terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Missas votivas da Terra Santa (5): Cafarnaum e Tabgha

Na postagem anterior da nossa série sobre as Missas votivas dos Santuários da Terra Santa começamos a apresentar as “Missas votivas do lugar” ligadas à vida pública de Jesus.

Iniciamos, naturalmente, por aqueles santuários que marcam o início do seu ministério: Jericó e Caná. Aqui daremos continuidade à nossa proposta com Cafarnaum e Tabgha, além do Monte das Bem-aventuranças, que fica entre as duas localidades.

Vale recordar que apresentaremos a “oração do lugar”, as indicações de leituras e prefácio de cada celebração, além de algumas adaptações mais dignas de nota.

3. CAFARNAUM

3a. Santuário da promessa da Eucaristia (“Memorial de Pedro”)

Os três Evangelhos Sinóticos atestam a presença de Jesus em Cafarnaum (Mt 4,12-17; Mc 1,21; Lc 4,31). Como recorda o site da Custódia Franciscana da Terra Santa, daquela região o Mestre chamou seus primeiros discípulos; ali realizou diversos milagres (Mt 8–9 e paralelos); o “discurso do pão da vida” foi proferido na sinagoga da cidade (Jo 6,24-59).

É justamente deste último evento que a igreja toma seu nome: “Santuário da promessa da Eucaristia”, pois se encontra justamente ao lado das ruínas da antiga sinagoga.

Vista aérea do Santuário e das ruínas da sinagoga

Porém, a igreja é mais conhecida como “Memorial de Pedro”, dado que teria sido edificada sobre as ruínas de sua casa. Após a cura de sua sogra (Mt 8,14-17 e paral.), Pedro deve ter acolhido Jesus muitas vezes em sua casa, transformando-a posteriormente em um local de culto para a Igreja nascente.

O terreno de Cafarnaum foi adquirido pela Custódia, não sem dificuldades, em 1894. Logo começaram as escavações arqueológicas: os restos do que seria a casa de Pedro ("Domus Petri", em latim) foram descobertos entre 1968 e 1986.

A atual igreja foi construída em 1990, elevada sobre as ruínas, com piso e paredes de vidro para que essas possam ser apreciadas. O Memorial de Pedro tem a forma octogonal, replicando o formato de uma igreja do período bizantino cujos restos foram descobertos em volta da primitiva “Domus Petri”.

De tudo que foi dito, é natural que as três Missas votivas propostas para este Santuário sejam: da Santíssima Eucaristia, de São Pedro e dos Santos Apóstolos.

Missa votiva da Santíssima Eucaristia
Este formulário toma algumas leituras e orações da Missa votiva da Santíssima Eucaristia presente no Missal Romano (incluindo o Prefácio da Santíssima Eucaristia I) e acrescenta outros textos próprios:

Antífona de entrada (2ª opção): “Assim falou Jesus, ensinando nesta sinagoga de Cafarnaum: O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,59.33) - Ausente no Missal em português, mas proposta em latim;

Oração do lugar: “Ó Deus, fonte de todo bem, que quisestes que vosso Filho Unigênito se fizesse homem, para ser nosso alimento e nossa esperança, fazei que sejamos atraídos por Ele, para que participando de sua mesa com fé firme e sincera caridade, possamos receber no fim da nossa caminhada o prêmio da ressurreição e da vida eterna”;

Interior do Santuário de Cafarnaum (Domus Petri)

Leituras fora do Tempo Pascal: Ex 16,2-4.12-15 com o Sl 77,3-4.7.23-25.54 (R: v. 24) ou Pr 9,1-6 com o Sl 147,12-15.19-20 (R: Jo 6,58) - A leitura de Pr com o seu salmo não consta em português, apenas em latim / 1Cor 11,23-26 / Jo 6,24-59 (forma breve: Jo 6,51-59);

Leituras no Tempo Pascal: Ex 24,3-11 com o Sl 115,12-13.15-18 (R: 1Cor 10,16) / 2ª leitura e Evangelho como acima;

Evangelho: “Tal foi o ensinamento de Jesus aqui na sinagoga de Cafarnaum” (Jo 6,59).

Missa votiva de São Pedro, Apóstolo
Sobre a “Domus Petri” não poderia faltar a Missa votiva de São Pedro. As orações são tomadas do respectivo formulário no Missal Romano, com o Prefácio dos Apóstolos I. As leituras, por sua vez, têm duas fontes: a Festa da Cátedra de São Pedro (2ª leitura e Evangelho) e o Comum dos Pastores (1ª leitura e salmo).

Oração do lugar: “Ó Deus, que confiastes ao Apóstolo São Pedro as chaves do reino dos céus e lhe conferistes o poder de ligar e desligar, libertai-nos por sua intercessão das cadeias dos nossos pecados”;

Leituras: Ez 37,21-28 / Sl 88,2.5.21-22.25.27 (R: v. 2) / 1Pd 5,1-4 / Mt 16,13-19.

Estátua de São Pedro na parte externa do Santuário

Missa votiva dos Santos Apóstolos
Na região de Cafarnaum, junto ao Mar da Galileia, foram chamados os primeiros discípulos. Assim, propõe-se a Missa votiva de Todos os Santos Apóstolos. Embora ausente no Missal em português divulgado no site da Custódia, encontra-se na “forma típica”, isto é, no Missal em latim.

Assim como a anterior, de sua equivalente no Missal Romano são tomadas algumas orações e leituras, enquanto outras são acrescentadas:

Oração do lugar: “Ó Deus, que a vossa Igreja exulte sempre no constante louvor aos santos Apóstolos, para que, sustentada por sua doutrina e intercessão, seja por eles governada”;

Leituras: Eclo 44,19-23 (fora do Tempo Pascal) ou At 2,42-47 (no Tempo Pascal) / Sl 18,2-5 (R: v. 5a) / Ef 2,19-22 ou Ef 4, 11-16 / Lc 6,12-19;

Prefácio: O Missal em latim traz apenas o Prefácio dos Apóstolos I, enquanto os Missais em outras línguas propõem também o II. Cumpre notar que nesta Missa convém tomar a Oração Eucarística I, que menciona os doze Apóstolos.

4. MONTE DAS BEM-AVENTURANÇAS

4a. Santuário do Sermão da Montanha

Entre Cafarnaum e Tabgha fica o chamado “Monte das Bem-aventuranças”, que a tradição identifica como o local do célebre Sermão da Montanha (Mt 5–7), que começa justamente com o anúncio das bem-aventuranças (Mt 5,3-12).

Na base do morro encontram-se ruínas de uma pequena igreja do século IV, escavadas em 1936. No topo está a nova igreja, construída em 1938, em formato octogonal, lembrando as oito bem-aventuranças (inscritas em latim nas janelas da cúpula).

Santuário do Sermão da Montanha

Missa votiva do ensino das bem-aventuranças
A única Missa votiva do lugar prevista para este santuário celebra justamente seu mistério titular: o Senhor que ensina as bem-aventuranças (“De Domino, docente Beatitudines”).

Esta é uma Missa específica, embora adapte algumas orações do Missal Romano (com o Prefácio dos Domingos do Tempo Comum I) e leituras do IV Domingo do Tempo Comum do ano A, quando se lê o Evangelho das bem-aventuranças.

Antífona de entrada (1ª opção): “Jesus viu as multidões, subiu a esta montanha e sentou-se. Os discípulos se aproximaram, e Jesus começou a ensiná-los” (Mt 5,1-2). A 2ª opção de antífona é o Sl 111,1-2;

Oração do lugar (1ª opção): “Ó Pai, que por meio do vosso Filho aqui ensinastes as bem-aventuranças aos discípulos e às multidões, concedei ao vosso povo amar o que mandais e desejar o que prometeis, para que em meio às coisas que passam, os nossos corações permaneçam voltados à felicidade eterna” (inspirada na coleta do XXI Domingo do Tempo Comum);

Oração do lugar (2ª opção): “Deus eterno e todo-poderoso, que por meio do vosso Filho Jesus Cristo sobre este monte nos ensinastes a lei do Evangelho, concedei-nos caminhar com firmeza no caminho dos vossos mandamentos e alcançar a felicidade eterna” (inspirada na coleta do XXV Domingo Comum. A expressão “felicidade eterna”, porém, seria aqui melhor traduzida como “bem-aventurança eterna”, “aetérnam beatitúdinem”);

Leituras: Sf 2,3; 3,12-13 / Sl 145,6-10 (R: Mt 5,3) / 1Cor 1,26-31 ou Fl 4,4-7 / Mt 5,1-12a.

Altar do Santuário do Sermão da Montanha

5. TABGHA

Na localidade de Tabgha (cujo nome deriva do grego Heptapegon, “sete fontes”), junto ao Mar da Galileia, ao sul de Cafarnaum, encontramos duas igrejas: o Santuário do primado de Pedro e a igreja da Multiplicação dos pães.

5a. Santuário do Primado de Pedro

O Santuário do Primado de Pedro marca o local onde teriam ocorrido, segundo a tradição, os eventos do epílogo do Evangelho de João (Jo 21): a segunda pesca milagrosa, a refeição do Ressuscitado com os Apóstolos e o diálogo de Jesus com Pedro: “Simão, tu me amas? (...) Apascenta as minhas ovelhas” [1].

O atual santuário foi construído em 1933, junto às fundações de uma igreja do século IV, destruída em 1263. Ambos foram edificados em torno de uma grande pedra calcária conhecida como a “mensa Christi”, identificada como a pedra sobre a qual Jesus acendeu brasas e comeu pão e peixes com os Apóstolos (Jo 21,9-13).

Santuário do Primado de Pedro - Tabgha

Junto ao santuário há altares em honra dos Papas São Paulo VI e São João Paulo II, os dois Sucessores de Pedro que visitaram o local (respectivamente em 1964 e 2000).

Para esse santuário são propostas três Missas votivas do lugar: do primado de Pedro, dos Santos Apóstolos e da multiplicação dos pães.

Missa votiva do primado de Pedro
Como de costume nas Missas votivas do lugar, consta primeiramente o formulário do mistério titular da igreja: o primado de Pedro (“De primatu Sancti Petri”). Aqui se toma tudo da Missa votiva de São Pedro, como vimos acima para o Santuário de Cafarnaum, exceto o que segue:

Oração do lugar: O Missal votivo em português menciona erroneamente um “aqui”, ausente em latim e nas outras línguas: “Ó Deus, que aqui confiastes ao Apóstolo São Pedro as chaves do reino dos céus...”, dado que o episódio propriamente dito da “entrega das chaves” aconteceu em outro lugar [2];

"Apascenta as minhas ovelhas"

Leituras: Como na Missa votiva de São Pedro, exceto o Evangelho: Jo 21,1-19 (no Missal em latim há uma perícope mais longa: Jo 21,1-24) ou Lc 5,1-11.

Evangelhos: “Naquele tempo, Jesus apareceu de novo neste lugar aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades...” (Jo 21,1); “Logo que pisaram aqui a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão” (v. 9) / “Naquele tempo, Jesus estava aqui na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus” (Lc 5,1).

Missa votiva dos Santos Apóstolos
Segundo o Quarto Evangelho, sete dos então onze Apóstolos estavam presentes no encontro com o Ressuscitado junto ao mar (Jo 21,2). Embora ausente no Missal votivo em português, os Missais nas demais línguas propõem para o santuário de Tabgha a Missa votiva dos Santos Apóstolos, sobre a qual já falamos acima.

Missa votiva da multiplicação dos pães e dos peixes
Existe outra igreja em Tabgha que comemora especificamente o episódio da multiplicação dos pães, mas, como veremos a seguir, ela não pertence à Custódia. Assim, para o Santuário do Primado também está prevista a Missa votiva da multiplicação dos pães e dos peixes (“De commeratione multiplicationis panum et piscium”), acontecimento descrito nos quatro Evangelhos .

Como a anterior, esta também não consta no Missal votivo em português; sendo um formulário específico do lugar, recorreremos mais uma vez ao texto em latim.

As orações foram adaptadas da Missa em tempo de fome ou pelos que passam fome (formulário n. 38 das Missas para diversas necessidades), com o Prefácio dos Domingos do Tempo Comum V. As leituras, por sua vez, são adaptadas em parte do XVIII Domingo do Tempo Comum do ano A, quando se lê o relato mateano da multiplicação dos pães.

Interior do Santuário, com a rocha da "Mensa Christi"

Oração do lugar: “Deus de bondade e poder, que velais sobre todas as criaturas, e por vosso Filho saciastes, pela multiplicação dos pães e dos peixes, a multidão que o seguia, dai-nos um amor eficaz para com nossos irmãos e irmãs que padecem necessidades, para que, com liberdade, vos possam servir de coração tranquilo”;

Leituras: Is 55,1-3 / Sl 144,8-9.15-18 (R: v. 16) / 1Jo 3,14-18 ou Tg 2,14-17 / Mt 14,13-21 ou Jo 6,1-15.

5b. Igreja da Multiplicação dos Pães

Como afirmamos acima, a igreja da Multiplicação dos Pães, em Tabgha, não pertence aos franciscanos, mas sim aos beneditinos, construída em 1984 sobre as ruínas de duas igrejas mais antigas: a primeira, menor, de meados do século IV (da qual uma pedra é visível sob o altar) e a segunda, uma ampliação da anterior, do século V, destruída pelos persas em 614.

Igreja da multiplicação dos pães - Tabgha

Da igreja do século V são os mosaicos no piso. A maioria retrata aves e plantas, mas o mais célebre, diante do altar, traz o cesto de pães e os dois peixes do relato evangélico (Mt 14,17 e paralelos).

Como não pertence à Custódia, a igreja não possui uma Missa votiva do lugar. Porém, um sacerdote que for celebrar a Missa com um grupo de peregrinos nesta igreja poderia tomar a Missa votiva da Santíssima Eucaristia indicada no Missal Romano.

Altar da igreja (sobre a rocha do séc. IV e junto aos mosaicos do séc. V)

Notas:
[1] Embora este santuário comemore um evento pós-pascal, o indicamos nesta postagem, dentre aqueles ligados à vida pública de Jesus, por um critério geográfico. Além disso, um dos Evangelhos previstos para a Missa votiva do lugar traz um evento pré-pascal que também teria ocorrido nesta região: a primeira pesca milagrosa.
[2] O episódio da “entrega das chaves” (Mt 16,13-20) teria ocorrido, segundo o Evangelho, na região de Cesareia de Filipe, bem mais ao norte, na localidade de Banias (do grego Paneas, uma vez que lá havia um templo ao deus  Pã), junto ao monte Hermon, nas nascentes do rio Jordão. Atualmente a região é um sítio arqueológico, sendo praticamente desabitada.

Imagens: Wikimedia Commons

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