terça-feira, 30 de março de 2021

Missas votivas da Terra Santa (10): Santo Sepulcro

Em nossa série sobre as Missas votivas dos Santuários da Terra Santa chegamos àquela que é o coração do Cristianismo: a Basílica do Santo Sepulcro (chamada pelos gregos de “igreja da Ressurreição”, Anástasis), uma das três grandes igrejas da Terra Santa, junto com as Basílicas da Anunciação e da Natividade.

Nesta postagem confluem dois blocos de santuários: aqueles ligados à Paixão do Senhor (sobre os quais já tratamos nas duas últimas postagens) e aqueles ligados à sua Ressurreição. Com efeito, as duas dimensões do Mistério Pascal são inseparáveis, como demonstra sua localização dentro da mesma Basílica.

Aqui, porém, dividiremos a Basílica em “Calvário” e “Sepulcro”, uma vez que possuem Missas votivas distintas. Destas apresentaremos a “oração do lugar”, as indicações de leituras e do prefácio, além de algumas adaptações dignas de nota. Antes, porém, é necessário traçar um breve histórico da Basílica:

Entrada da Basílica do Santo Sepulcro - Jerusalém

No século IV, a mãe do imperador Constantino, Santa Helena, peregrina à Terra Santa e, ajudada pelo Bispo de Jerusalém, São Macário, encontra as supostas relíquias da verdadeira cruz, mandando erigir duas igrejas no local. Estas foram dedicadas em 13 de setembro de 335. Como testemunha a peregrina Etéria, uma igreja foi construída junto ao Calvário, o Martyrium, e outra sobre o Sepulcro, a Anástasis, embora as duas integrassem o mesmo complexo.

No século seguinte as igrejas sofreriam com sucessivos ataques e desastres naturais (terremotos, incêndios), até serem destruídas pelos muçulmanos em 1009. Os cruzados só retomariam o Santo Sepulcro 90 anos depois.

No local foi edificada a atual Basílica, unificando sob uma mesma igreja o Calvário e o Sepulcro, dedicada em 15 de julho de 1149. Na ocasião foi gravada a inscrição: “Este lugar santo foi santificado pelo Sangue de Cristo, por isso a nossa consagração não acrescenta nada a sua santidade”.

Cruz sobre um dos domos da Basílica

Atualmente o Santo Sepulcro, como a Basílica da Natividade, é compartilhado pelas igrejas Católica Romana (representada pelos franciscanos da Custódia), Ortodoxa Bizantina e Ortodoxa Armênia. Alguns lugares são de uso comum, enquanto outros são próprios de uma igreja, como indicaremos na sequência. Também os ortodoxos coptas, etíopes e siríacos possuem altares dentro da Basílica.

III. Santuários ligados ao mistério da Paixão:

2. JERUSALÉM

2e. Basílica do Santo Sepulcro: Calvário

Sobre o local onde a tradição coloca o Calvário existem duas capelas: a da esquerda, sob a responsabilidade dos ortodoxos bizantinos, marca o local onde a cruz teria sido plantada (12ª estação da Via Sacra); a da direita, sob os cuidados dos católicos romanos, seria o local onde a cruz foi colocada no chão para que Jesus fosse pregado (11ª estação da Via Sacra).

Capela ortodoxa do Calvário

Entre as duas capelas há um pequeno altar, também confiado aos católicos, que recorda a presença de Maria junto à cruz (13ª estação da Via Sacra).

Os católicos possuem ainda outra capela ligada à Paixão: a gruta da “Invenção da Santa Cruz”, onde Santa Helena teria descoberto esta preciosa relíquia. O acesso a esta gruta subterrânea encontra-se ao lado da capela principal dos armênios.

Outra gruta digna de nota é a Capela de Adão, abaixo do Calvário, sob responsabilidade dos ortodoxos bizantinos. Segundo a tradição, na Paixão abriu-se uma fenda na terra (Mt 27,51) pela qual o sangue de Cristo escorreu até os ossos de Adão, sepultado sob o Calvário, simbolizando assim a remissão de todo o gênero humano.

Capela ortodoxa de Adão, sob o Calvário
(Note-se a fenda na rocha, protegida por um vidro)

Para os altares católicos associados ao mistério da Paixão são três as Missas votivas do lugar previstas: da Paixão do Senhor, da Santa Cruz e de Nossa Senhora das Dores.

Missa votiva da Paixão do Senhor
Esta Missa, especialmente adequada para a capela do Calvário, consta apenas no Missal votivo em latim (“De Passione Domini nostri Iesu Christi”). Trata-se de uma celebração específica do Santo Sepulcro, sem paralelos no Missal Romano.

Oração do lugar (1ª opção): “Ó Deus, que pela Paixão de Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, destruístes a morte herdada com o antigo pecado por toda a posteridade, concedei que, tornando-nos semelhantes a Ele e portando pela natureza sua imagem de homem terreno, possamos portar pela santificação a imagem de sua graça celeste” (antiga oração da Sexta-feira Santa);

Oração do lugar (2ª opção): “Senhor, Pai santo, que dispusestes que neste sacratíssimo lugar Cristo, vosso Filho, pagasse o preço da nossa salvação, dai-nos viver de tal modo que, associados à sua Paixão, alcancemos a força da sua Ressurreição” (adaptada das Vésperas da sexta-feira da III semana do Saltério);

Capela católica do Calvário

1ª leitura (fora do Tempo Pascal): Is 52,13-15; 53,1-12 (forma breve: Is 52,13-15; 53,11-12) com o Sl 30,2.6.12-17.25 (R: Lc 23,46);
1ª leitura (no Tempo Pascal): Ap 5,6-12 com o Sl 117,5-7.10-15 (R: v. 1);
2ª leitura: Ef 2,13-18 ou Fl 2,5-11 ou Fl 3,8-14 ou Hb 4,11-16; 5,7-9;
Evangelho: Mt 27,33-54 ou Mc 15,22-39 ou Lc 23,33-49;

Evangelho: “Chegaram a este lugar, chamado Gólgota...” (Mt 27,33) / “Quando chegaram a este lugar, chamado Gólgota, aqui crucificaram Jesus...” (Lc 23,33) - Estranhamente para o Evangelho de Marcos não vem indicado o “hic” (aqui);

Prefácio da Paixão I: “O universo inteiro, salvo pela Paixão de vosso Filho neste sacratíssimo lugar, pode proclamar a vossa misericórdia...”.

Missa votiva da Santa Cruz
Este formulário, por sua vez, aparece em todas as línguas (com pequenas diferenças nas leituras, como veremos), sendo especialmente indicado para a Gruta da Invenção da Santa Cruz. Trata-se da respectiva Missa votiva no Missal Romano (De Sancta Cruce), com algumas adaptações.

Oração do lugar: “Ó Deus, que para salvar a todos dispusestes que o vosso Filho aqui morresse na Cruz, a nós que conhecemos na terra este mistério, dai-nos colher no céu os frutos da redenção” (o “aqui” está ausente em português, mas indicado nas demais línguas);

Capela da Santa Cruz (ou de Santa Helena)

Leituras em português:
1ª leitura fora do Tempo Pascal: Zc 12,10-11; 13,7-9 com o Sl 21,8-9.17-18a.19-20.23-24 (R: cf. Mt 26,42);
1ª leitura no Tempo Pascal: At 13,26-33 com o Sl 117,5-7.10-15 (R: v. 1);
2ª leitura: 1Cor 1,18-25 ou Fl 2,5-11;
Evangelho: Mt 27,33-50 ou Mc 15,22-39 ou Lc 23, 33-49;

Leituras em latim: At 21,4-9 / Sl 77,1-2.34-38 (R: v. 7) / Fl 2,5-11 / Jo 3,13-17;
Em italiano a 1ª leitura proposta é Nm 21,4b-9;

Evangelho em português: “Naquele tempo, eles vieram neste lugar chamado Gólgota...” (Mt 27,33); “Depois de aqui o crucificarem, fizeram um sorteio...” (v. 35);
Estranhamente para os Evangelhos de Mc e Lc não vem indicado o “hic” (aqui);

Prefácio da Santa Cruz: “Pusestes aqui no lenho da Cruz a salvação da humanidade...”
(o “aqui” está ausente em português, mas indicado em latim).

Missa votiva de Nossa Senhora das Dores
Por fim, embora ausente em português, este terceiro formulário (De Beata Maria Virgine Perdolente) aparece nas demais línguas, especialmente adequado para o pequeno altar de Nossa Senhora junto ao Calvário. Tomam-se aqui as orações e leituras da respectiva Memória do dia 15 de setembro, com algumas adaptações.

Oração do lugar: “Ó Deus, quando o vosso Filho foi exaltado, quisestes que sua Mãe estivesse aqui de pé junto à cruz, sofrendo com ele. Dai à vossa Igreja, unida a Maria na paixão de Cristo, participar da Ressurreição do Senhor”;

Altar de Nossa Senhora das Dores junto ao Calvário

Leituras: Jt 13,17-20 / Sl 30,2-6.15-16.20 (R: v. 17) / Hb 5,7-9 / Sequência: Stabat Mater (facultativa) / Jo 19,25-27 ou Lc 2,33-35;

Evangelho: “Naquele tempo, aqui perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua Mãe...” (Jo 19,25);

Prefácio da Virgem Maria I: “Na verdade é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, e, na compaixão de Maria, sempre Virgem, neste sacratíssimo lugar, celebrar os vossos louvores...” [1].

Penso (e aqui é a opinião do autor deste blog) que poderiam ter sido indicados também um dos formulários de Maria junto à cruz do Senhor da Coletânea de Missas de Nossa Senhora (nn. 11-13).

IV. Santuários ligados ao mistério da Ressurreição:

1. JERUSALÉM

1a. Basílica do Santo Sepulcro: Sepulcro

Passando agora à segunda dimensão do Mistério Pascal, a Ressurreição do Senhor, nossa atenção volta-se para a Edícula, a pequena capela sob a grande abóbada da Basílica que guarda o local, segundo a tradição, do sepulcro de Jesus. O uso da Edícula é compartilhado por todas as tradições cristãs.

A Edícula, local do sepultamento do Senhor

Contudo, devido a seu espaço reduzido, as celebrações da Ressurreição ocorrem em outros lugares. As grandes celebrações dos católicos romanos ocorrem em um presbitério improvisado diante da Edícula, enquanto os ortodoxos bizantinos detêm o controle sobre o Catholicon, a nave e o altar principais da igreja, sob a pequena abóbada da Basílica, ricamente ornada de mosaicos.

Os franciscanos da Custódia detêm, porém, uma capela a noroeste da Edícula, a Capela da Aparição do Ressuscitado à sua Mãe, que serve também como Capela do Santíssimo Sacramento. Próximo a esta encontra-se ainda o altar católico de Santa Maria Madalena.

Como no caso dos altares associados ao mistério da Paixão, que vimos acima, as Missas votivas do lugar associadas à Ressureição também são três: da Ressurreição do Senhor, de Santa Maria Madalena e da Aparição do Ressuscitado à sua Mãe.

O mosaico da abóbada sobre o Catholicon

Missa votiva da Ressurreição do Senhor
Este formulário, presente em todos os Missais votivos, celebra o “mistério titular” da Basílica: a Ressurreição do Senhor. Aqui se tomam os textos do Domingo de Páscoa, com algumas adaptações:

Oração do lugar: “Ó Deus, que neste lugar, por vosso Filho Unigênito, Vencedor da morte, abristes para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova” (o Missal em português traz erroneamente o “hoje” do Domingo de Páscoa, ao invés do “neste lugar” indicado nas demais línguas);

1ª leitura: At 10,34a.37-43 com o Sl 117,1-2.16-17.22-23 (R: v. 24);
2ª leitura: Cl 3,1-4 ou 1Cor 5,6b-8 ou Rm 6,3-11 ou 1Pd 1,3-9;
Sequência: Victimae paschali laudes (facultativa);
Evangelho: Mt 27,57-61; 28,1-10 ou Mc 16,1-8 ou Lc 24,1-12 ou Jo 19,38-20,9;
(As duas últimas opções de 2ª leitura - respectivamente a epístola da Vigília Pascal e do II Domingo da Páscoa do ano A - aparecem apenas em português);

A Edícula

Evangelho: “Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria vieram ver este sepulcro” (Mt 28,1) / “E bem cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, elas vieram ao túmulo” (Mc 16,2) / “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres vieram a este túmulo, trazendo os perfumes...” (Lc 24,1) / “No primeiro dia da semana, Maria Madalena veio a este túmulo, bem de madrugada...” (Jo 20,1) - As referência em negrito estão ausentes no Missal votivo em português, mas aparecem nas demais línguas;

Prefácio da Páscoa I: “Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, mas sobretudo neste sacratíssimo lugar, em que Cristo, nossa Páscoa foi imolado”.

Ícones de Cristo e dos Apóstolos sobre a entrada da Edícula

Missa votiva de Santa Maria Madalena
Este formulário, especialmente adequado para o respectivo altar, consta apenas nos Missais votivos em italiano, espanhol, inglês e francês. Trata-se basicamente da Missa da festa de Santa Maria Madalena, no dia 22 de julho, com o Prefácio da Páscoa I como acima (uma vez que o Prefácio próprio de Santa Maria Madalena é bastante recente).

Antífona de entrada:Aqui o Senhor disse a Maria Madalena: Vai a meus irmãos...” (Jo 20,17);

Oração do lugar: “Ó Deus, aqui o vosso Filho confiou a Maria Madalena o primeiro anúncio da alegria pascal; dai-nos, por suas preces e a seu exemplo, anunciar também que o Cristo vive e contemplá-lo na glória de seu Reino”;

Leituras: Ct 3,1-4a ou 2Cor 5,14-17 / Sl 62,2-6.8-9 (R: v. 2b) / Jo 20,1-2.11-18;

Evangelho: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena veio a este túmulo, bem de madrugada...” (Jo 20,1).

Altar de Santa Maria Madalena

Missa votiva da Aparição do Ressuscitado à sua Mãe
Por fim, temos a Missa da Aparição do Ressuscitado à sua Mãe, especialmente adequada para a respectiva capela, que consta apenas nos Missais votivos em italiano e francês. Trata-se do formulário n. 15 da Coletânea de Missas de Nossa Senhora (Maria na Ressurreição do Senhor), incluindo o seu prefácio próprio.

Oração do lugar: “Ó Deus, que aqui vos dignastes alegrar o mundo com a ressurreição do vosso Filho, concedei-nos, por sua Mãe, a Virgem Maria, alcançar as alegrias da vida eterna”;

Leituras: Ap 21,1-5a / Is 61,10-11; 62,2-3 (R: Aleluia, aleluia, aleluia) / Mt 28,1-10;

Evangelho: “Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria vieram ver este sepulcro” (Mt 28,1).

Capela da Aparição de Jesus à sua Mãe

[1] O termo em latim usado aqui é “transfixione”, que significa “atravessar”, em referência à profecia de Simeão (Lc 22,35). Aqui traduzimos junto com o italiano por “compaixão” (“compassione”), indicando que Maria sofre junto com Cristo (compaixão vem de “cum patior”, sofrer junto).

Imagens: Wikimedia Commons

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