“Eu sou o Alfa e o
Ômega, diz o Senhor Deus, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que há de vir”
(Ap 1,8).
Dentre os diversos formulários de oração propostos pelo
Missal Romano, encontramos as Missas votivas, celebradas para favorecer a
devoção dos fiéis. Dentre estas Missas, porém, não constam “os mistérios da
vida do Senhor ou da bem-aventurada Virgem Maria (...), pelo fato de sua
celebração estar unida ao ciclo do Ano Litúrgico” (Introdução Geral do Missal Romano, 3ª edição, n. 375) [1].
Assim, não há a “Missa votiva do Natal” ou a “Missa votiva
da Páscoa”. Porém, como veremos, encontramos algumas Missas votivas dos
mistérios do Senhor nos santuários da Terra Santa: são as “Missas votivas do
lugar”.
“Hodie” (Hoje): A Liturgia,
atualização da história da salvação
Segundo o Catecismo da
Igreja Católica, “a Liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos
que nos salvaram: atualiza-os, torna-os presentes” (n. 1104).
Os acontecimentos salvíficos, como a Morte e a Ressurreição
de Cristo, ocorreram “uma vez por todas” (cf.
Hb 7,27; 9,12; 10,10). Porém, “toda vez que” os celebramos, eles se tornam
presentes: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,26).
Não se trata de repetição, como prossegue o Catecismo: “O Mistério Pascal de Cristo
celebra-se, não se repete; as celebrações é que se repetem. Mas em cada uma
delas sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único mistério” (n.
1104).
“Quando a Igreja celebra o mistério de Cristo, há uma
palavra que ritma a sua oração: Hoje!, como um eco da oração que lhe
ensinou o seu Senhor e do chamamento do Espírito Santo” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1165).
Cristo Pantocrator, Senhor do tempo e da história (Basílica do Santo Sepulcro, Jerusalém) |
Mas embora em cada celebração litúrgica todo o mistério da
salvação esteja presente, a Igreja nos propõe, de maneira pedagógica, a celebração
anual dos mistérios do Senhor, transformando assim o chronós (tempo cronológico) em kairós
(tempo favorável, tempo da salvação) [2]:
“A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em
determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino
Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou domingo, celebra a da Ressurreição
do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das
solenidades, unida à memória da sua Paixão. Distribui todo o mistério de Cristo
pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à
expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor” (Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 102).
“Hic” (Aqui): As Missas
votivas nos Santuários da Terra Santa
Após esta introdução, entramos no tema proposto: as Missas
votivas dos Santuários da Terra Santa. Nestes lugares onde aconteceram os
eventos da história da salvação, os peregrinos podem celebrar a “Missa votiva
do lugar”, nas quais o grande eco não é tanto o “hoje” (hodie), mas o “aqui” (hic).
Naturalmente, as comunidades que residem na Terra Santa
seguem o ciclo do Ano Litúrgico, como temos demonstrado aqui no blog. As Missas
votivas do lugar são uma concessão especial para grupos de peregrinos,
considerando o caráter extraordinário de uma visita à Terra Santa.
Cruz sobre o domo da Basílica do Santo Sepulcro |
Podemos encontrar essa dupla dimensão no relato (Itinerarium) da peregrina Etéria (ou
Egéria) que visitou a Terra Santa no final do século IV. Na segunda parte do
relato, ela descreve as celebrações de Jerusalém conforme o ritmo do Ano
Litúrgico, uma vez que permaneceu por bastante tempo na cidade (entre um e três
anos). Porém, na primeira parte, em suas várias viagens, ela fazia uma oração
de acordo com o lugar:
“Era sempre o nosso costume que, onde quer que
conseguíssemos aproximar-nos dos lugares procurados, aí rezássemos, em primeiro
lugar, uma oração, lêssemos em seguida as palavras da Bíblia, disséssemos um
salmo de acordo com a circunstância
e outra oração” [3].
Embora se trate ainda de uma oração privada, temos aqui o
“embrião” das Missas votivas dos diversos santuários da Terra Santa. Estes
tiveram um impulso também no século IV graças a outra peregrina: Santa Helena, mãe
do imperador Constantino.
Outro impulso para a construção de igrejas foi a fundação do
Reino de Jerusalém após a Primeira Cruzada (1099-1291). Nesse período vieram à
Terra Santa os primeiros franciscanos (1217). Dois anos depois, em 1219, o
próprio Francisco de Assis realizaria sua peregrinação (não é certo, porém, que
tenha visitado Jerusalém, que havia caído sob domínio muçulmano em 1187 e só
seria recuperada entre 1229 e 1244).
Cerca de 100 anos depois, quando a região ainda estava sob domínio
muçulmano, foi instituída oficialmente a Custódia Franciscana da Terra Santa,
com a Bula Gratias Agimus do Papa
Clemente VI (1342). Na época a sede da Custódia era no Cenáculo (posteriormente
transferida para a igreja do Santíssimo Salvador, quando o Cenáculo foi tomado
pelos muçulmanos e depois pelos judeus), por isso a referência ao “Monte Sião”
no listel sobre o seu brasão.
Brasão da Custódia |
Desde então, a Custódia tem colaborado com o Patriarcado
Latino de Jerusalém na preservação dos lugares santos e na acolhida dos
peregrinos. Desde sua criação, os franciscanos se empenharam em restaurar
muitos dos santuários destruídos durante as sucessivas guerras que tiveram a
Terra Santa como palco.
Em seu site encontramos os Missais votivos para os diversos
santuários em várias línguas. Algumas Missas recolhem as orações e leituras já
previstas para determinadas solenidades (a Anunciação, o Natal, a Páscoa...), com
pequenos acréscimos, outras são formulários específicos.
Nas próximas semanas vamos apresentar aqui essas Missas
votivas. Cumpre notar, porém, que estes textos não devem ser usados em nossas
celebrações, pois são específicos da Terra Santa, utilizados por especial
concessão [4].
I. Santuários ligados
ao mistério da Encarnação:
2. Belém
II. Santuários
ligados à vida pública de Jesus:
III. Santuários
ligados ao mistério da Paixão:
IV. Santuários
ligados ao mistério da Ressurreição:
“A Terra Santa foi chamada um ‘quinto Evangelho’, porque nela podemos
ver, aliás, tocar a realidade da história que Deus realizou com os homens”
(Papa Bento XVI, Regina Coeli de 17 de maio de 2009).
Cruz de Jerusalém (As pequenas cruzes representam os quatro Evangelhos) |
Notas:
[1] ALDAZÁBAL, José. Instrução
Geral sobre o Missal Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 215.
[2] cf. AUGÉ,
Matias. Ano Litúrgico: É o próprio Cristo
presente na sua Igreja. São Paulo: Paulinas, 2019, pp. 19-55; BERGAMINI,
Augusto. Cristo, festa da Igreja: O ano
litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 42-85.
[3] Peregrinação de
Etéria: Liturgia e catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis: Vozes,
2004, p. 64.
[4] Segundo as orientações apresentadas em todos os Missais,
as Missas votivas do lugar podem ser celebradas em qualquer dia, exceto: no Natal, na Epifania, na
Quarta-feira de Cinzas, nos Domingos da Quaresma, na Semana Santa, no Domingo
de Páscoa, no II Domingo da Páscoa, na Solenidade da Ascensão do Senhor, no
Domingo de Pentecostes, nas Solenidades da Santíssima Trindade e do Corpus Christi e na Comemoração dos
Fiéis Defuntos.
Poderia rezar alguma das missas votivas da terra santa, aqui no brasil, claro com a devida alterção na Eucologia menor?
ResponderExcluirNão. A maioria das Missas votivas da Terra Santa, como indicamos nas respectivas postagens, toma os textos das celebrações do Ano Litúrgico: Natal, Páscoa, Pentecostes...
ExcluirComo indica o n. 375 da Instrução Geral sobre o Missal Romano (33ª edição): "Não podem ser celebradas como votivas as Missas que se referem as mistérios da vida do Senhor (...), pelo fato de a sua celebração estar unida ao círculo do Ano Litúrgico".