Confira a seguir a Catequese proferida pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 04 de janeiro de 2012 sobre o Natal como mistério de alegria e luz, fazendo a ponte com o mistério da Epifania do Senhor:
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 04 de janeiro de 2012
Natal: Mistério de alegria e de luz
Queridos
irmãos e irmãs!
Estou feliz por
vos acolher nesta primeira Audiência Geral do ano novo e de todo o coração
apresento a vós e às vossas famílias os meus votos afetuosos: Deus, que no
nascimento de Cristo seu Filho inundou de alegria o mundo inteiro, disponha
obras e dias na sua paz. Estamos no tempo litúrgico do Natal, que inicia na noite
de 24 de dezembro e se conclui com a celebração do Batismo do Senhor. O arco
dos dias é breve, mas denso de celebrações e mistérios e concentra-se todo em
volta de duas grandes solenidades do Senhor: Natal e Epifania. O próprio nome
destas duas festas indica a sua respectiva fisionomia. O Natal celebra o
acontecimento histórico do nascimento de Jesus em Belém. A Epifania, nascida
como festa no Oriente, indica um fato, mas sobretudo um aspecto do Mistério:
Deus revela-se na natureza humana de Cristo e é este o sentido do verbo grego epiphaino, tornar-se visível. Nesta
perspectiva, a Epifania recorda uma pluralidade de acontecimentos que têm como
objeto a manifestação do Senhor: de modo particular a adoração dos Magos, que
reconhecem em Jesus o Messias esperado, mas também o Batismo no rio Jordão com
a sua teofania - a voz de Deus do alto - e o milagre nas Bodas de Caná, como
primeiro «sinal» realizado por Cristo. Uma lindíssima antífona da Liturgia das
Horas unifica estes três acontecimentos em volta do tema das núpcias entre
Cristo e a Igreja: «Hoje a Igreja se uniu a seu celeste Esposo, porque Cristo
lavou no Jordão o pecado; para as núpcias reais correm Magos com presentes; e
os convivas se alegrem com a água feita vinho» (Solenidade da Epifania do
Senhor, Laudes, Antífona do Cântico
Evangélico). Podemos quase dizer que na festa do Natal se ressalta o
escondimento de Deus na humanidade da condição humana, no Menino de Belém. Ao
contrário, na Epifania evidencia-se o seu manifestar-se, o aparecer de Deus
através desta mesma humanidade.
Detalhe do presépio da Basílica de São Pedro |
Nesta Catequese,
gostaria de recordar brevemente alguns temas próprios da celebração do Natal do
Senhor, para que cada um de nós possa beber na fonte inexaurível deste Mistério
e dar frutos de vida.
Antes de tudo,
perguntemo-nos: qual é a primeira reação face a esta extraordinária ação de
Deus que se faz menino, que se torna homem? Penso que a primeira reação só pode
ser a alegria. «Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo»:
assim começa a Missa da Noite de Natal (Antífona de entrada), e acabamos
de ouvir as palavras do Anjo aos pastores: «Eis que vos anuncio uma grande
alegria» (Lc 2,10). É o tema que abre
o Evangelho, e é o tema que o encerra porque Jesus Ressuscitado reprovará aos
Apóstolos precisamente o fato de estarem tristes (cf. Lc 24,17), incompatível com o fato de
que Ele permanece Homem eternamente. Mas demos um passo em frente: de onde
provém esta alegria? Diria que vem da admiração do coração ao ver como Deus
está próximo de nós, como Deus pensa em nós, como Deus age na história; por
conseguinte, é uma alegria que nasce da contemplação do rosto daquele menino
humilde porque sabemos que é o Rosto de Deus presente para sempre na
humanidade, para nós e conosco. O Natal é alegria porque vemos e finalmente
temos a certeza de que Deus é o bem, a vida, a verdade do homem e se abaixa até
ao homem, para o elevar a Si: Deus torna-se tão próximo que podemos vê-Lo e tocá-Lo.
A Igreja contempla este mistério inefável e os textos da Liturgia deste tempo
estão imbuídos da admiração e da alegria; todos os cânticos de Natal expressam
esta alegria. O Natal é o ponto no qual Céu e terra se unem, e várias
expressões que ouvimos nestes dias ressaltam a grandeza de quanto aconteceu: o
distante - Deus parece muito longe - tornou-se próximo; «o inacessível quis ser
alcançável, Ele que existe antes do tempo começou a estar no tempo, o Senhor do
universo, ocultando a grandeza da sua majestade, assumiu a natureza de servo»,
exclama São Leão Magno (Sermão 2 sobre o
Natal, 2, 1). Naquele Menino, necessitado de tudo como as crianças, aquilo que
Deus é - eternidade, força, santidade, vida e alegria - une-se ao que nós
somos: debilidade, pecado, sofrimento e morte.
A teologia e a
espiritualidade do Natal usam uma expressão para descrever este acontecimento,
falando de admirabile commercium, ou seja,
de um admirável intercâmbio entre a divindade e a humanidade. Santo Atanásio de
Alexandria afirma: «O Filho de Deus fez-se homem para nos fazer Deus» (De Incarnatione, 54, 3: PG 25, 192), mas
é sobretudo com São Leão Magno e com as suas célebres Homilias sobre o Natal
que esta realidade se torna objeto de profunda meditação. Com efeito, afirma o Santo
Pontífice: «Se apelamos à condescendência inefável da divina misericórdia que
induziu o Criador dos homens a fazer-se homem, ela nos elevará à natureza d’Aquele
que adoramos na nossa» (Sermão 8 sobre o
Natal: CCL 138, 139). O primeiro ato deste intercâmbio maravilhoso
realiza-se na própria humanidade de Cristo. O Verbo assumiu a nossa humanidade
e, em contrapartida, a natureza humana foi elevada à dignidade divina. O
segundo ato do intercâmbio consiste na nossa participação real e íntima na
natureza do Verbo. Diz São Paulo: «Quando veio a plenitude do tempo, Deus
enviou o seu Filho, nascido de mulher, sujeito à Lei, para resgatar os que
estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos» (Gl 4,4-5). O Natal é, por conseguinte, a
festa na qual Deus se torna tão próximo do homem que partilha o seu próprio ato
de nascer, para lhe revelar a sua dignidade mais profunda: ser filho de Deus. E
assim o sonho da humanidade, começando no Paraíso - gostaríamos de ser como
Deus - realiza-se de maneira inesperada não pela grandeza do homem que não pode
se fazer Deus, mas pela humanidade de Deus que desce e assim entra em nós na
sua humildade e nos eleva à verdadeira grandeza do seu ser. A este propósito o
Concílio Vaticano II disse: «Na realidade, só no mistério do Verbo encarnado o
mistério do homem encontra verdadeira luz» (Gaudium et spes, 22); ao contrário,
permanece um enigma: o que significa esta criatura, homem? Unicamente vendo que
Deus está conosco podemos ver luz para o nosso ser, sentir-nos felizes por
sermos homens e viver com confiança e alegria. E onde se torna presente de modo
real este intercâmbio maravilhoso, para que aja na nossa vida e faça dela uma
existência de verdadeiros filhos de Deus? Torna-se muito concreta na
Eucaristia. Quando participamos na Santa Missa apresentamos a Deus o que é
nosso: o pão e o vinho, fruto da terra, para que Ele os aceite e transforme
doando-se a Si mesmo a nós e fazendo-se nosso alimento, para que recebendo o
seu Corpo e o seu Sangue participemos da sua vida divina.
Por fim,
gostaria de falar de outro aspecto do Natal. Quando o Anjo do Senhor se
apresenta aos pastores na noite do Nascimento de Jesus, o Evangelista Lucas
anota que «a glória do Senhor os envolveu em luz» (Lc 2,9); e o Prólogo
do Evangelho de João fala do Verbo que se fez carne como da luz
verdadeira que vem ao mundo, a luz capaz de iluminar todos os homens (cf. Jo 1,9). A Liturgia de Natal está
imbuída de luz. A vinda de Cristo dissipa as trevas do mundo, enche a Noite Santa
de um brilho celeste e difunde sobre o rosto dos homens o esplendor de Deus
Pai. Também hoje. Envolvidos pela luz de Cristo, somos convidados com
insistência pela Liturgia de Natal a deixar-nos iluminar a mente e o coração
pelo Deus que mostrou o esplendor do seu Rosto. O Prefácio I do Natal
proclama: «No mistério da Encarnação de vosso Filho, nova luz da vossa glória
brilhou para nós. E, reconhecendo a Jesus como Deus visível a nossos olhos,
aprendemos a amar n’Ele a divindade que não vemos». Deus, no mistério da
Encarnação, depois de ter falado e agido na história mediante mensageiros e com
sinais, «apareceu», saiu da sua luz inacessível para iluminar o mundo.
Na Solenidade da
Epifania, que celebraremos daqui a poucos dias (06 de janeiro), a Igreja propõe
um texto muito significativo do profeta Isaías: «Levanta-te, acende as luzes,
Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis
que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas
sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos
caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora» (Is 60,1-3). É um
convite dirigido à Igreja, mas também a cada um de nós, a tomar consciência
ainda mais viva da missão e da responsabilidade em relação ao mundo ao
testemunhar e levar a luz nova do Evangelho. No início da Constituição Lumen gentium
do Concílio Vaticano II encontramos as seguintes palavras: «Sendo Cristo a luz
das nações, este santo Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente
com a luz d’Ele, resplandecer no rosto da Igreja, iluminar todos os homens
anunciando o Evangelho a todas as criaturas» (n. 1). O Evangelho é a luz que
não se deve esconder, que se deve pôr no candeeiro. A Igreja não é a luz, mas
recebe a luz de Cristo, acolhe-a para ser por ela iluminada e para a difundir
em todo o seu esplendor. E isto deve acontecer também na nossa vida pessoal.
Mais uma vez cito São Leão Magno, que disse na Noite Santa: «Reconhece,
cristão, a tua dignidade e, tornando-se participante da natureza divina, não
pretendas voltar a cair na condição desprezível de outrora com um comportamento
indigno. Recorda-te de quem é a tua Cabeça e de qual Corpo és membro. Recorda-te
de que, arrancado ao poder das trevas, foste transferido para a luz e para o
Reino de Deus» (Sermão I sobre o Natal,
3, 2: CCL 138, 88).
Amados irmãos e
irmãs, o Natal é deter-se para contemplar aquele Menino, o Mistério de Deus que
se faz homem na humildade e na pobreza, mas é sobretudo acolher de novo em nós mesmos
aquele Menino, que é Cristo Senhor, para viver da sua mesma vida, para fazer
com que os seus sentimentos, os seus pensamentos e as suas ações sejam os
nossos sentimentos, os nossos pensamentos e as nossas ações. Celebrar o Natal
é, por conseguinte, manifestar a alegria, a novidade, a luz que este Nascimento
trouxe a toda a nossa existência, para sermos também nós portadores da alegria,
da verdadeira novidade, da luz de Deus aos outros. Faço de novo a todos os bons
votos de um tempo natalício abençoado pela presença de Deus!
Presépio da Basílica de São Pedro no Vaticano |
Fonte: Santa Sé.
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