Nesta Solenidade da Epifania do Senhor, reproduzimos as duas meditações proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) no dia 06 de janeiro de 2012: a Homilia na Missa com a Ordenação Episcopal de dois Núncios Apostólicos e a meditação durante a oração do Ângelus [1].
Solenidade da Epifania do Senhor
Santa Missa com Ordenações Episcopais
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Sexta-feira, 06 de janeiro de 2012
Queridos irmãos e irmãs,
A Epifania é uma
festa da luz. «Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz,
apareceu sobre ti a glória do Senhor» (Is 60,1). Com estas palavras do
profeta Isaías, a Igreja descreve o conteúdo da festa. Sim, veio ao mundo
Aquele que é a Luz verdadeira, Aquele que faz com que os homens sejam luz.
Dá-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf. Jo 1,9.12). Para a Liturgia,
o caminho dos Magos do Oriente é só o início de uma grande procissão que
continua ao longo de toda a história. Com estes homens tem início a
peregrinação da humanidade rumo a Jesus Cristo: rumo Àquele Deus que nasceu em um
estábulo, que morreu na cruz e, Ressuscitado, permanece conosco todos os dias
até ao fim do mundo (cf. Mt 28,20). A Igreja lê a narração do Evangelho
de Mateus juntamente com a visão do profeta Isaías, que escutamos na 1ª Leitura:
o caminho destes homens é só o início. Antes, tinham vindo os pastores - almas
simples que habitavam mais perto de Deus feito menino, podendo mais facilmente
«ir até lá» (cf. Lc 2,15) ter com Ele e reconhecê-Lo como Senhor. Mas
agora vêm também os sábios deste mundo. Vêm grandes e pequenos, reis e servos,
homens de todas as culturas e de todos os povos. Os homens do Oriente são os
primeiros, seguidos de muitos outros ao longo dos séculos. Depois da grande
visão de Isaías, a Leitura tirada da Carta aos Efésios exprime, de modo
sóbrio e simples, a mesma ideia: os gentios partilham da mesma herança (cf.
Ef 3,6). Eis como o formulara o Salmo 2: «Eu te darei as nações por
herança, e os confins da terra para teu domínio» (v. 8).
Os Magos do
Oriente vão à frente. Inauguram o caminho dos povos para Cristo. Durante esta
Missa, vou conferir a Ordenação Episcopal a dois sacerdotes, consagrando-os Pastores
do povo de Deus. Segundo palavras de Jesus, caminhar à frente do rebanho faz
parte da função do Pastor (cf. Jo 10,4). Por isso naqueles personagens,
que foram os primeiros pagãos a encontrar o caminho para Cristo, talvez
possamos - não obstante todas as diferenças nas respectivas vocações e tarefas -
procurar indicações para a missão dos Bispos. Que tipo de homens eram os Magos?
Os peritos dizem-nos que pertenciam à grande tradição astronômica que se fora
desenvolvendo na Mesopotâmia no decorrer dos séculos, e era então florescente.
Mas esta informação, por si só, não é suficiente. Provavelmente haveria muitos
astrônomos na antiga Babilônia, mas poucos, apenas estes Magos, se puseram a
caminho e seguiram a estrela que tinham reconhecido como sendo a estrela da
promessa, ou seja, a que indicava o caminho para o verdadeiro Rei e Salvador.
Podemos dizer que eram homens de ciência, mas não apenas no sentido de quererem
saber muitas coisas; eles queriam algo mais. Queriam entender o que é que conta
no fato de sermos homens. Provavelmente ouviram falar da profecia de Balaão, um
profeta pagão: «Uma estrela sai de Jacó, e um cetro se levanta de Israel» (Nm
24,17). Eles aprofundaram esta promessa. Eram pessoas de coração inquieto, que
não se satisfaziam com aparências ou com a rotina da vida. Eram homens à
procura da promessa, à procura de Deus. Eram homens vigilantes, capazes de
discernir os sinais de Deus, a sua linguagem sutil e insistente. Mas eram
também homens corajosos e, ao mesmo tempo, humildes: podemos imaginar as
zombarias que tiveram de suportar quando se puseram a caminho para ir ter com o
Rei dos Judeus, enfrentando cansaços sem número. Mas, não consideravam decisivo
o que se pensava ou dizia deles, mesmo pelas pessoas influentes e inteligentes.
Para eles o que contava era a própria verdade, não a opinião dos homens. Por
isso, enfrentaram as privações e o cansaço de um caminho longo e incerto. Foi a
sua coragem humilde que lhes permitiu prostrar-se diante de um menino, filho de
gente pobre, e reconhecer n’Ele o Rei prometido, cuja busca e reconhecimento
fora o objetivo do seu caminho exterior e interior.
Queridos amigos,
em tudo isto é possível ver alguns traços essenciais do ministério episcopal.
Também o Bispo deve ser um homem de coração inquieto, que não se satisfaz com
as coisas rotineiras deste mundo, mas segue a inquietação do coração que o
impele interiormente a aproximar-se sempre mais de Deus, a procurar o seu
Rosto, a conhecê-Lo cada vez melhor, para poder amá-Lo sempre mais. Também o
Bispo deve ser um homem de coração vigilante que percebe a linguagem sutil de
Deus e sabe discernir a verdade da aparência. Também o Bispo deve estar repleto
da coragem da humildade, que não se interessa do que a opinião dominante diz
dele, mas toma por critério a medida da verdade de Deus, comprometendo-se com
ela «oportuna e inoportunamente» (cf. 2Tm 4,2). Deve ser
capaz de ir à frente indicando o caminho. Deve ir à frente seguindo Aquele que precedeu
a todos nós, porque é o verdadeiro Pastor, a verdadeira estrela da promessa:
Jesus Cristo. E deve ter a humildade de prostrar-se diante d’Aquele Deus que Se
tornou tão concreto e tão simples que contradiz o nosso orgulho insensato, que
não quer ver Deus assim perto e pequenino. Deve viver a adoração do Filho de
Deus feito homem, aquela adoração que lhe indica sem cessar o caminho.
A Liturgia da Ordenação Episcopal exprime o essencial deste ministério em oito
perguntas dirigidas aos ordenandos, que começam sempre com a palavra: «Vultis?»,
«Quereis?». As perguntas orientam a vontade e indicam-lhe o caminho a tomar.
Gostaria de mencionar aqui, brevemente, algumas das palavras-chave desta
orientação, nas quais se concretiza aquilo que há pouco refletimos a partir dos
Magos que aparecem na festa de hoje. A missão dos Bispos é «praedicare
Evangelium Christi», «custodire», «dirigere», «pauperibus
se misericordes praebere», «indesinenter orare». O anúncio do
Evangelho de Jesus Cristo, guardar o depósito sagrado da nossa fé, ir à frente
e guiar, a misericórdia e a caridade para com os necessitados e os pobres nas
quais se reflete o amor misericordioso de Deus para conosco e, finalmente, a
oração contínua, são características fundamentais do ministério episcopal. A
oração contínua significa nunca perder o contato com Deus, deixar-se tocar
sempre por Ele no íntimo do nosso coração e deste modo sermos permeados pela
sua luz. Só quem conhece a Deus pessoalmente é que pode guiar os outros para
Deus. E só quem guia os homens para Deus é que os guia pela estrada da vida.
O coração
inquieto, de que falamos inspirando-nos em Santo Agostinho, é o coração que, em
última análise, não se satisfaz com nada menos do que Deus e é, precisamente assim,
que se torna um coração que ama. O nosso coração vive inquieto por Deus, e não
pode ser de outro modo, embora hoje se procure, com «narcóticos» muito
eficazes, libertar o homem desta inquietação. Mas não somos só nós, seres
humanos, que vivemos inquietos em relação a Deus. Também o coração de Deus vive
inquieto em relação ao homem. Deus espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele
não descansa enquanto não nos tiver encontrado. O coração de Deus vive
inquieto, e foi por isso que se pôs a caminho até junto de nós - até Belém, até
ao Calvário, de Jerusalém até à Galileia e aos confins do mundo. Deus vive
inquieto conosco, anda à procura de pessoas que se deixem contagiar por esta
sua inquietação, pela sua paixão por nós; pessoas que vivem a busca que habita
no seu coração e, ao mesmo tempo, se deixam tocar no coração pela busca de Deus
a nosso respeito. Queridos amigos, foi esta a missão dos Apóstolos: acolher a
inquietação de Deus pelo homem e levar o próprio Deus aos homens. E, seguindo
os passos dos Apóstolos, esta é a vossa missão: deixai-vos tocar pela
inquietação de Deus, a fim de que o anseio de Deus pelo homem possa ser
satisfeito.
Os Magos
seguiram a estrela. Através da linguagem da criação, encontraram o Deus da
história. É certo que a linguagem da criação, por si só, não é suficiente.
Apenas a Palavra de Deus, que encontramos na Sagrada Escritura, podia
indicar-lhes definitivamente o caminho. Criação e Escritura, razão e fé devem
dar-se as mãos para nos conduzirem ao Deus vivo. Muito se discutiu sobre o tipo
de estrela que guiou os Magos. Pensa-se em uma conjunção de planetas, em uma supernova
- ou seja, uma daquelas estrelas inicialmente muito débeis que, na sequência de
uma explosão interna, irradia por algum tempo um imenso esplendor -, em um
cometa, etc. Deixemos que os cientistas continuem esta discussão. A grande
estrela, a verdadeira supernova que nos guia é o próprio Cristo. Ele é, por
assim dizer, a explosão do amor de Deus, que faz brilhar sobre o mundo o grande
fulgor do seu coração. E podemos acrescentar: tanto os Magos do Oriente,
mencionados no Evangelho de hoje, como os Santos em geral, pouco a pouco
tornaram-se eles mesmos constelações de Deus, que nos indicam o caminho. Em
todas estas pessoas, o contato com a Palavra de Deus provocou, por assim dizer,
uma explosão de luz, através da qual o esplendor de Deus ilumina este nosso
mundo e nos indica o caminho. Os Santos são estrelas de Deus, pelas quais nos
deixamos guiar para Aquele por quem o nosso ser anseia. Queridos amigos, vós
seguistes a estrela que é Jesus Cristo, quando dissestes o vosso «sim» ao
sacerdócio e ao ministério episcopal. E certamente brilharam para vós também
estrelas menores, que vos ajudaram a não errar o caminho. Na Ladainha dos Santos
invocamos todas estas estrelas de Deus, a fim de que brilhem sempre de novo
para vós e vos indiquem o caminho. Com a Ordenação Episcopal, vós mesmos sois
chamados a ser estrelas de Deus para os homens, guiando-os pelo caminho que
leva à verdadeira Luz: Cristo. Invoquemos, pois, agora todos os Santos, para
que possais corresponder sempre a esta vossa missão mostrando aos homens a luz
de Deus. Amém.
Papa Bento XVI
Ângelus
Sexta-feira, 06 de janeiro de 2012
Prezados irmãos e irmãs,
Hoje, Solenidade
da Epifania do Senhor, ordenei na Basílica de São Pedro dois novos Bispos, e
assim perdoai-me o atraso. Esta Solenidade da Epifania é uma festa muito
antiga, que tem a sua origem no Oriente cristão e põe em evidência o mistério
da manifestação de Jesus Cristo a todos os povos, representados pelos Magos que
vieram adorar o Rei dos judeus, recém-nascido em Belém, como narra o Evangelho
de Mateus (cf. Mt 2,1-12). Aquela «luz nova» que se acendeu na noite
de Natal (cf. Prefácio do Natal I),
hoje começa a resplandecer no mundo, como sugere a imagem da estrela, um sinal
celeste que chamou a atenção dos Magos e que os orientou na sua viagem rumo à
Judeia.
Todo o período
do Natal e da Epifania é caracterizado pelo tema da luz, ligado também ao fato
de que, no hemisfério norte, depois do solstício de inverno, o dia recomeça a
aumentar em relação à noite. Mas, para além da sua posição geográfica, para
todos os povos vale a palavra de Cristo: «Eu sou a luz do mundo; quem me segue,
não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8,12). Jesus é o sol que apareceu no horizonte da humanidade
para iluminar a existência pessoal de cada um de nós e para nos orientar todos
juntos rumo à meta da nossa peregrinação, rumo à terra da liberdade e da paz,
onde viveremos para sempre em plena comunhão com Deus e entre nós.
O anúncio deste
mistério de salvação foi confiado por Cristo à sua Igreja. «Ele - escreve São
Paulo - foi revelado agora, pelo Espírito, aos seus santos Apóstolos e Profetas:
os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são
associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.» (Ef 3,5-6). O convite que o Profeta
Isaías dirigia à cidade santa de Jerusalém pode ser aplicado à Igreja: «Levanta-te,
acende as luzes, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor.
Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas
sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti» (Is 60, 1-2). É assim, como diz o
Profeta: o mundo, com todos os seus recursos, não é capaz de dar à humanidade a
luz para orientar o seu caminho. Vemos isto também nos nossos dias: a civilização
ocidental parece ter perdido a orientação, navega à vista. Mas a Igreja, graças
à Palavra de Deus, vê através dessas trevas. Não possui soluções técnicas, mas
mantém o olhar dirigido para a meta, e oferece a luz do Evangelho a todos os
homens de boa vontade, de qualquer nação e cultura.
Esta é também a
missão dos Representantes pontifícios junto dos Estados e Organizações internacionais.
Precisamente hoje de manhã, como já disse, tive a alegria de conferir a
Ordenação Episcopal a dois novos Núncios Apostólicos. Confiemos à Virgem Maria
o seu serviço e a obra evangelizadora de toda a Igreja.
[1] Os dois sacerdotes que receberam a Ordenação Episcopal foram: Dom Charles John Brown, nomeado Núncio Apostólico na Irlanda, que desde 2020 é Núncio Apostólico nas Filipinas; e Dom Marek Solczyński, nomeado Núncio Apostólico na Geórgia e Armênia, que desde 2022 é Núncio Apostólico na Turquia, Azerbaijão e Turcomenistão.
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