domingo, 7 de janeiro de 2024

Homilia do Papa Bento XVI: Batismo do Senhor (2012)

No contexto da Festa do Batismo do Senhor, reproduzimos as duas meditações proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 08 de janeiro de 2012: a Homilia na Missa com o Batismo de algumas crianças e a meditação durante a oração do Ângelus.

Festa do Batismo do Senhor
Santa Missa e Batismo de algumas crianças
Homilia do Papa Bento XVI
Capela Sistina
Domingo, 08 de janeiro de 2012

Amados irmãos e irmãs,
É sempre uma alegria celebrar esta Santa Missa com os Batismos das crianças, na Festa do Batismo do Senhor. Saúdo todos vós com afeto, queridos pais, padrinhos, madrinhas e todos vós, familiares e amigos! Viestes - disseste-lo em voz alta - para que os vossos recém-nascidos recebam o dom da graça de Deus, a semente da vida eterna. Vós, pais, quisestes isto. Pensastes no Batismo ainda antes que o vosso filho ou a vossa filha nascesse. A vossa responsabilidade de pais cristãos levou-vos a pensar imediatamente no Sacramento que marca o ingresso na vida divina, na comunidade da sua Igreja. Podemos dizer que esta foi a vossa primeira escolha educativa como testemunhas da fé em relação aos vossos filhos: a escolha é fundamental!


A tarefa dos pais, ajudados pelo padrinho e pela madrinha, consiste em educar o filho ou a filha. Educar é algo muito exigente, às vezes árduo para as nossas capacidades humanas, sempre limitadas. Mas educar torna-se uma missão maravilhosa, se for levada a cabo em colaboração com Deus, que é o primeiro e autêntico educador de cada homem.

Na 1ª Leitura que ouvimos, tirada do Livro do Profeta Isaías (Is 55,1-11), Deus dirige-se ao seu povo precisamente como um educador. Chama a atenção dos israelitas para o perigo de procurar saciar a sede e a fome nas fontes erradas: «Por que gastar o vosso dinheiro naquilo que não alimenta, e o produto do vosso trabalho naquilo que não sacia?» (v. 2). Deus quer oferecer-nos coisas boas para beber e para comer, coisas que nos fazem bem; enquanto às vezes utilizamos erroneamente os nossos recursos, usamo-los para coisas que não servem, aliás, que são até nocivas. Deus quer oferecer-nos sobretudo a Si mesmo e a sua Palavra: sabe que, afastando-nos d’Ele, nos encontraremos depressa em dificuldade, como o filho pródigo da parábola, e sobretudo perderemos a nossa dignidade humana. E, por isso, assegura-nos que Ele é misericórdia infinita, que os seus pensamentos e os seus caminhos não são como os nossos - por sorte! - e que podemos voltar sempre para Ele, para a casa do Pai. Depois, garante-nos que se acolhermos a sua Palavra, ela dará bons frutos na nossa vida, como a chuva que irriga a terra (cf. vv. 10-11).

A esta palavra que o Senhor nos dirigiu mediante o profeta Isaías, nós respondemos com o refrão do cântico (Is 12,2-6): «Com alegria beberemos do manancial da salvação» (v. 3). Como pessoas adultas, comprometemo-nos em haurir das fontes boas, para o nosso bem e para o bem daqueles que são confiados à nossa responsabilidade, em particular vós, estimados pais, padrinhos e madrinhas, para o bem destas crianças. E quais são «as fontes da salvação»? São a Palavra de Deus e os Sacramentos. Os adultos são os primeiros que devem alimentar-se nestas fontes, para poder orientar os mais jovens no seu crescimento. Os pais devem dar muito, mas para poder dar, têm necessidade, por sua vez, de receber, caso contrário esvaziam-se, esgotam-se. Os pais não são a fonte, como também nós sacerdotes não constituímos a fonte: somos sobretudo como canais, através dos quais deve passar a linfa vital do amor de Deus. Se nos separássemos da nascente, nós mesmos seríamos os primeiros a ressentir negativamente e já não seríamos capazes de educar os outros. Foi por isso que nos comprometemos, dizendo: «Com alegria beberemos do manancial da salvação».

E passemos agora à 2ª Leitura e ao Evangelho. Eles dizem-nos que a primeira e principal educação tem lugar através do testemunho. O Evangelho (Mc 1,7-11) fala-nos de João Batista. João foi um grande educador dos seus discípulos, porque os conduziu ao encontro com Jesus, de Quem tinha dado testemunho. Não se exaltou a si mesmo, não quis manter os discípulos ligados a si. E, no entanto, João era um grande profeta, e a sua fama era enorme. Quando Jesus chegou, ele retirou-se e indicou-O: «Depois de mim virá alguém mais forte do que eu... Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo» (vv. 7-8). O verdadeiro educador não vincula as pessoas a si mesmo, não é possessivo. Quer que o filho, ou o discípulo, aprenda a conhecer a verdade, e estabeleça com ela uma relação pessoal. O educador cumpre o seu dever até o fim, e não faz faltar a sua presença atenta e fiel; mas a sua finalidade é que o educando ouça a voz da verdade falar ao seu coração, e que a siga em um caminho pessoal.

Voltemos de novo ao testemunho. Na 2ª Leitura (1Jo 5,1-9), o Apóstolo João escreve: «O Espírito é que dá testemunho» (v. 6). Refere-se ao Espírito Santo, o Espírito de Deus, quem dá testemunho de Jesus, atestando que Ele é Cristo, o Filho de Deus. Isto vê-se também na cena do batismo no rio Jordão: o Espírito Santo desce sobre Jesus como uma pomba, para revelar que Ele é o Filho Unigênito do Pai eterno (cf. Mc 1,10). Também no seu Evangelho João sublinha este aspecto, onde Jesus diz aos discípulos: «Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade que procede do Pai, Ele dará testemunho de mim. Também vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio» (Jo 15,26-27). Isto nos é de grande conforto no compromisso de educar para a fé, porque sabemos que não estamos sozinhos, e que o nosso testemunho é sustentado pelo Espírito Santo.

É muito importante para vós, pais, e também para os padrinhos e as madrinhas, acreditar fortemente na presença e na obra do Espírito Santo, invocá-Lo e recebê-Lo em vós, mediante a oração e os Sacramentos. Com efeito, é Ele que ilumina a mente, aquecendo o coração do educador a fim de que saiba transmitir o conhecimento e o amor de Jesus. A oração é a primeira condição para educar, porque quando oramos predispomo-nos a deixar a Deus a iniciativa, a confiar os filhos a Ele, que os conhece antes e melhor do que nós mesmos, e sabe perfeitamente qual é o seu bem verdadeiro. E, ao mesmo tempo, quando rezamos colocamo-nos à escuta das inspirações de Deus para cumprir bem a nossa parte, que nos compete e devemos realizar. Os Sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Reconciliação, permitem-nos cumprir a obra educativa em união com Cristo, em comunhão com Ele e continuamente renovados pelo seu perdão. A oração e os Sacramentos fazem-nos alcançar aquela luz de verdade, graças à qual podemos ser, ao mesmo tempo, ternos e fortes, usar a docilidade e a firmeza, calar e falar no momento justo, repreender e corrigir de maneira correta.

Estimados amigos, invoquemos, portanto, todos juntos o Espírito Santo, para que desça em abundância sobre estas crianças, as consagre à imagem de Jesus Cristo e as acompanhe sempre ao longo do caminho da sua vida. Confiemo-las à guia materna de Maria Santíssima, para que cresçam em idade, sabedoria e graça, tornando-se cristãos verdadeiros, testemunhas fiéis e jubilosas do amor de Deus. Amém!

Papa Bento XVI
Ângelus
Domingo, 08 de janeiro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,
Celebramos hoje a Festa do Batismo do Senhor. Esta manhã conferi o Sacramento do Batismo a dezesseis crianças, e por isso gostaria de propor uma breve reflexão acerca do nosso ser filhos de Deus. Antes de tudo consideremos nosso ser simplesmente “filhos”: esta é a condição fundamental que todos temos em comum. Nem todos somos pais, mas todos certamente somos filhos. Vir ao mundo nunca é uma escolha, não nos é perguntado se queremos nascer. Mas durante a vida podemos amadurecer uma atitude livre em relação à própria vida: podemos acolhê-la como um dom e, em certo sentido, «tornar-nos» o que já somos: tornar-nos filhos. Esta passagem assinala uma mudança de maturidade no nosso ser e na nossa relação com os nossos pais, que se enche de reconhecimento. É uma passagem que nos torna capazes de ser, por nossa vez, pais - não biologicamente, mas moralmente.

Também em relação a Deus todos somos filhos. Deus está na origem da existência de cada criatura, e é Pai de modo singular de cada ser humano: tem com ele ou ela uma relação única, pessoal. Cada um de nós é querido, é amado por Deus. E também nesta relação com Deus nós podemos, por assim dizer, «renascer», ou seja, tornarmo-nos aquilo que somos. Isto acontece através da fé, através de um «sim» profundo e pessoal a Deus como origem e fundamento da minha existência. Com este «sim» eu aceito a vida como dom do Pai que está no Céu, um Pai que não vejo, mas no qual acredito e que sinto profundamente no coração que é Pai meu e de todos os meus irmãos em humanidade, um Pai imensamente bom e fiel. Sobre o que se baseia esta fé em Deus Pai? Baseia-se em Jesus Cristo: a sua pessoa e a sua história revelam-nos o Pai, fazem com que o conheçamos, na medida do possível neste mundo. Crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, permite «renascer do alto», ou seja, de Deus, que é Amor (cf. Jo 3,3). Diz São João a propósito de Jesus: «A todos os que o receberam... deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1,12). É este o sentido do Sacramento do Batismo: é um novo nascimento, que se realiza graças ao Espírito Santo no seio da Igreja.

Estimados amigos, este domingo do Batismo do Senhor conclui o tempo de Natal. Demos graças a Deus por este grande mistério, que é fonte de regeneração para a Igreja e para o mundo inteiro. Deus fez-se filho do homem, para que o homem se torne filho de Deus. Por isso, renovemos a alegria de ser filhos: como homens e como cristãos. Nascidos do amor de um pai e de uma mãe, e renascidos do amor de Deus, mediante o Batismo. À Virgem Maria, Mãe de Cristo e de todos os que creem n’Ele, pedimos que nos ajude a viver realmente como filhos de Deus, não com palavras, mas com ações. Escreve ainda São João: «O seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, como Ele nos mandou» (1Jo 3,23).


Fonte: Santa Sé (Homilia / Ângelus).

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