Na postagem anterior da nossa série sobre as Missas votivas dos Santuários da Terra Santa, confluíram na Basílica do Santo Sepulcro dois grupos de igrejas: aquelas ligadas
à Paixão do Senhor e aquelas ligadas à sua Ressurreição.
Nesta postagem gostaríamos de dar continuidade a esta
proposta apresentando os demais santuários ligados ao mistério da Ressurreição do Senhor: o Cenáculo e Emaús, além de alguns outros
santuários que não possuem Missas próprias.
Dessas Missas, como de costume, apresentaremos a “oração do
lugar”, as indicações de leituras e do prefácio, além de algumas adaptações
dignas de nota.
1. JERUSALÉM
1b. Cenáculo / Igreja do Santíssimo Salvador
Ainda em Jerusalém, após falar da Basílica do Santo Sepulcro, nosso olhar se volta para o Cenáculo (em latim Coenaculum, “lugar da Ceia”). Este local está associado a quatro
eventos do Evangelho: a Última Ceia (Mt 26,17-35 e paralelos), o encontro do
Ressuscitado com os Apóstolos (Jo 20,19-28), a oração destes com Maria entre a
Ascensão e o Pentecostes (At 1,12-14) e a efusão do Espírito Santo (At 2,1-11).
A “sala superior” da casa (Mc 14,15) tornou-se logo um lugar
de reunião da Igreja nascente. No século IV foi construída junto ao Cenáculo
uma grande igreja, chamada de “Santa Sião”, em referência ao local, o monte
Sião. A igreja foi destruída e reconstruída sucessivas vezes ao longo dos
séculos, mas a “sala superior” sobreviveu.
O Cenáculo em Jerusalém |
No século XII, durante as Cruzadas, começou a difundir-se a
ideia de que a “sala inferior”, sob o Cenáculo, era o local da tumba do rei
Davi (talvez por um erro de interpretação do discurso de Pedro em At 2,29). Foi
então colocado no local um cenotáfio, isto é, um túmulo memorial, que está
vazio. Esta localização é inverossímil, dado que no tempo de Jesus o local era
uma casa.
Como vimos na primeira postagem desta série, quando a
Custódia Franciscana da Terra Santa foi instituída em 1342, sua sede era
justamente no Cenáculo. Porém, em 1552 os muçulmanos expulsaram os franciscanos
do local e o transformaram em uma mesquita. Posteriormente o Cenáculo passou ao
controle dos judeus, uma vez que a tradição que identificava o local como a
tumba de Davi havia se espalhado.
Assim, com a proibição de celebrar Missas no local, que se
mantém até hoje [1], a sede da Custódia foi transferida para a igreja do
Santíssimo Salvador, próxima ao Santo Sepulcro, construída em 1559 e ampliada
em 1885.
Altar da igreja do Santíssimo Salvador - Jerusalém |
Em 1936, porém, a Custódia consegue adquirir um terreno no
monte Sião, onde constrói o convento de São Francesco ad Coenaculum, conhecido como o “Cenacolino”, o pequeno Cenáculo. Guarnecido de um belo jardim, este convento possui duas capelas, uma dedicada à Eucaristia e outra ao
Espírito Santo.
Assim, as Missas votivas do lugar que seriam celebradas no
Cenáculo (hoje uma sala vazia) podem ser celebradas tanto na igreja do
Santíssimo Salvador quanto no citado convento de São Francisco. Os formulários
previstos pelo Missal votivo (divulgado no site da Custódia apenas em latim)
dizem respeito aos três grandes mistérios: a Eucaristia, a Ressurreição e o
Pentecostes.
Missa votiva da
Santíssima Eucaristia
Este formulário toma as leituras e orações (incluindo o
Prefácio da Santíssima Eucaristia I) da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue
de Cristo (Corpus Christi), com
algumas adaptações. Falta, porém, a sequência Lauda Sion.
Oração do lugar:
“Senhor Jesus Cristo, neste admirável sacramento nos deixastes o memorial da
vossa Paixão. Dai-nos venerar com tão grande amor o mistério do vosso Corpo e do
vosso Sangue, que possamos colher continuamente os frutos da vossa redenção”;
Leituras: Dt 8,2-3.14-16
/ Sl 147,12-15.19-20 (R: v. 12) / 1Cor 11,23-26 / Mc 14,12-16.22-26 ou Jo 13,1-15.
Missa votiva da
Ressurreição do Senhor
Missa indicada já para a Basílica do Santo Sepulcro, aqui se
tomam basicamente os textos do Domingo de Páscoa (incluindo o Prefácio da
Páscoa I).
Oração do lugar: “Ó
Deus, que por vosso Filho Unigênito, Vencedor da morte, abristes para nós as
portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor,
renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova” (coleta do Domingo de Páscoa, omitido o
“hoje”);
Leituras: At 10,34a.37-43
/ Sl 117,1-2.16-17.22-23 (R: v. 24) / Cl 3,1-4 ou 1Cor 5,6b-8 / Sequência:
Victimae paschali laudes
(facultativa) / Jo 20,1-9 ou Mt 28,1-10
ou Mc 16,1-8 ou Lc 24,1-12 ou (à tarde),
Lc 24,13-35.
Missa votiva do
Espírito Santo
Por fim, propõe-se aqui este formulário, adaptado da
Solenidade de Pentecostes (incluindo o Prefácio próprio, omitido o “hoje”). Falta, porém, a sequência Veni, Sancte Spiritus.
Oração do lugar: “Ó
Deus, que santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações,
derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai
agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do
Evangelho” (coleta do Pentecostes,
omitida a frase “pelo mistério da festa de hoje”);
Leituras: At 2,1-11
/ Sl 103,1-2.24.27-30 (R: v. 30) / 1Cor 12,3b-7.12-13 ou Gl 5,16-25 / Jo 14,15-26 ou
Jo 20,19-23.
Capela do Espírito Santo - "Cenacolino" |
2. "EMAÚS"
2a. El Qubeibeh: Santuário da Manifestação
do Senhor
2b. Abu Gosh: Abadia da
Ressurreição
O Evangelho de Lucas narra o encontro do Ressuscitado, na
tarde da Páscoa, com dois discípulos a caminho de Emaús, um povoado a cerca de
11 quilômetros de Jerusalém (Lc 24, 13-35).
Duas são as cidades que poderiam corresponder à Emaús
bíblica: El-Qubeibeh, a noroeste de Jerusalém, ou Abu Ghosh, a oeste da cidade.
Primeiramente os cruzados construíram a igreja da
Ressurreição de Abu Ghosh, em 1140, a qual se conserva até hoje (com afrescos
do século XII infelizmente deteriorados). Em 1899 foi confiada aos beneditinos
franceses, que ali constituíram uma abadia (Abadia de Santa Maria da
Ressurreição).
Abadia da Ressurreição - Abu Gosh |
A igreja de São Cléofas em El-Qubeibeh, ou Santuário da Manifestação do Senhor, por sua vez, foi
construída em 1280. Após permanecer em ruínas por alguns séculos, em 1861 por
adquirida pela marquesa francesa Pauline de Nicolay, que a doou para a Custódia
da Terra Santa. Os franciscanos realizaram escavações arqueológicas e
edificaram a nova igreja em 1902.
Atualmente em ambas as igrejas é possível celebrar as duas
Missas votivas do lugar: da manifestação do Senhor em Emaús e dos Santos
Cléofas e Simeão.
Missa votiva da
manifestação do Senhor em Emaús
Este é o formulário do “mistério titular” de Emaús: a
manifestação do Senhor aos discípulos (“De
commemoratione manifestationis Domini ad castellum Emmaus”). Esta Missa
possui orações próprias (tomando do Missal Romano o Prefácio da Páscoa I), com
as leituras do III Domingo da Páscoa do ano A (quando se lê o relato de Emaús).
Oração do lugar:
“Deus de misericórdia, para confirmar nos discípulos do vosso Filho a certeza
da ressurreição, quisestes que Ele aparecesse no caminho a Cléofas e seu
companheiro, e que fosse aqui
reconhecido por eles, ao partir o pão. Iluminai as nossas mentes e abri nos
nossos corações, para que, possamos caminhar sem obstáculos pela estrada dos
vossos mandamentos, e, alcançar a felicidade eterna enquanto professamos com fé
sincera o mistério de sua ressurreição”;
Leituras: At
2,14.22-33 / Sl 15,1-2.5.7-11 (R: v. 11) / 1Pd 1,17-21 / Sequência: Victimae paschali laudes (facultativa) /
Lc 24,13-35;
Evangelho:
“Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus vinham
para este povoado, chamado Emaús...”
(Lc 24,13); “Quando aqui se sentou à
mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía” (v. 30).
Missa votiva dos
Santos Cléofas e Simeão, Mártires
Como vimos em nossa postagem sobre os santos do Novo Testamento, a Igreja comemora os discípulos de Emaús no dia 25 de setembro. A
Escritura nos dá apenas o nome de Cléofas, enquanto a tradição identifica o segundo discípulo
como Simeão, seu filho, que posteriormente teria sido Bispo de Jerusalém. Ambos
são venerados como mártires (“Sanctorum
Simeonis et Cleophae, Martyrum”).
Sua celebração possui textos próprios
(com o Prefácio da Páscoa I, como acima), indicados a seguir:
Antífona de entrada:
“Jesus entrou para ficar com eles. Quando aqui
se sentou à mesa, seus olhos se abriram e eles o reconheceram” (cf. Lc 24,30-31);
Oração do lugar: “Deus
de misericórdia e fonte de toda consolação, cujo Filho, Jesus Cristo, no mesmo
dia da sua ressurreição, explicou todas as Escrituras que se referiam a Ele aos
discípulos Cléofas e Simeão, conversando pelo caminho, e manifestou-se a eles
na fração do pão, concedei-nos, por sua intercessão, que, iluminados por Vós,
proclamemos a força do Senhor Ressuscitado e caminhemos por uma vida nova”;
Leituras: Sb 6,12-16
/ Sl 62,2-8 (R: v. 2b) / At 5,27b-32.40-41 / Lc 24,13-35 (como acima).
OUTROS SANTUÁRIOS
Por fim, cabe mencionar aqui outros lugares que não possuem
Missas votivas próprias: um associado ainda ao mistério da Ressurreição e
outros dois ligados à Virgem Maria. Os três, porém, encontram-se na cidade de Jerusalém.
Edícula da Ascensão (Imbomon)
Junto à igreja do Eleona, no Monte das Oliveiras, a
peregrina Etéria, no século IV, menciona o Imbomon
(“na colina”, em grego), uma igreja redonda com uma abertura para o céu que
marcaria o local da Ascensão (At 1,6-12).
Destruída pelos persas em 614, a igreja foi reconstruída em
formato octogonal pelos cruzados no século XII, dento de uma construção
fortificada, dada a posição estratégica do local junto à estrada que dava
acesso a Jerusalém.
Após a queda do reino cristão, os muçulmanos converteram o
complexo em mesquita, porém mantiveram a Edícula (apenas tapando sua abertura
para o céu). Atualmente os cristãos têm permissão para celebrar no local uma vez
ao ano, na Solenidade da Ascensão do Senhor.
Santa Ana
A igreja de Santa Ana, próxima a Piscina de Betesda, foi
construída no século V no local onde, segundo a tradição, ficava a casa dos
pais da Virgem Maria, que a tradição denomina Joaquim e Ana. A data da
dedicação desta igreja foi a escolhida para a celebração da Natividade de
Maria (08 de setembro).
Igreja de Santa Ana - Jerusalém |
A primitiva igreja foi destruída pelos persas em 614 e
reconstruída entre 1131 e 1138, sob o patrocínio da rainha Melisenda de
Jerusalém. Após a queda do reino cristão de Jerusalém em 1187, foi transformada
em uma escola islâmica, até ser eventualmente abandonada. Entre 1856 e 1878 foi
restaurada pelo governo francês e confiada aos cuidados da Congregação dos
Missionários da África, os “Padres Brancos”.
Embora esta igreja não possua uma Missa votiva do lugar, nos
dias em que essas Missas são permitidas, o sacerdote poderia tomar um dos
formulários da Coletânea de Missas de Nossa Senhora.
Dormição / Tumba de
Maria
Existem duas tradições sobre o local da morte e da assunção
aos céus de Maria: o Monte das Oliveiras e o Monte Sião.
No Monte das Oliveiras, junto à Gruta dos Apóstolos,
encontra-se a igreja da Tumba de Maria, sob os cuidados dos ortodoxos
bizantinos e armênios (que a tomaram dos franciscanos em 1757). O suposto
túmulo encontra-se em uma caverna subterrânea, cujo acesso se dá por uma escada
que remonta ao século XII.
A histórica escada que dá acesso à Tumba de Maria |
No Monte Sião, por sua vez, ao lado do Cenáculo, encontra-se
a Abadia da Dormição, sob a responsabilidade dos beneditinos. O último
imperador da Alemanha, Guilherme II, comprou o terreno em 1898. A atual abadia
foi construída entre 1900 e 1910.
Abadia da Dormição - Jerusalém |
Abadia da Dormição: igreja superior |
A igreja, em formato circular, possui dois níveis: o nível
superior, com a capela principal e vários altares laterais; e o nível inferior,
com uma grande imagem da Virgem Maria morta, sob um mosaico representando seis
mulheres do Antigo Testamento ao redor de Cristo: Eva (Gn), Míriam (Ex), Jael (Jz), Judite (Jt), Rute (Rt) e Ester (Est).
Abadia da Dormição: igreja inferior (imagem de Maria morta) |
Cristo e as mulheres do Antigo Testamento |
O que dissemos da igreja de Santa Ana vale também aqui: nos dias em
que as Missas votivas são permitidas, o sacerdote poderia tomar um dos
formulários da Coletânea de Missas de Nossa Senhora. Por sua proximidade com o Cenáculo, são especialmente
indicados os formulários nn. 17-18 (Maria no Cenáculo e Rainha dos Apóstolos)
ou 25-27 (Maria, Mãe da Igreja).
A Virgem Maria e os Apóstolos |
[1] Os franciscanos podem rezar as Vésperas no Cenáculo apenas
dois dias por ano: na Quinta-feira Santa e no Domingo de Pentecostes. Até onde
sabemos apenas duas vezes foi permitido celebrar Missas no local: na visita do
Papa João Paulo II durante o Grande Jubileu do ano 2000 e na visita do Papa
Francisco em 2014. O Papa Bento XVI, quando visitou o Cenáculo em 2009,
limitou-se a rezar o Regina Coeli. O
Papa Paulo VI, em 1964, visitou o local de forma privada.
Imagens: Wikimedia Commons
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