Nesta Solenidade de Pentecostes do Ano Jubilar de 2025 recordamos a homilia proferida pelo Papa São João Paulo II (†2005) há 25 anos, na Vigília de Pentecostes do Grande Jubileu do Ano 2000 [1].
Vigília de Pentecostes
Homilia do Papa João Paulo II
Praça de São Pedro
Sábado, 10 de junho de 2000
1. “Quando vier o Defensor que Eu vos mandarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de mim” (Jo 15,26).
Estas são as palavras que o evangelista
João recolheu dos lábios de Cristo no Cenáculo, durante a Última Ceia, na vésperas
da Paixão. Hoje elas ressoam para nós com singular intensidade, no Pentecostes
deste Ano Jubilar, do qual revelam o conteúdo mais profundo.
Para captar essa mensagem essencial é preciso permanecer, como os discípulos, no Cenáculo. Por isso a Igreja, graças também a uma oportuna seleção dos textos litúrgicos, durante o Tempo da Páscoa permaneceu no Cenáculo. E nesta tarde a Praça de São Pedro transformou-se em um grande Cenáculo, no qual a nossa comunidade se encontra reunida para invocar e acolher o dom do Espírito Santo.
A 1ª leitura, tirada do Livro dos
Atos dos Apóstolos, recordou-nos o que aconteceu cinquenta dias depois da
Páscoa, em Jerusalém. Antes de subir ao Céu, Cristo confiou aos Apóstolos uma
grande tarefa: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o
que vos ordenei” (Mt 28,19-20). Ele prometeu também que, depois da
sua partida, eles receberiam “outro Defensor”, que lhes ensinaria todas as
coisas (cf. Jo 14,16.26).
Esta promessa se cumpriu precisamente no dia do Pentecostes: descendo sobre os Apóstolos, o Espírito lhes deu a luz e a força necessárias para ensinar às nações, anunciando a todos o Evangelho de Cristo. Desta forma, a Igreja nasceu e vive na fecunda tensão entre o Cenáculo e o mundo, entre a oração e o anúncio.
2. Quando prometeu o Espírito Santo, o
Senhor Jesus falou d’Ele como “Defensor”, “Paráclito”, que Ele mandaria da parte do Pai (cf. Jo 15,26).
Falou d’Ele como “Espírito da Verdade”,
que conduziria a Igreja rumo à plena verdade (cf. Jo 16,13).
E especificou que o Espírito Santo daria testemunho d’Ele (cf. Jo 15,26),
acrescentando em seguida: “E vós também dareis testemunho, porque estais comigo
desde o começo” (v. 27). Agora que no Pentecostes o Espírito desce sobre a
comunidade reunida no Cenáculo, tem início este duplo testemunho:
aquele do Espírito e aquele dos Apóstolos.
O testemunho do Espírito é em si mesmo divino: provém da profundidade do mistério trinitário. O testemunho dos Apóstolos é humano: na luz da Revelação, transmite a sua experiência de vida junto a Jesus. Lançando os fundamentos da Igreja, Cristo atribui grande importância ao testemunho humano dos Apóstolos. Ele quer que a Igreja viva da verdade histórica da sua Encarnação, para que, por obra das testemunhas, seja sempre viva e atuante nela a memória da sua Morte na Cruz e da sua Ressurreição.
3. “Vós também dareis testemunho de mim” (Jo 15,27).
Animada pelo dom do Espírito, a Igreja sempre sentiu profundamente este
compromisso e proclamou fielmente a mensagem evangélica em cada tempo e sob cada
céu. Fê-lo no respeito à dignidade dos povos, à sua cultura e às suas
tradições. Ela, com efeito, sabe bem que a mensagem divina que lhe foi confiada
não é inimiga das mais profundas aspirações do homem; pelo contrário, ela foi
revelada por Deus para saciar, para além de toda a expectativa, a fome e a sede
do coração humano. Precisamente por isso o Evangelho não deve ser imposto,
mas proposto, porque só se for aceito livremente e abraçado com
amor pode desempenhar a sua eficácia.
Como aconteceu em Jerusalém no primeiro Pentecostes, em cada época as testemunhas de Cristo, repletas do Espírito Santo, sentiram-se impelidas a ir ao encontro dos outros para expressar nas diversas línguas as maravilhas realizadas por Deus. É o que continua acontecendo também na nossa época e o que deseja salientar a hodierna Jornada Jubilar, dedicada à “reflexão sobre os deveres dos católicos em relação aos outros: anúncio de Cristo, testemunho e diálogo”.
A reflexão à qual somos convidados não
pode prescindir de considerar antes de tudo a obra que o Espírito Santo realiza
nos indivíduos e nas comunidades. É o Espírito que espalha as “sementes do
Verbo” nas várias tradições e culturas, dispondo as populações das mais
diversas regiões a acolher o anúncio evangélico. Esta consciência não pode
deixar de suscitar no discípulo de Cristo uma atitude de abertura e de diálogo
em relação a quem possui convicções religiosas diferentes. Com efeito, é preciso
colocar-se à escuta do que o Espírito pode sugerir também aos “outros”. Estes
são capazes de oferecer sugestões úteis para chegar a uma compreensão mais
profunda daquilo que o cristão já possui no “depósito revelado”. Assim, o diálogo poderá abrir-lhe o
caminho para um anúncio que se adeque melhor às condições pessoais do ouvinte.
4. Contudo, o que permanece decisivo para a eficácia do anúncio é o testemunho vivido. Só o fiel que vive aquilo que professa com os lábios tem esperança de ser escutado. Além disso, deve-se ter em conta o fato de que, às vezes, as circunstâncias não consentem o anúncio explícito de Jesus Cristo como Senhor e Salvador de todos. É então que o testemunho de uma vida respeitosa, casta, desapegada das riquezas e livre diante dos poderes deste mundo, em suma, o testemunho da santidade, mesmo que oferecido em silêncio, pode revelar toda a sua força de convicção.
É evidente, ademais, que a firmeza em ser testemunhas de Cristo com a força do Espírito Santo não impede colaborar no serviço ao homem com os membros das outras religiões. Ao contrário, impele-nos a trabalhar junto com eles para o bem da sociedade e a paz no mundo.
Na aurora do terceiro milênio, os
discípulos de Cristo estão plenamente conscientes de que este mundo se
apresenta como “um mapa de várias religiões” (Encíclica Redemptor hominis,
n. 11). Se os filhos da Igreja souberem permanecer abertos à ação do Espírito
Santo, Ele os ajudará a comunicar, de maneira respeitosa em relação às
convicções religiosas dos outros, a única e universal mensagem
salvífica de Cristo.
5. “Ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o começo” (Jo 15,26-27). Estas palavras contêm toda a lógica da Revelação e da fé pela qual a Igreja vive: o testemunho do Espírito Santo, que brota do profundo do mistério trinitário de Deus, e o testemunho humano dos Apóstolos, ligado à sua experiência histórica de Cristo. Ambos são necessários. Ademais, se considerarmos bem, trata-se de um único testemunho: é o Espírito que continua a falar aos homens de hoje com a língua e com a vida dos atuais discípulos de Cristo.
No dia em que celebramos o memorial do
nascimento da Igreja, queremos expressar a comovida gratidão a Deus por
este duplo e, em última análise, único testemunho
que abrange a grande família da Igreja desde o dia do Pentecostes. Queremos
agradecer pelo testemunho da primeira comunidade de Jerusalém que, através das
gerações dos mártires e dos confessores, tornou-se ao longo dos séculos a
herança de inumeráveis homens e mulheres em todo o orbe terrestre.
Encorajada pela memória do primeiro Pentecostes, a Igreja reaviva hoje a expectativa de uma renovada efusão do Espírito Santo. Assídua e concorde na oração com Maria, a Mãe de Jesus, ela não cessa de invocar: “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e renovai a face da terra!” (cf. Sl 103,30).
Veni, Sancte Spiritus: Vinde, Santo Espírito, acendei nos corações dos vossos fiéis o fogo do vosso amor! Sancte Spiritus, veni!
Fonte: Santa Sé (com pequenas correções do autor deste blog).
[1] Embora a Missa tenha sido celebrada na tarde do sábado, quando deveriam ter sido utilizados os textos da Vigília de Pentecostes, a homilia do Papa dá a entender que foram proferidas as leituras da Missa do Dia.
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