário, recordamos um
evento do passado. Eu não digo “hoje eu nasci”, mas sim “eu nasci neste dia, há
tantos anos”. Na Missa da Noite de Natal, em contrapartida, não celebramos o
“aniversário de Jesus”, mas tornamos presente hoje o seu nascimento: “Hoje nasceu para nós o Salvador!” (antífona
de entrada, refrão do salmo, etc).
Por isso é importante tomar cuidado com a introdução de
elementos “teatrais” na Liturgia. O teatro é sempre mimese (lembrança ou repetição), enquanto a Liturgia é anamnese (memorial, atualização). Fora
da Liturgia, porém, o teatro pode ser um excelente recurso catequético.
3.2 O Bispo, primeiro catequista (n. 114)
A partir da segunda sessão desse capítulo o Diretório passa a elencar a participação
de cada grupo de fiéis na missão catequética da Igreja: os Bispos, os
presbíteros, os diáconos, os religiosos e os leigos.
Foi uma escolha teológica muito acertada começar o capítulo com a referência à vocação batismal. O sacerdócio ministerial, do qual participam os Bispos e os presbíteros pelo Sacramento da Ordem, não anula o sacerdócio comum que receberam pelo Batismo, antes o supõe: ninguém pode ser ordenado se antes não foi batizado. O mesmo vale para os diáconos, que recebem o sacramento da Ordem, mas não o sacerdócio ministerial.
Na Liturgia, esta consciência de que todos, tanto ordenados quanto leigos, são antes de tudo batizados, é expressa visivelmente pelo uso da túnica ou alva por todos os ministros (cf. Introdução Geral do Missal Romano, 3ª edição, nn. 336-339). Um sacerdote nunca pode celebrar a Missa sem a túnica: primeiro reveste a túnica, a veste batismal, e sobre ela a estola e a casula, insígnias do sacerdócio ministerial.
Isto vale também para os sacerdotes que pertencem a uma congregação religiosa, que infelizmente muitas vezes utilizam a estola e/ou casula diretamente sobre o hábito religioso para celebrar a Missa. A estola pode ser usada diretamente sobre o hábito em algumas celebrações (como bênçãos), mas nunca na Missa (cf. Instrução Redemptionis Sacramentum, n. 126).
Feito este “parêntese”, seguimos com a reflexão sobre a função do Bispo em relação à Catequese.
O Bispo, "primeiro catequista em sua Diocese" (Na imagem, Dom José Antonio Peruzzo, Arcebispo de Curitiba-PR) |
Após recordar sua missão como “primeiro responsável pela
catequese na Diocese”, o Diretório exorta o Bispo a proferir encontros
catequéticos aos fiéis, sobretudo nos “tempos fortes” do Ano Litúrgico
(Advento, Natal, Quaresma e Páscoa):
“O Bispo sinta a urgência, pelo menos nos tempos fortes do ano litúrgico, particularmente
na Quaresma, de convocar o Povo de Deus à sua catedral para proferir sua
catequese” (n. 114).
3.3 O presbítero na catequese (nn. 115-116)
Os primeiros colaboradores do Bispo são os presbíteros,
particularmente aqueles que estão a serviço dos demais fiéis nas paróquias. O Diretório destaca, com efeito, que “o
pároco é o primeiro catequista na comunidade paroquial” (n. 116).
Dentre as funções do pároco - e dos presbíteros em geral -
em relação à Catequese destacamos: “cuidar do vínculo entre catequese, Liturgia e a caridade, especialmente valorizando o domingo como o dia do Senhor e da comunidade cristã” (n. 116b).
Com efeito, a Missa dominical é o principal momento de
encontro da comunidade em torno da mesa da Palavra e da Eucaristia. Sobre o domingo,
ver a Carta Apostólica Dies Domini do
Papa João Paulo II.
3.4 O diácono na catequese (nn. 117-118)
Após os sacerdotes (Bispos e presbíteros), também os
diáconos participam a seu modo da missão catequética da Igreja: “A diaconia da
Palavra de Deus, juntamente com a Liturgia
e a caridade, é um serviço que os diáconos exercem a fim de fazer presente na
comunidade o Cristo que por amor se fez servo (cf. Lc 22,27; Fl 2,5-11)”
(n. 117).
Sobre a atuação dos diáconos na Liturgia, o Diretório recorda que estes podem “ser admitidos à pregação homilética” (n. 117) e exorta a participarem especialmente das “iniciativas relacionadas ao primeiro anúncio” (ibid.).
Esta última orientação está em sintonia com a práxis da Igreja primitiva, na qual os diáconos eram responsáveis pela acolhida dos catecúmenos e por sua “despedida” antes da Liturgia Eucarística (uma vez que os não-batizados participavam apenas da Liturgia da Palavra).
Por fim, o n. 118 exorta aos diáconos que se empenhem no serviço da caridade (para essa missão foram instituídos; cf. At 6) e aos “diáconos permanentes que vivem o Matrimônio” que sejam “testemunhas credíveis da beleza deste sacramento”.
O Papa preside a Missa Crismal, circundado pelos presbíteros, diáconos e fiéis leigos: epifania da Igreja toda ministerial |
Cabe recordar também que embora os diáconos possam presidir o Batismo e assistir o
Matrimônio, como indica o Código de Direito
Canônico (cân. 861.1108), o mesmo Código
(cân. 530) indica que a celebração desses sacramentos é uma função confiada
especialmente ao pároco. Assim, os sacerdotes só deleguem suas funções aos
diáconos em caso de verdadeira necessidade.
3.5 Os consagrados a serviço da catequese (nn. 119-120)
Sobre os religiosos e religiosas o Diretório não faz nenhuma observação relacionada diretamente à Liturgia. Porém,
ao falar sobre os diversos “carismas” dos religiosos, indica que estes devem
“manter intacto o caráter próprio da catequese” (n. 120).
O mesmo vale para a Liturgia: quando um sacerdote religioso
a celebra, o faz em nome de toda a Igreja, e não em nome da sua congregação. “A
Liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade
onde são celebrados os Santos Mistérios” (João Paulo II, Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 52).
3.6 Os leigos catequistas (nn. 121-129)
Sobre os fiéis leigos, após retomar a afirmação fundamental
do capítulo - “a vocação ao ministério da catequese nasce do sacramento do Batismo e é fortalecida pela Confirmação, sacramentos mediante os
quais o leigo participa no múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo” (n.
122) -, o Diretório reflete sobre a
missão dos pais e padrinhos (nn. 124-125); e sobre a contribuição dos avós e das
mulheres (nn. 126-129).
Destacamos aqui a missão dos pais, “sujeitos ativos da
catequese”: “‘Para os pais cristãos a missão educativa, enraizada na sua
participação na obra criadora de Deus, tem uma nova e específica fonte no sacramento do Matrimônio, que os consagra na formação especificamente
cristã dos filhos’ (João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, n. 38)” (n. 124).
Os pais comprometem-se com a educação cristã dos filhos
tanto no seu Matrimônio quanto no Batismo dos filhos. Responder as perguntas do
rito é ao mesmo tempo um compromisso e um gesto de confiança na graça de Deus,
que os ajudará nessa missão:
“Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos
confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja? R: Sim!” (Ritual do Matrimônio, Diálogo antes do
consentimento);
“Queridos pais e mães (...), pelo Batismo estas crianças vão
fazer parte da Igreja. Vocês querem ajudá-las a crescer na fé, observando os
mandamentos e vivendo na comunidade dos seguidores de Jesus? R: Sim, queremos!”
(Ritual do Batismo de crianças, Apresentação
das crianças e pedido o Batismo).
Capítulo IV: A
formação dos catequistas
4.1 Natureza e finalidade da formação de catequistas (nn. 130-132)
4.2 A comunidade cristã, lugar privilegiado de formação (nn. 133-134)
4.3 Critérios para a formação (n. 135)
A Primeira Parte do Diretório
- A catequese na missão evangelizadora da
Igreja - conclui-se no capítulo IV, dedicado à formação dos catequistas. As
primeiras três seções deste capítulo não fazem referências diretas à Liturgia,
destacando a importância da formação (4.1), a comunidade como lugar da formação
(4.2) e alguns dos seus critérios: missionária, integral... (4.3).
Não obstante, a primeira seção do capítulo refere-se
indiretamente ao Batismo: “os catequistas são, como batizados, verdadeiros discípulos missionários, ou seja,
sujeitos ativos da evangelização e, com base nisso, habilitados pela Igreja a comunicar o Evangelho e acompanhar e educar na fé” (n. 132)
Ou seja, pelo Batismo participamos da missão de Cristo de
anunciar o Evangelho. Mas, como ninguém pode ser missionário sem antes ser
discípulo [2], a formação é uma dimensão fundamental e permanente da vocação do
catequista.
Sobre a importância da formação litúrgica, cf. Constituição Sacrosanctum
Concilium, nn. 17-19.
4.4 As dimensões da formação (nn. 136-150)
A quarta seção do capítulo apresenta a formação do
catequista em três grandes dimensões:
- formação humana ou ser e saber ser com (nn. 139-142);
- formação
bíblico-teológica ou saber (nn. 143-147);
- formação pedagógica e metodológica ou saber fazer (nn.
148-150).
A Liturgia encontra-se na segunda dessas dimensões, como
indica o n. 144: “É necessário que o catequista conheça”:
- “as grandes etapas da história da salvação: o Antigo
Testamento, o Novo Testamento e a história da Igreja, à luz do Mistério Pascal
de Jesus Cristo”;
- “os núcleos essenciais da mensagem e da experiência
cristã: o Símbolo da fé, a Liturgia
e os sacramentos, a vida moral
e a oração”;
- “os principais elementos do Magistério eclesial que dizem
respeito ao anúncio do Evangelho e à catequese”.
Os sacramentos, tendo ao centro o mistério de Cristo: conteúdo indispensável da formação dos catequistas |
Note-se que a formação litúrgica insere-se na dinâmica
própria do Catecismo da Igreja Católica
(fé acreditada, celebrada, vivida e rezada), que será retomada no cap. VI. Além
disso, a formação bíblica também deve estar relacionada à Liturgia, uma vez que
se propõe compreender a história da salvação “à luz do Mistério Pascal de Jesus
Cristo”.
O mesmo parágrafo exorta à formação sobre as Liturgias
Orientais: “em algumas partes do mundo, nas quais vivem juntos católicos de diferentes tradições eclesiais,
os catequistas tenham um conhecimento
geral da teologia, da Liturgia e da disciplina sacramental de seus irmãos”
(n. 143).
O Diretório
refere-se aqui às Igrejas Católicas Orientais, 23 comunidades em perfeita
comunhão com o Bispo de Roma, isto é, o Papa, que conservam suas próprias tradições
litúrgicas, celebrando segundo os cinco grandes Ritos Orientais - Bizantino, Alexandrino,
Antioqueno ou Siríaco Ocidental, Caldeu ou Siríaco Oriental e Armênio. Não
confundir com as Igrejas Ortodoxas, que também celebram os Ritos Orientais, mas
não estão em comunhão com a Igreja Católica.
No Brasil há quatro Igrejas Católicas Orientais:
- Igreja Greco-Católica Ucraniana (Rito Bizantino):
Dom Volodemer Koubetch Arquieparquia de São João Batista dos Ucranianos em Curitiba (PR) |
Dom Meron Mazur Eparquia da Imaculada Conceição dos Ucranianos em Prudentópolis (PR) |
- Igreja Católica Greco-Melquita (Rito Bizantino):
Dom George Khoury Eparquia de Nossa Senhora do Paraíso dos Melquitas em São Paulo (SP) |
- Igreja Católica Maronita (Rito Antioqueno):
Dom Edgard Madi Eparquia de Nossa Senhora do Líbano dos Maronitas em São Paulo (SP) |
- Igreja Católica Armênia (Rito Armênio): Exarcado Apostólico para os Fiéis de Rito Armênio
na América Latina, com sede em São Paulo (SP), sob a responsabilidade do Bispo
Armênio de Buenos Aires (Argentina).
4.5 A formação catequética dos candidatos às Ordens sagradas (nn.
151-153)
4.6 Centros de formação (nn. 154-156)
Por fim, a última referência à Liturgia no capítulo IV diz
respeito à formação dos candidatos às Ordens sagradas, isto é, dos
seminaristas.
Suas diretrizes foram recentemente atualizadas pela
Congregação para o Clero através do documento “O dom da vocação presbiteral: Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis” (2016) e, no âmbito do Brasil, pelas novas Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil (2019).
Sobre a relação entre Catequese e Liturgia, o Diretório para
a Catequese apenas reforça que nos Seminários e casas de formação é preciso: “aprofundar
o Ritual
da Iniciação Cristã dos Adultos como uma ferramenta valiosa para a
catequese e a mistagogia” (n. 152d).
O mesmo parágrafo exorta a um “conhecimento detalhado e profundo
do Catecismo da Igreja Católica” (n.
152c), no qual a Liturgia ocupa um papel importante, como veremos no cap. VI.
[Atualização: Para acessar a sexta parte da pesquisa, com a análise dos capítulos V-VI e o início do capítulo VII, clique aqui]
Notas:
[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese.
Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos
da Igreja, 61.
[2] cf. Mc 3,14:
Jesus chamou os Doze primeiro para “estar com Ele” (formação) e só depois para
“enviá-los a pregar” (missão). Vale recordar que o binômio
“discípulos-missionários” foi destacado no Documento
de Aparecida, fruto da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano
(2007).
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